sábado, 18 de janeiro de 2020

O bode na sala

ROBERTO ALVIM E REGINA DUARTE

Reza a lenda que um homem encontrava-se cansado das brigas e discussões em sua casa. A esposa não aguentava mais a rotina doméstica, seus filhos exigiam mais atenção e dinheiro; e até seus vizinhos reclamavam do seu descaso com a casa e com o bairro.

O homem, então, decidiu confessar-se com o padre, que o aconselhou: "Você não tem culpa de nada. Está dando o melhor de si. Os outros é que não reconhecem seus esforços e se escondem de seus deveres através de críticas e reclamações".

- Então, o que faço - perguntou o homem.

- Compre um bode grande e fedorento no mercado. E o coloque amarrado na mesa da sala durante uma semana - sugeriu o padre. 

- E depois?

- Depois, tire o bode e limpe tudo. Sua esposa e filhos vão ficar tão agradecidos que não vão se lembrar mais das queixas que faziam. 

Essa anedota ensina uma tática muito comum na negociação de conflitos em que alguém reclama de um problema que você não tem como resolver. Então você arruma um problema maior (o bode) fazendo com que todos se esqueçam do problema original. 

Um bom exemplo dessa tática foi a indicação de um nazista para o ministério da cultura. Depois dele, ficou mais fácil aceitar a atriz Regina Duarte. 

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Ciência é observação


LIBERDADE SEM IDENTIDADE

O Ego é uma prótese mental em cada indivíduo, através da qual a sociedade induz as pessoas a comportamento sistêmicos. O ego contra hegemônico ou crítico é tão sistêmico quanto o dominante. Apenas a consciência está fora do sistema. Apenas através da observação rigorosa de si mesmo e do conjunto das relações em que se está em inserido é possível falar de liberdade.

A liberdade não é a qualidade de seleção do ego individual, mas sim a capacidade de não se identificar com as representações de outras vontades de poder. Sem identidade, as escolhas individuais não são recorrentes e abrem novas possibilidades. A identidade do ego é formada pelas opções condicionadas (gosto disso, sou assim, meu mundo me define) que se fazem passar por liberdade de decidir.

O que chamo de aprendizado é justamente o contrário: a não identidade. A consciência observando sem preferências, as decisões e escolhas sempre feitas no presente, de acordo com cada contexto, sem referências à identidade ou à representação do ser.

O império das instituições sobre o corpo (e dentro dele) não significa que condicionamento estrutural seja absoluto e que a vontade não possa agir de acordo com a consciência. Para Flusser, por exemplo, é a desmecanização do funcionário pela consciência que o liberta do aparelho/dispositivo. Vários fizeram essa mesma travessia entre o estruturalismo e o pós estruturalismo: Bourdieu, Greimas, Foucault – todos retomam a ideia de “sujeito” de modo bem diferente do idealista fenomenológico que combateram. Foucault, na Hermenêutica do Sujeito, diz que o poder pastoral é uma “conduta”; Bourdieu vai adotar a noção de “práticas sociais” e não uma ação social ou algo que remeta a atividade voluntária dos agentes; Greimas deseja elaborar uma gramática das paixões. 

Deleuze (e o budismo em geral) enfatizam o desejo (mais do que a vontade de poder). O consumo, por sua vez, é a transformação dos desejos em prática social de identidade. E a liberdade, no sentido oposto, é a arte de saber desejar sempre novos objetos e sujeitos.