segunda-feira, 24 de agosto de 2020

PÓS APOCALIPSE

 


O corona ficará conosco para sempre. Mesmo com a vacina, outros vírus virão. Não haverá 'volta ao normal'. As pessoas terão que parar de comer animais e outros alimentos nocivos se quiserem viver. O Cuidado de Si será uma necessidade vital. A qualidade terá mais valor que a quantidade. Vamos conviver com a morte bem de perto daqui em diante.

Com a extinção de parte da humanidade em virtude de seu comportamento autodestrutivo, os sobreviventes terão que dar um salto quântico em suas relações entre si e com o meio ambiente. 

Oxalá, o imperativo do autocuidado e a onipresença do 'outro em mim' sejam os pilares éticos de um novo comportamento.

Esse salto para níveis mais complexos e participativos de organização, exige também o desenvolvimento de novas competências de comunicação semi telepática, em que a mentira não será mais possível. O 'controle da informação' é a última trincheira do estado ante o retorno da comuna primitiva tecnologicamente potencializada no final da história. O último bastião do poder a ser derrubando antes da utopia anárquica.

A transparência total é o fim do 'governo invisível'. A raiz de todas as manipulações é a existência de informações privilegiadas. Não existem segredos em uma tribo indígena. Ou melhor: segundo a lenda tupi, Jurupari instituiu o segredo da casa dos homens para mulheres, fundando o patriarcalismo primitivo. Hoje vivemos em regime em que as ideias são engavetadas, em salas fechadas, em prédios-caixotes, em cidades formigueiros. A informação está escondida e supervalorizada. E a mentira, a informação falsa, existe. Há um jogo de poder constante pela crença em informações inacessíveis. 

A telepatia que prevejo não é individual (a capacidade de ler a mente alheia), mas sim uma cognição coletiva, um consenso compreensivo de um grupo sobre algum objeto ou acontecimento. A 'telepatia de rebanho' - que a mídia ampliou e as redes potencializaram ainda mais - uma forma de consciência em que todas as informações são compartilhadas imediatamente.

Esse é o salto evolutivo que se prenuncia. 

domingo, 9 de agosto de 2020

Batman, a resenha

LUZ SOBRE O CAVALEIRO DAS TREVAS

 

Marcelo Bolshaw GOMES[1]

 

A importância de Batman

Batman existe desde 1939[2]. É o mais lido, o mais conhecido, o mais adaptado para outras linguagens, inclusive para vídeos games. Não seria exagero dizer que ele é o maior Mito da Mídia de construção coletiva a longo prazo, no sentido de que nenhum outro personagem ficcional do gênero alcançou seus números. Porém, há algo mais importante que sua essência e a origem de seu sucesso. Batman é uma representação do inconsciente urbano contemporâneo. Ele representa a sombra como herói e a domesticação do desejo de vingança pela justiça dentro da lei em um mundo extremamente violento.

Tavares (2007) investiga o personagem através da hermenêutica de profundidade, a metodologia tríplice desenvolvida por Thompson (1995) para a análise de símbolos midiáticos, aliando três aportes específicos: a) o Batman como ‘bem comum’, uma mediação entre contextos de produção e recepção, detalhando o desenvolvimento do personagens nos quadrinhos durante várias décadas; b) o Batman como ‘produto midiático’, a partir da série de TV de 66, quando o personagem se torna um ícone da contracultura; e c) o Batman como franquia transmídia, que multiplicou o personagens em várias versões com públicos-alvo distintos.

Mediação com ‘e’, para frisar a adesão às ideias de Barbero (1997), é um agenciamento que transforma conflitos em diálogos simbólicos. O personagem ‘Batman’ é uma mediação entre um público leitor e a indústria cultural, uma negociação entre o interesse das pessoas e da sociedade. Batman é um ‘bem público’ cultural. E sua mediação exige um ‘pacto de leitura’ entre os produtores e a audiência, que passa por várias fases e mudanças no decorrer das oito décadas da vida do personagem.

Já ‘midiatização’ (com ‘i’) significa um regime em que as relações entre diferentes agentes são mediadas (com ‘e’) pelos meios de comunicação. Diz-se que algo foi ‘midiatizado’ quando sua existência virtual se torna mais importante do que sua materialidade. Tavares estuda essa virtualização do homem-morcego através do seu enquadramento no modelo da Jornada do Herói (CAMPBELL, 1995).

 Já o termo ‘transmidiatização’ evoca a ideia de múltiplos suportes e de descentralização através de redes, de um produto simbólico plural e complexo, comercializado como franquia. É a midiatização segmentada e interativa. E Tavares aplica os princípios de transmidiatização (JENKINS, 2008) ao Batman.

O rapper Emicida disse, no twitter, que o superpoder do Batman é o privilégio de branco[3]. Para seus fãs, o poder do Batman é a resiliência. Como herói, o Batman não é símbolo da classe dominante, é símbolo de preparação, disciplina, discrição e, principalmente, de superação dos próprios limites. Na verdade, as duas visões fazem sentido. O Batman é branco, rico e bem formado. E os vigilantes e justiceiros são uma negação das prerrogativas do estado no uso e controle da violência.

Batman é uma representação do mal, representando tanto a sombra psíquica quanto a domesticação do desejo de vingança pela justiça (mesmo que fora da lei) em um mundo urbano e caótico extremamente cruel e violento. Batman conta a estória de uma superação. Vítima de uma tragédia pessoal (o assassinato de seus pais), Bruce Wayne canaliza sua raiva e sua dor, dando um propósito a sua vida. O foco da anatomia subjetiva desses personagens sombrios é o controle dos instintos, da violência e da vingança através da disciplina obsessiva. A capacidade de autocontrole é semelhante a um superpoder. O personagem também trabalha com a inversão do medo: não temer a nada para torna-se temido por aqueles que vivem do crime. Porém, apesar de ter superado sua fobia por morcego e o ter tornado um símbolo de terror para os criminosos, Batman continua com um sério problema de confiança. Não confia em ninguém e é justamente isso que o torna uma pessoa tão confiável, apesar de extremamente solitário. O Batman tornou-se um mito midiático.

O trabalho de Dickson Tavares consegue mostrar o personagem não apenas em sua profundidade psicológica essencial como em sua diversidade de interpretações – um dos aspectos mais ricos do trabalho são as imagens, que não apenas ilustram o texto, mas também compõem a narrativa da dissertação, tornando-a uma ‘quase’ história em quadrinhos. Essa ‘narrativa visual’ acoplada ao texto acadêmico se dá pelo fato de Dickson ser também desenhista, designer e diagramador – além de ser fã, colecionador e apaixonado pelo cavaleiro das trevas. Em alguns momentos, inclusive, Tavares usa o modelo da hermenêutica de profundidade de Thompson com imagens. Tal procedimento é inovador, original e singular, sendo um feito significativo criatividade teórica e editorial. Durante a pesquisa, enquanto aprendia sobre teorias da comunicação comigo, Dickson ensinou-me a pensar em quadrinhos. Ele foi o protagonista; eu, o coadjuvante. 

Deixo aqui, então, meu agradecimento sincero pela participação nesse processo, na partilha desse resultado.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBERO, J. M. Dos meios às mediações. Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 1997

CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo, Editora Cultrix/Pensamento, 1995.

JENKINS, Henry, Cultura da Convergência, trad. de Susana Alexandria, 1ª edição. São Paulo: Editora Aleph, 2008.

TAVARES, Dickson de Oliveira. Batman: uma luz sobre o cavaleiro das trevas - mediações, midiatizações, transmidiatizações. 2017. 224f. Orientado pelo professor Marcelo Bolshaw Gomes. Dissertação (Mestrado em Estudos da Mídia) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017. Disponível em: <https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/23599/1/DICKSON_TAVARES_Dissertacao_Mestrado_2017.pdf> [Ultimo acesso em 09/08/2020.

THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna – teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995.



[1] Professor-pesquisador do PPGEM e orientador da dissertação.

[2] Batman surgiu pela primeira vez no número 27 da Detective Comics (National Publications, maio de 1939). O personagem é uma criação de Frank Foster e Bob Kane, desenvolvida significativamente pelo escritor Bill Finger.