quinta-feira, 29 de março de 2018

Posfácio da nova edição

Marcelo Bolshaw Gomes

Doze anos depois
O livro Decifra-me ou te devorarei (edição original 2006) – minha tese de doutorado em ciências sociais pela UFRN, orientada pelo prof. Antonio Spinelli – aplica a metodologia hermenêutica tríplice de Thompson à Imagem Pública de Luís Inácio Lula da Silva nos programas de horário eleitoral nas eleições de 1989, 2004, 2008 e 2002. Para cada momento eleitoral: foi projetado um Cenário de Representação da Política (CR/P) a título de análise contextual; os horários eleitorais de todos os candidatos foram descritos e tiveram seu conteúdo analisado; e as pesquisas de opinião quantitativas reconstituídas e os principais artigos teóricos foram revistos – como forma de analisar a recepção dos programas.
Ressaltamos ainda que as três primeiras três derrotas foram fundamentais para o candidato alcançar visibilidade nacional, modificando sua Imagem através de técnicas de marketing de acordo com as preferências do público, ganhar a quarta eleição.
A tese foi defendida e o livro foi publicado no ano da vitória de 2006, o que levou várias analistas a considerarem uma ‘contaminação’ com o objeto. O slogan publicitário ‘a cara do Brasil’ se confunde com as hipóteses de que a eleição de Lula significaria um novo patamar de identidade social com o fim do complexo de inferioridade cultural em relação ao exterior. Tal contaminação é possível em trabalhos descritivos, como também é preciso levar em consideração a possível contaminação dos críticos pela sua própria decepção com a história. Para se ter uma ideia de como o ‘escândalo do mensalão’ se tornou uma decepção gigantesca para toda uma geração, basta se observar os mapas eleitorais. Os 30% de eleitores cativos (de maior nível de instrução e renda) nas quatro primeiras eleições de Lula, votaram contra sua reeleição, conquistada graças aos votos populares, resultantes diretos de sua política de redistribuição de renda e de erradicação da fome.
Outra crítica é que a metodologia adotada ‘fatiou’ os acontecimentos históricos ‘orgânicos’ em momentos eleitorais, desconsiderando vários elementos estruturais importantes, tais como o presidencialismo de coalizão, a corrupção sistêmica, a falta de um projeto claro de desenvolvimento social.
Independente dos acontecimentos e de suas interpretações, o livro/tese teorizou sobre o papel da visibilidade midiática nos processos eleitorais, extraindo conceitos preciosos para pesquisa na área. ‘Imagem Pública’ (ou imagem de marca) é o conceito utilizado para definir uma representação social comum aos seus agentes e à sua audiência. Diferencia-se tanto da ‘imagem semiótica’ (uma foto, por exemplo) quanto da ‘imagem cognitiva’ (a imaginação simbólica), embora guarde uma proximidade estreita com ambas. Ela tem um lado conceitual, proposto pelos agentes; um lado simbólico gestado em sua recepção; e ainda um lado midiático, produtor de visibilidade. É produto da interação entre Ator, Diretor e Público.
A popularidade, o carisma e o personalismo sempre existiram; porém no regime de hipervisibilidade promovido pelas mídias esses elementos assumem um caráter decisivo na vida social. A noção de Imagem Pública reúne, sintetiza e globaliza várias categorias analógicas (reputação, prestigio, honra, status) que antes existiam de forma fragmentada em diferentes graus, variando segundo a cultura de cada sociedade. E com as redes digitais, essas imagens técnicas pessoais se miniaturizaram e se multiplicaram em escala infinitesimal. [1]
Aliás, a Imagem Pública de Lula merece um estudo aparte no que diz respeito à habilidade do agente, tanto em reverter propaganda negativa dos inimigos eleitorais, quanto a se manter ‘blindada’ em função dos escândalos, como o do ‘mensalão’, durante seus dois mandatos. Talvez porque a Imagem Pública da Lula, vista como uma mediação de intimidade não recíproca à distância, seja um pouco mais íntima e um pouco menos não recíproca do que a maioria, dialogando publicamente com seus aspectos negativos, falando com diferentes públicos segundo seus modos particulares.
  1. Os anos seguintes
Graças ao Bolsa-família e ao crescismento econômico, a expectativa em 2006 era que Lula ganhasse no primeiro turno – apesar da cobertura negativa da imprensa sobre o ‘mensalão’ e a mediocridade gerencial do governo petista: não fez uma reforma política (ao contrário, se envolveu com o esquema de compra de votos do governo anterior); não fez a reforma fiscal (passando a tributação da produção para o consumo, como a maior parte dos países do mundo); fez uma reforma previdenciária injusta e insuficiente; investiu em um modelo de crescimento industrial ultrapassado. O povo, no entanto, não parecia se incomodar com o que dizia a imprensa.  
Em sua reeleição, Lula recebeu os votos dos eleitores que, nas eleições passadas, votaram nos ‘fermandos’, as pessoas de menor renda e instrução; enquanto seus eleitores tradicionais (as classes médias das universidaddes) votaram em seus novos adversários de esquerda: Cristovam Buarque (PDT) e Heloísa Helena (PSOL). O PSDB escalou Geraldo Alckmin sem acreditar que ele tivesse chance de vencer, que recebeu menos votos no segundo turno em relação ao primeiro. Lula não participou dos debates (tal qual Collor e FHC quando tinham vantagem), sendo representado por uma cadeira vazia.
Aliás, a eleição de 2006 só foi para o 2º turno graças a um factoide elaborado pela revista IstoÉ e massificado insistentemente pela Rede Globo de Televisão em plantões especiais durante toda programação, às vesperas da votação: o dossie Serra, um suposto escândalo envolvendo PT e PSDB.
Em 2010, a internet passa a desempenha um papel decisivo nas eleições. Vários temas começam a ser agendados a partir das redes para a propaganda eleitoral: a comparação entre os governos Lula e FHC, descriminalização do aborto no Brasil, etc. A manipulação de informações pelas campanhas de ambos, especialmente na Internet, tornou difícil para os eleitores julgarem o que seriam os fatos verdadeiros e os boatos falsos associados a essas questões polêmicas.
Nessa altura, as elites brasileiras não escondiam mais sua insatisfação com a nova realidade social do país, com o acesso das camadas populares às universidades, aeroportos e outros espaços antes só frequentados pelas classes mais abastadas.
  No final do segundo governo Lula, éramos a oitava economia do mundo. Houve uma recessão mundial, que fez apenas uma ‘marolinhas’ por aqui. O Brasil descobriu que tinha um mercado interno e que podia crescer com autonomia em relação à economia internacional. A distribuição de renda, via o bolsa-família, teve um efeito macroeconômico inegável, com crescimento econômico e baixa inflação.
O que foi que Dilma fez em cinco anos que deixou o país quebrado? Em quanto a Copa do Mundo e as Olimpíadas oneraram a dívida pública? Qual o peso percentual das pedaladas fiscais no endividamento? Quanto custou a transposição do São Francisco? É bom lembrar que a corrupção na Petrobrás não entra na conta porque é uma empresa estatal.
Economistas de direita explicam que o bolsa-família – o financiamento do consumo das massas pobres - criou uma bolha financeira e citam outros casos internacionais semelhantes. Economistas de esquerda afirmam que o que houve foi uma distribuição de renda (e não o financiamento do consumo) e que o alto crescimento sustentado promovido por si só, paga várias vezes o que foi investido para custear a renda da população pobre. E não apenas em impostos recolhidos (o que não justificaria o endividamento público), mas, sobretudo, socialmente, com o aumento generalizado das atividades produtivas e dos serviços, com a divisão multiplicada da riqueza.
E como então passamos de uma situação em que a dívida pública podia ter sido quitada para a atual, em que a hiperinflação pode voltar em virtude do descontrole das contas públicas? 
As Jornadas de 2013
Em junho de 2013, o Brasil passou, durante vários dias, por uma sequência de manifestações populares nas principais cidades do país. Quase dois milhões de brasileiros participaram de manifestações em 438 cidades. Inicialmente, os protestos eram contra o aumento das tarifas de transporte público, mas, devido à repressão violenta e desproporcional promovida pelas polícias militares estaduais contra as passeatas, ganhou forte apoio popular e se tornou a maior manifestação política de toda história do Brasil, passando a abranger uma grande variedade de temas, como a PEC 37 (que retirava do poder de investigação do Ministério Público), a “cura gay” (tratamento proposto por um deputado evangélico para homossexuais), os gastos públicos com as copas das Confederações e do Mundo, a má qualidade dos serviços públicos em todos os níveis e a indignação com a corrupção política em geral.
O papel desempenhado pelos meios de comunicação também foi determinante no sentido do fortalecimento do movimento por dois motivos: a mídia tradicional tentou esconder e justificar a violência policial, dando visibilidade a algumas depredações colaterais de um movimento eminentemente pacífico; e a internet e as redes sociais foram utilizadas para organizar o movimento de forma descentralizada e espontânea em várias cidades, ao mesmo tempo. Como os protestos geraram grande repercussão nacional e internacional, a mídia tradicional e as autoridades públicas mudaram sua atitude, considerando as manifestações populares legítimas em expressar sua insatisfação.
Foi um movimento popular que dirigiu a si próprio, organizado autonomamente pela internet por ativistas sem militância, sem direção única ou coordenação centralizada, sem o controle de organizações políticas ou entidades civis, nem o apoio dos meios de comunicação tradicionais. Um movimento pluralista e heterogêneo, com motivações, bandeiras e palavras de ordem as mais variadas e até contraditórias.
Não havia no cenário nacional nada que apontasse para a irrupção de um movimento com a dimensão que tomou. E o que realmente interessa: o caráter espontâneo, pluralista, apartidário e heterogêneo da manifestação deixou velhos analistas em estado de perplexidade, não entendendo o que realmente se passou[2]. Porém, o sentido mais geral da manifestação de insatisfação generalizada colocou em xeque a própria estrutura do sistema de representação política brasileira. O movimento teve caráter político, mas não foi apenas apartidário; também teve um viés claramente contrário aos partidos políticos, com seus militantes sendo hostilizados durante as manifestações: “O povo unido não precisa de partido!”
Por outro lado, em nenhum momento se tratou de derrubar o governo ou o parlamento. Tratava-se apenas de expressar a insatisfação com o sistema político brasileiro, com a qualidade dos serviços públicos e de sonhar com uma democracia além da mera representação parlamentar.
Por que o governo petista gastou uma fortuna na construção de estádios e obras de mobilidade; em detrimento de escolas, de hospitais e das polícias? Por que os principais beneficiários das obras, aliados na reeleição de Dilma, foram os principais defensores do impeachment?
Ao tentar apresentar uma resposta à população, Dilma se viu bloqueada pelos partidos que sustentavam a base aliada do governo no Congresso. O próprio PT desqualificou o movimento, por não ser organizado por partidos e entidades sindicais. Dilma e o PT não entenderam. E, não levando os protestos em conta, partiram para disputar a reeleição presidencial através das mesmas práticas políticas partidárias parlamentares de sempre: procurando alianças com partidos grandes para garantir a maioria no parlamento e se apresentando como a garantia política da distribuição de renda e dos direitos sociais contra a direita neoliberal.
Nas eleições presidenciais brasileiras de 2014 três candidatos principais dividiram a preferência do eleitorado no primeiro turno: Aécio Neves, candidato pela direita, que apesar de prometer manter os programas sociais, enfatizava a necessidade de cortes nos gastos públicos e a diminuição da carga tributária; a presidente em exercício, Dilma Rousset, candidata de esquerda, defendo a continuidade de seu governo e de seus programas sociais, abalados com vários escândalos políticos (ampliados pela cobertura negativa da mídia); e Marina Silva, candidata originalmente do campo da esquerda ecológica, que em virtude da morte do deputado Eduardo Campos, lançou-se pelo Partido Socialista Brasileiro, com um programa híbrido de forças fragmentadas.
Em determinado momento, Marina ameaçou passar para o segundo turno. Depois, em virtude das campanhas de propaganda negativa dos outros dois candidatos e de suas próprias contradições internas, caiu vertiginosamente nas pesquisas. E, no segundo turno, Marina perdeu ainda mais sua representatividade, apoiando a candidatura de Aécio – mesmo contra a vontade declarada da maioria de seus eleitores e aliados estratégicos. Não interessa aqui saber da qualidade da candidata ou dos erros políticos e ideológicos dos envolvidos nesse processo, mas sim ressaltar que no momento em que Marina esteve à frente das pesquisas acendeu-se uma esperança de que o País pudesse ser governado por pessoas orientadas para a utilização de tecnologia em função da preservação do meio ambiente e de um desenvolvimento social, não apenas mais justo e igualitário, mas também mais pluralista e complexo; de que o Brasil poderia entrar na Era da Informação e sair do modelo de crescimento econômico do tipo industrial – já abandonado faz tempo no primeiro mundo e ainda apaixonadamente defendido pela direita e pelas esquerdas brasileiras.
No entanto, é interessante observar que, do ponto de vista estrutural, realmente há três campos diferentes de ideias políticas no cenário eleitoral de praticamente todos os países: o campo da direita, fiel defensor dos interesses de mercado e do estado mínimo; o campo da esquerda, partidário de programas sociais e de restrições comerciais; e o campo derivado da Contracultura, pulverizado e preso a questões específicas do cotidiano, incapaz de abstrair um projeto político que combine ecologia e tecnologia da informação. E, principalmente, sem um programa político que integre os interesses de todas as minorias que formam o campo em um único programa.
A rápida ascensão e queda de Marina Silva nos alerta para o peso das lutas cotidianas (e das agendas feminista, ecológica, multicultural, LGTB, etc) na vida política e para possibilidade de promover mudanças mesmo que parciais. Alerta para emergência deste terceiro campo político, que ainda não conseguiu formar líderes capazes e elaborar propostas realistas. E tudo indica que a reconfiguração da Contracultura como uma ‘terceira força’ no campo do debate político contemporâneo está apenas no início.
  1. O presidencialismo de coalizão
A Constituinte de 88 foi feita para o parlamentarismo de Sarney e do PMDB, mas o plesbicito de 92 reafirmou a vontade popular de um regime presidencialista. Aliás, as elites brasileiras são parlamentaristas e o povo é presidencialista desde os tempos da monarquia parlamentar e do poder moderador.
De modo que o resultado do plesbicito nunca foi regulamentado, dando lugar a um sistema misto: o presidencialismo de coalizão. E nenhum presidente governou sem o Congresso. Collor foi deposto; Itamar Franco foi para o PMDB e nomeou ministros para ter maioria; FHC, refém da reeleição, governou para o Congresso; e o governo Lula foi pego pagando deputados por votos no primeiro mandato. Vivemos um meio termo entre parlamentarismo e presidencialismo. Todos os presidentes tiveram que governar atendendo aos desejos do parlamento.
Na busca da governabilidade política (ampliando bastante o poder do parlamento na administração), Dilma perdeu o poder gerencial, promovendo a privatização política do serviço público pelo Congresso Nacional. Hoje, há a total dependência do executivo do Congresso Nacional e uma visível ineficiência da administração dos serviços públicos decorrentes de sua politização indevida. A própria ideia de PEC (Proposta de Emenda Constitucional) coloca o poder legislativo acima dos demais. O congresso nacional tem poderes constitucionais permanentes. Isto é uma quebra do princípio de equilíbrio constitucional entre os três poderes.
O primeiro passo para a desprivatização dos serviços públicos seria a realização de concursos públicos para administração federal (ao contrário do que prevê a PEC, que proíbe concursos durante os próximos vinte anos). Concurso público não apenas para reposição ou ampliação dos serviços atuais, mas para todos para cargos de segundo e terceiro escalão. Imagine um INCRA administrado por técnicos (e não por ruralistas ou 'sem-terra'); um IBAMA com seus escritórios estaduais sem ingerência política; a Caixa Econômica, o Banco do Brasil, a Receita Federal gerenciados por funcionários de carreira. Até as empresas estatais, como a Petrobrás, e as universidades federais merecem ser chefiadas por especialistas concursados. Não por políticos derrotados indicados por parlamentares eleitos. Os tribunais de contas e até o poder judiciário também funcionariam melhor houvessem concurso e não nomeações.
Hoje não se consegue mais diminuir o número de ministérios e convidar técnicos especialistas. A opinião dos parlamentares sobre os projetos que votam não deveria ter, necessariamente, nada a ver com a escolha dos cargos executivos do governo. No entanto, no presidencialismo de coalizão, essa equivalência entre maioria parlamentar e participação no executivo se tornou uma prática política muito difícil de acabar. Muitos, inclusive, confundem essa prática (em que todos esquecem do interesse público para defender interesses particulares de grupos e regiões, quando não os próprios interesses) com a ideia de democracia política.
Sérgio Buarque de Holanda no livro Raízes do Brasil dá grande ênfase à crise social e institucional provocada pela queda da (progressista e popular) monarquia constitucional brasileira e sua substituição por uma república presidencialista conservadora, defensora dos interesses das elites rurais. Dentre os efeitos desta ruptura, os negros não foram integrados à vida econômica nacional após à escravidão; e o povo brasileiro passou a se sentir órfão do poder moderador do imperador, nutrindo um desejo inconsciente de autoridade, de um ‘grande pai’ dos pobres.
Será que Vargas e Lula ocuparam este lugar simbólico deixado por Don Pedro II?
A comparação entre os contextos a proclamação da república (descrito por Holanda) e do impeachment de Dilma nos mostra várias semelhanças estruturais, no sentido de ‘modernização conservadora’ para preservar o interesse das elites em detrimento do interesse da maioria da população defendido por um poder central. O presidencialismo de coalizão fortalece a cordialidade colonial e a capacidade do povo brasileiro entender corretamente o significado da esfera pública. A cordialidade é uma valorização exacerbada da personalidade, dos favores pessoais e políticos, do nepotismo e do clientelismo, a fusão simbólica entre o Estado e a família patriarcal, em que as ações são concebidas e realizadas na esfera do íntimo, do familiar, do privado.
É claro que existem vários outros fatores a serem considerados para analisar a situação atual: o novo ativismo de direita, o papel do judiciário, o projeto do governo Temer (retirada de direitos e a redução do Estado); e, principalmente, a relação da conjuntura política brasileira com o cenário global. E, é claro também que concurso público em todos os níveis e reforma administrativa do executivo só não bastam. Apenas várias décadas de educação inclusiva podem ensinar a cidadania. Não há outro caminho para desprivatizar o país e deixarmos de vez de ser um conjunto de tribos e etnias dominado por colonizadores espertos, preguiçosos e cordiais.






[1] Atualmente, as imagens públicas de massa estão implodindo em micro imagens pessoais de rede com a segmentação do consumo e com a interatividade relativa da comunicação digital. Com a segmentação, há uma pulverização dos fluxos sociais e o surgimento de ‘micro imagens públicas’: celebridades setoriais, tribais, transnacionais e até celebridades locais virtuais. Há uma democratização relativa da visibilidade. A Imagem Pública pessoal das redes é uma miniatura da Imagem Pública de massas. Há inclusive vários tipos de sobreposição entre as duas: escândalos das grandes Imagens Públicas através das redes digitais, celebridades virtuais que chegam à grande mídia, etc. E com a interatividade, a intimidade à distância deixa de ser ‘não-recíproca’, aumenta a participação da audiência na construção da Imagem Pública. A visibilidade tornou-se uma relação pessoal de micro poder. Em tempos de hipervisibilidade das redes, todos têm uma Imagem Pública, quer queiram ou não, para zelar como patrimônio pessoal.
[2] O sociólogo Manuel Castells discute e compara as jornadas brasileiras com outros movimentos sociais contemporâneos semelhantes, organizados a partir da internet, no livro Redes de indignação e esperança (2016). Fiz um resumo do trabalho e do pensamento de Castells, acessível em:

segunda-feira, 12 de março de 2018

Quatro vezes Lula-la


Este vídeo-site foi elaborado a partir do projeto   de pesquisa 'A Imagem Pública de   Lula no   horário   eleitoral   nas   quatro   campanhas à   Presidência', como parte de meu doutoramento pelo Programa de Pós-graduação em      Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), orientado pelo professor Doutor José Antônio Spinelli. 

   A pesquisa deseja narrar a trajetória política de Luis Inácio Lula da Silva e do Partido dos Trabalhadores nas quatro eleições presidenciais que marcaram o período de democratização do País: 1989, 1994, 1998 e 2002. Os programas do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral servem como simples ‘suportes discursivos', como momentos privilegiados   das   campanhas e estratégias mais gerais (que incluem outros suportes como a mídia impressa, as entrevistas em telejornais, os debates ao vivo, etc) e não como fatores determinantes   das    intenções de voto e do comportamento eleitoral.

   Trata-se, portanto, de entender o todo a partir de uma parte e não de considerá-la determinante em relação a outras partes e ao conjunto.
Marcelo Bolshaw Gomes

 

1989


Lula X Collor (1989)
            Em sua primeira eleição presidencial, no segundo turno - com 31.076.364 votos (44,23% dos válidos) - é derrotado por Fernando Collor de Mello, então no PRN, com 35.089.998 votos (49.9% dos válidos).
Resultado eleitoral em 1989 – 1º turno
Presidenciáveis
Votos
Válidos (%)
Collor
20.611.030
28,5
Lula
11.622.321
16,1
Outros[1]
35.392.535
49,0
Votos brancos
1.176.367
1,6
Votos nulos
3.487.963
4,8
Base
72.920.633
100
Resultado eleitoral em 1989 – 2º turno
Presidenciáveis
Votos
Válidos (%)
Collor
35.089.998
49,9
Lula
31.076.364
44,2
Votos brancos
986.446
1,4
Votos nulos
3.107.893
4,4
Base
70.260.701
100
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

             Nesta eleição, tornou-se lugar comum dizer que Lula perdeu o segundo turno contra Collor devido a três “factóides” (fatos artificialmente   produzidos   pela mídia): a entrevista da ex-namorada Mirian Cordeiro acusando Lula de incentivar o aborto da filha Lurian; as insinuações de que os sequestradores do empresário Abílio Diniz tinham ligação com o PT; e a polêmica edição do último debate presidencial transmitido pelo Jornal Nacional.


VÍDEOS
6.     a TV Povo
7.     Segundo turno
8.     O brasil colloriu

ELEIÇÃO DE 1989
  1. Cenário de Representação da Política
A eleição de 89 coloca uma situação nova na política brasileira. Além de marcar a volta da tão esperada eleição direta para a Presidência da República, após três décadas de regime ditatorial, ela foi uma eleição solteira, isto é, ocorreu sozinha, ao contrário das eleições presidenciais seguintes que aconteceram conjuntamente às eleições legislativas e majoritárias estaduais.
Foi a primeira eleição com analfabetos em um país integrado por uma indústria cultural (235 emissoras, cinco redes nacionais, 25 milhões de aparelhos receptores, 94% de audiência potencial). 47% dos eleitores não tinham 30 anos, nunca haviam votado e tinham grande intimidade com a linguagem televisiva. O perfil do eleitor de Collor coincide com dos tipos mais suscetíveis à influência da mídia (baixa renda, baixa escolaridade, área rural, acesso à informação via TV, etc). (LIMA, 2001, p. 230)
Mas, como foi essa influência?
No caso da eleição de 1989, um analista que busque compreender a vitória de Collor e estude somente os programas apresentados no Horário Eleitoral Gratuito do TSE corre o risco de empregar sua inteligência no objeto errado. Seria mais apropriado, por exemplo, uma análise das novelas aqui mencionadas e/ou os programas do PRN, PTR e PSC em março, abril e maio, vis-à-vis a construção do CR-P. (LIMA, 2001, p. 247)
Vários estudiosos atribuem um papel importante às telenovelas Vale Tudo (16/5/88 a 7/1/89); O Salvador da Pátria (9/1 a 12/8/89); e Que rei sou eu? (13/2 a 16/9) com reprise a partir de 23/10; portanto às vésperas da eleição. Além de Lima (p. 231), também Rubim (1990) e Weber (1990) dedicaram estudos ao tema. Rubim é particularmente feliz em demonstrar os dois aspectos principais do papel dessas novelas na formação do CR-P eleitoral de 89: a) a desqualificação da política e do Estado; e, b) a mistura entre ficção e realidade em uma única mensagem.
Nas novelas da TV Globo, os exploradores são os políticos e não os empresários; o Estado (ineficiente e corrupto) é o culpado da situação da imoralidade nacional e não o mercado ou o capitalismo (RUBIM, 1990, p.13). É bem verdade, no entanto, que há, entre os intelectuais de esquerda (como Lima e Rubim), um grande desejo político de que o tema dominante das eleições de 1989 não seja a corrupção ou a inflação, e sim a privatização de parte do Estado.
Por outro lado, o que está em jogo na disputa discursiva é justamente qual a questão central do cenário de representação; e o que se observa é que as novelas ajudam a agendar a ideia de que a corrupção é o grande problema nacional e de que a moralização e a diminuição do Estado são as respostas adequadas para sua solução. Carlos Eduardo Lins da Silva criticou a pretensa motivação política da programação de entretenimento como parte da paranoia conspiratória dos intelectuais de esquerda.
[...] ridicularizando a percepção de um Roberto Marinho ‘incrivelmente maquiavélico’, preferindo apontar a ‘extraordinária sensibilidade política de Collor’, que captava os sentimentos de muitos eleitores, que ‘os roteiristas da novela estavam captando ao mesmo tempo’. (MIGUEL, 2002, p. 52)
A fusão entre a realidade política e social e a ficção é uma das chaves para a construção de um CR-P favorável à candidatura Collor, principalmente na novela ‘Que rei sou Eu?’, em que a Nova República é satirizada na forma do Reino imaginário de Avilã.
Mas, além da realidade representada pela ficção, esta também era representada na realidade: as atrizes Tereza Rachel (a rainha de Avilã), Isis de Oliveira (Lucy Laugier) e Mila Moreira (Zmirá) declararam votar em Collor, e o próprio, no horário eleitoral, fazia alusão à novela e seus personagens. Até o autor da novela, Cassiano Gabus Mendes, passada a eleição, afirmou que sua intenção era a de agendar uma mudança contra a corrupção na política brasileira. E o Bode Zé (paródia do macaco Tião, colocado como candidato de protesto contra uma eleição ilegítima na novela) teve uma votação expressiva, na realidade. Obviamente, as telenovelas foram apenas um elemento entre vários na constituição de um Cenário de Representação.
Segundo Lima (LIMA, 2001, p. 219):
(...) as razões para o sucesso da candidatura Collor devem ser buscadas no CR-P que foi sendo construído pela mídia, especialmente pela TV, sobretudo a partir da decisão sobre a duração do mandato presidencial de José Sarney pela Constituinte (junho de 1988). Este CR-P já estava delineado em meados de 1989, bem antes do início do Horário Eleitoral Gratuito do Tribunal Superior Eleitoral (15/09/89) e pelo menos seis meses antes da realização do primeiro turno. A grande habilidade de Collor foi, mediante eficiente estratégia de marketing, identificar-se com a temática e as posições políticas construídas no e pelo CR-P. Adaptando sua imagem pública ao ‘perfil ideal’ de candidato, paulatinamente impôs-se ao ‘moderno’ establishment (nacional e/ou associado) como o único capaz de encarnar e representar os seus interesses, articulando assim seu apoio e conquistando os votos ‘não-ideológicos’ dos eleitores que lhe garantiram a vitória.
Pode-se dizer que o ano de 1988 ficou conhecido como o ano da lei do Gerson e da Cultura da razão cínica, tamanho era o clima de vale tudo e de pessimismo com a política e a cultura no próprio País, provocado pelo governo Sarney e pela decepção com a Constituinte e com a Nova República. Assim, o correto seria reconhecer que as novelas globais mais retrataram (claro que ampliando e adaptando esse retrato aos seus interesses) do que simplesmente criaram este ambiente de desqualificação da política.
E que, além da desqualificação da política e dos políticos, outros elementos importantes do CR-P são levantados pelos analistas: a crise dos países socialistas do Leste Europeu; a propaganda partidária do PRN (30/3), do PTR (24/4) e do PSC (18/5) e seu grande impacto nas pesquisas, dando ao candidato 43% das intenções estimuladas de voto em 7/6; a divulgação massiva e sistemática destas pesquisas pela imprensa, desde abril com Collor em 1º lugar, construíram um CR-P em que ‘o caçador de marajás’ surgia como “o vencedor virtual do primeiro turno” (LIMA, 2001, p. 246) e o telejornalismo da Rede Globo.
Segundo Rubim, no Jornal Nacional de 28 de agosto a 29 de outubro, Collor ocupou 21,5% do tempo total do programa, enquanto Lula apenas 9%, segundo pesquisa da Datafolha veicula pela revista Veja, n. 1.105, páginas 74-76, de 15 de novembro de 1989. Na nota 15, Rubim cita ainda a pesquisa do Dentel no 2º turno, 64,1% para Collor contra 35,9% para Lula do tempo dedicado para a campanha eleitoral. (RUBIM, 1990, p. 21). Também se considere que ao ficar fora dos debates na TV (e que, coincidentemente, a Globo não fez debates no 1º turno) durante o período de horário eleitoral do primeiro turno, Collor não apenas preservou-se, como fez com que sua imagem se tornasse mais forte do que sua presença.
Lima aponta, também, várias brechas legais que beneficiaram o candidato (LIMA 2001: p. 248): um mesmo candidato usar três programas partidários em cadeia nacional de rádio e TV; a possibilidade de um mesmo instituto de pesquisa (o IBOPE) ser contratado por uma rede de TV (a Globo) e por um candidato (Collor); a possibilidade de divulgação parcial das pesquisas de opinião (para omitir a queda de Collor durante o HGPE); e a inexistência de direito de resposta fora do HGPE, nos jornais impressos e telejornais.
Há outros trabalhos importantes para a reconstituição de CR-P eleitoral de 1989: O presidente na televisão (FAUSTO NETO, 1995) analisa o efeito da linguagem televisiva no discurso político no horário gratuito; em Fernando Collor: o discurso messiânico - o clamor do sagrado, (COUTINHO, 1995) enfoca o discurso visual da campanha de Collor nas principais revistas de circulação nacional, tomando-o como uma herança da retórica populista da salvação e da gramática dos discursos messiânicos históricos; e Imprensa e eleições 1989: razão e sedução na opinião das elites (AGUIAR, 1995), estuda como o jornalismo opinativo na imprensa escrita constituiu o CR-P da eleição de 89.
Aguiar estudou A Folha de São Paulo, O Estadão e o JB analisando matérias opinativas, tais como: editoriais, artigos de colaboradores externos aos jornais e colunas assinadas por jornalistas, em torno das representações dos temas ligados à campanha eleitoral. Quatro pares de conceitos chaves foram observados por ela nesse debate: 1) estatismo x privatização; 2) governabilidade x ingovernabilidade; 3) ideológico x não-ideológico e 4) moderno x arcaico. Segundo Aguiar, houve momentos em que se formava uma equação, considerando-se equivalentes privatizações, modernidade, sem ideologia e Collor, enquanto por outro lado, estatismo e arcaísmo ideológico identificavam Lula. (AGUIAR, 1995, p. 45)
  1. Horário eleitoral[2]
Em 1989, vinte e dois candidatos presidenciais disputaram o voto e a atenção do eleitorado brasileiro durante o horário eleitoral. Que me desculpem Marronzinho, Fernando Pedreira, Enéas Carneiro, Fernando Gabeira, Ronaldo Caiado, entre outros. Não podemos falar de todos, mas apenas dos candidatos que consideramos principais no cenário político, tomando como critério tanto o tempo do candidato no HGPE como sua participação política nas eleições. Interessa-nos, sobretudo, demonstrar as estratégias discursivas elaboradas diante de um Cenário de Representação da Política extremamente pessimista, em que a classe política e a própria política em si, enquanto atividade, gozavam de péssima reputação, levando vários candidatos à apologia da esperança, a utilização abusiva de crianças na campanha e (sempre numa tentativa de desmobilizar a demanda anticorrupção contra os políticos) uma ‘demonização’ dos especuladores e dos atravessadores, como sendo os responsáveis pela inflação e pela situação econômica do país.
A campanha de Ulysses Guimarães teve como título Vote 15, Ulysses Presidente e como símbolo, o V da vitória com dois dedos. O Jingle Bote fé no velhinho tentava transformar um ponto fraco em uma vantagem: a lembrança da morte trágica do Presidente Tancredo Neves nos primeiros dias da Nova República, que poderia influenciar o eleitor a recusar o voto em um ancião, era contraposta à idéia da importância da experiência de vida nos momentos difíceis e aos exemplos de grandes estadistas históricos que guiaram suas nações em momentos de crise.
Foi o programa que mais deu ênfase na identificação partidária, lembrando constantemente o papel do PMDB no movimento das Diretas Já e na Constituinte com a participação de vários líderes políticos do partido: Jarbas Vasconcelos, Orestes Quércia, Pedro Simon. Também contou a presença da atriz Elisabeth Savalla e da jornalista Silvia Popovic. Os governadores do PMDB aparecem diversas vezes no programa eleitoral para apoiar seu candidato. Primeiro, no dia 30/9, discretamente e em conjunto; e no final da campanha, 09/11, todos falam individualmente (RJ, SP, MG, RS, SC, GO, AM, MS, RN, ES, AC, BA, PE e PR). No entanto, o slogan Vamos colocar o Brasil de pé, utilizado pelo candidato do PMDB à presidência da República, foi progressivamente sendo colocado de lado durante a campanha. O motivo é que estava identificado com o governo Sarney e não conseguia convencer ninguém com um discurso de oposição.
Aliás, este papel, o de oposição ao governo federal, foi inicialmente desempenhado mais pelo candidato a vice Waldir Pires do que pelo próprio Ulysses Guimarães. No dia 21/10, tentando se desvencilhar do governo federal, o velho guerreiro faz pronunciamento contra o Governo Sarney. Porém, apesar da insistência “nas mãos limpas do sangue da ditadura e da corrupção da Nova República” (Fita DOXA-IUPERJ, 89/03, 17:14), Ulysses não conseguiu se distinguir da imagem de ‘situação’. Além do que, o discurso de Ulysses Guimarães era excessivamente retórico e estava formatado mais para a militância do seu partido do que para o eleitorado. Por várias vezes, o candidato explicava ao telespectador as características do eleitorado e como convencê-lo a votar no PMDB, ao invés de tentar convencer diretamente o eleitor a votar em si enquanto personagem político. Um exemplo disso é o discurso no dia 29/9, em que a classe média é o público alvo principal e o trabalhador é um objeto a ser manipulado. Aliás, no final da campanha, Ulysses assume conscientemente essa tendência de falar para o partido e se dirige diretamente à militância. (27/10 e 09/11)
Em contraste com essa estranha estratégia de assumir-se como um velho, o candidato do PMDB cercou-se de crianças. E não foi o único. Não apenas por ser uma rima fácil, mas, sobretudo, pelo fato de serem idéias simbolicamente entrelaçadas, as crianças nos remetem ao sentimento de esperança no futuro; ideal que os candidatos tentaram desesperadamente defender, em um cenário eivado pelo pessimismo e pela descrença na atividade política.
A título de exemplo: dia 02/10, Guilherme Afif lê, emocionado, uma carta escrita por uma criança que o apóia; dia 08/10, Mario Covas participa de uma reunião do clube dos ‘tucaninhos’. Leonel Brizola, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), o Candidato da Esperança, foi um dos que denunciou o uso demagógico que os políticos estavam fazendo através das crianças, afirmando que apenas ele, que construiu os Centros Integrados de Ensino Público (CIEP’s), tinha uma política pública realmente voltada para elas, as crianças. E para reforçar a idéia de que os outros candidatos estavam se utilizando demagogicamente de menores, colocou no ar algumas mães apoiando sua candidatura. Também colocou no ar um interessante repente sobre essa disputa política pelos cabos eleitorais infantis. (09/10)
Aliás, foi uma campanha pródiga em cordéis: dia 04/10, Collor apresenta dois cantadores com repentes a seu respeito; dia 18/10, Maluf coloca um repetente sobre a mentira; e dia 21/10, Covas mostra cantador sobre as brigas entre os candidatos durante o 3º debate da Rede Bandeirantes de Televisão.
Affonso Camargo, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), foi outro que se envolveu perigosamente com o público infantil, chegando mesmo a levar ao horário eleitoral o menino Marcelo (08/10), que convenceu a mãe em votar no candidato (apesar dele ser um candidato pobre) e a menina Bárbara (11/10), que fazia campanha de porta em porta em seu edifício.
Ex-ministro dos transportes do governo Sarney, Camargo estruturou sua campanha em quatro metas de trabalho, simbolizadas por um trevo de quatro folhas: comida, escola, casa e trabalho. Além disso, o candidato se apresentava com um forte apelo ético: não recebeu dinheiro de representação, não nomeou parentes, não morou em residência oficial, entre outros nãos. De positivo, criou o vale-transporte obrigatório. Mesmo assim, usou o slogan: Affonso fez, Affonso fará.
Porém, foi devido a uma curiosa mudança discursiva, que o presidente dos trabalhadores se tornou o candidato dos baixinhos. O comediante Tião Macalé, muito conhecido na TV brasileira pelo bordão “Nojento!”, fazia a abertura e o encerramento do programa do candidato do PTB. Os quadros de humor, no entanto, eram meio debochados e colaboravam com uma visão depreciativa da atividade política – fato que não passou despercebido por críticos e colaboradores do candidato. Então, no dia 02/10, Camargo fala que Tião está sendo vítima de racismo e que continuará em seu programa até o final da campanha, que ele é engraçado e não está dizendo nada de prejudicial, mas promove uma grande mudança discursiva em seu programa, mudando substancialmente o papel desempenhado pelo comediante[3].
Também a partir deste momento, Camargo montará o palanque do povo e das crianças, respondendo cartas de seus eleitores dos mais diversos rincões do país. Ao que parece, a mudança de estratégia deu certo, pois o candidato ficou “muito feliz” com “o telefone que não pára de tocar” (05/10) sendo que 40% das chamadas são de crianças (22/10).
Segundo explicou o próprio Affonso Camargo (09/11), o substantivo candidato deriva do adjetivo cândido, significando que os postulantes aos cargos eletivos devem ser pessoas puras, sem mácula. Por isso, é bastante compreensível que, em um ambiente de ceticismo generalizado, que caracterizou as eleições presidenciais de 1989, o candidato do PTB tenha conquistado a simpatia, não apenas das crianças, mas também de muitos adultos. No entanto, a simpatia pela candura e a honestidade de Camargo não reverteu em intenções de voto.
Talvez por isso, o candidato tenha tentado engrossar contra o PT no dia 10/11, mas definitivamente a tática de propaganda negativa não lhe caía bem e a iniciativa foi abandonada.
Dentre os candidatos que melhor desenvolveram uma estratégia discursiva de situação esteve o ex-ministro de Minas e Energia Aureliano Chaves, candidato do Partido da Frente Liberal (PFL). Para evitar a defesa ou o ataque ao governo federal, sua campanha dava ênfase às qualidades pessoais, os seus entrevistados elogiavam mais o homem que o político.
No dia 09/10, por exemplo, o programa mostra Aureliano em Três Pontas, sua terra natal; no dia 23/10, o programa mostra a família do candidato, entrevista seus empregados e seus amigos. As qualidades enfatizadas nos programas são Autoridade, Austeridade e Dignidade; mas também de forma secundária, a honestidade, a experiência e a tolerância são ressaltadas como as virtudes necessárias e capazes de despertar a … esperança.
É como diz o Jingle: “No horizonte há uma luz brilhando, é a esperança que já vai chegar, há tanto tempo estamos esperando, chegou à hora do Brasil mudar …” Também seu slogan Um voto de confiança colabora com a construção dessa imagem; de uma autoridade tradicional, mineira, segura, séria e ... meio apolítica, para escapar da discussão sobre sua participação no governo Sarney. No entanto, Aureliano defende as idéias de “desconcentração neoliberal do Estado”, de redemocratização institucional e de privatização das estatais, mas quase nada fala do governo. O programa eleitoral do PFL contou ainda com um excelente quadro de humor Conversa ao pé da cerca, com quadros de depoimentos e apoios (porque Aureliano; quem sabe, sabe), entrevistas com jornalistas e populares.
Porém, uma vez que sua campanha não decolava, a candidatura de Aureliano foi bombardeada pelo próprio partido, que tentou trocá-la pela do apresentador Silvio Santos, gerando uma avalanche de especulações, críticas e matérias na imprensa. No dia 27/10, Aureliano fala que “em confiança daqueles que o apoiavam não renunciaria” (Fita DOXA-IUPERJ, 89/18, 43:15) em favor de Silvio Santos e que continua sua campanha com dignidade apesar da traição do senador Hugo Napoleão e do seu partido, o PFL.
Mesmo sem se solidarizar com Aureliano, praticamente todos os candidatos (Ulysses, Affonso Camargo, Afif, Brizola, Lula, Covas e Collor) repudiaram a tentativa de inclusão da candidatura de Silvio Santos durante o período de campanha, como uma ingerência do governo Sarney no processo eleitoral. Apenas Maluf se manifestou como favorável à sua entrada na disputa e, no final da campanha, utilizou a apresentadora Hebe Camargo, empregada do Sistema Brasileira de Televisão (SBT), de propriedade de Silvio Santos, para pedir para ele (Maluf) os votos que seriam dados ao apresentador.
Talvez não seja inteiramente correto colocar o ex-prefeito Paulo Maluf, do Partido Democrático Social (PDS) entre os candidatos com estratégia discursiva de situação. Afinal, ele foi um crítico implacável, durante a campanha e antes dela, da Nova República e do governo do PMDB, que sempre qualificou como sendo corruptos e incompetentes. Mas, por outro lado, pode-se dizer também que, do ponto de vista discursivo, assim como Ulysses, Maluf também não desempenhou bem o papel de oposicionista, uma vez que apresentou sua administração à frente de São Paulo como o principal argumento político para a sua eleição.
Assim, desde o início de sua campanha no horário eleitoral, duas linhas de argumentação distintas coexistiram paralelas. A primeira pode ser resumida em seu principal slogan de campanha Maluf, Presidente Competente, em que afirmava sua superioridade administrativa sobre os outros candidatos, tidos como sem experiência gerencial ou mesmo como incapazes. E a segunda linha argumentativa era agressiva e fortemente ideológica de direita, apelando para valores tradicionais, atacando os seus adversários de esquerda e tentando atrair eleitores mais conservadores.
Pode-se dividir a participação de Maluf no horário eleitoral de 1989 em três momentos distintos: no primeiro Maluf usa o slogan Maluf neles, com um clipe em que um personagem anônimo chuta várias latas de lixo com os nomes de inflação, corrupção, incompetência. A ideia passada é que, para se vingar do governo federal, o eleitor pode votar em Maluf. Também nessa primeira etapa da campanha, o candidato faz uso de várias dramatizações apelativas, algumas explicitamente contra a ideia dos Direitos Humanos (apresentada como uma filosofia política que defende criminosos em detrimento do direito das vítimas), comentadas, em seguida, pelo candidato em conjunto com a apresentadora Hebe Camargo.
A partir de 05/10, no entanto, Paulo Maluf muda um pouco sua estratégia e passa a usar o slogan: Brasil para frente, Maluf Presidente. E adota uma vinheta de abertura e encerramento, dando uma ideia de publicidade comercial dentro do horário eleitoral, fazendo paródias de algumas propagandas comerciais de sucesso, como as da Bombril e do Sutiã Valiser. Também nesta etapa surge o inteligente jingle do lero-lero[4], desqualificando os que falam demais e não fazem nada, e mostra reportagens com brasileiros que imigraram para os EUA por falta de oportunidades no Brasil. Maluf termina a campanha ideologizando ainda mais seu discurso contra as esquerdas. Nos dias 29 e 30/10, acusa a prefeita petista Luiza Erundina de ser a responsável pela tragédia da Vila Socó, de desabamento de terra que soterrou uma favela em São Paulo, fazendo várias vítimas, inclusive crianças. No dia 01/11, o candidato do PDS mostra o muro de Berlim e a fuga de refugiados da Alemanha Oriental, perguntando ao eleitor “se é isto que queremos para o Brasil” (Fita DOXA-IUPERJ, 89/20 - 25:10).
Em novembro, Maluf apelará, tanto em seu próprio discurso político como nas vinhetas que utiliza em seu programa, para as cores da Bandeira Nacional e para a tentativa de “Lula e Brizola manchá-la de vermelho” (Fita DOXA-IUPERJ, 89/20, 26:05). Nessa terceira fase, o argumento ideológico suplanta o da competência administrativa, reduzido à afirmação de que o candidato esteve em quase todas as cidades brasileiras (02/11) e que ele, em São Paulo, seria o primeiro colocado em todas as pesquisas de opinião (a partir de 28/10), demonstrando a aprovação de sua administração no passado.
Apesar de contar com um belo jingle[5], de apoios políticos significativos[6] e alguns recursos técnicos em sua campanha, o ex-governador Leonel Brizola, candidato pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), utiliza o HGPE, mais como um espaço para ‘propagandear’ sua candidatura, como uma tribuna de denúncias e de argumentação política. No dia 19/9, Brizola denuncia a compra do quinto ano de mandato presidencial de Sarney, através das concessões de rádio e TV; no dia 21/9, ele denuncia que domingo à noite, das 23:00 até a 01:30 a Embratel transmitiu o programa de Collor por antena parabólica; no dia 24/9, lembra da tentativa de fraude das eleições estaduais do RJ em 82 e do Plano Cruzado; e no dia 26/9 alerta para o perigo de fraude na apuração das eleições.
Três episódios marcaram a campanha do PDT na TV: o processo contra o jornalista Sebastião Nery; o direito de resposta do IBOPE, cedido pela justiça eleitoral, em virtude das denúncias infundadas de manipulação; e a luta constante contra o jornal O Globo e as organizações (de propriedade de) Roberto Marinho.
Nos dias 28/9, 30/9 e 04/10 Brizola afirma que está sendo atacado indiretamente, através da imprensa, por Collor, matérias pagas, escritas pelo jornalista Sebastião Nery são publicadas em todo o país através da agência contratada por Collor, pagas pela associação de banqueiros de SP.
No dia 08/10, o programa afirma que o TRE vai punir o jornalista de aluguel. No programa do dia 11/10, César Maia levanta a possibilidade de fraude nas pesquisas de opinião do IBOPE, como uma tentativa de tentar influenciar no resultado das eleições. E no dia 19/10, Brizola é forçado a ceder direito de resposta ao Instituto, que nega as acusações. O programa, então, adota uma das estratégias mais inteligentes já elaboradas em relação às pesquisas eleitorais de opinião pública: a realização e a divulgação de prévias eleitorais em diversos locais[7]. Na torcida organizada do Botafogo Futebol Clube, na cidade de Fortaleza segundo o jornal O Povo, na Faculdade de Economia da UFRJ e ... na Rede Globo de Televisão (18/10), onde o candidato do PDT foi o mais votado. O programa eleitoral do dia 24/10 afirma que o jornalista Roberto Marinho não acreditou na prévia eleitoral do PDT e mandou realizar outra por sua conta, que foi igualmente vencida por Brizola.
Mas as relações entre o ex-governador e as organizações Globo estão longe de serem civilizadas. Por diversas vezes, Brizola afirmou que Roberto Marinho apoiava Collor (09/10) e cobrou o fato da emissora de TV não promover debates por não ser do interesse de seu candidato (02/11).
Porém, o fato realmente relevante ocorreu no dia 29/10, quando o programa eleitoral mostrou, no jornal O Globo, uma foto de Brizola abraçando o suposto traficante Eureka; na verdade, o presidente da associação de moradores de uma favela carioca, sem nenhuma ligação com o narcotráfico. No programa do dia 01/11, Brizola diz que abriu inquérito criminal contra O Globo por causa da falsa notícia.
Para convencer os eleitores a analisar os demais adversários e escolhê-lo como candidato, o senador Mário Covas, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), elaborou uma estratégia discursiva curiosa. Convidava o eleitor a imaginar a situação de ser apresentado ao namorado de sua filha. “Ora”, argumenta Covas, “para saber quem é o rapaz, você vai querer saber: seu passado, de quem é filho, onde estudou; o que ele faz, onde mora e trabalha; e, principalmente, quem são seus amigos”. (Fita DOXA-IUPERJ, 89/07 – 1:05:15)
Seu slogan era O Brasil de Verdade e seu programa contava com recursos de computação gráfica (um tucano voando na abertura) e com vários quadros temáticos. Seu jingle teve duas versões rítmicas: uma mais comum na forma de samba e outra feita para o programa sobre o nordeste (27/10) na forma de forró.
Dois fatos relevantes merecem ser ressaltados em relação à participação de Covas na campanha presidencial de 1989: a utilização de imagens editadas nos debates da Rede Bandeirantes no horário eleitoral e a sua atitude diante das pesquisas de opinião.
Na verdade, vários candidatos utilizam as imagens dos debates no HGPE. No dia 19/10, Collor usa cenas de conflito (Brizola x Afif, Maluf x Brizola) para justificar sua ausência no terceiro debate da Band[8]. No mesmo dia, Affonso Camargo e Maluf também mostram o debate, sendo que o segundo considera-se vencedor (através de pesquisas). No dia seguinte, à noite, Covas dá sua versão editada do debate: todos brigaram e apenas ele soube se comportar. No dia 25/10, possivelmente gostando da forma grosseira como foi feita a manipulação dos acontecimentos, Paulo Maluf também coloca trechos de debates da Band, editados a seu favor.
O precedente abriu caminho para novas interpretações do quarto debate realizado pela Rede Bandeirantes, reeditado por Covas e Brizola no dia 07/11 e por Maluf no dia 09/11 de forma diretamente desfavorável ao próprio Covas. Não se trata apenas do feitiço ter retornado contra o feiticeiro, mas, sobretudo, da abertura de Covas para ser questionado do ponto de vista ético, principalmente por Afif (que tendo sido editado pelo programa do PSDB) afirmou que o tucano “tinha duas caras” (Fita DOXA-IUPERJ, 89/05, 25:05), que se elegeu governador de São Paulo pelo PMDB devido ao Plano Real e que apenas se passava por um oposicionista ao governo Sarney, mas na verdade era um político de situação, apoiado pelo empresariado paulista (28/10).
Mas, a atitude ambígua de Mario Covas diante das pesquisas de opinião também chamou a atenção. Inicialmente, o candidato usou o horário eleitoral para explicar aos eleitores que o primeiro lugar nas pesquisas de opinião eram dos indecisos, os que estavam aguardando para escolher o seu candidato numa data mais próxima à eleição, e que, portanto, nada estava decidido e qualquer um poderia ir para o 2º turno. Atitude, portanto, semelhante à de Aureliano Chaves (17/10).
Já Brizola e Ronaldo Caiado combateram diretamente as pesquisas como formas de manipulação política. Caiado chegou a dizer que por todas as cidades onde andou jamais conheceu alguém que tenha sido entrevistado pelos Institutos de Pesquisa e Brizola, como vimos, depois de entrar em conflito com o IBOPE, passou a realizar e divulgar prévias isoladas em que saía vitorioso.
Vários candidatos utilizaram-se de imagens de manifestações públicas para refutar sua posição nas pesquisas de opinião. Ulysses no fim da campanha (10/11) disse que “os comícios e carreatas são sua pesquisa”. Covas também usou desse expediente (09/11). Aliás, este recurso de retroalimentação entre a tela e a rua, em que a TV convoca a população para os comícios e os comícios são mostrados como prova da força popular dos candidatos é uma das características marcantes do HGPE de 89, não apenas devido às proibições legais nas eleições seguintes, mas, sobretudo pelas mudanças ocorridas na própria linguagem televisiva, que deixou de ser uma janela do mundo para ser autorreferente.
Porém, certas vezes, Covas também acreditava nas pesquisas. No dia 30/9, por exemplo, ele afirmou que, nas simulações do 2º turno, é o único capaz de enfrentar Collor. Quando o candidato do PRN caiu dos 42% que tinha antes do início do horário eleitoral para 21,9% (29/10), o tucano animou-se e passou a dar maior visibilidade às pesquisas. No programa do dia 01/11, Covas afirmou seu crescimento (que estava em empate técnico com Lula e Brizola) em várias pesquisas diferentes (IBOPE, DataFolha, Toledo & Associados) e disse que era o candidato com menor taxa de rejeição (o que mais pode crescer). Talvez por isso Covas tenha sido objeto de tantos ataques de seus adversários, nos últimos programas eleitorais. No dia 09/11, Afif, Maluf e Manuel Horta atacam o candidato tucano – não se sabe se para impedir ou para facilitar que ele ultrapassasse os outros candidatos de esquerda e fosse para o 2º turno.
É difícil classificar a estratégia adotada por Guilherme Afif Domingues, candidato pela Aliança Cristã Liberal, formada pelo Partido Democrático Cristão (PDC) e pelo Partido Liberal (PL), como sendo de situação ou de oposição, porque mesclava elementos das duas situações: ataca os adversários de esquerda e o governo do PMDB, mas enfatiza os valores de solidariedade e de igualdade política. É o único candidato que utiliza um mímico, para deficientes auditivos (24/9) e o único a lançar o seu programa de governo em Braile para deficientes visuais (19/10).
Seu slogan era uma resposta ao clima de desesperança reinante: Fé no Brasil; e sua principal palavra de ordem, com a qual terminava todos os seus discursos é Juntos, chegaremos lá e era acompanhada pelos gestos de bater os punhos cerrados (juntos) e apontar uma direção com o dedo indicador (chegaremos lá). Do ponto de vista político, Afif defendia uma Revolução Verde, “um retorno às origens, a terra; a união do povo da enxada com o povo da panela, contra os especuladores e os atravessadores” (Fita DOXA-IUPERJ, 89/01, 57:13) – cujas propostas (muitas delas absurdas e irrealistas) eram detalhadas durante vários programas.
Afif também tentou se cercar de crianças e, assim como Maluf, lamentou a saída de brasileiros do país, em busca de melhores oportunidades profissionais (27/10).
Uma curiosidade: em uma eleição com um número grande de candidatos e uma cédula cheia de nomes, quase todos os programas eleitorais (Ulysses, Camargo, Aureliano, Maluf, Covas, Collor, Lula, Freire, entre outros) ensinaram a votar, isto é, apresentaram um quadro, através de computação gráfica ou de participação de um apresentador, em que o voto era simulado com o áudio sendo acompanhado pela visualização desta operação, seja em animação ou vídeo. Afif, no entanto, se diferenciou dos demais colocando em seu HGPE, a partir do dia 01/11, uma vinheta da cédula de votação com dois patinhos gêmeos formando o seu número 22.
O candidato, no entanto, se envolveu em várias brigas com seus adversários e acabou tendo sua imagem desgastada. Primeiro teve um embate com Collor dentro do horário eleitoral; depois, passou a revidar, no horário eleitoral, um ataque feito por Covas durante o debate da Bandeirantes.
Desde o dia 04/10, Fernando Collor finalizou seu programa eleitoral, cujo horário antecedia o de Afif, feito em seqüência, com ataque na qual a abertura do programa do candidato liberal era satirizada. No dia 04, insinuando que Afif havia votado contra a reforma agrária, mostra duas mãos brigando por um punhado de terra; no dia 05, mãos seguram-se caoticamente, enquanto se ouve [...] “agora, com vocês, o candidato que votou contra a liberdade sindical. Seu nome é [...]”. (Fita DOXA-IUPERJ, 89/20, 15:08)
No dia 06, Collor ainda apresentou uma terceira crítica mostrando as mãos com os polegares para baixo e dizendo “Vem aí o candidato que tirou zero no DIAP ...”. Porém dessa vez, Afif reagiu, criticando “o pontapé pelas costas”: “quem chuta por trás e foge, no Brasil tem nome” (Fita DOXA-IUPERJ, 89/20, 17:15).
No dia 08, Afif desafia Collor para um debate na Universidade Santa Úrsula e no dia seguinte Collor manda, em seu programa, Afif debater com o povo. No dia 11, Lula lamenta, no horário eleitoral, a baixaria entre Collor e Afif. E acaba tomando um troco de Afif nos programas noturnos dos dias 14 e 15/10. No dia 28/10, Afif responde no horário eleitoral à pergunta formulada por Mário Covas durante o debate da Band. Seguem-se outra série de ataques e contra-ataques. No final da campanha, Afif se torna ainda mais agressivo com os candidatos de esquerda. No dia 04/11, seu programa apresenta uma paródia do jingle do PT, o pula-lá, mostrando o povo pulando o muro de Berlim. Nos dias 05 e 09/11 concentra seu ataque em Mário Covas.
Assim como Afif, a estratégia discursiva adotada por Fernando Collor de Mello, candidato do Movimento Brasil Novo, formado pelo Partido da Renovação Nacional (PRN), Partido Social Trabalhista (PST), Partido Social Cristão (PSC) e Partido Trabalhista Renovador (PTR) não pode ser caracterizada inteiramente como de situação ou de oposição. Nem como direita ou de esquerda, como explica o próprio candidato no programa do dia 02/11, quando Collor usa a vinheta da balança. Os dois “L's” de Collor (ll) formam a haste de um balança, a cada afirmação do locutor em off é colocado um peso em um dos pratos. Do lado direito, são colocadas três propostas que caracterizam o candidato com sendo de direita (privatização, luta contra corrupção, controle inflacionário) – por isso alguns dizem que Collor é de direita; e do lado esquerdo, as propostas de esquerda (reforma agrária, distribuição dos lucros, melhores salários) – por isso outros afirmam que Collor é de esquerda. Quando os braços da balança se equilibram, o locutor conclui: Collor é equilíbrio.
Aliás, o candidato associou, de forma bastante emocional, sem nenhum argumento consistente, a inflação à corrupção (04/11). E talvez atendendo as preocupações de Lula, que pediu medidas urgentes para o controle inflacionário (02/10), orientou seu líder no Congresso Nacional, o deputado Renan Calheiros, a apresentar uma série de medidas emergenciais para o controle da economia que na verdade atacavam a corrupção, tais como o congelamento do salário dos parlamentares, o levantamento dos bens da União, a suspensão das mordomias – insistentemente veiculados no horário eleitoral a partir do dia 25/10 até o fim da campanha.
Slogan: Chegou a nossa vez (usado para orientar o eleitor na cédula eleitoral); jingle: Collor, um grito de torcida de futebol, música em arranjos de samba, forró e música gaúcha, de acordo com a situação da campanha; estratégia: administrar queda das pesquisas. No dia 29/9, Collor ordena vote em quem vai ganhar. E não participa de debates; no dia 19/10, usa cenas de conflito para justificar sua ausência do debate da Band.
Collor inicia o horário eleitoral (15/9) de forma extremamente simbólica, em Monte Pascoal, no sul da Bahia, no lugar onde Pedro Álvares Cabral celebrou a primeira missa em solo brasileiro, falando de sua missão histórica, de seu “compromisso com Deus e a fé em um futuro melhor”. (Fita DOXA-IUPERJ, 89/01, 05:18) Depois mostrou a cidade alagoana (Limoeiro de Anádia) onde foi ameaçado de morte por seus adversários, quando foi fazer um comício na campanha para governador em 1986. No dia 21, vai a São Roque de Minas, na Serra da Canastra, e compara sua candidatura à nascente do rio São Francisco, símbolo da integração nacional. No dia 24/9, o HGPE mostra Collor vendo a devastação na Mata Atlântica e na Amazônia, em viagem com os filhos, para ensiná-los a respeitar a natureza. E, assim, o candidato vai construindo uma imagem de herói e seu programa parece um seriado, com cenas dos próximos capítulos. Porém, ao mesmo tempo, o candidato faz discursos contundentes sobre a realidade do país, principalmente sobre corrupção e moralização administrativa: no dia 30/9, Collor fala “ao povo sem esperança”; no dia 01/10, quer um país em que “valha a pena ser honesto”.
Tamanha era a confusão entre ficção e realidade, que o próprio Collor declarou em 27/9: “O reino de Avilã declarou Guerra contra mim” (Fita DOXA-IUPERJ, 89/10, 1:24:05) – referindo-se a novela Que rei sou eu? da TV Globo, uma paródia da Nova República. Os apoios que o candidato recebe também mesclam realidade e fantasia, dentro da estratégia do herói: Sarah e Márcia Kubitschek 10/10; Marilia Pêra (17/10); Tereza Rachel, a rainha de Avilã (15/10); e, finalmente, (08/11) Frei Damião dá viva a “sua excelência Fernando Collor” (Fita DOXA-IUPERJ, 89/24, 20:10); Milton Moraes, o compara a D. Pedro I. Collor recebe o apoio ainda dos sindicalistas Magri e Medeiros e do humorista João Kleber.
Em relação à Lula podem-se observar dois movimentos importantes: o episódio do arroz estragando em Goiás e a pretensa agressão a um eleitor de Collor por militantes do PT em Ipatinga, Minas Gerais.
No dia 19/9, Collor denuncia várias toneladas de arroz estragando em Goiás. Mas, no dia 27, Lula vai ao local, encontra homens armados que inicialmente o impedem de vistoriar o local e descobre que o responsável pelo prejuízo, era na verdade um colaborador de Collor. No dia 28/9, Collor mostra Lula no seu arroz estragado e reinterpreta o fato, dizendo que até seus adversários confirmam suas denúncias, deixando de lado a denúncia sobre seu coordenador de campanha em Goiás. E no dia 22/10, o programa de Collor mostra um homem com o nariz sangrando, atribuindo a agressão aos militantes do PT. O incidente, na verdade, antecipa os argumentos e a estratégia utilizados por Collor no 2º turno, denunciando a truculência dos adversários.
E, por falar, em truculência... No dia 05/11 Collor faz um contundente pronunciamento contra a entrada de Silvio Santos no processo eleitoral. “Sarney quer dar um golpe porque teme Collor”. (Fita DOXA-IUPERJ, 89/24, 17:19) No dia 07/11, Brizola mostra Collor chamando Sarney de “corrupto e incompetente” e diz que para ele que há cumplicidade entre o candidato do PRN e o presidente. No mesmo dia Collor agride ainda mais diretamente Sarney. No dia 08, a Justiça Eleitoral concede direito de resposta ao Presidente Sarney que ocupa parte do horário de Collor. O candidato, no entanto, continua com as agressões, dizendo que o presidente “não tem o direito, mas o dever de dar uma resposta ao povo brasileiro”. E no dia 10, o TSE concede novo direito de resposta a Sarney, agora ocupando todo tempo do programa de Collor. Em seus dois últimos programas, o candidato do PRN continuaria atacando o governo, mas de forma mais moderada.
Aqui você vê o que não vê nas outras TVs – slogan petista que deu nome ao estudo de Afonso Albuquerque sobre o HGPE de 1989, Aqui você vê a verdade na TV (1999), foi a principal estratégia discursiva adotada por Luis Inácio Lula da Silva, candidato da Frente Brasil Popular, formada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Partido Comunista do Brasil (PC do B).
Ao inverter a distinção entre conteúdo publicitário e conteúdo jornalístico (ao invés de fazer propaganda de si, Lula opta por mostrar a realidade do país), essa estratégia do ponto de vista estético se baseava em uma paródia da Rede Globo, a Rede Povo, que além de uma vinheta semelhante a da emissora, também contava com quadros semelhantes aos programas veiculados (Povo repórter, Jornal do Povo, Tela Quente, Povo de Ouro, etc). Além disso, Lula conta com um excelente jingle (no dia 18/10, Sivuca toca e Rosinha de Valença canta o Lula-lá) e um amplo leque de apoios políticos.
A estratégia de inversão dos conteúdos jornalístico e publicitário da Frente Brasil Popular, portanto, subentendia uma crítica humorística ao jornalismo praticado pela principal televisão brasileira e a tentativa de substituí-lo, em sua função pública de retratar a realidade social, pelo horário de propaganda eleitoral; como o próprio candidato explica nos primeiros dias de campanha (15/9). E nessa linha: no dia 20/9, a Rede Povo mostra a luta do Sindicato dos bancários contra a privatização do Banco do Brasil; no dia 22/9, mostra o MST e a morte de um trabalhador pela Polícia Militar em Santa Catarina; no dia 02/10, Lula fala da situação econômica do país e pede medidas urgentes contra a hiper-inflação; no dia 03/10, a denúncia da Frente Brasil Popular, feita na forma de uma reportagem da Rede Povo, consegue barrar a privatização da Marfesa; no dia 27/10, Lula mostra o leite importado de Chernobyl durante o Plano Cruzado; no dia 09/11, o programa eleitoral de Lula mostra as obras paralisadas da hidroelétrica de Xingó; entre outras reportagens.
Dois momentos merecem ser destacados no HGPE petista em 1989: o dia 21/10, quando Lula fala do clima de terrorismo e da ameaça de Mário Amato, do empresariado brasileiro ir embora do país; e no dia 10/11 – Lula prova que a denúncia de Caiado sobre corrupção na prefeitura de SP é mentirosa (feita durante o terceiro debate da Band) e denuncia o Efeito Estrela (a hiperinflação e a fuga de capitais e de empresários, devido à vitória de um candidato de esquerda) como uma ameaça política de finalidade eleitoral.
Outro ponto importante de ser lembrado sobre o finalzinho da campanha eleitoral na TV foi a disputa entre o programa da Frente Brasil Popular e o programa de Roberto Freire, candidato do Partido Comunista Brasileiro (PCB), para ver quem apresentava um maior número de apoio entre os artistas e intelectuais brasileiros. Impossível citar todos os nomes ou medir o impacto desses apoios, mas é importante dizer que o programa comunista conseguiu agregar formas mais criativas de linguagem, por exemplo, usando os cartuns do Veríssimo (29/10) e Adriana Calcanhoto cantando Navios Negreiros, música cuja letra era extraída parcialmente do poema de Castro Alves, dentro do programa eleitoral (05/11).
Evolução da intenção de voto nas pesquisas de opinião de 89 – 2º turno.

Fonte: DATAFOLHA
Segundo turno
Collor iniciou sua estratégia discursiva no segundo turno em três linhas de argumentação: ele não faz acordos ou conchavos com políticos, Lula, ao contrário, está ampliando a plataforma política do PT (e traindo o eleitor) para fazer alianças; b) quem conhece o PT, não vota no PT (Lula perdeu nas cidades em que as prefeituras eram do PT), enquanto em Alagoas a votação de Collor no primeiro turno foi maior que a soma dos outros candidatos; e c) Collor teve os votos da parcela mais pobre da população e Lula os votos dos ricos e dos intelectuais.
Além disso, em seu primeiro programa (28/11) há dois novos jingles - Collorir de novo e Chegou a hora de confirmar - e uma nova vinheta de computação (agora os lls de Collor andam de trilhos sem quebrar os obstáculos) e a presença de elementos simbólicos, como uma Missa celebrada por frei Damião. Surge o Dá-lhe Collor! (acompanhado com um gesto de estalar de dedos) e o slogan Collor é progresso. Outro recurso: quando uma pessoa diz que vai votar em Collor, o VT, que estava em preto-e-branco, fica colorido. Há também um vídeo sobre o mundo colorido, em que as pessoas vão gradativamente votando em Collor e colorindo o mundo. Collor cria a vinheta da IncomPTência com a estrela do PT.
Lula abre seu primeiro programa tentando o apoio de Miguel Arraes, de parte do PMDB, e dos candidatos derrotados Mario Covas (PSDB), Brizola (PDT) e Roberto Freire (PCB). A Frente Brasil Popular (coligação formada pelo PT, PSB e PC do B) se torna então o Movimento Lula Presidente. A campanha também apresenta um novo Jingle: o “Vai lá e vê”. Sobre a argumentação de Collor de que ele está traindo o povo para fazer conchavos com as elites, Lula diz que seu adversário está baixando o nível da campanha e que não tem propostas. No programa noturno de 30/11 Lula mostra a saúde pública em Alagoas com quase todos os hospitais fechados. E, no dia seguinte, apresenta um VT em que se comparam as biografias dos candidatos para tentar “mostrar quem realmente está do lado do povo”. (Fita DOXA-IUPERJ, 89/01, 45:32) Além dos hospitais públicos de Alagoas, o PT denunciou também a cumplicidade de Collor com os usineiros alagoanos e o tratamento tirânico aos seus empregados nas empresas de sua família (03/12), com o objetivo de desfazer a imagem de honestidade e competência do Caçador de Marajás.
Porém, no dia primeiro de dezembro, a jornalista Beliza Ribeiro, da campanha de Collor, conta a agressão do PT à sua equipe, no município gaúcho de Caxias do Sul. O programa gasta todo tempo mostrando as cenas transmitidas pelo SBT e pela Rede Globo em seus telejornais. No dia seguinte, repete a dose, dando repercussão ao fato, mostrando personalidades e nos principais jornais nacionais condenando o episódio. O programa afirma ainda que o PT mente sobre a saúde pública de Alagoas e que todo mundo lá vota em Collor. No dia 02/12, o PT dá sua versão sobre Caxias (quem começou foram os seguranças de Collor) e a Polícia Federal pega panfletos falsos do PT e evita nova farsa contra Lula. No dia 05/12, Collor apresenta os dados da pesquisa do Ibope: dá Collor 52% contra lula 37%; coloca um clipe fazendo campanha contra o voto em branco (O Brasil é collorido); e a atriz Marilia Pêra lê um excelente texto sobre a patrulha ideológica: “Eu vou votar em Collor e você vai votar em quem quiser” (Fita DOXA-IUPERJ, 89/25, 14:53). Também começa a ideologização da campanha de Collor em torno da Bandeira e do Hino Nacional sempre invocados pelo locutor em off contra as bandeiras vermelhas do PT e dos seus aliados.
Lula, por sua vez, mostra algumas cenas do primeiro debate entre os dois candidatos e finalmente desmascara a farsa de Collor em Caxias do Sul, entrevistando vários populares presentes ao episódio. No dia seguinte, Collor afirma que a equipe de Lula só entrevistou gente do PT em Caxias do Sul e também edita o debate da Rede Globo a seu favor.
Nos últimos dias da campanha, 13 e 14/12, o horário eleitoral foi palco das denúncias de Miriam Cordeiro, ex-mulher de Lula, que deu um depoimento desqualificando-o como pessoa:
Sofri muito na mão de Lula. Ele acabou com a minha vida. Lula quis que eu fizesse aborto. [...] Nunca suportou negro. [...] Estou aqui espontaneamente. Me convidei. (Fita DOXA-IUPERJ, 89/25, 24:28)
O programa do PT, além de mostrar Lula com a filha Luriam, também veiculava um depoimento da ex-assessora de Collor, Maria Helena Amaral, que tendo pagado 200 mil cruzados a Miriam Cordeiro para que ela fizesse as acusações contra Lula, teve um acesso de culpa e foi até à Polícia Federal denunciar o fato. No dia 14, Lula teve um direito de resposta sobre o caso, mas antes Collor ainda disse que Lula estava ameaçando Miriam.
  1. Recepção
Evolução da intenção de voto nas pesquisas de opinião de 89 – 1º turno


Fonte: DATAFOLHA
Como já foi dito, Collor subiu aos 42% das intenções de voto em junho, principalmente devido aos programas partidários do PRN, PTR e PSC e à ação da mídia, seja pela imprensa ou pelos diferentes programas televisivos, como as telenovelas, que construíram um cenário favorável à estratégia e à propaganda do candidato. Este, no entanto, teve que administrar a queda, evitando debater com outros candidatos e atacando agressivamente o governo Sarney.
Lula, ao contrário de Collor, sobe de sete para 15% com o começo do HGPE e consegue 16,08%, de votação. Reparem que Brizola sempre esteve ligeiramente à frente de Lula (na verdade, em empate técnico), só sendo ultrapassado no início de novembro, já no fim da campanha. Tal fato deu margem a denúncias do PDT de fraude pró-Lula para beneficiar Collor, uma vez que o petista seria um adversário mais fácil de derrotar. No 2º turno, Cenário de Representação da Política se tornou mais ideológico, com Collor atacando diretamente o posicionamento político de Lula e ao mesmo tempo se fazendo de vítima de agressões forjadas. E, mais uma vez, teve o apoio do conjunto da mídia impressa e televisiva. As pesquisas de opinião, no entanto, mostram a subida de Lula e a queda de Collor até o dia 12/12, até o Episódio Miriam Cordeiro, quando então Lula cai um ponto e Collor sobe outro, mas os candidatos se mantêm em um empate técnico.
Duas interpretações das pesquisas de opinião foram particularmente importantes: a da tese de doutorado de Soares (SOARES, 1995, p. 313) que, com base nas pesquisas do DataFolha, realizadas de junho a dezembro de 1989, fez uma análise das orientações do eleitorado, segundo diversas estratificações, mas, em particular, pelo grau de escolaridade; André Singer (SINGER, 1993), que observou a estratificação das pesquisas pela faixa de renda, constatando uma inversão ideológica no eleitorado brasileiro no segundo turno: eleitores mais pobres não só preferiam Collor, como também apresentavam atitudes que os identificavam com posições conservadoras, enquanto os eleitores mais ricos eram mais progressistas e preferiam Lula.
Mas, há muitas outras formas de interpretar o cenário eleitoral de 89. Para Rubim, houve empate entre as forças de esquerda e de direita. A necessidade de distanciamento do governo Sarney e a tendência à polarização dos extremos ideológicos, excluíram os candidatos governistas de centro Ulysses e Aureliano – apesar do maior tempo de exposição no horário eleitoral. (RUBIM: 1990; p. 26) Lima defende a hipótese de vitória antecipada: que Collor ‘venceu’ as eleições antes de 7/6/89, quando atingiu 43% das intenções de voto. Depois apenas ‘administrou a queda’, chegando ao 2º turno com o dobro do 2º lugar.
Muitos analistas acentuaram o fato do personalismo midiático surgir na política brasileira em detrimento dos partidos políticos, com toda força e visibilidade. Ao invés de propostas programáticas, Lula e Collor (ambos de partidos pequenos) enfatizaram a construção de imagens políticas (como o Caçador de Marajás) e recursos sofisticados de publicidade. Para estes, a luta contra a corrupção foi o tema dominante, isto é, o fator decisivo da intenção de voto emergente no debate realizado através da mídia.
O centro do labirinto: um estudo sobre a competição eleitoral na TV (CARVALHO, 1994) estuda diretamente o personalismo. Sua análise temática dos discursos eleitorais aponta que os candidatos gastaram 23,02% do tempo de campanha na TV com autopromoção, o maior tempo dentre vários outros temas (governo Sarney, regime político, economia, bem estar social, ordem social, modelos de desenvolvimento, ataques aos adversários e pesquisas). O tema ‘economia’ ficou em 2o lugar (9,95%). 
Aqui você vê a verdade na TV (ALBUQUERQUE, 1999) é um dos mais importantes trabalhos já escritos sobre propaganda eleitoral brasileira, sendo responsável, entre outras coisas, pela própria nomenclatura do HGPE. Albuquerque faz uma ampla revisão bibliográfica da propaganda política brasileira na TV, subdividindo os trabalhos e autores segundo sua abordagem (legislação eleitoral e TV, análise das estratégias na TV, análise do processo de produção das campanhas, estudos ancorados na retórica e estudos que adaptam categorias analíticas à política brasileira).
O texto traz também uma revisão teórica mais ampla sobre como “o espetáculo se constituiu em princípio estruturador das relações políticas” (ALBUQUERQUE, 1999, p. 31), uma detalhada história da propaganda política brasileira na TV (ALBUQUERQUE, 1999, p. 45) e uma perspectiva comparada com a propaganda eleitoral norte-americana, demonstrando a especificidade do HGPE brasileiro. Porém, a grande contribuição metodológica desse trabalho para o estudo sistemático dos HGPE’s é a escolha de critérios claros e simples para a análise discursiva dos programas e sua aplicação às campanhas de três candidatos nas eleições presidenciais de 89 extraindo de cada um sua estratégia discursiva: Afif – Juntos chegaremos lá!; Collor - Confiem em mim; e Lula - Aqui você vê o que não vê nas outras tevês.
Albuquerque propõe o seguinte modelo de leitura de HGPE’s: a) Forma – campanha, meta-campanha e auxiliares (clipes, vinhetas, etc); b) Conteúdo – problemas políticos, construção da imagem, ataques a adversários; c) Interlocução – Do candidato (com o telespectador, grupos ou pessoa, grande público ou adversário) e de outros atores (off, entrevistas, locutores, etc).
Outro trabalho essencial de análise de HGPE’s das campanhas presidenciais de 1989 é Construindo o significado do voto: retórica da propaganda política pela Televisão (SOARES, 1995). A metodologia empregada baseou-se na análise retórica dos programas de propaganda política gratuita pela televisão, utilizando um modelo inovador, com três características importantes: a) estabelece uma comparação interessante entre teatro e sociologia política; b) utiliza, pioneiramente, o enfoque tríplice de análise do CR-P, HGPE e Pesquisas de Opinião; e c) divide os atos retóricos das campanhas em dois modos: a persuasão e a sedução. A persuasão foi observada a partir dos tópicos: análises de problemas nacionais; valores professados e propostas apresentadas. A sedução foi observada a partir dos tópicos: personagens do drama político, conflito, interpretação, formatos de televisão e música. O trabalho sugere que a determinação dos significados do voto depende de uma análise integrada das análises do cenário político, da propaganda política e das audiências, que são intérpretes dos signos da campanha. Soares encontra o modo retórico da persuasão em dois formatos do HGPE: a reportagem e o monólogo (do candidato ou dos coadjuvantes).
O formato ‘reportagem’ foi mais utilizado para mostrar os problemas, preparando a apresentação de propostas. (...) As campanhas de Brizola e de Maluf não empregaram esse formato e, na amostra, apenas um programa de Covas trouxe uma reportagem. Isso faz com que os programas de Lula e de Collor apresentem um aspecto mais informativo que os demais, pois, com o registro visual e a variedade narrativa trazida pelas entrevistas, a reportagem pode trazer alguns dimensionamentos e especificações dos problemas, mantendo o interesse televisual. As reportagens trazem, também, outras vozes, como as dos técnicos e populares, o que aumenta o efeito de credibilidade do discurso de campanha. Já o monólogo dos candidatos é o formato mais frequente dentro da propaganda eleitoral pela televisão e, sem dúvida, um dos mais importantes. O candidato, geralmente apresentado em close ou meio close, fala, olhando diretamente para a câmara, o que resulta numa imagem de proximidade máxima do telespectador, aparentando estar fixando seus olhos. Esse enquadramento simula a situação de diálogo, disfarçando que se trata, efetivamente, de um solilóquio. Nessas condições, o candidato pronuncia um discurso, sem auxílio de efeitos, exceto, eventualmente, uma sonoplastia de fundo, um corte para uma imagem alusiva ao texto. Nesse formato, praticamente diário, no qual domina o registro linguístico, os candidatos apresentam, via de regra, um discurso, predominantemente, do gênero laudatório ou epidítico: ou se destina ao enaltecimento e à exaltação, ou à censura e à crítica de um tema presente. (...) De modo geral, domina um critério retórico de eloquência veemente, buscando extrair ressonâncias de temas fortes (a infância, o trabalho, a corrupção), mantendo a atenção do telespectador. Trata-se de fundar o discurso em valores. (SOARES, 1995, p. 354)
Referência obrigatória, não apenas em pesquisas de campanhas eleitorais na TV, mas também em estudos de retórica política contemporânea e de análise do discurso político, o trabalho de Soares abre um novo patamar de enfoque, com a sua discussão da relação entre a Retórica Política e o Teatro.

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([1]) Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves, Mario Covas, Leonel Brizola, Enéas Carneiros, Ronaldo Caiado, Afif Domigues, Paulo Maluf, Roberto Freire, entre outros menos conhecidos.
[2] As fitas VHS (com os programas de horário eleitoral) foram adquiridas através da revista DOXA, do IUPERJ. Assim, o sistema de notação adotado data o dia de apresentação noturna no corpo do texto (por exemplo: dia 27/10) e, para citar as declarações verbais, estabelece hora, minutos e segundos de acordo com seu posicionamento em cada fita e não no horário real que foram exibidos. Por exemplo, Ulysses disse no dia 27/10: “velho sim, velhaco não!” (Fita DOXA-IUPERJ, 89/01, 35:15)
[3] A partir do dia 03/10, Tião Macalé aparecerá “falando sério” - o que, convenhamos, foi muito mais engraçado que suas tiradas xulas e debochadas.
[4] Para uma análise detalhada dos jingles dos candidatos em 89; v. SOARES, 1995, p. 247.
[5] No dia 02/10, Beth Carvalho canta e toca no violão o Jingle do Brizola como samba.
[6] Brizola recebeu o apoio de Denise Goulard (28/10), de Luis Carlos Prestes (19/10) e no final da campanha para fazer frente a grande quantidade de artistas mobilizadas pelo PT e pelo PCB contou com o apoio de Caetano Veloso (09/11) e de Gilberto Gil (10/11).
[7] Roberto Freire adota a mesma estratégia. Em 21/10, faz prévia na Universidade de Brasília em que sai vitorioso. Aliás, nesta ocasião, o candidato do PCB antecipa a possibilidade de um efeito hiper-inflacionário das pesquisas de opinião em períodos eleitorais como uma ameaça à democracia.
[8] Dentro de sua estratégia de manter a primeira posição, Collor não participou de nenhum debate no 1º turno. E, a Rede Globo também não promoveu nenhum debate entre os candidatos.