Só somos iguais durante as
eleições, quando cada pessoa vale um voto. No restante do tempo, temos valores
diferentes segundo a posição na estrutura social - não há igualdade social ou
jurídica de nenhuma forma. O que gosto nas eleições é a sensação de
imprevisibilidade. O poder é feito de planos, do planejamento de nossas vidas.
Quando a imprevisibilidade irrompe as estruturas do poder são forçadas a se
pensar, a reavaliar a correlação das forças sociais e a modificar algo
secundário para permanecer a mesma no essencial.
A utilização do celular como mídia principal, em um ambiente
de conspiração, postulando que a grande mídia produz fake-news, é uma
característica nova, presente na eleição de ontem, na de Trump e no plebiscito
do Brexit.
Outra coisa importante é o
conteúdo emocional, parcialmente verdadeiro, em cima de pontos conservadores.
por exemplo: vídeos pornográficos reclamando da ideologia de gênero associados
à esquerda; cenas de violência e de injustiça, acobertados pelo governo; ou
ainda denúncias de corrupção. essas mensagens, postas de forma emocionalmente
apelativas, transmitidas pelo whatsapp permitem uma capilaridade invisível para
os olhares antigos.
A catarse de ódio (e o medo que ele causa) precisa ser compreendido pela luz da consciência de todos. A consciência cultural é a única forma de vencer a resistência às mudanças sociais, envolvendo não apenas a desigualdade social mas também a diversidade cultural.
Por outro lado, o desejo de votar na extrema direita vem do descrédito nas instituições democráticas que se corromperam (o congresso, o STF, os partidos políticos, etc). Há um desejo de mudança não contemplado pela esquerda (a reestruturação do sistema de governança política) e esse é um problema para o qual ninguém tem resposta. Na eleição de 2014, o discurso da antipolítico quase Marina leva ao segundo turno. Agora essa tendência retorna vestida de extrema direita.
Há pequenas diferenças no
comportamento das redes: o face funciona por saturação em bolhas; o twitter
funciona através do espírito da manada; o instagram, pela visibilidade e pela
inveja, mimetizada em diferentes graus e modos.
Há uma briga quantitativa para
subir o número de hastaggs aliadas, mas há também pessoas que usam hastagg
inimigas para furar as bolhas. por exemplo, posto um conteúdo pro-haddad com
uma hastagg de bolsonaro, então apareço nos feeds de direita.
As comunidades de afeto e
interesse tem mais poder nas redes do que os robôs (fora do whattsapp), mesmo
com as limitações algorítmicas, essas relações são as únicas confiáveis. Essas
comunidades é que são os palcos da disputa política, o local em que se debate
realmente.
E a luta política é sobre a
confiabilidade dos candidatos (mais do que pelas propostas ou pela ideologia).
Qual dos dois está mentindo? Os que votam nulo resolvem essa pergunta afirmando
que ambos. Mesmo que seja verdade, que a representação política tenha se
tornado uma farsa, resta ainda o peso da escolha. Quem mente menos? Quem faz
parte do sistema e luta pela sua manutenção?
A descrença sistêmica (ativa pela imprevisibilidade) tanto se
converte em raiva pela direita quanto em medo pela esquerda. É a descrença
sistêmica que faz alguns acreditarem em qualquer coisa, mesmo que não faça
muito sentido. Em contrapartida, a fé é um sentimento
de certeza na sincronicidade do universo. Está tudo certo sempre.
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