domingo, 28 de fevereiro de 2021

pensando fora da caixa

 


A ARTE DA DESILUSÃO

Pesquisa em Comunicação Midiática

Introdução

É comum nas áreas de ciências humanas e de ciências sociais aplicadas jovens pesquisadores que desejam estudar temas e assuntos (objetos) pelos quais tenham gosto. Nas ciências exatas e biológicas, esse problema aparentemente não existe, no entanto, ele é apenas menos evidente. “O conhecimento científico é a reforma de uma ilusão” (BACHELARD, 1988, 37). De uma forma geral, o 'objetivo' requer que o 'afeto nos afete' primeiro, para depois ser desvelado à luz da razão e da experiência. 

Na área de comunicação, essa tendência de envolvimento dos pesquisadores com seus objetos de pesquisa é um importante fator motivacional. Futebol, política, religião - é a paixão por um tema que leva o pesquisador de comunicação a querer estudá-lo em profundidade. Por outro lado, essa mesma paixão é sério 'obstáculo epistemológico', uma barreira cognitiva que impede que o pesquisador veja o objeto com objetividade, livre de sentimentos e opiniões preconcebidas. 

Uma breve história da epistemologia (GOMES, 2015b) estuda o discurso da ciência como um oscilar entre dois polos: o racionalismo universalista, de  Descartes ao neopositivismo (Popper, Lakatos e Toulmin); e o empirismo experimental, de Newton a Wittgeinstein. Edgar Morin chama essa  ciência de “paradigma mecanicista decartiano-newtoniano” em oposição ao paradigma científico atual, baseado na relatividade de Einstein e em Thomas Kuhn, Gaston Bachelard, Umberto Maturana entre outros. A ciência ter se tornou mais racionalista e menos empírica-indutiva, também diminuíram as condições lógicas internas de cada disciplina e um aumento significativo das condições externas (sociais, históricas, políticas) de produção do Discurso Científico.

De uma forma geral, podemos dizer que os saberes tradicionais não fazem diferença entre sujeito e observador. O que caracteriza o método cientifico positivista  é a distinção entre o sujeito e o observador. O mundo é visto do lado de fora, de um ponto de vista imaginário.  E o que caracteriza o novo paradigma científico em relação ao seu antecessor é o fato de levar em conta vários observadores  concretos  e não apenas  um observador invisível e imaginário. 

Einstein elaborou as teorias da relatividade, postulando a ‘posição relativa do observador em relação a uma referência comum’ do ponto de vista epistemológico. O tempo contínuo tal qual percebemos, por exemplo, só é percebido como tal dentro da órbita da terra. Se o observador estiver na lua, perceberá que o tempo cronológico é resultante do movimento de rotação da terra. Para Einstein o tempo só é contínuo na velocidade da luz, tudo abaixo da velocidade da luz é simultâneo e relativo à posição do observador dentro do universo. A luz não é só uma velocidade constante, é também uma medida de tempo e de distância (tal planeta está a tantos anos-luz daqui). Maturana (2001) adaptou essa noção (de observador relativo) para ciências biológicas, afirmando que há ‘objetividades entre parêntesis’ (indicando a consciência de que existem outros pontos de vista) e a ‘objetividade sem parêntesis’ (que não percebe os outros, apresenta sua percepção como universal e absoluta). 

Deleuze & Guattari (1995) adotaram a simultaneidade e a relatividade da física teórica, no sentido de negar a história como o desenvolvimento dos acontecimentos e a universalidade do projeto científico do ocidente. No esteio dessa crítica radical ao etnocentrismo científico ocidental, várias formas de pensar relativistas surgiram, não apenas saberes tradicionais midiatizados, mas também os que reivindicam um olhar científico de gênero e de etnia.

Outros autores contemporâneos, como Edgar Morin (2001) e Pierre Levy (1999), compreendem o legado de Einstein de modo não relativista. Levy recorre ao termo ‘Universal sem totalidade’ para definir a essência da cibercultura. Morin diz que universo não forma uma totalidade (uma unicidade objetiva), mas sim uma complexidade (um conjunto sempre incompleto de realidades relativas). Ou seja: cada um tem sua cultura, mas a natureza é universal. A cultura global é formada por fragmentos que espelham dentro de si uma totalidade inexistente no exterior. 

Estrutura do saber

O conhecimento científico é formado por três elementos básicos:

1) O Sujeito – Não apenas o indivíduo que conhece, mas sim a comunidade de homens através de suas formas de pensar, as teorias. 

2) O Objeto – Não apenas aquilo que é conhecimento, mas sim um recorte do mundo, uma realidade a ser desvendada. 

3) E o método - O método é a relação do sujeito com o objeto, em que se distingue entre o que é subjetivo e relativo a cada um, do que objetivo, universal ou comum a todos. O método científico refere-se a um conjunto de regras de produção do conhecimento científico ou objetivo, quer seja este um novo conhecimento, quer seja um aumento dos conhecimentos anteriormente existentes. 

O Sujeito/observador se encontra apaixonado pelo seu Objeto. O Método é a desilusão do Sujeito, em que se distingue entre o que é subjetivo e relativo a cada um, do que objetivo, universal ou comum a todos. Isto se dá através da distinção entre sujeito e observador(es). 

Há duas barreiras epistemológicas e cognitivas a vencer: o empirismo relativista - ou estou na caixa e não sabia; e as interpretações paradigmatizadas - ou não sei como sair da caixa (ALMEIDA, 1992). 

No empirismo relativista, o pesquisador se limita a uma descrição exaustiva da realidade estudada, especificada em todas as suas particularidades, sem nenhuma relação com o drama universal do ser humano. 

Nas interpretações paradigmatizadas, as teorias são utilizadas para explicar a realidade: seja reforçando diretamente a lógica da dominação, seja pela aparente crítica ao sistema que, no entanto, reifica a ruptura entre ciência e tradição. A pesquisa simplesmente  não consegue  observar seu objeto e reproduz o senso comum sem perceber que apenas reforça o mascaramento. 


Ao inverso do empirismo relativista, é o universal que é utilizado para mutilar o particular, a generalidade que serve para encobrir o específico. No empirismo relativismo há uma tendência a se ficar preso na descrição do objeto: é como se a pessoa não se percebe que está dentro da caixa. Já nas interpretações paradigmatizadas, o observador vê a caixa do lado de fora mas não percebe que está dentro de uma caixa maior e que seu enquadramento é igualmente limitado e subjetivo. 

Para evitar o empirismo relativista e as interpretações-paradigma, o Método deve oscilar entre o Objeto e o Sujeito, ora aperfeiçoando o recorte da realidade que investiga, ora integrando conceitos e teorias para conseguir descrevê-lo e analisa-lo.

Imagem 1 – Diagrama da desilusão 

Elaborado pelos autores


Para ultrapassar o empirismo relativista, a relação entre Método e Objeto (separando o Sujeito do Observador) pode ser aperfeiçoada por várias pesquisa exploratórias anteriores à coleta definitiva de dados no final da pesquisa. E para evitar as interpretações-paradigma, a relação entre o Sujeito e o Método (multiplicando os pontos de Observação do Objeto) deve ser organizado através de várias revisões bibliográficas – realizadas em várias etapas (artigos, dissertações/teses, livros). A combinação alternada das pesquisas exploratórias com as revisões bibliográficas é o método que permite o maior aprofundamento no conhecimento do objeto.

Etapas do projeto

O primeiro passo para realização de uma pesquisa é a escolha desses três elementos: um objeto (ou recorte empírico), um sujeito (ou referencial teórico); e um método para o sujeito ler o objeto, para a teoria analisar a realidade. 

O referencial teórico deve sempre revelar algo sobre o objeto empírico que ainda não sabemos, deve ser uma “superação de um obstáculo epistemológico”, como dizia Gaston Bachelard, do ponto de vista ideológico, do senso comum para uma visão mais objetiva e científica sobre o assunto. Sendo assim sempre haverá a necessidade de conceitos agregados ao objeto de estudo e de um método que revele seus aspectos ainda desconhecidos. 

É claro que existem pesquisas meramente descritivas, sem objeto teórico ou que utilizam uma categoria descritiva em seu lugar, como também pesquisas estritamente conceituais (sem objeto empírico); mas, na área das pesquisas em ciências sociais aplicadas, onde se localizam epistemologicamente os estudos sobre comunicação midiática, a adoção de pesquisas empírico-teóricas, explícitos nos títulos principais dos textos, já se tornou uma tradição e deve ser perpetuada. 

O primeiro passo, portanto, consiste em definir esses três elementos da pesquisa e colocá-los em um título (objeto e teoria) e em um subtítulo (o método e/ou problema existente entre o objeto e a teoria), mesmo que sejam provisórios. 

E o segundo passo é, a partir da definição dos objetos empírico e teórico, definir a pergunta-problema da pesquisa. O problema deve ser formulado como uma pergunta a ser respondida pela pesquisa e tem três desdobramentos importantes: os objetivos (principal e secundários), a justificativa e a hipótese. 

Os objetivos do trabalho referem-se ao seu propósito ou propósitos. Eles são importantes para identificar o alvo da investigação. Se, na pesquisa, o problema define o seu foco de atenção, os objetivos indicam aonde se quer chegar. 

A justificativa trata da existência de fato do problema, seu alcance (o número de pessoas afetadas); suas implicações; a escassez de estudos a respeito; e a abordagem inovadora da pesquisa para o estudo do problema e do objeto. 

E a(s) hipótese(s) são as respostas presumidas da pergunta formulada no problema. As soluções provisórias que imaginamos para questão central da pesquisa. 

Na área de ciências humanas e de ciências sociais aplicadas, é um erro corrente confundir os objetivos da pesquisa com suas hipóteses. Os objetivos são definidos por verbos de ação em relação aos objetos empírico e teórico selecionados; e as hipóteses são as respostas ao problema principal da pesquisa, transversal em relação aos objetivos elencados. Os objetivos expressam propósitos da pesquisa; a justificativa advoga sua finalidade e relevância; e a hipótese representa uma resposta presumida do problema. 

Na área das exatas e das ciências biológicas, a noção de 'hipótese' tem outro significado: ela é uma proposição especulativa que se aceita de forma provisória como ponto de partida de uma investigação. A verdade ou refutação da hipótese é determinada graças a raciocínios ou experiências. Se uma hipótese é confirmada, ela se torna um fundamento de teoria científica. 

Aqui, para nós, a definição de hipóteses serve para escrever as considerações parciais e finais da pesquisa. Elas funcionam como resultados antecipados que se confirmaram ou não.

E o terceiro passo de um projeto de pesquisa, definidos o objeto, a teoria e a pergunta-chave, é a metodologia utilizada na investigação para responder a questão que elaboramos. A metodologia detalha 'como' responder à pergunta-problema, em três diferentes níveis conceituais: com que ideias responder a pergunta; com que meios e modos provar a resposta; e, finalmente, quais as ferramentas e os instrumentos indicados para aferir a realidade. 

Os três níveis da metodologia

A metodologia de pesquisa na área das ciências sociais aplicadas subdivide-se  em três conjuntos de parâmetros analíticos, do nível mais abstrato para o específico: a abordagem filosófica, os procedimentos analíticos e as técnicas de coleta de dados (LAKATOS, 2003, 83-102). 

O método de abordagem corresponde a 'filosofia' que orienta a pesquisa e deriva diretamente do referêncial teórico adotado pela pesquisa. Nos antigos manuais, a abordagem se referia ao design geral da pesquisa, se era dedutiva (do geral para o particular), indutiva (do particular para o geral), Dialética (em ambos os sentidos) ou hipotética (fazia afirmações que pretendia provar). 

Como essa classificação não faz muito sentido para ciências sociais aplicadas, a metodologia de abordagem acabou sendo classificada segundo o campo teórico selecionado pela pesquisa: funcionalista, marxista, weberiana, estruturalista ou pelos principais autores utilizados.

Várias áreas de conhecimento desenvolveram abordagens próprias. Por exemplo, até bem pouco tempo, existiam três tipos de abordagens distintas da área de comunicação: a sociologia dos meios de comunicação (os estudos centrados no contexto de transmissão – seja na versão crítica que denuncia a indústria cultural ou na funcionalista que enaltece a comunicação de massa); os vários tipos de estudos em torno da linguagem verbal e visual, retórica, filosofia analítica, analise discursiva e semiótica; e, finalmente, os diferentes tipos de estudos de recepção (pesquisas de opinião quantitativas e qualitativas, pesquisas de agendamento e de análise documental bibliográfica especializada). 

Um modelo de síntese foi bastante utilizado durante os anos 90 – integrando abordagem, procedimento e técnicas de coleta. 

A análise sócio histórica do contexto de transmissão pretende, para reconstruir as condições sociais e históricas de produção, circulação e difusão das formas simbólicas. As maneiras como essas condições influenciam podem variar de acordo com a situação e o objeto pesquisado, mas há alguns níveis de análise indicados: a estrutura social (as classes sociais, as relações entre gêneros e outros fatores sociais permanentes); as situações de tempo espaço em que as formas simbólicas são produzidas; os campos de interação; e os meios técnicos de transmissão de mensagens (a fixação material e a reprodução técnica dos sinais).

Após realizar essa análise do contexto sócio histórico, será possível a análise de procedimento. Em um segundo momento, toma-se a forma simbólica como um texto, isto é, como mensagem codificada em uma linguagem e como uma estrutura narrativa relativamente autônoma de sua produção e de seu consumo. Neste sentido, a análise discursiva implica em uma abstração metodológica das condições sócia históricas de produção e recepção das formas simbólicas. 

Adotam-se aqui vários métodos de procedimento analíticos simultâneos: histórico, monográfico (estudo de caso), estatístico (quantitativos-qualitativos), comparativo (fazendo analogias com outros objetos semelhantes), discursivo e semiótico.

E, finalmente, leva-se em conta a escolha das técnicas de coleta de dados  adequadas aos objetivos e à pergunta principal da pesquisa.

Técnicas de coleta de dados

Pode-se dizer que os projetos de pesquisa têm dois pontos de encaixe importantes: a) a adequação da abordagem aos procedimentos; e b) adequação da estrutura teórico-metodológica (abordagem + procedimento) às técnicas de coleta e análise de dados.  

Para escolha adequada das técnicas de coletas de dados, dentro da estrutura metodológica de abordagem e procedimentos proposta, é necessário estabelecer alguns parâmetros práticos importantes: população/amostra - é preciso situar os dados que se vai coletar em relação ao conjunto de dados existentes; descrição e interpretação dos dados - como vai organizar os dados: por idade, por região, por alguma característica subjetiva; e a escolha das técnicas adequadas depende ainda do problema, dos objetivos e da hipótese da pesquisa. É comum que as 'variáveis da hipótese' (as respostas prováveis à pergunta do problema chave da investigação) sejam utilizadas para organização e para interpretação dos dados coletados.

Costuma-se subdividir as técnicas de coleta de dados em dois momentos: a pesquisa documental indireta, formada pela pesquisa documental propriamente dita (de fontes primárias) e pela pesquisa bibliográfica (de fontes secundárias); e a pesquisa documental direta, feita em campo e/ou em laboratório. 

As principais técnicas de coleta de dados são: a entrevista; o questionário/formulário; e a observação (LAKATOS, 2003, 174-214). 

A observação não consiste apenas em ver e ouvir, mas, sobretudo, em examinar fatos ou fenômenos objetivamente. Ela é o elemento essencial do fazer científico, seja no mecanicismo-determinismo do paradigma histórico do sujeito desencantado, seja na realidade relativa do paradigma complexo de reencantamento do mundo. Para ser científica, a observação está sujeita a verificações e controles sobre a validade e segurança. Pode ser coletiva, sistemática, indireta (através de aparelhos ou de outros objetos) e/ou participante ou não, sendo geralmente utilizada em conjunto a outras técnicas (LAKATOS, 2003, 192-195). Quanto mais a observações for realizada de modo planejado e consciente, mais objetiva será a pesquisa. 

Também é preciso também ressaltar o aparecimento de novas técnicas de coleta de dados: Grupo Focal, análise de conteúdo (substituindo parcialmente a pesquisa documental) e as 'teorias' do jornalismo.  

Grupo focal é um grupo de discussão informal e de tamanho reduzido, com o propósito de obter informações de caráter qualitativo em profundidade. É uma técnica rápida e de baixo custo para avaliação e obtenção de dados e informações qualitativas sobre vários temas. O objetivo principal do grupo é revelar percepções insuspeitas. 

Já a análise de conteúdo é uma técnica de coleta que investiga textos em uma perspectiva quantitativa, analisando numericamente a frequência de ocorrência de determinados termos, construções e referências em um dado texto, em contraponto à análise qualitativa do discurso e semiótica. Há três modalidades de análise de conteúdo: as análises temáticas; as análises formais que enfatizam as formas e encadeamento de discurso; e as análises estruturais, que ressaltam a forma como elementos de mensagem estão dispostos e tentam revelar aspectos subjacentes e implícitos de mensagem.

Há ainda as “teorias do jornalismo”, que são procedimentos metodológicos acoplados a formas sofisticadas de análise de conteúdo da mídia: a agenda settings (como e quando a agenda da mídia pauta a vida cotidiana); a teoria do gatekeeper (como os acontecimentos são filtrados, definindo o que deve ou não ser publicado); a teoria do newsmarking (os critérios de escolha e hierarquização das notícias ao longo do tempo); e a teoria espiral do silêncio (o que não está sendo dito e mostrado pela mídia). Mais que hipóteses explicativas do comportamento da imprensa, as “teorias” do jornalismo são técnicas de coletas de dados que podem ser aplicados à mídia: pode-se estudar o agendamento de hábitos e roupas em uma telenovela, ou aplicar a noção de gatekeeper ou newsmarking à seleção de músicas de uma determinada rádio, ou identificar espirais do silêncio em torno de temas tabus  em um reality-show.

O cronograma com revisões e explorações do empírico

De mera peça decorativa nos projetos de pesquisa do passado, o cronograma tornou-se uma importante ferramenta de planejamento das investigações, quarto e último passo deste modelo. 

A estrutura curricular dos programas de pós graduação, com disciplinas teóricas nos primeiros semestres e ‘pesquisa de campo’ no final do curso, contribuem para trabalhos científicos ultrapassados, em que as teorizações racionalistas são testadas na prática. Hoje, extrai-se teorizações do objeto empírico. Para tanto é preciso planejar algumas pesquisas exploratórias anteriores à coleta de dados definitiva. Essas pesquisas são aproximações preliminares e definem os aspectos quantitativos e qualitativos da pesquisa; o contexto da investigação no tempo espaço; e uma descrição atualizada do recorte da realidade. Da mesma forma que há uma necessidade de várias pesquisas exploratórias durante a investigação, também há a necessidade de algumas reorganizações das referências teóricas durante o processo. É importante fazer a revisão por etapas (primeiro, os artigos mais recentes; depois, monografias, dissertações e teses importantes; e, por último, os livros clássicos). 

Há vários sites e bancos de dados. A Capes de tem um banco de teses e um portal de Periódicos (artigos). Para pesquisas internacionais, há o Google Acadêmico e várias outras ferramentas. As publicações da Compos, o portal da Intercom e as associações nacionais de pesquisadores são algumas fontes de arquivos de artigos para começar a fazer um levantamento. Existem também as revistas científicas da área da comunicação, que são classificadas pelos sistema Qualis/Capes. O pesquisador economizará muito de seu precioso tempo se fizer uma pesquisa preliminar nessas publicações, procurando identificar quais mais se aproximam de seu projeto, não apenas como fonte de atualização, mas também como futuro destino dos artigos de sua pesquisa (GOMES, 2015a).

Há vários tipos e modelos de revisão bibliográfica (MATTOS, 2015):

A “revisão sistemática” é um tipo de estudos observacionais retrospectivos. Testam hipóteses e têm como objetivo levantar, reunir, avaliar criticamente e sintetizar os resultados de diversos estudos primários. Reúne e sistematiza os dados de resumos de outros trabalhos, selecionados a partir de conceitos e/ou de palavras chaves indexadas. É a mais utilizada em pareceres científicos que fundamentam a tomada de decisões em diferentes áreas. 

A “revisão narrativa” é a mais subjetiva, não utilizando critérios explícitos e sistemáticos para a busca e análise crítica da bibliografia elencada. É a mais comum na fundamentação teórica de artigos, dissertações, teses, trabalhos de conclusão de cursos das ciências humanas e sociais.

A “revisão integrativa” que surgiu como alternativa para revisar rigorosamente e combinar estudos com diversas metodologias, de diferentes áreas do conhecimento. O método de revisão integrativa também permite a combinação de dados da literatura empírica e teórica direcionados à definição de conceitos, identificação de lacunas nos estudos, revisão de teorias e análise metodológica dos pesquisas sobre um determinado tópico. 

Há também o famoso diagrama do 'Estado da Arte', em que o levantamento bibliográfico é feito a partir de um mapa das palavras-chaves ou dos principais conceitos da pesquisa. É ferramenta útil planejar e mapear a leitura necessária para pesquisa, mas é preciso compreender que a proposta do diagrama não é um levantamento extenso ou completo do que há sobre aquele tópico ou palavra-chave, esgotando tudo que foi publicado sobre o assunto, mas sim um planejamento realista do que se vai ler e trabalhar no decorrer da pesquisa. 

Para as pesquisas na área de comunicação, a revisão integrativa, por sua interdisciplinaridade teórica e incorporação da exploração empírica, é o tipo de pesquisa bibliográfica é mais adequado. 

A revisão integrativa consiste em um ciclo de seis etapas: identificação do tema e seleção da hipótese ou questão de pesquisa para a elaboração da revisão integrativa; estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos/amostragem ou busca na literatura; definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados/categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa; interpretação dos resultados; e apresentação da revisão/síntese do conhecimento.

O ideal é que, a cada semestre, o estudante/pesquisador realize uma revisão completa de seis passos em sua investigação, combinando pesquisas exploratórias parciais para se aproximar do seu objeto e suas leituras, começando pelos artigos mais recentes até os livros clássicos sobre o assunto. 

Considerações finais

Estamos em plena mudança de um paradigma científico empírico/racionalista, ou 'mecanicista-determinista' para um paradigma complexo, baseado na observação múltipla e nos princípios da incompletude e da incerteza. Hoje, não se estuda simplesmente as Mídias (os meios de comunicação, entendidos como instituições), mas sim as Mediações, o que prioriza as práticas sociais midiáticas e os seus efeitos de sentido em cada um. 

O 'modelo transmissionista' da comunicação (em que a informação 'vai' do emissor ao receptor através de uma mensagem codificada em uma determinada linguagem) está com seus dias contados. Baseados na teoria de sistemas de Nickas Luhman, tanto os trabalhos de Ciro Marcondes Filho (2013) como Muniz Sodré (2014), apontam para uma nova teoria da comunicação. O ponto central dessa mudança é a ideia de que a comunicação não existe tal qual a imaginamos, como um processo emissor/mensagem/receptor, mas como uma mímesis subjetiva, como uma replicação sistêmica dentro de Si (de mim e de ti). Ao contrário do observador externo, que via alguém falar algo com alguém, agora exige-se que muitos observadores repliquem algo sobre algo; que definam os parametros de um universo relativo, de uma mediação. 

Acredito ter deixado aqui uma contribuição híbrida, que tanto pode ser usada no modelo transmissionista tradicional como no novo paradigma metapórico da comunicação. A grande diferença é subjetiva, trocando a ótica do observador externo pela perspectiva da múltipla observação, da desconstrução do sujeito. 

Então, recapitulando: 

Primeiro passo, definir objeto/recorte empírico e sua(s) teoria(s) leitora(s); 

segundo passo, elaborar a pergunta-problema (mesmo que provisória para ir trabalhando); 

terceiro passo, estabelecer um método de pesquisa integrando as formas de interpretação (abordagem), os modos de análise (procedimentos) e os meios de observação (técnicas de coleta); e, finalmente,

o quarto e último passo é o planejamento da investigação semestre a semestre, programando várias sub pesquisas exploratórias (descrevendo o objeto empírico em profundidade, através de procedimentos parciais e outras formas de aproximação) e revisões de literatura alternadamente (indo do mais recente aos textos mais antigos), evitando cair no 'meramente descritivo' ou em uma perspectiva cristalizada de um único observador. É necessário várias aproximações e vários estranhamentos para se chegar ao novo. Para produzir um trabalho contemporâneo, seja no modelo triádico do transmissionismo, seja nos novos modelos, é preciso estabelecer um movimento pendular em torno do objeto para “descascá-lo como uma cebola”. 

Uma forma eficiente de revisar a coerência interna da problemática do projeto de pesquisa é transformá-lo em perguntas simples. Essa é a ideia da Metodologia Reversa (GOMES, 2015a). A “prova dos nove” de um projeto é a elaboração de um instrumento fictício de coleta de dados (questionário, formulário ou roteiro de entrevista). O exercício consiste em substituir as noções em letras maiúsculas pelos itens do projeto. 

  • 1ª pergunta: Qual sua opinião sobre o OBJETO EMPÍRICO? (Pergunta aberta, em que o entrevistador pergunta ao entrevistado o que ele acha do recorte de realidade feito pela pesquisa) 
  • 2ª pergunta: Qual a importância do objeto e de sua pesquisa? (Elaborar uma questão de múltipla escolha com base na JUSTIFICATIVA do projeto). 
  • 3ª pergunta: O PROBLEMA, a pergunta central da pesquisa (pergunta aberta).
  • 4ª pergunta: transformar o OBJETIVO PRINCIPAL da pesquisa em uma pergunta fechada (S/N). É importante diferenciar a pergunta-problema (o que se quer saber com a pesquisa) do objetivo geral (o que é necessário fazer para saber responder à pergunta-problema). Portanto, além de ser formulada de forma fechada, essa pergunta pode começar com “Será possível ...” para se pensar sobre sua viabilidade. 
  • 5ª e 6ª 7ª perguntas: elaborar uma questão de múltipla escolha e/ou fechada para um dos OBJETIVOS SECUNDÁRIOS do projeto de pesquisa. Como envolvem a solução dos aspectos quantitativos necessários à pesquisa, essas perguntas podem começar com “Será possível ...” para se refletir sobre sua viabilidade. 
  • 8ª, 9ª e 10ª perguntas: as três HIPÓTESES-RESPOSTA à pergunta-problema postas como perguntas abertas ou de múltipla escolha. As hipóteses são respostar à pergunta número três, que transformamos em perguntas abertas em um primeiro momento e que, se desenvolvidas posteriormente como perguntas de múltipla escolha, nos levam às variáveis das hipóteses, um nível de detalhamento lógico mais aprofundado, indicado para construção das conclusões (parciais ou finais) da pesquisa. 
  • Faça três perguntas abertas começando com 'COMO' – utilizando os três níveis de metodologia. Ex: abordagem = com que ideias vai responder à pergunta-problema; procedimentos = com que meios, de que modo você vai responder à sua questão; coleta de dados = com que instrumentos você vai perguntar. 
  • E a mais difícil: crie, utilizando o cronograma da pesquisa, duas perguntas abertas para cada semestre: uma exploratória e empírica sobre o objeto de sua pesquisa; e outra, teórica, referente aos conceitos e teorias dos livros e textos planejados para aquele período. E esse conjunto de perguntas representa o planejamento detalhado de sua pesquisa.

Resta dizer que não tenho a ambição de criar um manual de regras metodológicas para projetos de pesquisa em comunicação midiática. Os parâmetros aqui descritos têm por objetivo orientar e sugerir métodos e técnicas, mais do que prescrever padronizações ou estabelecer normas uniformes de análise. 

Ao contrário: o modelo metodológico aqui elaborado acredita que a formulação de problemas e de hipóteses é uma atividade criativa. Crê ainda que a intuição e a sensibilidade sejam fatores determinantes na escolha adequada dos objetos e das amostras. E a própria natureza artística das narrativas midiáticas, cada vez mais criativas e impactantes, também exige formas de análise teóricas cada vez mais sensíveis e criativas. Mais do que um ponto de chegada de várias investigações, esse modelo metodológico de análise deseja estar no começo de várias novas pesquisas, sejam empíricas adotando seus parâmetros, sejam teóricas, aperfeiçoando e/ou descartando os elementos por ele aqui apresentados.


REFERÊNCIAS

ALMEIDA, M. C. O saber antropológico - complexidades, objetivações, desordens, incertezas. Tese de doutoramento em ciências sociais na PUC/SP, 1992. 

BACHELARD, Gaston. A Filosofia do Não. Tradução Joaquim José Moura Ramos. Lisboa: Editorial Presença, 1988. 

DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix.  Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica 5. ed. - São Paulo: Atlas 2003. 

LÉVY, Pierre. Cibercultura; tradução de Carlos Irineu da Costa (Coleção TRANS). São Paulo: Ed. 34, 1999

GOMES, Marcelo Bolshaw. Transformando idéias em projetos: um guia para organização de pesquisa em comunicação midiática. Revista Temática v. 11 n. 9. João Pessoa: NAMID/UFPB, Setembro, 2015a.    <https://periodicos.ufpb.br/index.php/tematica/article/view/25725/13888 >

_______ Uma breve história da epistemologia. Revista Temática. V. 11, n. 12.  João Pessoa: UFPB, Dezembro/2015b. <https://periodicos.ufpb.br/index.php/tematica/article/view/27010 >

MARCONDES FILHO, C. (2013). Por que a Nova Teoria é uma forma diferente de se pesquisar o jornalismo. Revista FAMECOS, 19(3), 759-774. https://doi.org/10.15448/1980-3729.2012.3.12900  

MATURANA, Humberto R., Ciência, Cognição e Vida Cotidiana. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2001.

MATTOS, Biblioteca professor Paulo de Carvalho. Tipos de revisão de literatura. Botucatu: UNESP, 2015. 

MORIN, Edgar. Os Sete Saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000.

SODRÉ, M. A ciência do comum: notas sobre o método comunicacional. 1ª Edição. Petropólis/RJ: Vozes; 2014. 

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

xeque mate


Parece que o Bozo vai deixar seu soldado morrer sem ajuda, que só lhe interessa salvar os filhos e a reeleição. Vai sacrificar seu peão sem pena em uma covardia que assusta até aos seus bispos, cavalos e torres. 

Aliás, zerou os 3% de imposto do óleo diesel e do gás de cozinha sem falar nada com Guedes - aumentando o rombo do auxilio e da recessão nas contas. Está perto de perder a rainha. 

Não tá nem aí com a economia, assim como também não está com a saúde nem nenhuma outra coisa. Está curtindo ser rei e não percebe que pode perder o jogo.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

O JAIR QUE HÁ EM NÓS!

 

Ivann Lago*
Professor e Doutor em Sociologia Política

O Brasil levará décadas para compreender o que aconteceu naquele nebuloso ano de 2018, quando seus eleitores escolheram, para presidir o país, Jair Bolsonaro. Capitão do Exército expulso da corporação por organização de ato terrorista; deputado de sete mandatos conhecido não pelos dois projetos de lei que conseguiu aprovar em 28 anos, mas pelas maquinações do submundo que incluem denúncias de “rachadinha”, contratação de parentes e envolvimento com milícias; ganhador do troféu de campeão nacional da escatologia, da falta de educação e das ofensas de todos os matizes de preconceito que se pode listar.

Embora seu discurso seja de negação da “velha política”, Bolsonaro, na verdade, representa não sua negação, mas o que há de pior nela. Ele é a materialização do lado mais nefasto, mais autoritário e mais inescrupuloso do sistema político brasileiro. Mas – e esse é o ponto que quero discutir hoje – ele está longe de ser algo surgido do nada ou brotado do chão pisoteado pela negação da política, alimentada nos anos que antecederam as eleições.

Pelo contrário, como pesquisador das relações entre cultura e comportamento político, estou cada vez mais convencido de que Bolsonaro é uma expressão bastante fiel do brasileiro médio, um retrato do modo de pensar o mundo, a sociedade e a política que caracteriza o típico cidadão do nosso país.

Quando me refiro ao “brasileiro médio”, obviamente não estou tratando da imagem romantizada pela mídia e pelo imaginário popular, do brasileiro receptivo, criativo, solidário, divertido e “malandro”. Refiro-me à sua versão mais obscura e, infelizmente, mais realista segundo o que minhas pesquisas e minha experiência têm demonstrado.
No “mundo real” o brasileiro é preconceituoso, violento, analfabeto (nas letras, na política, na ciência... em quase tudo). É racista, machista, autoritário, interesseiro, moralista, cínico, fofoqueiro, desonesto.

Os avanços civilizatórios que o mundo viveu, especialmente a partir da segunda metade do século XX, inevitavelmente chegaram ao país. Se materializaram em legislações, em políticas públicas (de inclusão, de combate ao racismo e ao machismo, de criminalização do preconceito), em diretrizes educacionais para escolas e universidades. Mas, quando se trata de valores arraigados, é preciso muito mais para mudar padrões culturais de comportamento.

O machismo foi tornado crime, o que lhe reduz as manifestações públicas e abertas. Mas ele sobrevive no imaginário da população, no cotidiano da vida privada, nas relações afetivas e nos ambientes de trabalho, nas redes sociais, nos grupos de whatsapp, nas piadas diárias, nos comentários entre os amigos “de confiança”, nos pequenos grupos onde há certa garantia de que ninguém irá denunciá-lo.

O mesmo ocorre com o racismo, com o preconceito em relação aos pobres, aos nordestinos, aos homossexuais. Proibido de se manifestar, ele sobrevive internalizado, reprimido não por convicção decorrente de mudança cultural, mas por medo do flagrante que pode levar a punição. É por isso que o politicamente correto, por aqui, nunca foi expressão de conscientização, mas algo mal visto por “tolher a naturalidade do cotidiano”.

Se houve avanços – e eles são, sim, reais – nas relações de gênero, na inclusão de negros e homossexuais, foi menos por superação cultural do preconceito do que pela pressão exercida pelos instrumentos jurídicos e policiais.

Mas, como sempre ocorre quando um sentimento humano é reprimido, ele é armazenado de algum modo. Ele se acumula, infla e, um dia, encontrará um modo de extravasar. (...)

Foi algo parecido que aconteceu com o “brasileiro médio”, com todos os seus preconceitos reprimidos e, a duras penas, escondidos, que viu em um candidato a Presidência da República essa possibilidade de extravasamento. Eis que ele tinha a possibilidade de escolher, como seu representante e líder máximo do país, alguém que podia ser e dizer tudo o que ele também pensa, mas que não pode expressar por ser um “cidadão comum”.

Agora esse “cidadão comum” tem voz. Ele de fato se sente representado pelo Presidente que ofende as mulheres, os homossexuais, os índios, os nordestinos. Ele tem a sensação de estar pessoalmente no poder quando vê o líder máximo da nação usar palavreado vulgar, frases mal formuladas, palavrões e ofensas para atacar quem pensa diferente. Ele se sente importante quando seu “mito” enaltece a ignorância, a falta de conhecimento, o senso comum e a violência verbal para difamar os cientistas, os professores, os artistas, os intelectuais, pois eles representam uma forma de ver o mundo que sua própria ignorância não permite compreender.

Esse cidadão se vê empoderado quando as lideranças políticas que ele elegeu negam os problemas ambientais, pois eles são anunciados por cientistas que ele próprio vê como inúteis e contrários às suas crenças religiosas. Sente um prazer profundo quando seu governante maior faz acusações moralistas contra desafetos, e quando prega a morte de “bandidos” e a destruição de todos os opositores.

Ao assistir o show de horrores diário produzido pelo “mito”, esse cidadão não é tocado pela aversão, pela vergonha alheia ou pela rejeição do que vê. Ao contrário, ele sente aflorar em si mesmo o Jair que vive dentro de cada um, que fala exatamente aquilo que ele próprio gostaria de dizer, que extravasa sua versão reprimida e escondida no submundo do seu eu mais profundo e mais verdadeiro.

O “brasileiro médio” não entende patavinas do sistema democrático e de como ele funciona, da independência e autonomia entre os poderes, da necessidade de isonomia do judiciário, da importância dos partidos políticos e do debate de ideias e projetos que é responsabilidade do Congresso Nacional. É essa ignorância política que lhe faz ter orgasmos quando o Presidente incentiva ataques ao Parlamento e ao STF, instâncias vistas pelo “cidadão comum” como lentas, burocráticas, corrompidas e desnecessárias. Destruí-las, portanto, em sua visão, não é ameaçar todo o sistema democrático, mas condição necessária para fazê-lo funcionar.

Esse brasileiro não vai pra rua para defender um governante lunático e medíocre; ele vai gritar para que sua própria mediocridade seja reconhecida e valorizada, e para sentir-se acolhido por outros lunáticos e medíocres que formam um exército de fantoches cuja força dá sustentação ao governo que o representa.

O “brasileiro médio” gosta de hierarquia, ama a autoridade e a família patriarcal, condena a homossexualidade, vê mulheres, negros e índios como inferiores e menos capazes, tem nojo de pobre, embora seja incapaz de perceber que é tão pobre quanto os que condena. Vê a pobreza e o desemprego dos outros como falta de fibra moral, mas percebe a própria miséria e falta de dinheiro como culpa dos outros e falta de oportunidade. Exige do governo benefícios de toda ordem que a lei lhe assegura, mas acha absurdo quando outros, principalmente mais pobres, têm o mesmo benefício.

Poucas vezes na nossa história o povo brasileiro esteve tão bem representado por seus governantes. Por isso não basta perguntar como é possível que um Presidente da República consiga ser tão indigno do cargo e ainda assim manter o apoio incondicional de um terço da população. A questão a ser respondida é: como milhões de brasileiros mantêm vivos padrões tão altos de mediocridade, intolerância, preconceito e falta de senso crítico ao ponto de sentirem-se representados por tal governo?