terça-feira, 24 de dezembro de 2019

a segunda onda




MEDITANDO SOBRE A MÍDIA

Há várias formas de definir ‘Midiatização’ e de distingui-la do conceito de ‘Mediação’. Há inclusive um livro da compós (JACKS, 2012), dedicado as diferentes versões dos dois conceitos, utilizado por infinidade de autores. Como já disse em outras ocasiões, considero ‘Mediação’ uma negociação de um conflito por uma terceira parte; e por ‘midiatização’ o processo histórico em que os meios de comunicação audiovisuais passam a ‘mediar’ as outras instituições e as relações sociais de modo geral. É a ‘centralidade da mídia’, a distribuição massificada de informações e interpretações políticas e econômicas seletivas, gerenciando indiretamente o Estado e o Mercado.

Porém, como o aparecimento da internet e dos dispositivos móveis, surge uma segunda onda histórica de midiatização, a micro virtualização das interações, do cotidiano - e não apenas das relações sociais e das instituições. A mídia passa a atingir o corpo e a vida pessoal dos indivíduos, grupos, comunidades e famílias.

Existem autores clássicos que só discutem a primeira onda de midiatização (como Habermas e Thompson) e outros, mais recentes (Veron, Fausto Neto), que estudam a midiatização das interações como uma continuidade da midiatização primária. Existem também aqueles – como Castells - que enfatizam as redes sociais como fator diferencial entre os dois momentos.

Há vários modos de se definir a centralidade da mídia na modernidade. Jürgen Habermas, por exemplo, acredita que a imprensa livre levou a um alargamento da esfera pública burguesa, democratizando-a. John Thompson imagina uma democracia mediada, em que os meios de comunicação, centralizando informações econômicas e políticas, possam mediar as relações entre o estado, o mercado e as pessoas. A mídia tornou-se mediadora central das relações sociais.

Assim, é possível que hoje a informação determine o preço dos produtos e até o valor acionário das empresas, sem que isto se constitua em um rompimento com a lógica da mercadoria e com o capitalismo. De uma forma ou de outra, a centralidade dos meios de comunicação institui um regime social de hipervisibilidade (de algumas pessoas, entidades e situações em detrimento de outras) e de simultaneidade de tempo-espaço (incluindo o surgimento de uma audiência não-presencial permanente).

A mídia oferece uma imagem virtual da sociedade para todos. Essa imagem, no entanto, é uma representação ideológica, um ‘simulacro’, um reflexo deformador que omite e hierarquiza os acontecimentos segundo seus próprios interesses. A própria noção de ‘mídia’ expressa o caráter monolítico dos meios de comunicação de massa e de seu papel de uniformização da identidade, de industrialização cultural.

Enquanto a primeira onda é massiva e unilateral; a segunda é interativa e direcionada de formas diferentes a públicos alvos distintos. E, principalmente, a midiatização das relações sociais se localizava no âmbito das instituições; enquanto a midiatização das interações sociais se dá no micro contexto do cotidiano e do indivíduo. Hoje, com a implosão da cultura de massas, promovida pela segmentação e pela interatividade da segunda onda, a centralidade da mídia se tornou ainda mais complexa, se multiplicando e dividindo de diferentes modos e formas, pulverizando a visibilidade em universos culturais variados e paralelamente simultâneos.

No entanto, ambas as ondas não se justificam por si mesmas. A maioria dos autores que as descrevem, não as associam a outras instancias, fazendo com que a mídia em si seja considerada a causa e o veículo das mudanças sociais. A infância, o consumo, a escola, os hábitos – tudo está mudando devido à midiatização; mas, não se explica, em decorrência do que a midiatização surgiu na sociedade moderna, quais fatores estruturais determinaram seu aparecimento.

Para Castells, tanto a TV como a internet sugiram de necessidades estruturais da sociedade. A tecnologia não aumenta a autonomia individual das pessoas, ela responde às necessidades de autonomia individual da sociedade contemporâneas. Para ele, a organização em redes substituiu o modelo industrial do ponto de vista econômico antes do aparecimento da internet. Assim, a grande diferença é que os meios de comunicação de massa seguem o modelo de organização industrial, que enfatiza a uniformização das massas; e os novos dispositivos da internet se organizam em redes – estruturas descentralizadas e horizontais, que adaptam o mesmo conteúdo a cada grupo ou indivíduo. Ao invés, de padronização existe agora uma customização dos produtos, principalmente da informação. É o capitalismo informacional ou pós-industrial.

Para Castells, o efeito da mídia é apenas um terço dos fatores estruturais de uma mudança social bem maior; a globalização. Para ele, nessa mudança, além de uma nova percepção de tempo/espaço em que o futuro e sua simulação passam a desempenhar um papel central através da mídia, há também outros fatores estruturais, como as relações de produção organizadas em rede e as novas relações de experiência. Em relação às relações de produção, há uma troca o modelo talylorista de organização da fábrica pelo modelo de organização em redes de unidades autônomas.

E em relação às novas relações de experiência produzidas pela entrada da mulher no mercado de trabalho, há também uma associação estrutural entre o feminino e a natureza. De forma que Castells assimila e reverencia três abordagens: a economia política; o pensamento pós-moderno, enraizado no aqui e agora e no cotidiano; e a midiatização (a hipervisibilidade seletiva e a simultaneidade de tempo decorrentes da linguagem audiovisual interativa) das teorias da Comunicação.

O que é importante ressaltar é que houve uma desindustrialização da economia. Enquanto o capital se virtualizou, a mão-de-obra ficou desagregada em seu desempenho, fragmentada em sua organização, diversificada em sua existência e dividida em sua ação coletiva. Capital e trabalho tendem cada vez mais a existir em diferentes espaços e tempos: o espaço de fluxos e o espaço dos lugares, tempo instantâneo de redes computadorizadas versus tempo cronológico da vida cotidiana. O capital é global; o trabalho, local. 

Também é relevante enfatizar que as duas ondas de midiatização estão contextualizadas historicamente nessa passagem estrutural do capitalismo industrial para o capitalismo informacional.