terça-feira, 24 de dezembro de 2019

a segunda onda




MEDITANDO SOBRE A MÍDIA

Há várias formas de definir ‘Midiatização’ e de distingui-la do conceito de ‘Mediação’. Há inclusive um livro da compós (JACKS, 2012), dedicado as diferentes versões dos dois conceitos, utilizado por infinidade de autores. Como já disse em outras ocasiões, considero ‘Mediação’ uma negociação de um conflito por uma terceira parte; e por ‘midiatização’ o processo histórico em que os meios de comunicação audiovisuais passam a ‘mediar’ as outras instituições e as relações sociais de modo geral. É a ‘centralidade da mídia’, a distribuição massificada de informações e interpretações políticas e econômicas seletivas, gerenciando indiretamente o Estado e o Mercado.

Porém, como o aparecimento da internet e dos dispositivos móveis, surge uma segunda onda histórica de midiatização, a micro virtualização das interações, do cotidiano - e não apenas das relações sociais e das instituições. A mídia passa a atingir o corpo e a vida pessoal dos indivíduos, grupos, comunidades e famílias.

Existem autores clássicos que só discutem a primeira onda de midiatização (como Habermas e Thompson) e outros, mais recentes (Veron, Fausto Neto), que estudam a midiatização das interações como uma continuidade da midiatização primária. Existem também aqueles – como Castells - que enfatizam as redes sociais como fator diferencial entre os dois momentos.

Há vários modos de se definir a centralidade da mídia na modernidade. Jürgen Habermas, por exemplo, acredita que a imprensa livre levou a um alargamento da esfera pública burguesa, democratizando-a. John Thompson imagina uma democracia mediada, em que os meios de comunicação, centralizando informações econômicas e políticas, possam mediar as relações entre o estado, o mercado e as pessoas. A mídia tornou-se mediadora central das relações sociais.

Assim, é possível que hoje a informação determine o preço dos produtos e até o valor acionário das empresas, sem que isto se constitua em um rompimento com a lógica da mercadoria e com o capitalismo. De uma forma ou de outra, a centralidade dos meios de comunicação institui um regime social de hipervisibilidade (de algumas pessoas, entidades e situações em detrimento de outras) e de simultaneidade de tempo-espaço (incluindo o surgimento de uma audiência não-presencial permanente).

A mídia oferece uma imagem virtual da sociedade para todos. Essa imagem, no entanto, é uma representação ideológica, um ‘simulacro’, um reflexo deformador que omite e hierarquiza os acontecimentos segundo seus próprios interesses. A própria noção de ‘mídia’ expressa o caráter monolítico dos meios de comunicação de massa e de seu papel de uniformização da identidade, de industrialização cultural.

Enquanto a primeira onda é massiva e unilateral; a segunda é interativa e direcionada de formas diferentes a públicos alvos distintos. E, principalmente, a midiatização das relações sociais se localizava no âmbito das instituições; enquanto a midiatização das interações sociais se dá no micro contexto do cotidiano e do indivíduo. Hoje, com a implosão da cultura de massas, promovida pela segmentação e pela interatividade da segunda onda, a centralidade da mídia se tornou ainda mais complexa, se multiplicando e dividindo de diferentes modos e formas, pulverizando a visibilidade em universos culturais variados e paralelamente simultâneos.

No entanto, ambas as ondas não se justificam por si mesmas. A maioria dos autores que as descrevem, não as associam a outras instancias, fazendo com que a mídia em si seja considerada a causa e o veículo das mudanças sociais. A infância, o consumo, a escola, os hábitos – tudo está mudando devido à midiatização; mas, não se explica, em decorrência do que a midiatização surgiu na sociedade moderna, quais fatores estruturais determinaram seu aparecimento.

Para Castells, tanto a TV como a internet sugiram de necessidades estruturais da sociedade. A tecnologia não aumenta a autonomia individual das pessoas, ela responde às necessidades de autonomia individual da sociedade contemporâneas. Para ele, a organização em redes substituiu o modelo industrial do ponto de vista econômico antes do aparecimento da internet. Assim, a grande diferença é que os meios de comunicação de massa seguem o modelo de organização industrial, que enfatiza a uniformização das massas; e os novos dispositivos da internet se organizam em redes – estruturas descentralizadas e horizontais, que adaptam o mesmo conteúdo a cada grupo ou indivíduo. Ao invés, de padronização existe agora uma customização dos produtos, principalmente da informação. É o capitalismo informacional ou pós-industrial.

Para Castells, o efeito da mídia é apenas um terço dos fatores estruturais de uma mudança social bem maior; a globalização. Para ele, nessa mudança, além de uma nova percepção de tempo/espaço em que o futuro e sua simulação passam a desempenhar um papel central através da mídia, há também outros fatores estruturais, como as relações de produção organizadas em rede e as novas relações de experiência. Em relação às relações de produção, há uma troca o modelo talylorista de organização da fábrica pelo modelo de organização em redes de unidades autônomas.

E em relação às novas relações de experiência produzidas pela entrada da mulher no mercado de trabalho, há também uma associação estrutural entre o feminino e a natureza. De forma que Castells assimila e reverencia três abordagens: a economia política; o pensamento pós-moderno, enraizado no aqui e agora e no cotidiano; e a midiatização (a hipervisibilidade seletiva e a simultaneidade de tempo decorrentes da linguagem audiovisual interativa) das teorias da Comunicação.

O que é importante ressaltar é que houve uma desindustrialização da economia. Enquanto o capital se virtualizou, a mão-de-obra ficou desagregada em seu desempenho, fragmentada em sua organização, diversificada em sua existência e dividida em sua ação coletiva. Capital e trabalho tendem cada vez mais a existir em diferentes espaços e tempos: o espaço de fluxos e o espaço dos lugares, tempo instantâneo de redes computadorizadas versus tempo cronológico da vida cotidiana. O capital é global; o trabalho, local. 

Também é relevante enfatizar que as duas ondas de midiatização estão contextualizadas historicamente nessa passagem estrutural do capitalismo industrial para o capitalismo informacional. 

domingo, 24 de novembro de 2019

enfim, a autocrítica


OS ERROS DO PT

Marcelo Bolshaw Gomes[1]

Se você tem críticas pra fazer ao PT, faça. Mas se eu ficar toda hora fazendo autocrítica, aí nem precisamos de oposição. Eles sabem dos nossos erros, mas também sabem que fomos quem mais fez pelo Brasil. Twitter do Lula 07:22 - 20 de novembro de 2019

Introdução
Mesmo com medo de dar munição ao inimigo, essa extrema direita ignorante, que na falta de provas de crimes agora exige a autocrítica dos erros; mesmo com medo de ser confundido com o 'antipetismo' e ser linchado pela militância, resolvi atender ao pedido do ex-presidente Lula e formular algumas críticas fraternas ao Partido dos Trabalhadores.
A crítica não tem a ver com a ideia de “apontar falhas, erros e equívocos alheios” ou de brandir o espírito de contradição que a tudo nega e minimiza, sem critérios ou parâmetros. A crítica é a atividade de interpretar um discurso em um sentido diferente do que é imaginado pelo enunciador. É, portanto, oposto a uma leitura passiva, que aceita incondicionalmente a interpretação do que lhe está sendo dito. Porém, em um ambiente autoritário, em que subserviência às ideias das autoridades é a regra silenciosa, a polêmica é vista como encrenca e o crítico, como um desagradável criador de casos, jogando-se fora assim o que há de mais rico na convivência humana: o confronto das inteligências, o diálogo entre diferentes interpretações de mundo.
Já a 'autocrítica' não é uma confissão ou a expiação pública de pecados. É claro que muitos querem humilhar o PT, fazendo com ele seja responsabilizado pelos erros em que acreditam (o partido deveria ter pago a dívida pública com recursos internacionais, Lula não deveria ter se entregado à justiça, deveriam ter apoiado Ciro Gomes, entre outros achismos). A situação se agrava com a falta de humildade dos petistas e da capacidade de admitir os próprios erros.
Autocrítica, mais do que a competência aprender com os próprios erros, é a capacidade de reconhecer os erros que não se cometeu. E só os próprios petistas podem avaliar onde e como foi que erraram.
No entanto, sou anarquista e nas últimas eleições fiz campanha para frente de esquerda que se formou contra o candidato fascista. Também sou espiritualista e sigo a máxima do Hoponopono: O que eu não gosto em você, corrijo em mim. Então, incentivado por Lula, me coloco no lugar do PT e realizo em seu nome a tão solicitada autocrítica, consciente de que não desejo destruir mas sim colaborar com o desenvolvimento comum, tenho vários níveis de crítica em relação ao PT que gostaria de compartilhar aqui: as opções estruturais e ideológicas do partido; os erros táticos e conjunturais; e, finalmente, os erros históricos.
Diferenças ideológicas
Em 1981, me identifiquei com as declarações do então sindicalista polonês Lech Walesa em seu encontro com Lula em Roma. Walesa criticou a criação da CUT por dividir o movimento sindical ao meio e lamentou que os trabalhadores brasileiros tivessem escolhido o modelo de ‘partido de massas’ como principal ferramenta de organização e luta – algo que a social democracia já teria feito e fracassado. Argumentos simples que, com o tempo se mostraram válidos. O PT, por força de sua atuação parlamentar, se distanciou de sua origem operária.
Por outro lado, a prática de disputar a liderança de sindicatos, associações de moradores, entidades estudantis - herdada do modelo leninista dos antigos partidos clandestinos dos tempos da ditadura - levou a uma prática de aparelhamento político dos movimentos sociais. O partido passa falar através das entidades.
E o PT não é o único a perpetuar essa prática oportunista e antidemocrática. O PC do B acabou com a representatividade da UNE. O PSOL tenta aparelhar o movimento LGBT. O PT, no entanto, além de ser maior nessa 'liderança social da sociedade civil', acaba organizando movimentos sociais totalmente artificiais, o movimento LULALIVRE, por exemplo, é composto por entidades dirigidas por militantes do partido.
Este duplo caráter do partido (parlamentar e de organização dos trabalhadores) traz dois problemas: 1) o lado parlamentar do partido imagina que suas bases são associações de massa; e, 2) a população se sente manipulada ao invés de duplamente representada. O PT faz política voltado para dentro de si e confunde as necessidades de sua militância com os interesses da população.  Assim, o partido elabora uma narrativa heroica sobre si mesmo, através da qual interpreta os acontecimentos externos e se distancia da realidade da maioria.
No momento do encontro entre Lula e Walesa, eles eram os mais expressivos líderes operários do mundo e ainda não tinha sido presidentes. Apesar de seus convincentes argumentos anarquistas, Walesa fracassou em seu projeto de governo através do Solidariedade (central de sindicatos livres), sucumbiu ao alcoolismo. Também foi descoberto que seu catolicismo radicalmente anticomunista o levou a ser informante dos EUA. Enquanto isso, Lula, apesar das decisões por modelos ultrapassados (partido de massa e sindicatos partidarizados), fez um dos melhores governos que o Brasil já teve. Porém, para ser assimilado pelo sistema político, também foi assimilado pela máquina parlamentar.
Erros táticos
Então, o primeiro erro político sério foi aceitar o presidencialismo de coalizão ao invés de fazer uma ampla reforma política. Ao tentar perpetuar o parlamentarismo pela metade de FHC, o PT foi pego subornando deputados em troca de maioria parlamentar. Foi o escândalo do ‘Mensalão’. E esse seria um erro bem fácil de perceber e do qual os petistas deveriam ter feito uma autocrítica daquele momento. Mas, o sistema de propina foi repetida e veementemente negado pelo PT, ao mesmo tempo que foi lenta e dramaticamente revelado pela mídia e pelo supremo. Vários expoentes do PT se decepcionaram e saíram do partido, como Frei Beto, Heloisa Studart, Soninha Valença – para citar os mais conhecidos. Surgiram o PSOL e o PSTU.
Graças ao Bolsa-família e ao crescimento econômico, em sua reeleição, Lula recebeu os votos dos eleitores que, nas eleições passadas, votaram nos ‘fermandos’, as pessoas de menor renda e instrução; enquanto seus eleitores tradicionais do PT (as classes médias das universidades) votaram em seus novos adversários de esquerda: Cristovam Buarque (PDT) e Heloísa Helena (PSOL).
Desde então o PT vem cometendo erros (como qualquer um cometeria, diga-se de passagem), mas não assume mais a responsabilidade pelas consequências de suas escolhas e posições, atribuindo todos os seus fracassos às forças de direita e ao seu não reconhecimento pelo restante da esquerda. Erros todos cometemos. Porém, persistir em negar os erros, a esconde-los ou falsificá-los por vergonha ou má fé, significa continuar a repeti-los. A aliança com PSB em Pernambuco para tentar eleger Dilma senadora por Minas, ou estratégia eleitoral de lançar o inelegível Lula (acreditando que pressão popular será capaz de reverter a legislação eleitoral) ao invés de organizar uma ampla frente de esquerda por exemplo. O PT não só não se arrepende desses erros táticos, mas ameaça repeti-los em 2020.
Erros históricos 
Entre os grandes erros estruturais e os pequenos erros táticos, estão os erros históricos e/ou estratégicos – aqueles mais significativos. O PT não compreendeu o sentimento anti institucional das jornadas de 2013 e preferiu aderir ao sistema político e à realização da Copa do Mundo.
No final do segundo governo Lula, éramos a 8ª economia do mundo. Houve uma recessão mundial, que fez apenas uma ‘marolinhas’ por aqui. O Brasil descobriu que tinha um mercado interno e que podia crescer com autonomia em relação à economia internacional. A distribuição de renda, via o bolsa-família, teve um efeito macroeconômico inegável, com crescimento e baixa inflação.
Em 2010, a internet passa a desempenhar um papel decisivo nas eleições. Vários temas começam a ser agendados a partir das redes para a propaganda eleitoral: a comparação entre os governos Lula e FHC, descriminalização do aborto no Brasil, etc. A manipulação de informações pelas campanhas de ambos, especialmente na Internet, tornou difícil para os eleitores julgarem o que seriam os fatos verdadeiros e os boatos falsos associados a essas questões polêmicas. A essa altura, as elites brasileiras não escondiam mais sua insatisfação com a nova realidade social do país, com o acesso das camadas populares às universidades, aeroportos e outros espaços antes só frequentados pelas classes mais abastadas.
Em junho de 2013, o Brasil passou, durante vários dias, por uma sequência de manifestações populares nas principais cidades do país. Quase dois milhões de brasileiros participaram de manifestações em 438 cidades. O movimento não foi organizado por entidades (e por partidos por detrás delas), rompendo com toda metodologia leninista de organização de protestos, prescritas no livro Que Fazer, de Lenin, a bíblia dos partidos de esquerda.
Ao tentar apresentar uma resposta à população, Dilma se viu bloqueada pelos partidos que sustentavam a base aliada do governo no Congresso. O próprio PT desqualificou o movimento, por não ser organizado por partidos e entidades sindicais. Dilma e o PT não entenderam. E, não levando os protestos em conta, partiram para disputar a reeleição presidencial através das mesmas práticas políticas partidárias parlamentares de sempre: procurando alianças com partidos grandes para garantir a maioria no parlamento e se apresentando como a garantia política da distribuição de renda e dos direitos sociais contra a direita neoliberal.
Mas, a dívida pública subiu vertiginosamente em 100 bilhões. O que foi que Dilma fez em cinco anos que deixou o país quebrado? Por que o governo petista gastou uma fortuna na construção de estádios e obras de mobilidade; em detrimento de escolas, de hospitais e das polícias? Por que os principais beneficiários das obras, aliados na reeleição de Dilma, foram os principais defensores do impeachment? Vítima da traição de seus próprios aliados, Dilma e o PT sucumbiram em virtude de um golpe branco.
Tanto Lula como o PT se recusam até os dias de hoje que tenham qualquer responsabilidade com o fracasso da Copa do Mundo e a explosão da dívida pública devido ao carnaval de obras públicas desnecessárias superfaturadas para as empreiteiras. É claro que foram pegos em uma armadilha, mas se recusam a admitir que foram enganados e equiparados ao que sempre combateram.
Imagine uma polícia que utiliza a delação premiada de traficantes para incriminar seus clientes viciados. O que acontecerá? Outros usuários surgirão. O mesmo se aplica à Lava-jato. Fazer com que os corruptores ativos dedurem os agentes de corrupção passiva, de modo seletivo, é claramente uma forma de perseguição política. Para se defender desta manobra evidente, é preciso admitir o crime menor e denunciar a cumplicidade entre os verdadeiros criminosos e a justiça que os investiga. No caso, o PT deveria admitir que as obras não eram necessárias e que foram feitas para triangular verbas para eleição - como sempre foi feito pelas classes dominantes.
Sem planos e sem erros
Que futuro o PT oferece? Qual utopia? Nenhuma, deseja apenas voltar ao passado, ao estado de bem estar social e às políticas de inclusão social e de renda mínima. E é a incapacidade de sonhar um futuro melhor que o impede de fazer autocríticas.
Não admitir que o PT tem parte – e grande parte – nessa crise equivale a dizer que o PT só construiu o importante legado de seus governos graças ao boom de commodities. E isso não é verdadeiro. Houve escolhas: algumas muito acertadas; outras nem tanto; e outras tremendamente desastrosas. Admiti-las é fundamental não ao passado, mas ao futuro. (...) E é justamente esse futuro que o PT precisa voltar a oferecer para as pessoas se quiser voltar a ganhar uma eleição. O modelo sob o qual o partido se construiu não existe mais. Entender isso é também voltar a vislumbrar o futuro. (...) E a dinâmica das redes polarizadas, onde as performances contam muito, contribuiu para tornar as posições eleitorais inconciliáveis. Humilhar bolsonaristas arrependidos na internet é só uma das muitas evidências de que os petistas não estão muito interessados em disputar voto, justamente porque essa disputa não mira o futuro, mas o passado. Então, nesse caso – e só nesse caso –, a autocrítica realmente parece não fazer muito sentido. Assim como para Bolsonaro é confortável ter o PT como centro gravitacional da oposição, para o petismo é bom ter Bolsonaro na presidência. (...) A questão é que o PT parece acreditar que, para um retorno triunfal do partido, bastam o fracasso da economia sob Bolsonaro e as saudades dos anos de ouro do lulismo. Outro erro capital. Mais um que os petistas dificilmente vão admitir.
Murilo Cleto[2]
Conclusão
O impeachment da presidenta, na realidade um golpe branco, forjou uma expressiva frente de direita, um “grande pacto” envolvendo a mídia, o STF, os militares e os bancos para remover a esquerda do poder e fazer uma reforma previdenciária e diminuir o déficit público. O discurso contra a corrupção serviu para que a operação Lava-jato fizesse a prisão totalmente arbitrária de Lula – que foi julgado e condenado em tempo recorde para os padrões brasileiros, em conjunto com uma campanha de difamação sem precedentes. 
Com a inesperada eleição do candidato da extrema direita Jair Bolsonaro em 2018, acaba o período histórico conhecido como Nova República. Período que começou com a morte do presidente Tancredo Neves, foi estruturado pela Assembleia Constituinte de 1988 e caraterizado pelo predomínio fisiológico do PMDB, encoberto pela disputa ideológica entre o PT e o PSDB. A principal característica da Nova República foi o predomínio do poder legislativo sobre o executivo e o judiciário – através do dispositivo que permite, por maioria de 2/3, o Congresso legislar matérias constitucional e o presidencialismo de coalização (na verdade, o parlamentarismo disfarçado), com a indicação não apenas de ministros e de todos os cargos da administração federal direta e indireta. Com os presidentes Temer e Bolsonaro, no entanto, não surgiu um novo equilíbrio entre os três poderes.
O desejo de votar na extrema direita foi artificialmente criado pela mídia, mas também veio do profundo descrédito nas instituições democráticas que se corromperam (o congresso, o STF, os partidos políticos, etc). Havia um desejo legítimo de mudança não contemplado pela esquerda (a reestruturação do sistema de governança política) que a direita soube aproveitar em sua crítica radical à corrupção institucional. Os aplicativos de vídeo comunicação em telefones celulares foram determinantes no resultado da eleição, suplantando os meios de comunicação tradicionais. Vídeos pornográficos reclamando da ideologia de gênero associados à esquerda; cenas de violência e de injustiça, acobertados pelo governo; e muitas denúncias de corrupção. Essas mensagens, postas de forma emocionalmente apelativas, transmitidas pelo whatsapp permitem uma capilaridade invisível para os olhares antigos. A utilização do celular como mídia principal, em um ambiente de conspiração, postulando que a grande mídia mente e é controlado pelos poderosos é uma característica também presente na eleição de ontem, na de Trump e no plebiscito do Brexit. Nesses casos também houve uma grande quantidade de notícias mentirosas difundidas na rede de modo alternativo para comunidades.
As comunidades de afeto e interesse são os palcos da disputa política, o local em que se debate realmente. Disputa sem argumentos ou discursos, mas com catarses de ódio e os medos que elas causam. E a luta política é sobre a confiabilidade dos candidatos (mais do que pelas propostas ou pela ideologia). Qual dos dois está mentindo? Os que votam nulo resolvem essa pergunta afirmando que ambos. Mesmo que seja verdade, que a representação política tenha se tornado uma farsa, resta ainda o peso da escolha. Quem mente menos? Quem faz parte do sistema e luta pela sua manutenção? A descrença sistêmica tanto se converte em raiva pela direita quanto em medo pela esquerda. É a descrença sistêmica que faz alguns acreditarem em qualquer coisa, mesmo que não faça muito sentido. Existe apenas a canalização da insatisfação com as mentiras das instituições democráticas, contra as mudanças no mundo, contra a corrupção da qual todos fazem parte.
A culpa da vitória da direita é de todos nós, inclusive do PT.





[1] Jornalista, doutor em ciências sociais e professor do Programa de Pós Graduação em Estudos da Mídia da UFRN. Escreveu o livro: Decifra-me ou te devorarei – A imagem pública de Lula no horário eleitoral em 1989, 1994, 1998 e 2002. Natal, Editora Universitária da UFRN (EDFURN): 2006


sexta-feira, 15 de novembro de 2019

UMBANDA É CARIDADE

Na sessão espírita do dia 15 de novembro de 1908, presidida por José de Souza, na sede da Federação Espírita de Niterói, Estado do Rio de Janeiro, uma série de fatos estranhos aconteceram: espíritos, que se diziam de escravos negros, índios e crianças incorporaram nos médiuns da casa, de forma que rompia com as práticas kardecistas: pedindo balas, fumo e bebidas. Esses espíritos foram, então, convidados a se retirarem do recinto pelo presidente dos trabalhos, advertidos do seu estado de atraso espiritual.

Foi então que o jovem Zélio Fernandino de Moraes, de apenas 17 anos, que pela primeira vez frequentava um trabalho do gênero, foi dominado por uma força estranha, que fez com que ele falasse sem saber o que dizia. Era a voz do Caboclo Sete Encruzilhadas, que, em alto e bom tom, refutou a tese defendida pelo dirigente de que os mortos fossem atrasados espiritualmente devido à sua etnia ou à classe social a que pertenciam quando vivos.

Dia 17, na Rua Floriano Peixoto, número 30, em Neves, Zélio abriu o primeiro centro de Umbanda do Brasil: a casa Nossa Senhora da Piedade. Às 20 horas, como havia prometido em sua primeira aparição, o Caboclo Sete Encruzilhadas se manifestou em Zélio e declarou que se iniciava naquele momento, um novo culto em que os espíritos dos velhos africanos - que não encontravam campo de ação nem no kardecismo nem no Candomblé - e os índios nativos de nossa terra poderiam trabalhar em benefício dos seus irmãos encarnados, qualquer fosse a cor, a raça, o credo e a condição social.

Estava fundada a Umbanda!

O QUE É UMBANDA?

A Umbanda é um culto religioso-filosófico desenvolvido basicamente no Brasil, mesclando a mitologia africana do candomblé e algumas de suas práticas, mitos dos índios brasileiros e conceitos cristãos - tanto de influência católica como espírita kardecista. A Umbanda cultua os Orixás, mas com um status diferente do dado pelo Candomblé. Na primeira, os mediuns incorporam os 'guias', os espíritos dos mortos, que funcionam como mensageiros dos deuses, os orixás, os quais nunca entram em contato direto com os seres vivos. Já no Candomblé, a incorporação ritual é a do próprio Orixá sobre seu 'filho-de-santo', dispensando intermediação, não recomendando mesmo que qualquer vivo se deixe incorporar ou influenciar por espíritos de mortos.

Há ainda duas diferenças importantes. A primeira é que o Candomblé é bem anterior à Umbanda, pois trata-se de uma religião africana, trazida pelos escravos negros para o Brasil durante o Império e aqui cultuada com uma série de diferenças relativas às etnias e regiões em que floresceu (como detalharemos mais a frente). Já a Umbanda é genuinamente brasileira e surgiu, como vimos, no início do século XX, fruto do sincretismo do fetichismo africano dos Orixás com o Cristo e os Santos Católicos, e com várias práticas alimentares e medicinais indígenas. A outra diferença é que a Umbanda tem, em comum com o cristianismo, as noções morais de "Bem" e "Mal" e o conceito evolutivo-ético que deve nortear o comportamento social. Ou seja: ela só se presta a trabalhos que se enquadrem no conceito ocidental de 'bem', enquanto no Candomblé, fiel a uma tradição não-dicotomizada pela moral cristã, cultua deuses amorais, muitas vezes, partilhando, sem culpa, de suas principais características, fraquezas e paixões.

ENTRE A CRUZ E A ESPADA

Assim, há, na Umbanda atualmente, diversos graus de aproximação e distanciamento de dois pólos bastante antagônicos: o culto do Candomblé e o espiritismo kardecista. E, é claro, dentro desses limites extremos - a 'mesa' e a 'nação' - o movimento umbandista é extremamente cosmopolita e antropofágico: existem as umbandas esotéricas, influenciadas pelo ocultismo, pelas religiões orientais, pelo astrologia e por várias práticas espiritual contemporânea. Segundo seus adeptos, a própria palavra "Umbanda" não tem origem africana mas deriva de mantras no idioma sanscrito 'Aum Bhandan'.

Porém, de uma forma geral, podemos dizer que a Umbanda se resume em cinco credos: a crença na existência de um Deus Único, Onipotente, Eterno e Incriado; a crença em entidades espirituais em plano superior de evolução - os orixás, anjos e santos - bem como em entidades ainda em evolução - exus, crianças, caboclos e pretos-velhos - que servem de intermediários entre as entidades superiores e o mundo dos vivos; a crença na reencarnação e na lei de causa e efeito (Karma): na crença de que o Homem é a síntese a miniatura do Universo; e, principalmente, na crença na prática mediúnica, sob as mais variadas formas, como maneira de aliviar o karma de si e dos outros. Por isso, como resume a poesia dos próprios cantos do culto, "Umbanda é caridade".

LEIA TAMBÉM:

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

PORQUE NÃO SOU MARXISTA


PORQUE NÃO SOU MARXISTA

Marcelo Bolshaw Gomes[1]


Com a ascensão da extrema-direita e da ignorância orgulhosa de si ao poder no Brasil, toda esquerda passou a ser taxada de ‘comunista’ e toda sociologia de ‘marxista’. Isto produziu a necessidade de explicação dos que sendo contra o governo e adepto das ciências sociais, não se sentem comunistas ou marxistas. Para quem lê Anthony Giddens e/ou Manuel Castells, ser ou não ser marxista não é a questão. Na verdade, perdeu-se uma grande diversão intelectual, pois confundidos com os marxistas, não se pode mais provoca-los como antigamente, sem fortalecer a ignorância da direita.

Mas, me chamaram de ‘marxista cultural’ – aqueles que dizem que não são marxistas, mas que, no fundo, são a mesma coisa: “adeptos de teorias críticas que condenam as pessoas ricas e bem sucedidas, insuflando os menos favorecidos contra a ordem social” – segundo me explicaram. E, assim, ao invés de tirar brincadeira com meus amigos marxistas, agora são eles (que concordando com a direita) zoam comigo, cobrando que eu assuma “meu lado marxista”.
Em primeiro lugar, é preciso dizer que o Marx é um grande pensador (do final do século passado) e que o marxismo como teoria sociológica materialista (fundamentada pela economia) quase não sobreviveu ao poli determinismo estrutural de Max Weber (2004) ao investigar como a ética protestante foi decisiva para o espírito do capitalismo.

O marxismo sobreviveu como sociologia graças a Gramsci, Althusser, Habermas e outros.  Aliás, o próprio Marx não é muito ‘marxista’ em seus textos mais literários, como O 18 de Brumário de Luís Bonaparte (2011). Mas, infelizmente, nem os atuais marxistas nem seus críticos atuais leem Marx ou os sociólogos que se seguiram. E para esclarecer meu ponto de vista tanto à direita quanto à esquerda, imaginei apresentar algumas lacunas da perspectiva materialista a partir da ótica idealista, em que o subjetivo interpreta o objetivo, determinando-o.

O motor da história e a terceira classe

Um dos conceitos marxistas centrais é ‘a luta de classes’. Ela é o coração político da teoria marxista e talvez seja a única noção que tenha chegado viva aos nossos dias. Ela é amplamente utilizada (por ambos os lados) como sendo o fator explicativo principal de todas as desigualdades e dos conflitos sociais.

Para teoria marxista, a luta de classes é a ‘encarnação’ sociológica da contradição irreconciliável entre capital e trabalho. Mas será que essa contradição é mesmo estruturalmente irreconciliável? E será que essa contradição econômica sempre se expressa historicamente na luta entre as mesmas classes? Há várias versões teóricas de ‘luta de classes’ fora da teoria marxista, que tentam reinterpretar a contradição entre Capital e Trabalho.

Para o sociólogo contemporâneo Manuel Castells (2008), “o capital é global; o trabalho, local”. As relações sociais entre o capital e o trabalho sofreram uma transformação profunda. A mão-de-obra está desagregada em seu desempenho, fragmentada em sua organização, diversificada em sua existência e dividida em sua ação coletiva. Capital e trabalho tendem cada vez mais a existir em diferentes espaços e tempos: o espaço de fluxos e o espaço dos lugares, tempo instantâneo de redes computadorizadas versus tempo cronológico da vida cotidiana. Assim é o “capitalismo informacional” em oposição ao antigo capitalismo industrial.

Outra reinterpretação desconcertante da luta de classes e da relação entre capital e trabalho, ainda mais radical e subversiva do que a própria concepção marxista, é a da sociologia estrutural-construtivista[1] de Pierre Bourdieu, em pelo menos dois pontos: a redefinição de Capital e a introdução de uma terceira classe na luta.

Bourdieu (2000a, 53-54) distingue quatro tipos de Capital: o Econômico propriamente dito; o Capital Cultural (conjunto das qualidades intelectuais transmitidas pela escola e pela família); o Capital Social (conjunto das relações sociais de que dispõe o agente); e, finalmente, o Capital Simbólico.

Para Bourdieu, a posição dos agentes no espaço (nos campos) depende do volume e da estrutura de seu Capital. Um campo pode ser definido como uma rede estruturada de agentes e instituições ou uma configuração de relações objetivas entre posições, onde os agentes estão em concorrência pelos seus troféus específicos, seguindo regras (de ingresso, de premiação e de exclusão) igualmente específicas. A distribuição dos capitais entre as classes sociais (agentes do campo econômico) são desiguais e há ainda a introdução classe média. Bourdieu observa que, em várias sociedades, as classes intermediárias, às margens do processo produtivo e da luta de classes, se dedicaram a produção de bens simbólicos. A igreja na idade média, por exemplo. Porém, a modernidade para se desenvolver teve que gestar uma 'automização' da produção de bens simbólicos em relação ao conjunto da reprodução social e a diferenciação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual. [2]

Segundo Bourdieu, nas sociedades altamente diferenciadas como a nossa, o cosmos social é constituído do conjunto desses 'campos', microcosmos sociais relativamente autônomos, espaços de relações objetivas que são o lugar de uma lógica e de uma necessidade especificas e irredutíveis às que regem os outros campos. Por exemplo: o campo artístico, o campo religioso e o campo econômico obedecem a lógicas diferentes. Em cada campo específico existe um conjunto de interesses compartilhados que garantem sua existência e funcionamento[3]. E o que permite estruturar os Campos é a posse de diferentes tipos de Capital.

Nessa lógica, a “cultura dominante não é a cultura da classe dominante” como pensava o marxismo. A cultura dominante é a cultura da classe média. As classes dominantes seriam predominantemente incultas, mais afeitas ao luxo e ao conforto, à ostentação e à boemia; enquanto as artes, a memória, a cultura de uma forma geral seria uma ocupação do que vivem às margens da luta entre as classes principais. E o próprio Bourdieu se situa, na condição de sociólogo, como um produtor simbólico.

Jean Paul Sartre dizia, na segunda parte da Crítica da Razão Dialética (2000), que o existencialismo era um território, consciência pequeno-burguesa, encravado no marxismo-leninismo, consciência de classe do proletariado. Bourdieu dá um passo à frente em relação à consciência de classe, mas também a explicação da dinâmica histórica entre as classes.

Mas, sobretudo, a sociologia de Bourdieu abre a possibilidade de pensar um projeto de sociedade a partir dos interesses da classe média (ecologia, direito humanos, o feminismo, as ‘pautas de identidade’). E essa possibilidade de elaboração de um projeto político próprio (da classe média) surge ao mesmo tempo em que a sociedade civil passa a se organizar em ONGs frente ao Estado (guardião da igualdade dos agentes individuais) e ao Mercado (defensor da liberdade dos agentes econômicos coletivos).

Já existem até apropriações opostas dessa possibilidade: Habermas (2003), a esquerda, deseja organizar a sociedade civil para ampliar a esfera pública em uma democracia deliberativa; Giddens (2001a, 2001b, 2003), a direita, defende a diminuição do estado através da terceirização da esfera pública para sociedade civil. Hoje, em uma situação social infinitamente mais complexa daquela em viveu Karl Marx, a classe média e a sociedade civil se tornaram o ‘fiel da balança’ – tanto nas disputas políticas entre direita e esquerda, quanto verticalmente na luta de classes sociais.

 Salvos por sobre-determinação

Marx, quando se refere ao conjunto da sociedade, distingue a existência concreta dos homens de suas formas de consciência social. A existência concreta equivale à ‘infraestrutura econômica’ e às ‘forças produtivas’ resultantes da interface entre os homens e a natureza; e as formas de consciência social, à ‘superestrutura social’ e às relações dos homens entre si, à luta política e cultural entre as classes sociais.

Como pensador dialético, Marx acredita que infraestrutura e superestrutura se condicionam mutuamente, mas, que, ‘em última instância’, são as necessidades humanas que predominam sobre seus hábitos e costumes. As mudanças sociais, nessa perspectiva, ocorrem inicialmente na infraestrutura produtiva; e, em um segundo momento, nas esferas reprodutivas das condições de produção: a superestrutura.

Para defender marxismo de ataques de pensadores weberianos e estruturalistas – que o acusam de ‘mono causal’ em sua ênfase econômica e advoga um determinismo de múltiplos fatores estruturais (religiosos, políticos, culturais) – Louis Althusser (1979) propôs uma adaptação de uma categoria lacaniana: a ‘sobre-determinação estrutural’ ou a determinação em ‘primeira instância’. Nesse modelo, há fatores que são determinantes aparentemente ou em um primeiro momento (como a religião); mas a determinação final continua sendo orientada pelos interesses econômicos coletivos. Assim, apesar da estrutura social ser determinada por fatores subjetivos, ela continua determinada por nossas necessidades objetivas de uso e troca. As castas indianas, por exemplo, são classes sociais com uma sobre-determinação étnica e religiosa.

A ‘centralidade da mídia’ pode ser definida, nessa perspectiva althusseriana como uma sobre-determinação estrutural dos fatores ideológico e cultural produzidos artificialmente. Os meios de comunicação tornaram-se os mediadores centrais das relações sociais. Assim, é possível que hoje a informação determine o preço dos produtos e até o valor acionário das empresas, sem que isto se constitua em um rompimento com a lógica da mercadoria e com o capitalismo. Para dar resposta à centralidade da comunicação e sobreviver como teoria ao estruturalismo e à fenomenologia, a sociologia marxista se tornou taticamente ‘idealista’ e estrategicamente materialista.

Outra atualização decisiva da teoria marxista é o trabalho do italiano Antônio Gramsci (2000). Ele é abertamente idealista pois defende uma ‘revolução cultural’, isto é, a tomada das instituições superestruturais pela consciência coletiva primeiro para mudar as relações de produção da infraestrutura depois. Gramsci vê na Cultura não apenas uma forma de alienar os trabalhadores de sua consciência coletiva, mas, sobretudo a possibilidade de torná-los conscientes de suas condições de vida. A Cultura mais que ideologia da classe dominante é vista como uma forma de consciência social, capaz de desencadear revoluções. Ele também foi um dos primeiros a destacar o papel dos intelectuais na organização da cultura, principalmente na segunda etapa de cada modo de produção. Nessa ótica, tal quais os plebeus no Império Romano ou a Igreja no Regime Absolutista, as classes intermediárias da cultura do pós-guerra, criadas às margens da produção material, representam um papel decisivo: a defesa dos interesses coletivos das classes dominantes em detrimento de seus interesses individuais, sob a forma de uma centralização do poder político ou ‘intervenção estrutural do Estado na economia’. Nesses momentos, os intelectuais (as classes médias) ou se tornam tecnocráticos ou revolucionários – em função de sua opção na luta de classes.

Gramsci distinguia dos tipos de práxis: o fazer e o agir. O Fazer corresponde a atividade coletiva dos homens em relação ao meio ambiente, as chamadas ‘práticas sociais’ por Bourdieu e Althusser; e o Agir referente a ação social dos homens entre si. A tecnologia é o ‘saber fazer’ e a ética, o ‘saber agir’. Haveria ainda a ‘práxis das práxis’, a relação dialética entre o Fazer (a ação involuntária das massas) e o Agir (a ação consciente das pessoas). É a história que ‘faz’ os homens ou são os homens que fazem a história? A história ‘faz os homens que fazem a história’. Mas, os homens fazem a própria história e não sabem que a fazem. A revolução, segundo esse credo, acontece quando os homens ‘tomam as rédeas da própria história’ e passam a fazê-la conscientemente.  Para Gramsci, tudo começa e acaba na consciência.

Amor e ódio a Habermas

Conheci as ideias de Habermas, mais precisamente o livro sobre a ampliação da esfera pública (2003), no início dos anos 80 – conjugadas com o pensamento de Gramsci[4]. A ampliação da esfera pública equivaleria à organização da sociedade civil (de Gramsci) e à revolução cultural, a chegada ao poder através da superestrutura.

Nesse contexto, Habermas era utilizado como fundamento teórico de uma estratégia política importada da Europa, abertamente reformista diante de outras estratégias que se pretendiam revolucionárias. E, assim, a primeira impressão foi que não passava de um marxista conservador, herdeiro de Adorno e da escola de Frankfurt, que desejava ser crítico mas continuava a pensar de forma elitista.

Porém, certa vez, assisti a uma exposição da Teoria da Ação Comunicativa, quando essa obra ainda não havia sido traduzida, e fiquei absolutamente encantado com as noções de racionalidade instrumental (da objetividade das coisas), racionalidade estratégica (dos sujeitos individuais e coletivos) e a ação comunicacional (ou a intersubjetividade coletiva). A ação comunicativa seria mais que racional, pois englobaria o inconsciente, o involuntário, o corpo inteiro. E essa intersubjetividade total era a ampliação da sociologia da ação social weberiano dentro do marxismo, equivalente a noção funcionalista de interação de Talcott Parsons (uma vez que nessa época não havia ainda internet nem comunicação interativa).

Passaram-se muitos anos e o fato de que outros leitores de Habermas entendessem a sua intersubjetividade como um debate racional e não como uma interação social me causava espécie. Uma redução da ação comunicativa à racionalidade estratégica! – lamentava. Para mim, os leitores brasileiros de Habermas seguiam influenciados pela difusão inicial de suas ideias, orientada por interesses partidários.

Recentemente, no entanto, li a Teoria da Ação Comunicativa (2012). Habermas tanto é institucionalista, que enfatiza o papel da comunicação na democracia na discussão política das racionalidades instrumentais e estratégicas; como também neocontractualista, que ressalta a formação de uma vontade política através de uma intersubjetividade cultural. A ‘democracia deliberativa’ é a cereja do livro, em que Habermas vê dois aspectos: participação consciente e interação involuntária. A democracia deliberativa é a união da ação comunicativa com a racionalidade estratégica contra a razão instrumental.

Nos anos 90, a noção de ‘democracia deliberativa’ - estruturada em um tripé entre o Estado (o campo da igualdade jurídica), o Mercado (o campo econômico) e a Sociedade Civil (o campo das comunidades) - foi retomada por Giddens e Thompson, voltando ao front teórico-político. Giddens considera a terceirização da sociedade civil como solução tanto para fazer frente ao estado inchado e ineficiente e ao estado mínimo neoliberal. A ampliação da esfera pública do estado se daria através de ONGs.

Já Thompson (1995, 1998) pensa em uma democracia deliberativa orquestrada pela mídia, que deveria ter autonomia em relação ao estado e ao mercado, sendo organizada a partir da sociedade civil. A comunidade seria a guardiã da comunicação, mediadora dos interesses políticos e econômicos. Porém, essas reinterpretações foram anteriores ao advento das redes digitais![5]

Crítica pós-moderna

Reparem que tanto Althusser quanto Gramsci e Habermas em suas tentativas de ‘salvar’ o marxismo o colocam dentro de um cenário considerado idealista por Marx, cenário que enfatiza mais a ação que seu condicionamento estrutural pelo contexto. Isto se dá em virtude de termos conquistado uma percepção intelectual mais clara de que a realidade não existe em si, independentemente dos agentes que a observam e elaboram. Hoje o materialismo não passa de uma das realidades possíveis de um universo quântico.

Porém, o golpe fatal na sociologia marxista foi desferido pelo lado empírico e concreto: o pensamento pós-moderno de Foucault e Deleuze e a desconstrução de três fundamentos que o marxismo herdou de Hegel: a totalidade, a causalidade e a dialética.

Segundo a ótica pós-moderna, toda totalidade é totalitária, pois impõe um centro e uma determinada perspectiva do conjunto. A diversidade das partes na formam um todo; o social não pode ser tomado em seu conjunto, sem que seus elementos sofram amputações e simplificações.

Relativista e adepto da simultaneidade não-midiática de tempo-espaço, o pensamento pós-moderno também não crê em causalidade ou determinação estrutural. Seu mundo é feito de singularidades imprevisíveis. Todos os fatores se condicionam mutuamente sem que nenhum seja necessariamente determinante. E assim, o poder não é ‘propriedade’ de uma classe que o teria conquistado, mas um conjunto de estratégias materializadas em práticas, técnicas e disciplinas diversas e dispersas. Foucault e Deluze também contestam a ideia de que o Estado funciona como centro de organização social: “o poder não nem global nem local, não está em lugar nenhum, mas infinitesimalmente difuso no espaço”. De forma que, o poder também não está subordinado a um modo de produção ou a uma infraestrutura econômica. O poder é imanente à vida social e não comporta nenhum tipo de unificação transcendente ou centralização globalizante. Assim, também seria falsa a formulação de acordo com o qual, o poder agiria ora por coerção, ora por consenso.

Incorporando a perspectiva da física contemporânea, o pós-moderno imagina um universo de partes sem todo, um contínuo de tempo-espaço sem determinismos estruturais, em que tudo se condiciona e é relativo ao observador. As práticas sociais, as estratégias cognitivas, os dispositivos são impessoais, recorrências históricas intersubjetivas sem agentes, em padrões de organização aparentemente aleatórios para esconder as relações de poder sobre os corpos.

A diferença sociológica mais significativa é a mudança nos modos de dominação baseadas na disciplina para novas formas de controle social. Foucault e Deleuze descrevem a passagem das instituições de confinamento e disciplina (do adestramento individual do corpo a rotinas) para uma sociedade de controle em redes a céu aberto, através de “cifras e senhas”. Sociedade de controle se tornaria possível ainda graças ao comportamento instituído pelo regime da “moratória ilimitada’ – um aperfeiçoamento psicopolítico da culpa cristã – uma obsessão psicológica pelo ressarcimento da dívida social individualizada (1998, 219).

O pensamento de Foucault e Deleuze transformaram radicalmente o pensamento sociológico, influenciando todos os pensadores que se seguiram a eles. E, na minha opinião, é muito mais subversivo, radical e revolucionário do que o marxismo em sua crítica à sociedade.

Conclusão

Então foi assim (encontrando algo ainda mais crítico e radical) que deixei de ser marxista (e freudiano também).

Mas, isso não significa que eu o considere uma teoria inteiramente ultrapassada ou que não valorize algumas de suas versões contemporâneas. O geógrafo Milton Santos, por exemplo, responde a vários pontos da crítica pós-moderna (a história como dimensão do espaço social, a noção de território substituindo a de propriedade privada, entre outros). Ou ainda, a feminista Ângela Davis, que descreve a exploração invisível das mulheres embutida no trabalho masculino ou as relações do engendramento das intersecionalidades entre o complexo prisional e o complexo industrial-farmacêutica. Esses pensadores merecem respeito porque utilizam o pensamento de Marx para pensar suas realidades específicas, sem querer nem repeti-lo mecanicamente nem reformá-lo com idealismos. Eles não pretendem dar continuidade ou ressuscitar o marxismo original, mas se utilizam das ferramentas de análise marxistas em seus próprios projetos teóricos. Acho que também é possível incluir Edgar Morin aí.[6]

Muitas outras mudanças sociais aconteceram e o marxismo não consegue (nem poderia) compreende-las em sua teoria. Há uma evolução de uma riqueza mais quantitativa e uniforme (ter uma grande quantidade de algo) para uma baseada na diversidade e na qualidade. O modelo industrial foi substituído pelo de produção em rede (CASTELLS, 2009). A centralidade dos meios de comunicação institui um regime social de hipervisibilidade (de algumas pessoas, entidades e situações em detrimento de outras) e de simultaneidade de tempo-espaço (incluindo o surgimento de uma audiência não-presencial permanente).

Nos anos 80, a economia começou a se desmaterializar (com os bens simbólicos superando os físicos em valor e volume em âmbito global e o setor terciário (comércio e serviços) passou a suplantar a indústria na maioria no PIB dos países. O primeiro mundo não é mais formado pelos países industrializados, mas pelos países que detém as patentes dos produtos, agora fabricados pelo terceiro mundo, em virtude da mão de obra e da matéria prima mais baratas. Os países ricos terceirizaram a indústria com seus problemas trabalhistas e ambientais. Em paralelo, o marketing passou a reorganizar a produção e as instituições sociais para a sociedade de consumo. A exploração industrial se transformou em exclusão informacional.

Nesse novo contexto, os seguidores do pensamento pós-moderno acreditam que a cibercultura marca uma nova etapa de desenvolvimento social[7]. Já outros autores como Giddens (2003) consideram que a modernidade não acabou, apenas entrou em um estágio mais avançado de reflexibilidade. Para ele, a tradição é uma reflexibilidade entre o passado e o presente; e a modernidade, uma reflexibilidade entre o presente e o futuro. Com a contracultura, entramos em uma sociedade de risco (individualizando vidas em aventuras), em que a realidade moderna se globaliza ainda mais em relação aos bens simbólicos, hoje industrializados através da mídia por idioma. O certo é que tanto para os que pensam a sociedade atual através de centralidade da mídia na produção de bens simbólicos, quanto para os que acreditam no fim da modernidade, a contracultura é um marco histórico de várias mudanças sociais, não apenas em relação à interferência da comunicação no cotidiano, mas também em relação ao meio ambiente e ao universo feminino. De uma forma ou de outra, a centralidade dos meios de comunicação institui um regime social de hipervisibilidade (de algumas pessoas, entidades e situações em detrimento de outras) e de simultaneidade de tempo-espaço (incluindo o surgimento de uma audiência não-presencial permanente).

Bibliografia

ALTHUSSER, Louis. A Favor de Marx-Segunda Edição, Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 1979.

BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. Coleção Estudos 20.  6a edição. São Paulo, Editora Perspectiva: 2009.

____ As regras da Arte - Gênese e estrutura do campo literário. Porto (Portugal), Editora Presença II: 2000a.

 ____ A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp, 2000b.

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede/ A Era da Informação: Economia, sociedade e cultura – Vol. 1. São Paulo: Paz e Terra, 2009.

___ O Poder da identidade/ A Era da Informação: Economia, sociedade e cultura – Vol. 2. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, l998.

___ Foucault. São Paulo: Brasilense, l985.

GIDDENS, Anthony. A terceira via. Rio de Janeiro: Record, 2001a.

_____ A terceira via e seus críticos. Rio de Janeiro: Record, 2001b.

_____ O Mundo em descontrole o que a globalização está fazendo de nós. Rio de Janeiro: Record, 2003.

GRAMSCI, Antônio.  Cadernos de Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

____ Teoria do Agir Comunicativo: Racionalidade da ação e racionalidade social. Vol. I. Tradução de Paulo Astor Soethe.  Teoria do Agir Comunicativo: Sobre a crítica da razão funcionalista. Vol. II. Tradução de Flávio B. Siebeneichler. São Paulo. WMF Martins Fontes, 2012.

MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011.

MARX, Karl. O Capital. Vol. 2. 3ª edição, São Paulo, Nova Cultural, 1988.

MORIN, Edgar. O Método, volume primeiro, A natureza da natureza. Lisboa: Publicações Europa-América, 1977; O Método 2 - A Vida da Vida. Lisboa: Publicações Europa-América, 1980; O Método 3 - O Conhecimento do Conhecimento. Lisboa: Publicações Europa-América, 1986; e O Método 4 - As Ideias - Habitat, costumes, organização. Porto Alegre: Editora Sulina: 1998.

SARTRE, Jean-Paul. Crítica da razão dialética: precedido por questões de método. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira; apresentação da edição brasileira, Gerd Bornheim. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna – teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995.

__ A mídia e a modernidade – uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 1998.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2004.





[1] 'Estruturalista' porque admite que existam estruturas objetivas no mundo social que condicionam a ação e a representação dos agentes e instituições. No entanto, esses tem autonomia e podem tanto transformar como conservar as estruturas objetivas que os condicionaram. Daí, então, 'o construtivismo'. A essa dupla valência do construtivismo estruturalista, em que as condições objetivas e os esquemas subjetivos interagem chama-se Práxis.  Bourdieu supera assim tanto o objetivismo estruturalista (com ênfase no condicionamento social) como o idealismo fenomenológico (que crê na preponderância das práticas sociais e dos seus esquemas subjetivos na construção da realidade social).
[2] Há extensas discussões no marxismo sobre as relações entre teoria x prática (ou vanguarda x massa); mas poucos conseguem ver essas contradições como conflitos de classe. Isto porque não interessa ao partido e às elites serem vistos como sendo de outra classe (a dos trabalhadores que produzem bens simbólicos) que manipula o proletariado (formado pelos trabalhadores manuais). Mas, há exceções como o marxista português João Bernardo. Ele defende que a terceira classe social (os gestores) já tomou o poder tanto no mundo socialista como no ocidente.
[3] No livro A economia das trocas simbólicas (2009), Bourdieu estuda a separação da produção de bens simbólicos de massa (a indústria cultural) da produção de bens simbólicos das elites, que será desenvolvida no livro As regras da Arte (2000a). No livro A distinção (2000b), Bourdieu estabelece um esquema fatorial entre as três classes e os tipos de capital.
[4] Na época, a luta contra a ditadura dividia a esquerda em três grupos: a extrema esquerda, formada por trotskistas partidários da guerrilha urbana, da revolução mundial e da adoção imediata de um governo de trabalhadores; a esquerda revolucionária, composta pela Ação Popular Marxista Leninista (APML), pelo PC do B e pelo PCBR, defensores da guerrilha rural, de um governo democrático provisório e de um desenvolvimento por etapas; e, finalmente, o bloco mais conservador, contrário a luta armada, formado pelo PCB e pelo MR8, que defendiam uma frente única contra a ditadura e a formação de um governo democrático como estratégia. O ‘partidão’ (nome popular do PCB) era conhecido no movimento estudantil como ‘Unidade’ e sempre articulava chapas únicas, utilizando o argumento do consenso para abafar qualquer diferença política. As bandeiras específicas eram particularidades que podiam dividir o movimento e eram sacrificadas em nome da frente única.
[5] E ninguém ajuda mais a entender as ideias de ‘mudança estrutural da esfera pública’ e de ‘democracia deliberativa’ do que a internet. Na verdade, as redes tornaram Habermas um teórico descritivo e subversivo, adequado para explicar as situações vividas agora; enquanto antes das redes digitais, na época em que escreveu seus livros, ele era um teórico prescritivo marxista conservador, que procurava apenas ampliar a democracia representativa através da comunicação massificada pela indústria cultural. Hoje, percebe-se facilmente que as redes sociais digitais funcionam como micro espaços públicos de debate (extra racionais) e formam vontades políticas, influenciando imediatamente deliberações das instituições e do Estado. Não exatamente como imaginou Habermas e seus seguidores, uma vez que o espaço público é formado por redes segmentadas e comunidades de afeto (e não pelo diálogo racional entre o poder deliberativo e as vontades políticas da opinião pública representadas por jornais ou partidos). Curiosamente, a vida deu razão à minha interpretação parcial de Habermas.
[6] A teoria da complexidade de Edgar Morin (1977; 1980; 1986; 1998), por exemplo, tem três operadores principais: o princípio dialógico (ou a dualidade dentro da unidade), o princípio da recursividade (ou da causalidade circular de retroalimentação múltipla) e o princípio hologramático (segundo o qual o todo também está contido em cada parte dentro do todo). Nem o universal e abstrato, nem o relativismo concreto de cada realidade local; a complexidade é o universo concreto - em suas múltiplas dimensões simultâneas: o todo é mais e menos que a soma de suas partes ao mesmo tempo. Morin é um pensador de origem marxista-hegeliana, sendo que: no lugar da totalidade, está a complexidade; ao invés de determinação estrutural, há recursividades sistêmicas (feedbacks); e, há a oposição dialógica assimilando e superando a contradição dialética, transformando conflitos destrutivos em diálogos produtivos. Observem como Morin repensa os conceitos hegelianos da estrutura marxista contrapostos com o radicalismo pós-moderno.
[7] Pierre Levy (1993), por exemplo, considera que as sociedade tradicionais anteriores à escrita se caracterizavam por um modelo de interação ‘um-um’, em que o emissor e receptor partilhavam de um único contexto e vivem em um tempo cíclico. Para ele, as sociedades modernas se caracterizam pela interação unilateral ‘um-muitos’, um contexto de transmissão e muitos de recepção. A escrita gerou a história, a noção de tempo contínuo e linear e a ilusão do observador externo. E as sociedades atuais em rede, segundo Levy, se organizam pelo modelo de interação ‘muitos-muitos’, em que todos transmitem e recebem, havendo um retorno ampliado ao contexto único dos interlocutores e à percepção de tempo simultâneo.