terça-feira, 27 de agosto de 2019

mapa do imaginário


TEORIA E HISTÓRIA DA IMAGEM
Uma breve revisão

Marcelo Bolshaw Gomes[1]

Resumo: o texto cartografa diferentes abordagens sobre o fenômeno da imagem, seja do ponto de vista cognitivo, semiótico, histórico e sociológico. Pesquisa de caráter bibliográfico através do método comparativo, essa revisão panorâmica, no entanto, não aprofunda as abordagens que enumera e conclui que ela apenas configura um mapa para estudos futuros.
Palavras-chave: Estudos da mídia; Estudos da imagem; Revisão de autores;
Abstract: This text maps different scientific approaches to the phenomenon of image, from the cognitive, semiotic, historical and sociological point of view. Bibliographical research through the comparative method, this panoramic review, however, does not deepen the approaches it enumerates and concludes that it only configures a map for future studies.
Keywords: Media Studies; Image studies; Authors review;

1.      Introdução
O estudo da imagem é um dos temas sobre os quais há uma grande quantidade de diferentes abordagens teóricas: Semiótica, Gestalt, Design, Estudos flusserianos e outros. Há também diversas tentativas de estabelecer uma Teoria da Imagem unificada. Aqui, a intenção panorâmica e superficial, deixando aos interessados o aprofundamento e a escolha de uma “ótica” específica. A imagem semiótica ou a do design (externa, material, objetiva) não é a imagem cognitiva da Gestalt, nem a imaginação simbólica (de Gaston Bachelard e Gilbert Durand).
E todas essas abordagens teóricas são sincrônicas, isto é, tratam a imagem do ponto de vista imediato. Para midiologia (DEBRAY, 1993), a história social da imagem não se desenvolve em etapas lineares ou em períodos históricos, mas segue uma temporalidade radical, combinando aceleração histórica e dilatação geográfica. Para ele, há três midiasferas superpostas e simultâneas: a Logosfera - se estende da invenção da escrita à da imprensa, é a “era do ídolo”, em que a imagem representa um tempo imóvel, um mundo desconhecido; a Grafosfera – que vai da imprensa a TV à cores, é a “era da arte”, momento em que as figuras começam a apresentar um certo movimento; e a Videosfera, a era do visual, época em que vivemos, na qual o tempo é circulação.
Há também várias tentativas de síntese das abordagens históricas e semióticas e da elaboração de uma teoria geral da imagem – como é o caso de Eduardo Neiva Junior (1994) e Justo Villafañe (2000)[2].
A seguir, detalha-se algumas dessas abordagens.
2.      A imagem como linguagem
Existem, pelo menos, três formas de compreender a imagem como linguagem: a semiológica-simbólica, a sintática e a semiótica.
A semiológica é formada por pensadores de origem linguística e estruturalista – como Roland Barthes (1984) e Júlia Kristeva - que encaixam a noção de imagem ao universo dos signos codificados. Seu contraponto crítico é composto pelos pensadores - como Ernest Cassier e Gilbert Durand (1988) – que consideram que a linguística estuda os signos, mas que as imagens são simbólicas (no sentido freudiano e junguiano) e estão além das convenções e códigos culturais.
A forma sintática de estudar a imagem também é linguística, mas leva em conta a ideias da Gestalt e do Design. Dondis (1997) faz um léxico dos elementos morfológicos da imagem: ponto, linha, forma, direção, tom, cor, textura, escala, dimensão e movimento. Trata também das regras de composição desses elementos entre si através da sintaxe do letramento visual: equilíbrio, tensão, nivelamento e aguçamento, vetor do olhar, atração e agrupamento, positivo/negativo. A dinâmica de contraste (seja de cor, de tom, de escala) é um das principais recursos de comunicação visual descritos.
O léxico de elementos morfológicos da imagem é semelhante a um dicionário; e a sintaxe visual, a uma gramática em que os elementos diferentes se combinam formando unidades de sentido abrangentes. Assim como sujeitos, verbos e objetos formam frases; as mensagens visuais são formadas por três níveis interligados: o representacional, o abstrato e o simbólico (1997, 85). E a proposta é justamente a de alfabetização visual – há inclusive exercícios rápidos ao final de cada capítulo do livro.
Através da classificação das imagens em representacionais, abstratas e simbólica, a sintaxe da linguagem visual aproxima-se bastante da semiótica triádica (signo/primeiridade, objeto/secundidade e interpretante/terceiridade) de Charles Sanders Peirce. O signo apresenta nove categorias descritivas básicas, sendo três mais importantes relacionando o signo a sua referência: o ícone, o índice e o símbolo.
Tabela 1 – Signos segundo semiótica peirciana

Signo em relação a si mesmo
Signo em relação ao objeto
Em relação ao interpretante
Primariadade
Quali-signo
Ícone
Rema-signo
Secundaridade
Sin-signo
Índice
Dici-signo
Terceiridade
Legi-signo
Símbolo
Argumento Signo

Ícone é um signo que é uma imagem. Caracteriza-se por uma semelhança, por imitação e independe do objeto que lhe deu origem, quer se trata de coisa real ou inexistente (a impressão digital na carteira de identidade é um Ícone).
Índice é um signo que é um indicador. Relaciona-se efetivamente com o objeto, por contiguidade, por associação. Aquilo que desperta a atenção num objeto, num fato, é seu índice. Permite, por via de consequência, a contiguidade entre duas experiências ou duas porções de uma mesma experiência (a impressão digital do ladrão deixado na cena do crime é um Índice).
Símbolo é o signo que é uma abstração de um concreto. Refere-se ao objeto que denota em virtude de uma lei, e, portanto, é arbitrário e convencionado (a impressão digital, como emblema de campanha pela alfabetização é um Símbolo).

Também existem várias análises semióticas de Imagem baseadas nas ideias de Roman Jackobson (1971) e na Escola de Praga. Esse, além de classificar os signos segundo a tríade emissor/referente/receptor, essa corrente estabelece funções linguísticas em relação a esses elementos e acrescenta mais três: o canal, o código e a mensagem[3].
3.      A Imagem como mídia
Se ampliamos o fogo da linguagem para comunicação, observando como a distribuição das mensagens se organizam no tempo e no espaço social, então a imagem poderá ser investigada como ‘uma mídia’. E é deste ponto de vista que Regis Debray[4] (1993) distingue três instâncias históricas.
A era da imagem-ídolo, antes e durante o advento da escrita artesanal, em que as imagens eram signos indiciais. E esse momento se reproduz na forma de uma ‘Logosfera’. Antes da escrita, a imagem era essencialmente mítica e servia para invocar e eternizar objetos através de seus duplos. O desejo mítico e ancestral de figurar ‘imortalizava’ situações. Com a escrita, a imagem continua sendo uma mediação com a realidade invisível (deuses, anjos, demônios e fadas), mas há uma transição das imagens mágicas arcaicas do inconsciente para o uso religioso institucional. O ídolo é solene, heroico e eterno, uma presença sagrada, a própria divindade em pessoa e não uma mera representação da crença.
A Era da arte, período que vai da prensa de Gutemberg à TV a cores, em que as imagens tornam-se signos icônicos, formando a ‘Grafosfera’. A perspectiva, o ponto de fuga, dá profundidade à imagem e ela passa a ser uma mediação com a realidade visível. Há uma transição do teleológico para o histórico, ou melhor, do divino para o humano como centro de referência. Passa do sacral para o laico. A arte torna-se um objeto de prazer estético e não mais um objeto de culto. O espectador agora é o possuidor da obra, o quadro privatiza o olhar. O reino do colecionador é individualizado, socialmente mais fechado, a imagem, não é, portanto destinado a todas as criaturas, como ocorria na era do ídolo.
E, finalmente, a Era do visual, dos signos simbólicos e da ‘Videosfera’. A imagem torna-se uma dupla mediação entre as realidades visível e invisível. A ‘imagem de marca’ dos produtos. A imagem pública das personalidades e das instituições. Transição da representação para a simulação virtual; do histórico para o sócio técnico.
O ídolo nos remete ao passado mítico e arcaico. O ícone é a duplicação do presente. E a simulação é uma imagem de antecipação do futuro. A imagem não é mais eterna, presença imortal ou duplicação do objeto; agora ela é o acontecimento, uma inovação que promove espanto e distração.
Na Logosfera, a imagem era referenciada no sobrenatural em um tempo cíclico; na Grafosfera passou a se referenciar na natureza e na realidade histórica; e na Videosfera está sendo referenciada na percepção através de máquinas, isto é, na simulação virtual. A imagem-ídolo celebra o sagrado; a imagem-arte, o belo; e a imagem-visual, o novo. A imagem, na Antiguidade e na Idade Média, representava um mundo invisível e sagrado; a partir do Renascimento e da perspectiva do ponto de fuga, a imagem moderna passou a representar o mundo visível com objetividade, se tornou uma figuração da realidade sensorial; e agora vivemos um momento em que a imagem publicitária instaura uma representação mista da realidade visível e do inconsciente.
Outros autores corroboram com as ideias de Debray, as completando, mas também abrindo novas possibilidades.
Pierre Levy (1983) considera que a escrita dissociou o contexto dos interlocutores presenciais (o modelo de interação ‘um-um’), tornando a imagem cognitiva um ‘significante’ do signo verbal. Tal fato cria uma “ditadura do emissor”, o predomínio de um único contexto de enunciação sobre infinitos contextos de recepção (o modelo de interação ‘um-muitos’). A escrita nos tornou mais ‘racionais’ e a imagem se tornou expressiva dos sentimentos. A imagem bidimensional só será produzida em escala industrial muito depois.
Walter Benjamim (1985) mostrar como a reprodutividade técnica das imagens mudou nossa sensibilidade. As religiões do livro (judaísmo, cristianismo e islamismo) também condenam a representação do divino, contribuindo para essa ditadura da palavra sobre a imaginação.
Marshall McLuhan (1972) foi o primeiro a observar que prensa por Gutemberg permitiu a publicação da Bíblia traduzida por Lutero e por outros protestantes para os idiomas falados, provocando a alfabetização em massa e uma mudança para um comportamento cultural moderno, anti-tradicional.
Para Kerckhove (1987), a imagem bidimensional' entra' no observador distraído, a partir de estímulos ao hemisfério direito cerebral. Com os sinais abstratos do texto, passa-se a trabalhar (com esforço e concentração) o lado esquerdo do cérebro. Desenvolve-se, então, o pensamento lógico, a perspectiva da história e da objetividade. E, agora, em um terceiro momento, começa-se a trabalhar com os dois hemisférios simultaneamente: o simbólico e o algoritmo. Daí a analogia estrutural entre o discurso audiovisual interativo e a música.
Para Vilem Flusser[5] (2008), o momento marcante da modernidade é a invenção da fotografia e o aparecimento de imagens técnicas. Em outro trabalho, A filosofia da caixa preta (1985), Flusser imagina a sociedade como um imenso dispositivo fotográfico, que produz uma imagem cultural invertida de si própria. Flusser destaca a diferença histórica entre a imagem bidimensional (uma mídia secundária em relação à fala) e a imagem técnica, feita de pixels de luz, elemento chave da mídia terciária ou elétrica. Sua forma de pensar a imagem “fez escola”, gerando vários pensadores importantes - como Norval Baitello Junior (2010).
4.      Os três paradigmas da imagem
Winfried Nöth e Lúcia Santaella (1997) elaboraram um projeto semiótico que levasse em conta o aspecto histórico e midiático desenvolvido por Debray e Flusser, propondo a existência de três paradigmas no processo evolutivo de produção da imagem: o paradigma pré-fotográfico, o fotográfico e o pós-fotográfico.
O paradigma pré-fotográfico é o universo do perene, da duração, repouso e espessura do tempo. O paradigma fotográfico é o mundo do instantâneo, lapso e interrupção no fluxo do tempo. O paradigma pós-fotográfico representa o universo evanescente, em devir, universo do tempo puro, manipulável, reversível, reiniciável em qualquer tempo.
Vejamos os três paradigmas da imagem em gráficos comparativos:
MODOS DE PRODUÇÃO
PRÉ
FOTOGRÁFICA
PÓS
Expressão da visão via mão
Autonomia da visão via próteses óticas
Derivação da visão via matriz numérica
Processos artesanais de criação da imagem
Processos automáticos de captação da imagem
Processos matemáticos de geração da imagem
Suporte matemático
Suporte químico ou eletromagnético
Computador e vídeo - modelos, programas
Instrumentos – extensões da mão
Técnicas óticas de formação da imagem
Números e pixels
Processo monádico
Processo diádico
Processo triádico
Fusão: sujeito, objeto e fonte
Colisão ótica
Modelos e instruções, modelos de visualização, pixels na tela
Imagem incompleta, inacabada
Imagem corte, fixada para sempre
Virtualidade e simulação
MEIOS DE ARMAZENAMENTO
PRÉ
FOTOGRÁFICA
PÓS
Suporte único
Negativo e fitas magnéticas
Memória no computador
Perecível
Reprodutível
Disponível
PAPEL DO AGENTE
PRÉ
FOTOGRÁFICA
PÓS
Imaginação para a figuração
Percepção e prontidão
Cálculo e modelização
Gesto idílico
Rapto
Agir sobre o real, captura do real
Olhar do sujeito
Olho da câmera e ponto de vista do sujeito
Olhar de todos e de ninguém
Sujeito criador
Sujeito pulsional
Sujeito manipulador
Demiurgo
Movente
Ubíquo
NATUREZA DA IMAGEM
PRÉ
FOTOGRÁFICA
PÓS
Figurar o visível e o invisível
Registrar o visível
Visualizar o modelizável
Figuração por imitação
Capturar por conexão
Simular por variação de parâmetro
Imagem espelho
Imagem documento
Imagem matriz
Cópia de uma aparência imaginarizada
Registro do confronto entre sujeito e mundo
Substrato simbólico e experimento
PAPEL DO RECEPTOR
PRÉ
FOTOGRÁFICA
PÓS
Contemplação
Observação
Interação
Nostalgia
Reconhecimento
Imersão
Aura
Identificação
Navegação


IMAGEM E MUNDO
PRÉ
FOTOGRÁFICA
PÓS
Aparência e miragem
Duplo e emanação
Simulação
Metáfora
Metonímia
Metamorfose
Janela para o mundo
Biunívoca
Virtual
Ideal de simetria
Ideal de conexão
Ideal de autonomia
Modelo imaginário e icônico
Modelo físico
Modelo simbólico
Evocativa
Sombra
Ascética
Símbolo
Índice
Ícone
MEIOS DE TRANSMISSÃO
PRÉ
FOTOGRÁFICA
PÓS
Único
Reprodutível
Disponível
Templos, museus, galerias
Jornais, revistas, outdoors, telas
Redes: individuais e planetárias
Transporte do receptor
Era da comunicação de massa
Era da comutação
SANTAELLA, Lucia & NÖTH, Winfried, 1997.

Além dos três paradigmas, a semiótica contemporânea identifica três dimensões da imagem - a plasticidade, anterior a visualização; a figuratividade do olhar; e, sua cristalização exterior, a imagem pictórica - e três ‘tipos ideais’ de imagem: a imagem semiótica, a imaginação cognitiva e a imagem pública (ou imagem de marca).
5.      Imagem Pública
Desde o Império Romano se sabe que à mulher de César não basta ser honesta, ela deve parecer honesta também[6], pois a IP dos governantes e de seus familiares diretos tem um papel fundamental na vida política. Maquiavel, no famoso capítulo de O Príncipe (2004), sobre se mais vale ser amado do que temido ou se é melhor ser temido do que amado, estabelece que a Imagem Pública é um instrumento de legitimação do poder, a ser combinada com a força.
Porém, será com Luiz XIV, o rei-sol - e também com o estudo de Burke, A fabricação do rei (1994) - é que a imagem do soberano passa a fascinar aos súditos, na medida inversa em que a opinião pública (imagem que o rei faz dos cidadãos) vai orientar o bom governo (BOBBIO, 2000, 399-410).
Hoje, se tornou lugar comum entender que a disputa política se converteu, em grande parte, em uma competição por visibilidade na mídia, pela imposição da Imagem Pública dos atores políticos e de seus interesses. Os eleitores não votariam mais em programas, ideias ou propostas; votariam nas Imagens Públicas formadas qualidades pessoais e simbólicas dos candidatos. E até mesmo os eleitores mais sofisticados e menos vulneráveis ao personalismo da linguagem da mídia votam de acordo com a Imagem Pública partidária ou do grupo político e dos interesses que representa[7].
Tanto atletas como artistas ganham visibilidade e se tornam Imagens Públicas em processos complexos devido às qualidades nas atividades que desempenham, mesmo que apoiados pela mídia. O caso dos políticos é mais artificial e interessante, pois até mesmo a capacidade de argumentação retórica nos remete antes a um julgamento político de opinião pública do que nas Imagens Públicas legitimamente construídas por desempenho. Por isso, consideramos o espaço eleitoral como um momento privilegiado para o estudo da fabricação e destruição das Imagens Públicas.
Mas, para se constituir enquanto tal, a Imagem Pública precisa combinar as imagens materiais veiculadas pela mídia às imagens psíquicas elaboradas pelo público em geral. Weber (entre outros) define a noção de Imagem Pública como uma sobreposição das noções de imagem semiótica e cognitiva, ampliando a proposição de que a imagem publicitária combina o visível com a imaginação invisível:
A Imagem Pública é resultante da imagem conceitual, emitida por sujeitos políticos em disputa de poder e recuperada na síntese de imagens abstratas (o intangível, a imaginação), com as imagens concretas (o tangível, os sentidos) (WEBER In: RUBIM, 2004; 262).
A Imagem Pública, então, é uma estratégia que implica em três elementos distintos: o conceito-imagem, a imaginação e o visível. E cada um desses elementos corresponde a um nível de participação discursiva na elaboração da Imagem Pública (o ator, o diretor e o público) e pode também ser vista de modo dinâmico e integrado, como uma função estrutural presente em todos os momentos e em cada parte.
·         Produção da Imagem (pelo candidato, pela mídia e pelo público). A construção de uma Imagem Pública passa por três agentes diferentes. Em primeiro lugar, está a personalidade e o desempenho individual do principal ator político, o candidato, seus discursos, fatos e configurações expressivas. Essa imagem primária para ter visibilidade social vai então ser trabalhada pela mídia, entendida aqui não apenas como os meios de comunicação social, mas também como o marketing político necessário à construção de uma Imagem Pública. E, por último, a Imagem Pública é produzida pela recepção individual do público, em diferentes redes de intérpretes recíprocos. A recepção é individual, mas não é isolada.
  • Ajuste da Imagem (perfis ideais e expectativas). A segunda função política da Imagem Pública é ajustar personalidades reais a perfis ideais e expectativas do público: “À diferença da função image-making, não se trata de criar uma imagem para um ator real, mas de criar um ator real para uma imagem” (GOMES, 2004, 80). A ajustar sua imagem ao perfil e às expectativas demandadas (‘perfil ideal’ e ‘expectativa’ também são cuidadosamente definidos) por um determinado público não significa sua dessubstancialização política. Por exemplo: se um candidato defende a reforma agrária, mas as pesquisa detectam que o eleitor rural está apenas interessado em receber cestas básicas, ‘ajustar a imagem’ não significa sair do discurso ideológico para o fisiológico, mas sim apresentar o político que ‘além de dar o peixe, também ensina a pescar’.
·         Administração da Imagem. Haveria ainda uma função de gerenciamento e controle da Imagem Pública, ou pelo menos uma tentativa de diminuir o ruído da imagem produzida pelos emissores primários. Para Gomes, a administração da Imagem Pública implica na manutenção e o crescimento permanente da visibilidade social, no planejamento antecipado das ações futuras e, principalmente, na superação de três conjuntos de obstáculos: as críticas dos adversários, as interpretações desfavoráveis da mídia e os e valores morais dos eleitores. Administra-se uma imagem transformando fatos em mensagens, ou melhor, tornando acontecimentos em fatos políticos relevantes ao candidato e suas causas; e, por outro lado, descartando, neutralizando e/ou respondendo todo tipo de informações que seja desfavorável às expectativas e ao perfil desejado pelo público.
 ‘Imagem Pública’ é o conceito utilizado para definir uma representação social comum aos seus agentes e à sua audiência. Diferencia-se tanto da ‘imagem semiótica’ (uma foto, por exemplo) quanto da ‘imagem cognitiva’ (a imaginação simbólica), embora guarde uma proximidade estreita com ambas. Ela tem um lado conceitual, proposto pelos agentes; um lado simbólico gestado em sua recepção; e ainda um lado midiático, produtor técnico de visibilidade. É produto da interação entre Ator, Diretor e Público – funções cujo desempenho deve ser considerado diferenciadamente.
No livro O escândalo político: poder e visibilidade na era da mídia (2002), Thompson advoga a tese de que as Imagens Públicas transitam sempre entre o público e o privado. Apesar de classificar os tipos de escândalos pela transgressão-gatilho (de abuso de poder, sexuais, financeiros), Thompson chama a atenção para o fato de que o que realmente alimenta em longo prazo o escândalo midiático não é a gravidade da transgressão principal que o gerou, mas sim “transgressões de segunda ordem”: mentiras, desmentidos, ocultamentos. O que fomenta os escândalos durante mais tempo é a tentativa dos agentes de manter invisível algo que se tornou público.
O escândalo é esse ‘desmascaramento’ dos agentes e de sua confiabilidade. Enquanto se diz algo publicamente; dos fundos de sua vida privada emergem fatos, pessoas, situações, que contradizem o que está sendo dito. O escândalo é uma contradição entre o que é dito e o que é visto. A verdade aparece nas costas dos agentes, desmentindo-os por de trás, no fundo que os enquadra.
6.      Conclusão
Atualmente, as imagens públicas de massa estão implodindo em micro imagens pessoais de rede com a segmentação do consumo (e do comportamento grupal) e com a interatividade relativa digital[8].
Com a segmentação, há uma pulverização dos fluxos sociais e o surgimento de ‘micro imagens públicas’: celebridades setoriais, tribais, transnacionais e até celebridades locais virtuais. Há uma democratização relativa da visibilidade.
E com a interatividade, a intimidade à distância deixa de ser ‘não-recíproca’, aumenta a participação da audiência na construção da Imagem Pública. A visibilidade torna-se uma relação pessoal de micro poder. A popularidade, o carisma e o personalismo sempre existiram; porém no regime de hipervisibilidade promovido pelas mídias esses elementos assumem um caráter decisivo na vida social.
A noção de Imagem Pública sintetiza várias categorias (reputação, prestigio, honra, status) que antes existiam de forma fragmentada em diferentes graus, variando segundo a cultura de cada sociedade. E com as redes digitais, essas imagens técnicas pessoais se miniaturizaram e se multiplicaram em escala infinitesimal. Em tempos de hipervisibilidade das redes, todos têm uma Imagem Pública, quer queiram ou não, para zelar como patrimônio pessoal.


7.      Referências bibliográficas
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BARTHES, Roland. A Câmara Clara – notas sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
BAITELLO JR, Norval. A serpente, a maça e o holograma. Esboços para uma Teoria da Mídia. São Paulo: Editora Paulus, 2010.
BURKE, Peter. A fabricação do rei. A construção da imagem pública de Luis XIV. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1994, 254 pp.
BENJAMIM, Walter. v. I, A obra de arte na época de sua reprodutividade técnica. Obras Escolhidas (trad. S.P. Rouanet). São Paulo: Brasiliense, 1985.
BOBBIO, Norberto. O futuro da Democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2000a.
________________ Teoria Geral da Política. Brasília: Editora da UnB, 2000b.
DEBRAY, Régis. Vida e Morte da imagem: uma história do olhar no Ocidente. Tradução de Guilherme Teixeira – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993.
DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. São Paulo: Cultrix, 1988.
FLUSSER, Vilem. Filosofia da Caixa Preta. Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo: Hucitec, 1985.
_____ O universo das imagens técnicas. Elogio da superficialidade. São Paulo: Annablume,2008.
GOMES, Wilson. Transformação da Política na era da comunicação de massa. SP: Paulus, 2004.
KERCKHOVE, Derick. A pele da Cultura. Lisboa: Relógio d'água Editores, 1997.
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus, 2009.
LEVY, Pierre. Tecnologias da Inteligência – o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Martin Claret, 2004.
MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg: a formação do homem tipográfico. São Paulo: Editora da USP, 1972.
NEIVA JUNIOR, Eduardo. A Imagem. coleção principios. Rio de Janeiro: Editora ática, 1994.
PINKER, S. Como a Mente Funciona; São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
SANTAELLA, Lucia & NÖTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica e mídia. São Paulo: Iluminuras, 1997.
THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna – teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995.
_____ A mídia e a modernidade – uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 1998.
_____ O Escândalo Político – poder e visibilidade na era da mídia. Petrópolis: Vozes, 2002.
VILLAFAÑE, Justo. Introducción a la teoria de la imagen. Madri: Pirámide, 2000.
WEBER, Maria Helena. Pedagogias da despolitização e da desqualificação da política brasileira – as telenovelas da Globo nas eleições presidenciais de 1989. Revista Comunicação e Política, Ano 9, número 11, p. 67. Rio de Janeiro: CEBELA, abril-juno de 1990.


[1] Professor de Comunicação da UFRN.
[2] Uma alternativa em português é a tese de doutorado Teoria Geral da Imagem e a reprodução de sentidos: modelo aplicado à recepção, defendida por TAMMIE CARUSE FARIA SANDRI, sob a orientação do Prof. Dr. Antonio Carlos Hohlfeldt, no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), 2016.
[3] O emissor corresponde à função emotiva ou expressiva; o receptor, à função conativa ou apelativa; e o referente, à função denotativa. Já o canal, corresponde à função fática; o código, à função metalinguística; e a mensagem, à função poética. Meus alunos fizeram um ensaio fotográfico sobre as Função da Linguagem: http://oencantadordeserpentes.blogspot.com/2019/06/ensaio-das-funcoes.html
[4] Filósofo, jornalista, escritor e professor francês. Doutorou-se na Escola Normal Superior de Paris. Foi seguidor do marxista Louis Althusser. Pertenceu ao Partido Socialista Francês e foi ministro do presidente François Mitterrand. Atualmente, Debray é mais conhecido como o criador da midiologia –o estudo crítico dos signos e de sua difusão na sociedade. Ele leciona Filosofia da Universidade de Lyon.
[5] Vilém Flusser (1920-1991) é um pensador tcheco naturalizado brasileiro que teve seus pais mortos em campos de concentração nazistas e conseguiu fugir, vivendo no Brasil de 1940 a 1972. País em que tornou-se um filósofo singular, 'excêntrico', sendo marginalizado no mundo acadêmico. Seus textos não tinham notas, citações ou referências bibliográficas; seu estilo era simples e poético; seus temas incomuns: o diabo em sua luta contra a eternidade, o significado da natureza para ciência, a fotografia como novo paradigma cultural, a dúvida como uma singularidade humana. Flusser, então, voltou à Europa, onde conquistou a consagração internacional como um “filósofo da mídia” a partir da ótica do “canibalismo brasileiro”. Morreu em Praga, dia 21 de dezembro de 1991, em um acidente automobilístico. 
[6] Quando Júlio César estava no Egito com Cleópatra, o senado romano exigia a presença de sua esposa legítima nas festas e cerimônias, desacompanhada, como prova de fidelidade ao marido ausente. Tal fato deu origem ao dito: ‘à mulher de César não basta ser honesta, mas deve também parecer honesta’.
[7] Para Thompson, a mídia promoveu uma des-ideologização da política e os programas partidários se tornaram muito semelhantes (organizados a partir de pesquisas de opinião sobre as preferências do eleitor). O critério principal do voto passa então a ser ‘quem’ e não ‘o que’ – uma vez que todos dizem praticamente a mesma coisa. Houve uma personalização da política; a confiabilidade e a honestidade se tornaram pré-requisitos decisivos nas escolhas eleitorais.
[8] A Imagem Pública de Lula merece um estudo aparte no que diz respeito à habilidade do agente, tanto em reverter propaganda negativa dos inimigos eleitorais, quanto a se manter ‘blindada’ em função dos escândalos, como o do ‘mensalão’, durante seus dois mandatos. Talvez porque a Imagem Pública da Lula, vista como uma mediação de intimidade não recíproca à distância, seja um pouco mais íntima e um pouco menos não recíproca do que a maioria, dialogando publicamente com seus aspectos negativos, falando com diferentes públicos segundo seus modos particulares.