quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Pesquisa e Seleção Spike Lee


Assistimos, aqui em casa, ao filme Infiltrado na Klan (2018), de Spike Lee. Me ocorreram vários insights sobre o conjunto do trabalho de Lee, que é, sem sombra de dúvida, o maior diretor do cinema negro norte-americano da atualidade. Papo vai, papo vem, organizamos uma pequena seleção dos melhores filmes do diretor.

Faça a coisa certa (1989) Sal (Danny Aiello), um ítalo-americano, é dono de uma pizzaria em Bedford-Stuyvesant, Brooklyn. Com predominância de negros e latinos, é uma das áreas mais pobres de Nova York. Ele é um cara boa praça, que comanda a pizzaria juntamente com Vito (Richard Edson) e Pino (John Turturro), seus filhos, além de ser ajudado por Mookie (Spike Lee). Sal decora seu estabelecimento com fotografias de ídolos ítalo-americanos dos esportes e do cinema, o que desagrada sua freguesia. No dia mais quente do ano, Buggin’ Out (Giancarlo Esposito), o ativista local, vai até lá para comer uma fatia de pizza e reclama por não existirem negros na “Parede da Fama”. Este incidente trivial é o ponto de partida para um efeito dominó, que não terminará bem.

Malcolm X (1992) Biografia do famoso líder afro-americano Malcolm X, desde de sua infância, onde teve o pai, um pastor protestante, assassinado pela Klu Klux Klan e sua mãe internada por uma alegada insanidade. Ele foi um malandro de rua, traficante e assaltante, sendo preso por isso, e quando esteve preso descobriu o islamismo, se convertendo e se encontrando. Malcolm faz sua conversão religiosa como um discípulo messiânico de Elijah Mohammed. Ele se torna um fervoroso orador e defensor do movimento e se casa com Betty Shabazz. Malcolm X ora uma doutrina de ódio contra o homem branco até que, anos mais tarde, quando fez uma peregrinação à Meca, na Arábia Saudita, abranda suas convicções e percebe que o ódio deve ser dirigido aos racistas e fascistas. Foi nesta época que se reencontrou em sua fé no islamismo e se tornou um muçulmano sunita, ou moderado, mudando o nome para El-Hajj Malik Al-Shabazz, criando um movimento de pacificação entre as raças e se tornando um dos mais importantes líderes negros da história, mas o esforço de quebrar o rígido dogma da Nação do Islã teve trágicos resultados. Repleta de conflitos e reviravoltas, a história destaca o clima de paixão e ódio gerado pelas posições de Malcolm X nas décadas de 1950 e 1960, uma verdadeira aula sobre intolerância, preconceito, fé cega em seitas e/ou pessoas e fé religiosa.

A hora do Show (2000) Pierre Delacroix (Damon Wayans) é um escritor de séries de TV que não aguenta mais a tirania de seu chefe. Sendo o único empregado negro da companhia, Delacroix resolve propôr a idéia mais absurda que conseguira imaginar, um programa de TV estrelado por dois mendigos negros que denunciariam o estereótipo e o preconceito do negro na televisão americana, exatamente no intuito de ser demitido. Mas a surpresa é que o programa em questão não apenas se torna realidade como passa a ser um grande sucesso entre o público estadunidense.

Veja a biografia e a filmografia completa de Spike Lee AQUI.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Robin Hood



O MITO DO BOM LADRÃO

Marcelo Bolshaw Gomes[1]


Resumo: Este breve texto descreve a narrativa de Robin Hood, sua origem, desenvolvimento, sua suposta historicidade e faz um levantamento de suas principais versões. Ao final, discute o filme Robin Hood – a origem (2018) e sua combinação interpretativa das narrativas anteriores.

1.      História da estória
A história de Robin Hood não é uma narrativa qualquer. Ela é a primeira (e uma das únicas) em que o protagonista é um herói social da luta entre as classes, “alguém que rouba dos ricos para dar para os pobres”. Ela é uma referência para todos as narrativas semelhantes, sejam narrativas ficcionais ou mesmo narrativas biográficas revolucionárias reais, que se encantaram com as estórias do rei dos ladrões. Na Inglaterra, é um herói cívico.
A narrativa de Robin Hood remonta a literatura oral cantada em baladas (um tipo de poema lírico) na Inglaterra do século XIV. Ele era considerado um personagem histórico, um fora da lei. Seu inimigo frequente era o xerife de Nottingham. Sua história era então muito apreciada pelos contadores de histórias lendárias e trovadores, ao lado de outras temas como rei Arthur. As baladas sobre Robin Hood são a expressão poética das aspirações populares durante um período histórico de injustiças e rebeliões. O herói bandido — perseguido pela justiça, caçando livremente na floresta, roubando dos ricos para dar aos pobres e desafiando ao poder — encantava o povo.
Das baladas dos menestréis aos poemas em trovas e destes ao teatro popular, a narrativa do bom ladrão foi sendo recontada como um mito, meio lenda, meio histórico. Ao longo do século XVI, no entanto, a história ganhou duas versões distintas: uma em que Robin Hood torna-se um nobre decadente (Robert Locksley); e outra em que ele é um homem do povo, injustamente acusado de roubo pelo poderosos.
A versão popular foi sistematizada por Howard Pyle (texto, ilustração, seleção de baladas) e introduz os companheiros de Robin (Frei Tuck, Will Scarlet, Allan Dale, Little João) em historietas em que os personagens se conhecem e, após uma disputa, se tornam amigos.
Nessa versão, Robin Hood era um rapaz que, quando se dirigia para um concurso de arco-e-flecha na cidade de Nottingham, meteu-se em uma confusão com guardas, e acabou matando um deles, tornando-se um criminoso. O livro conta em oito partes como Robin Hood reuniu um bando de homens alegres, que só roubavam de nobres arrogantes e clérigos abastados.
Na versão aristocrática, o herói passa a representar uma parte da nobreza que fazia oposição ao rei déspota e não mais um homem do povo.
Nessa versão, Robin Hood é Robert Locksley, nobre que, após servir ao lado do Rei Ricardo Coração de Leão nas cruzadas, retorna para casa e encontra seu feudo devastado pela tirania do regente, João Sem-terra. Aproveitando seu conhecimento de guerreiro, Robert une um grupo de bandidos e inicia um combate à nobreza, roubando dos ricos para dar aos pobres.
Também nessa versão surge a personagem feminina de Lady Marian, dando um caráter mais romântico à narrativa. No fim da história, Robin vence o príncipe João e casa-se com Marian, sobrinha de Rei Ricardo Coração de Leão – que reaparece após sua derrota em terras estrangeiras e nomeia Robin Hood cavaleiro, tornando-o nobre novamente. A estória, no entanto, foi e ainda é bastante misógina, com a mulher reduzida à refém dos vilões e prêmio do herói – apesar de algumas versões mais recentes tentarem inserir uma Marian mais participativa.
Segundo Green (1990, p. 10), apenas no final do século XVIII, depois de as baladas, romances e peças antigas serem coligidas e reimpressas por Joseph Ritson, “que Robin dos Bosques entrou realmente na literatura”. Foi Ritson que forneceu material para Walter Scott escrever Ivanhoé (o primeiro livro do romantismo histórico como movimento literário, em 1820, nele, o Robin Hood da versão popular desempenha um papel secundário); e a Alexandre Dumas escrever seus dois romances sobre o herói social/bandido: Le prince des voleurs (1872) e Robin Hood le proscrit (1873).
Como é um personagem de domínio público com uma reputação estabelecida, Robin Hood se tornou um personagem atraente para o cinema[2], a televisão[3] e as histórias em quadrinhos[4].
2.      Estórias históricas da atualidade
No cinema, assim como na estória oral, as narrativas atuais sempre assimilam e reinterpretam as narrativas anteriores de uma mesma história. A cada nova versão, alguns elementos são excluídos e outros vão sendo colocados em primeiro plano.
Mas, o filme Robin Hood – a origem (2018), de Otto Bathurst (que dirigiu a série Black Mirror), parece mais uma colagem do que uma atualização dos diferentes filmes que o antecederam: Robin Hood, o príncipe dos ladrões (1991), com Kevin Costner; e Robin Hood (2010), dirigido por Ridley Scott e com Russell Crowe. O novo filme mistura elementos narrativos desses filmes recentes com os livros de Alexandre Dumas (Robin Hood, o Príncipe dos Ladrões e Robin Hood, o Proscrito) e com os filmes mais antigos, como As Aventuras de Robin Hood (1938), com Errol Flynn. Little John (Jamie Foxx) se torna um mouro, que lorde Locksley (Taron Egerton) conheceu nas cruzadas; Will Scarlet se torna um nobre e um inimigo; e assim por diante. Essa reinterpretação dos personagens dá uma originalidade ao roteiro, mas os diálogos são cheios de lugares comuns, vazios, apesar dos esforços do elenco para dar-lhes algum sentido.
Aliás, o grande mérito do filme é o desempenho do seu elenco. A fotografia é sombria. A direção de arte é desleixada, com um figurino improvável e trechos de sonoplastia incompatíveis com o período retratado. Há até uma passeata com coquetéis molotov na idade média.
A falta de realismo histórico é compensada com muito computação gráfica e com cenas de lutas e perseguições. Mas, não há, nessa versão, aquele Robin todo de verde que não teme nada e vive livre e feliz na floresta, rodeado de amigos que se ajudam a cada nova ameaça. E sim um Robin sinistro, que conspira contra o poder fazendo-se passar de bajulador até ser desmascarado.
Tabela 1 – Estruturas narrativas dos três filmes
Filmes
Forma de expressão
Forma do Substância
Expressão do Conteúdo
Substância de conteúdo
1991
Audiovisual inspirada no texto de Alexandre Dumas
Aventura histórica, magia e romance
A burguesia substitui a nobreza como classe dominante.
Sonho ou simbólico,
Universais do imaginário
2010
Perspectiva histórica
2018
‘Gameficação’ da narrativa
A luta política de classes é eterna.
Fonte: Elaborada pelo autor com base no modelo da semiótica narrativa de Greimas.
Enquanto os filmes de 1991 e 2010 enfatizam mais o contexto histórico e social da narrativa, tentando dar um tom realista à estória; o filme mais recente aposta na estética de ‘game’ e em um elenco de qualidade. Por outro lado, enquanto os filmes mais antigos subscrevem o ideia do herói burguês, assimilado pela coroa e pela nobreza, o mais recente vê em Robin Hood um eterno rebelde, destinado a lutar contra o poder para sempre, há uma naturalização da luta de classes.
De modo que os três filmes, ao nível da substância de conteúdo, abrem mão da origem popular do herói bandido – colocando-o como um nobre conspirador[5].
3.      Estória ou história
Mesmo com a perda dos valores sociais originais e as mudanças nos enredos da estória, a narrativa continuou (e ainda continua) sendo considerada verdadeira do ponto de vista histórico por muitos, embora não exista nenhuma prova de sua existência. Na edição brasileira do texto de Dumas (2014), o tradutor Jorge Bastos afirma que o próprio autor dos romances ficcionais acreditava na existência histórica do personagem. A trama de Robin Hood acontece entre 1160 a 1220, quando a Inglaterra vivia sob o reinado da dinastia Plantageneta, durante as cruzadas.[6]
Os reis Ricardo Coração de Leão e João sem-terra realmente existiram. Foi em decorrência de seus reinados que se criaram a Carta Magna e a Câmara dos Lordes, primeira constituição e primeiro parlamento modernos. Os nobre, assustados com a centralização do estado absolutista, com a constituição de um exército regular da coroa e com os altos imposto cobrados pelo rei João, decidiu estabelecer limites orçamentários e políticos para tomada de decisões compartilhadas. Este período também se caracteriza pela fome e pela miséria dos mais pobres; e por revoltas populares e rebeliões nas principais cidades inglesas. Na Inglaterra não houve uma ‘revolução burguesa’ como na França – em que a burguesia ‘roubava’ dos nobres e do clero atrás de serviços e comércio e ‘dava’ empregos e migalhas para os trabalhadores. O mito de Robin Hood encarna o papel da burguesia ascendente como classe social, a passagem do absolutismo feudal para monarquia parlamentar e assimilação dos novos ricos às classes dominantes.
O condado de Nottingham (e uma cidade com o mesmo nome) e a Floresta de Sherwood também existiram e existem até hoje. Por lá também todo mundo acredita na história de Robin Hood. Existem lugares e eventos turísticos em torno da narrativa. Além das estátuas e ruas batizadas com o seu nome, há o festival anual que lhe é dedicado, com parque temático medieval e encenações de torneios de cavaleiros. Há também na Floresta de Sherwood, uma árvore em redor da qual o bando de Robin se reunia em conselho. Há ainda um memorial no Castelo de Nottingham e até um túmulo no convento de Kirklees, hoje em ruínas, em que se pode ler: "Aqui jaz Robert Hude".
É importante destacar que Robin Hood foi o primeiro herói a ter uma dupla identidade, como os atuais super-heróis. ‘Hood’ significa capuz e ele sempre foi, desde tempos remotos, representado como um arqueiro encapuçado. Houve muitas tentativas de historiadores em provar que Robin Hood de fato existiu, mas as baladas cantadas pelos menestréis são a única evidência disponível da possível existência do personagem. Nenhuma das tentativas de identificar o herói com alguma figura histórica foi bem-sucedida. De acordo com a investigação de Joseph Hunter, em 1852, Robin era Robert Hood e tornou-se fugitivo por ter ajudado o Conde de Lancaster, que se rebelara contra a cobrança abusiva de impostos do Príncipe João. Em 1998, Tony Molyneux-Smith publicou um livro em que sustenta que Sir Robert Foliot, conde de Huntington, que usava o nome de "Robin Hood" para esconder a sua verdadeira identidade e insuflar uma rebelião contra a coroa.
As referências históricas que sustentam as várias teorias da sua existência prendem-se, aliás, na maior parte dos casos, em registos de comparecimento em tribunais. Por Robin ter existido como "Robin Hood", por a lenda ser já contada ou por simples coincidência, parece ter havido antes de 1300, na mesma região, pelo menos cinco homens acusados de atividade criminal conhecidos pela alcunha de "Robin hood"[7].
E assim, personagens históricos encarnando lendas, inspiradas em personagens reais ... e a vida imita a arte que imita a vida.

Bibliografia
ACCIOLY LOBATO, Maria Nazareth Correa. As aventuras de Robin Hood: Lenda, Cinema e História. Brathair 10 (2) 2010: 51-66. ISSN 1519-9053 <https://www.academia.edu/34090118/As_Aventuras_de_Robin_Hood_lenda_cinema_e_Hist%C3%B3ria._In_Brathair_v._10_2_p._51-66_2010> 
DUMAS, Alexandre. As Aventuras de Robin Hood - Coleção Clássicos Zahar, 2014.
GREEN, Roger Lancelyn. As Aventuras de Robin dos Bosques. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1990.
PEREIRA, Fernando. Robin Hood – a lenda na cultura medieval. Texto acessível em: <https://www.academia.edu/25722734/Robin_Hood_A_Lenda_na_Cultura_Medieval>


[1] Professor do Programa de Pós Graduação em Estudos da Mídia da UFRN.
[2] Há muitas adaptações cinematográficas. Destacamos: Robin Hood, o Trapalhão da Floresta (1973) comédia brasileira com Renato Aragão e Dedé Santanna; Robin and Marian, de Richard Lester (1976), com Sean Connery e Audrey Hepburn (um Robin Hood já idoso voltando das cruzadas após 20 anos); a comédia Robin Hood: Men in Tights (1993) dirigida por Mel Brooks. Em 1973, a Disney lançou um desenho animado, com personagens representados por animais. Em 2912, a Warner Bros também lançou um longa em desenho: Tom e Jerry: Robin Hood e seu Ratinho Feliz, de Spike Brandt.
[3] Robin Hood foi exibido na rede de televisão inglesa BBC em 2006, sendo cancelada na 3ª temporada, em 2009. Em 1990, o estúdio Tatsunoko lançou um anime de 52 episódios. No Brasil foi lançado em VHS e posteriormente exibido na TV Record, junto com Kaiketsu Zorro. Em 1991, Hanna Barbera lança "O Jovem Robin Hood". O SBT e o Cartoon Network exibiram a animação. Em 2014, é lançada a série animada Robin Hood: Mischief in Sherwood, produzido pela DQ Entertainment em parceria com Method Animation.
[4] As primeiras histórias de Robin Hood foram escritas e desenhadas por Sven Elven publicadas pela DC Comics em New Adventure Comics vol. 1 #23-30 (1938). Em 1935, o Toronto Telegram publicou a tira de jornal "Robin Hood and Company" de Ted McCall e Charles Snelgrove. Em 1941 foi convertido em revista. Além disso, Robin Hood serviu de principal inspiração para a criação do personagem Arqueiro Verde (Green Arrow) da DC Comics. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Robin_Hood
[6] A primeira referência ao personagem é o poema épico Piers Plowman, escrito por William Langand em 1377. A compilação ‘Gesta de Robin Hood’, datada de 1400, sugere que as histórias que compõem a lenda já circulavam desde 1310. PEREIRA, Robin Hood – a lenda na cultura medieval.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

O matador de dragões


Conta-se que na floresta negra do antigo reino da Cracóvia havia um dragão. E, em virtude de uma maldição, todos os finais de ano, o dragão exigia que a cidade lhe desse uma jovem virgem para sua ceia de Natal. Caso a jovem não fosse entregue, o dragão prometia incendiar a cidade e todas as casas da redondeza.

Com o passar dos anos, organizou-se um sorteio anual para a escolha da vítima, fazendo assim que uma vida pagasse por muitas. Até o ano em que a sorteada foi a princesa Cristina, filha única e herdeira do rei da Cracóvia. O rei quis fazer outro sorteio, mas Cristina disse que era sua responsabilidade como princesa: aceitar o resultado e se sacrificar, como exemplo.

Inconformado, o rei ofereceu uma recompensa para o cavaleiro que vencesse o dragão: seu trono e a mão de sua filha em casamento. Vários cavaleiros vieram de diferentes partes do mundo e enfrentaram o dragão, mas todos foram derrotados. 

Foi, então, que um pobre camponês de origem judaica, Bolshevaw, teve uma ideia: cobriu um barril de pólvora com a pele de uma de suas ovelhas, colocou-a em campo aberto e se escondeu por trás das matas. Levou consigo seu arco, flechas com pontas de pano e uma lamparina cheia e acesa. Quando o dragão foi devorar a falsa ovelha, engolindo o barril de pólvora, Bolshevaw explodiu a cabeça da fera com suas flechas em chamas.

E o pastor judeu, então, salvou a princesa Cristina, casou-se com ela, herdando o trono da Cracóvia e depois se transformando em Bolshevaw I, o primeiro imperador da Polônia.

domingo, 11 de novembro de 2018

A origem do Tai Chi Chuan



Para dinamizar o treinamento de seus filhos, na arte marcial do Kung Fu, no estilo espiritual da família Tang, o velho mandarim admitiu o filho de um de seus servos nas aulas que ministrava para seus dois filhos. Com passar do tempo, o filho do servo se desenvolveu mais do que os alunos principais, sendo excluído dos treinos.
O jovem servo começou então a treinar sozinho, observando as aulas escondido nas matas, e acabou se desenvolvendo ainda mais.
Após perceber seu erro e reintegrá-lo às aulas, o velho mandarim decidiu entregar ao servo sua espada no leito de morte (entregando na verdade seu Kung Fu, patrimônio espiritual da dinastia Tang).
Foi então que seus dois melhores amigos, os filhos legítimos do mandarim falecido, tornaram-se seus piores inimigos. Após derrota-los em combates mortais, o jovem servo fugiu, sendo caçado e desafiado por todos os jovens nobres da antiga China, uma vez que ele era o único servo que lutava Kun Fu. As artes marciais eram um privilégio dos nobres.
Buscou abrigo em um templo taoísta, na encosta das montanhas Wudang. Lá, meditando com os monges, aprofundou o contato com a espiritualidade e passou a se chamar Chang San Feng. Certo dia, em um passeio casual, observou a luta entre uma cobra e um grou, elaborando um novo estilo de movimentos alternados yin e Yang. 
Decidiu, então, voltar às cidades apesar dos incontáveis inimigos que o desafiavam, inclusive a justiça pela morte dos herdeiros Tang. Porém, para evitar mais mortes, o servo passou a desenvolver um estilo defensivo e a treinar e dar aulas em praças públicas, logo formando um grande público entre os que não tinham acesso às artes marciais. E, assim, o Tai chi chuan representa uma democratização de um saber exclusivo das elites chineses, reelaborado para defesa pessoal. [1]




[1] A história é lendária, como todas as muitas histórias envolvendo o mítico mestre Chang San Feng (ou Zhang Sanfeng) e os muitos textos taoístas a ele atribuídos - que muitos acreditam ter conquistado a imortalidade.  Historicamente comprovado, o criador do tai chi chuan como prática foi Chen Wangting.

sábado, 10 de novembro de 2018

UM NOVO EQUILÍBRIO DOS PODERES?


Acabou a Nova República, período histórico que começou com a morte do presidente Tancredo Neves, foi estruturado pela Assembleia Constituinte de 1988 e caraterizado pelo predomínio fisiológico do PMDB, encoberto pela disputa ideológica entre o PT e o PSDB.

A principal característica da Nova República foi o predomínio do poder legislativo sobre o executivo e o judiciário – através do dispositivo que permite, por maioria de 2/3, o Congresso legislar matérias constitucional e o presidencialismo de coalização (na verdade, o parlamentarismo disfarçado), com a indicação não apenas de ministros e de todos os cargos da administração federal direta e indireta.

Três pontos econômicos são exemplos desta transição: a reforma tributária, o orçamento da união e a política de crédito.

Novos Tributos

As três propostas de reforma tributária que o governo estuda não se excluem e são resultado de investigações antigas, visando a diminuição do número dos impostos. É provável que sejam combinadas em uma única proposta.

A federalização do ICMS e sua mudança de incidência da produção para o consumo (o IVA) vai encontrar uma séria resistência de todos governadores.

Também, os bancos não gostam da ideia do imposto sobre cheque para substituir a bitributação dos produtos (como IPI).

Também é preciso avisar ao Paulo Guedes que a reforma tributária só entrará em vigor em 2020, mesmo que venha em um pacote econômico à moda antiga.

Obras Públicas

O orçamento da união é a espinha vertebral da corrupção política brasileira, em torno do qual tudo orbita. Os orçamentos estaduais e municipais refletem e reproduzem essa mesma prática fisiológica em torno do planejamento estratégicos das verbas das obras públicas.

No início de novembro, o senador Eunício Oliveira chamou o futuro ministro da economia Paulo Guedes para discutir o orçamento. Guedes disse que não o faria, preferia fazer o próprio orçamento no começo do ano.

Pela lei tributária, não se pode propor gastos ou receitas dentro do mesmo exercício. Tanto orçamento quanto novos impostos precisam ser votados no ano anterior.

O orçamento da união era feito pelo ministério do planejamento e enviado para o congresso no presidencialismo anterior à constituinte. No parlamentarismo e no Brasil pós constituinte passou a ser feito pelo próprio congresso e o governo pode apenas liberar ou não a verba orçamentada. Nos dois casos, sempre houve muita corrupção para aprovar emendas específicas, prover aumentos salariais (como esse do judiciário), programar projetos de interesses regionais, privados ou do próprio estado.

Realmente assusta o fato do Guedes não saber de nada disso.

Dinheiro e juros

A aprovação do cadastro positivo e da lei do distrato; e a revisão da lei de falências - são três propostas dos próprios bancos para baixar os juros. Se o Paulo Guedes seguir realmente o modelo da escola de Chicago deveria abrir novas carteiras bancárias (chamando outros bancos internacionais) para aumentar o volume de capital, diminuir a dívida pública e assim baixar os juros através da competição de crédito. Mas é claro que ele não vai fazer isso, porque entraria em guerra com o capital financeiro nacional.


domingo, 4 de novembro de 2018

libertários e neoconservadores

A esquerda é culpada pela xenofobia porque coloca o nordeste contra o resto do país, contra seu próprio desenvolvimento?
A esquerda é culpada pelo racismo porque coloca os negros contra os brancos, importando a discriminação?
A esquerda é culpada pelo machismo porque coloca as mulheres contra os homens, destruindo a família em nome da liberdade sexual?
Não, esses comportamentos de ódio e exclusão (a xenofobia, o racismo e o machismo) sempre caracterizaram a direita.
Qual a novidade?
Hoje, “os negros saíram da senzala; as mulheres, da cozinha; e os homossexuais, do armário”. E não vão voltar. E, por outro lado, o patriarcalismo também não vai aceitar. Então, o conflito político pode transbordar culturalmente. Não dá para colocar a culpa na esquerda pela mudança de comportamento das pessoas e não dá para convencer a direita de que a resistência moral das elites é reacionária. Os conservadores consideram legítimo reinterpretar os novos comportamentos com velhos valores.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Escola sem Democracia?

Sou um professor de comunicação, mestrado e doutorado em sociologia. Minha forma de ver o mundo é ancorado no pensamento de Anthony Giddens (social democrata, membro do partido trabalhista britânico e elaborador da política de terceira via) e Manuel Castells (anarquista catalão, autonomista, que defende a auto organização em redes). 

Para a ideologia da direita, faço parte do 'marxismo cultural' (um eco-esquerdista que enfatiza as bandeiras identitárias); para o pensamento de esquerda, sou uma nova direita disfarçada (que diz que os termos 'direita' e 'esquerda' estão ultrapassados). 

É impossível dar aula e não falar sobre 'Marx', 'fascismo' e outros temas políticos. O professor deve ensinar a pensar com a liberdade de espírito crítico. No Brasil atual, as igrejas têm partido, o exército tem partido, os juízes tomam partido, mas a direita quer que o professor e as escolas sejam neutras. O projeto 'Escola sem partido' reduz a liberdade de cátedra à doutrinação.  

Segundo Edgar Morin, a doutrina é um sistema de ideias fechado; e a teoria, um sistema de ideias aberto. Doutrinação existe nas igrejas e nos quartéis. Na escola, existe pesquisa e debate sobre a realidade, transmissão crítica de conhecimento e de experiência de vida. A democracia é um método de viver institucionalizado pela escola. 

Difícil mudar isso. 

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

reflexões anarquistas


Só somos iguais durante as eleições, quando cada pessoa vale um voto. No restante do tempo, temos valores diferentes segundo a posição na estrutura social - não há igualdade social ou jurídica de nenhuma forma. O que gosto nas eleições é a sensação de imprevisibilidade. O poder é feito de planos, do planejamento de nossas vidas. Quando a imprevisibilidade irrompe as estruturas do poder são forçadas a se pensar, a reavaliar a correlação das forças sociais e a modificar algo secundário para permanecer a mesma no essencial.

A utilização do celular como mídia principal, em um ambiente de conspiração, postulando que a grande mídia produz fake-news, é uma característica nova, presente na eleição de ontem, na de Trump e no plebiscito do Brexit.

Outra coisa importante é o conteúdo emocional, parcialmente verdadeiro, em cima de pontos conservadores. por exemplo: vídeos pornográficos reclamando da ideologia de gênero associados à esquerda; cenas de violência e de injustiça, acobertados pelo governo; ou ainda denúncias de corrupção. essas mensagens, postas de forma emocionalmente apelativas, transmitidas pelo whatsapp permitem uma capilaridade invisível para os olhares antigos.

A catarse de ódio (e o medo que ele causa) precisa ser compreendido pela luz da consciência de todos. A consciência cultural é a única forma de vencer a resistência às mudanças sociais, envolvendo não apenas a desigualdade social mas também a diversidade cultural.

Por outro lado, o desejo de votar na extrema direita vem do descrédito nas instituições democráticas que se corromperam (o congresso, o STF, os partidos políticos, etc). Há um desejo de mudança não contemplado pela esquerda (a reestruturação do sistema de governança política) e esse é um problema para o qual ninguém tem resposta. Na eleição de 2014, o discurso da antipolítico quase Marina leva ao segundo turno. Agora essa tendência retorna vestida de extrema direita. 

Há pequenas diferenças no comportamento das redes: o face funciona por saturação em bolhas; o twitter funciona através do espírito da manada; o instagram, pela visibilidade e pela inveja, mimetizada em diferentes graus e modos.

Há uma briga quantitativa para subir o número de hastaggs aliadas, mas há também pessoas que usam hastagg inimigas para furar as bolhas. por exemplo, posto um conteúdo pro-haddad com uma hastagg de bolsonaro, então apareço nos feeds de direita.

As comunidades de afeto e interesse tem mais poder nas redes do que os robôs (fora do whattsapp), mesmo com as limitações algorítmicas, essas relações são as únicas confiáveis. Essas comunidades é que são os palcos da disputa política, o local em que se debate realmente.

E a luta política é sobre a confiabilidade dos candidatos (mais do que pelas propostas ou pela ideologia). Qual dos dois está mentindo? Os que votam nulo resolvem essa pergunta afirmando que ambos. Mesmo que seja verdade, que a representação política tenha se tornado uma farsa, resta ainda o peso da escolha. Quem mente menos? Quem faz parte do sistema e luta pela sua manutenção?

A descrença sistêmica (ativa pela imprevisibilidade) tanto se converte em raiva pela direita quanto em medo pela esquerda. É a descrença sistêmica que faz alguns acreditarem em qualquer coisa, mesmo que não faça muito sentido. Em contrapartida, a fé é um sentimento de certeza na sincronicidade do universo. Está tudo certo sempre.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

#elassim

Sejamos francos: as feministas e ações de mulheres em geral nunca agradaram ninguém. Já existe gente que coloca a culpa do fortalecimento da direita no movimento das mulheres #elenão.
Nessa visão, o movimento das mulheres é confundido com o LGTB e é atacado por um viés conservador em nome da família e dos bons costumes. O kit gay, o aborto, a pedofilia, as drogas e até a soltura dos presos são associadas ao movimento #elenão em uma cruzada moralista e hipócrita.
Mas, vejam: o #elenão é versão circunstancial do #metoo, um movimento histórico de dimensões globais. Houve uma reação conservadora ao #elenão, mas isso em nada diminui a prioridade da luta das mulheres em relação a luta política em geral pautada pelo #metoo. 
Para quem pensa dentro da caixa da esquerda, é fácil colocar a responsabilidade nas mulheres e na ênfase feminista, já que as “lutas identitárias” são secundárias mesmo diante da luta de classes e da luta política em geral.
Prefiro pensar a luta política de cada um de forma integral. O machismo está dentro de nós. Fascismo também. Um ensinamentos do #elenão/#metoo é justamente essa interseccionalidade que a esquerda não quer e que a direita tenta se apropriar.
No século que vem, os historiadores vão achar graça dos que acreditam que as eleições são mais importantes do que a mudança histórica global do comportamento feminino depois de muitos séculos de opressão.
Talvez seja justamente o contrário que esteja acontecendo: que personagens como o presidente Trump e o capitão inominável sejam catalizadores do futuro.

DA LIBERDADE INESPERADA

Vivi para ver ...
maconheiro defendendo Bolsonaro;
o papa e a madona do mesmo lado;
e o povo sem vê.

Vivi para ver ... 

As mulheres contra o fascismo
e o passado que retorna.
"O que vc nega, te domina;
O que aceita, te transforma."

Vivi para ver revolução

não do jeito que sonhava
o mundo muda em direção
da liberdade inesperada.


02/10/2018


domingo, 21 de outubro de 2018

história da desonestidade


A corrupção no Brasil não começou com PT

Há várias explicações teóricas para desonestidade brasileira. Gilberto Freyre, Raymundo Faoro, Roberto Damatta e Sérgio Buarque de Hollanda consideram-na uma herança portuguesa. Cada um aponta causas e diferenças interpretativas. Freyre acredita que a família patriarcal, anterior ao Estado e ao mercado, é a institucionalização arcaica do afeto. Faoro compara as elites brasileiras ao ‘modo romano’ dos navegadores lusitanos, em que o estado é privatizado por dentro. Damatta elabora a ‘teoria do jeitinho’ a partir da separação cultural entre pessoa e indivíduo. Holanda defende a noção de ‘homem cordial’ em que as decisões nunca são racionais e o espírito público simplesmente não existe.

“Quem furta um pouco é ladrão. Quem furta muito é barão. Quem mais furta e mais esconde, passa de barão a visconde” – é uma anedota popular sobre o barão de São Lourenço, um picareta da corte do D. João VI.

A corrupção imperial foi criticada pela república. Vargas fez uma revolução contra a corrupção da velha república. Carlos Lacerda, governador da antiga Guanabara nos anos 50, chamava a corrupção do Estado Novo de “mar de lama” envolvendo a Petrobrás. Jânio Quadros se elegeu com uma vassoura, para varrer a corrupção legislativa.

Durante a ditadura houveram muitas obras faraônicas e propinas encobertas[1], gerando o mito de que durante esse período as coisas foram diferentes.[2]

Na nova república, Sarney comprou um ano de mandado presidencial à assembleia constituinte através da concessão de rádios e TV para os deputados e senadores (gerando a atual simbiose entre a classe política e o empresariado de comunicação). Nessa época, havia os sete anões do orçamento, espinha dorsal da corrupção. Um deles, João Alves de Almeida, lavava de dinheiro através da loteria, jogando mais do que ganhava. Ganhou 200 vezes e se dizia, cinicamente, um homem abençoado por Deus.

Então veio Collor. E depois dele, FHC que comprou a própria reeleição a luz do dia, com várias denúncias comprovadas que foram anistiadas e engavetadas. O patrimônio acumulado pelo ex-presidente é um mistério, mas sabe-se que ele tem vários imóveis adquiridos no período no exterior (Paris, Nova Iorque) e que nunca foram declarados à receita. E todo mundo sabe disso.

Chegamos finalmente ao Mensalão do PT, à Petrobrás, ao BNDES e aos famigerados aeroportos e estádios de futebol construídos para Copa do Mundo.

Se compararmos os valores, principalmente os referentes ao enriquecimento, há uma grande queda. Temer – para se manter na presidência – deu pelo menos dois ‘tríplex do Guarujá’ para cada deputado/senador. O que Bolsonaro gasta com whattsapp no primeiro turno dá para um ano de mensalão petista. Outro exemplos podem ser dados a exaustão.

Isto não significa que Lula seja inocente, mas que merece um julgamento justo – pois o que se viu foi que o verdadeiro agente da corrupção institucional brasileira (o MDB) praticamente saiu ileso, fazendo do PT seu bode expiatório. Um julgamento justo, não apenas com provas judiciais verdadeiras, mas também com a auditoria da dívida pública.

Eis porque votar em Haddad, 13, apesar de discordar do PT.