domingo, 13 de janeiro de 2019

Dr. Who


O eterno retorno do Tempo

Às vezes, Clara me pergunta se eu sonho.
- Claro que eu sonho - eu falo para ela. Todo mundo sonha.
- Mas com o que você sonha? - ela irá perguntar.
- O mesmo que todos sonham - eu digo para ela - Eu sonho para onde eu irei.
Ela sempre ri disso.
- Mas não vai a lugar nenhum. Você está apenas vagando.
- Isso não é verdade. Não mais. Eu tenho um novo destino. Minha viagem é a mesma que a sua. A mesma que qualquer um. Levei tantos anos, tantas vidas... mas finalmente eu sei para onde vou...para onde eu sempre fui indo. Meu lar. O longo caminho de volta
The day of the doctor, 50th anniversary special (2005, 01:14:35 - 01:15:18).

1.      Introdução
Há uma insuficiência na formação nerd brasileira. Ela se deve principalmente ao fato da série Doctor Who não ter sido transmitida por aqui[1]. A série de ficção científica britânica, produzida e transmitida pela BBC mostra as aventuras do personagem o Doutor, um Lorde do Tempo, alienígena do planeta Gallifrey, que explora o universo em sua máquina do tempo, uma nave espacial com a aparência externa de uma cabine de polícia londrina antiga. Juntamente com os seus companheiros, o Doutor navega incessantemente pelo tempo e pelo espaço, enquanto ‘cura’ planetas, para salva civilizações, ajuda as pessoas e corrige erros históricos.
Para o Guinness World Records é a série de ficção científica televisiva de mais longa duração no mundo e a "mais bem sucedida" série de ficção científica de todos os tempos – com base em seus índices de transmissão global, DVDs, venda de livros, e o tráfego no iTunes. Além de ser considerada a série de TV “mais assistida do mundo”, Doctor Who tornou-se também parte da cultura popular britânica, sendo exibida durante muitos anos nos sábados a noite na Inglaterra, com audiência significativa.
A série original[2] (1963-1989) teve 26 temporadas e vários desdobramentos pioneiros no campo transmídia[3], inclusive alguns filmes[4]. Além disso, os fãs da série, os Whovians, cruzam gerações em vários países. É o primeiro caso de ‘cultura de fãs’ e teve uma influência importante na linguagem da televisão, dialogando com outros universos do gênero (Túnel do tempo, O planeta dos macacos, Star treak, entre outros[5]). Aliás, as duas séries são intertextuais não só em relação a outras séries televisivas, mas também em relação à literatura, história, cultura pop e até a lendas urbanas (como a suposta origem alienígena da família real britânica). E essa capacidade de ‘intertextualizar’ diferentes tipos de narrativa é o conceito principal do universo narrativo do Doctor Who.
Em 1989, a BBC suspendeu Doctor Who, mesmo ainda com uma boa audiência, pois queria se equiparar aos padrões da ficção científica televisiva norte-americana.
Em 1996, a BBC, em com a FOX e a Universal, lançou um filme, que apesar de sofisticado em efeitos especiais e maquiagem, foi considerado americanizado demais. Finalmente, em 2005, a BBC do País de Gales trouxe de volta a série, que está agora em sua 12ª temporada (2007-2019)[6]. A série atual não é ‘remake’ da antiga, mas sim sua continuação. O Doutor é um extraterrestre viajante e excêntrico, com grande conhecimento sobre várias matérias, que combatia as injustiças encontradas ao explorar o Universo na sua nave espacial, a TARDIS - uma sigla para Time And Relative Dimensions In Space. A TARDIS é maior por dentro do que por fora, e, devido a um defeito no circuito camaleão (que normalmente permitiria que ela assumisse a forma de objetos locais para disfarçar-se), a sua imagem externa se assemelha à de uma cabine de polícia londrina.
Na série atual, o doutor permanece um Lorde do Tempo renegado se transformando continuamente. Porém, além da linguagem atual, a série ganha também um viés romântico com a participação de personagens femininos marcantes e também uma reinterpretação dos antigos antagonistas como inimigos.
2.      (Mini) revisão bibliográfica
Há diversos trabalhos acadêmicos sobre a série em inglês e pelo menos três compilações ‘nacionais’. Duas voltadas para o estudo de fãs e uma análise do universo ficcional e de seus principais personagens.
Literatura Whovian e Cultura de Fã: Uma análise sobre consumo de livros por fãs da série Doctor Who (MAINARDI, 2016)[7] é um TCC em Comunicação Social e estuda como o consumo dos livros dentro da franquia Doctor Who, aprimora e complementa a experiência do fã. O lugar do fandom no processo produtivo das indústrias culturais no contexto da cultura da convergência: os casos de ‘Doctor Who Brasil’ e ‘Universo Who’ (VIEIRA, 2015)[8] é uma dissertação em Comunicação que pesquisa “o lugar que os fandoms ocupam dentro do processo de produção coordenado pelas indústrias culturais no contexto da cultura da convergência” das mídias.
Uma Análise do Universo Ficcional de Doctor Who e de seus Arquétipos Centrais. (CONTARTESI, 2007)[9], uma dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos, é o trabalho mais antigo, mas também o que melhor analisa e descreve os elementos simbólicos do universo ficcional da série como fator determinante em seu sucesso de público e crítica; bem como de sua expansão pioneira para outras mídias.
     A coesão de um mundo transmídia tem forte influência da relação que seus elementos narrativos tem com o consciente, mas também com o inconsciente dos seus leitores, esse mundo precisa fazer sentido para os símbolos e arquétipos adquiridos desses leitores, assim entender a cultura e o momento no qual esses estão inseridos tem grande importância, o desafio talvez seja compreender esses arquétipos de maneira mais ampla já que os próprios autores também estão inseridos em seus próprios contextos, a natureza simbólica dos arquétipos faz como que eles possam ser interpretados e sentidos de inúmeras maneiras de acordo com a bagagem psíquica de cada indivíduo. (...) mas a decisão dos produtores claramente é influenciada pela recepção do seu público que é orientada fortemente pelo horizonte de expectativas criado pela obra e seus arquétipos centrais, fazendo como que a narrativa de certo modo seja construída de uma forma coletiva similar aos mitos antigos.  (...) As vastas narrativas e narrativas transmídia tem se tornado cada vez mais amplas e complexas, portanto uma consolidação e força dos seus arquétipos centrais desempenham um papel importante no seu desenvolvimento, esses tipos de narrativas apresentam uma série de obstáculos, como mudanças de geração e de linguagens, assim a renovação desses universos para se adequar a outras realidades é muitas vezes necessário. (CONTARTESI, 2007, pág. 95-97)
3.      Método Narrativo
Segundo a metodologia para estudo de narrativas audiovisuais em série (GOMES, 2017), há três etapas de procedimento: a descrição da narrativa, sua(s) análise(s) e a interpretação – que deve levar em conta e compreender outras interpretações.
A descrição é feita através de categorias descritivas (Personagens, Enredo, Narrador, Espaço Tempo e Ambientes). Três análises são sucessivas sugeridas: a linguística, a discursiva e a narrativa. A análise linguística, no caso de séries audiovisuais, é feita através das categorias descritivas fílmicas (fotografia, edição, sonoplastia, roteiro, etc). As análises Discursiva e Narrativa investigam o conteúdo (o conjunto da série audiovisual como um texto) e suas relações com o contexto em que foi enunciado e com os diversos contextos em que foi e é recebido.
A interpretação, no entanto, está quase sempre associada a quatro elementos universais: o protagonista, o antagonista (não apenas os inimigos e adversários mas também toda sorte de dificuldades, a morte, tudo que causa desconforto), o elemento feminino (não apenas as mulheres, mais a natureza, a sociedade, etc) e o narrador. Esses quatro elementos psicológicos universais da narrativa e se define sua mensagem simbólica, a chamada “moral da história”.
Não se trata aqui descrever e analisar as séries do universo Who, mas sim de interpretar seus elementos principais ao longo das 11 temporadas da série atual.
Tabela 1 – Elementos narrativos principais de Dr. Who
Actante
Personagem
Conteúdo
Protagonista
O Doutor
O herói sem identidade
Antagonista
O Mestre
O Outro
Feminino
‘Impossible Girls’
Narrador Oculto
BBC
Carnavalização a inglesa
Fonte: elaborado pelo próprio autor
4.      O Protagonista e o Outro
O personagem principal da série é o Doutor, um viajante no tempo e no espaço que pode se regenerar antes de morrer e mudar sua aparência física e sua personalidade, ainda que conservando sua história e suas lembranças. Essa dinâmica permitiu que desde 1963 tenham desfilado 13 doutores diferentes interpretados por 15 atores diferentes (sem contar as substituições eventuais).
Tabela 2 – doutor/ator/ano
O Doutor
Interpretado por
Duração
1º Doutor
William Hartnell
1963 - 1966
Richard Hurndall
1983
David Bradley        
2017
2º Doutor
Patrick Troughton
1966–1969; 1983; 1985
3º Doutor
Jon Pertwee          
1970–1974; 1983
4º Doutor
Tom Baker
1974–1981
5ºDoutor
Peter Davison        
1981–1984; 2007
6º. Doutor
Colin Baker
1984–1986
7º Doutor
Sylvester McCoy
1987–1989; 1996
8º Doutor
Paul McGann         
1996; 2013
Dr da Guerra
John Hurt
2013
9º Doutor
Christopher Eccleston
2005
10º Doutor
David Tennant       
2005–2010; 2013
11º Doutor
Matt Smith
2010–2013
12º Doutor
Peter Capaldi
2013–2016
13ª Doutora
Jodie Whittaker     
2017–presente
Fonte: próprio autor
O Doutor não tem nome nem sobrenome. Ele está a procura de sua própria identidade (Daí, a pergunta: Doutor Quem?). Para ele, tudo é passageiro, o universo é impermanente.  E ele navega pelo tempo se deixando levar pelo presente. O Doutor não usa armas (apenas uma chave sônica para consertar máquinas, abrir portas e subtrair memórias), não tem poderes (só a regeneração, a telepatia com animais e alienígenas) e é contra matar seus inimigos, buscando sempre chegar a soluções pacíficas e pedagógicas para os conflitos em que se envolve. Pode-se associar o Doutor ao símbolo do eterno passageiro, o ‘moto-perpétuo’, a consciência do universo sempre impermanente. O doutor está sempre em trânsito, sempre voltando para o lugar do qual saiu. Ele mesmo é a favor do aleatório e não planeja os destinos de sua jornada caótica. A intensidade com que vive o imediato lembra a criança e o louco. Profundamente solitário, o que realmente define o viajante do tempo é o Outro (suas acompanhantes e seus adversários). Até hoje, mais de 35 atores e atrizes compartilharam a viagem com o Doutor. Com o transcorrer da série, o Doutor ganha novos companheiros e perde os antigos; às vezes voltam para seu lugar e têm a memória apagada. Desde o retorno da série em 2005, o herói geralmente viaja com uma companhia feminina, que ocupa um papel de narrativa maior.
Além de aparições esporádicas de vários inimigos, três adversários tornaram-se particularmente emblemáticos na série original e forma reinventados na série atual: Daleks, Cybermen (ambos raças de robôs alienígenas, representando a mecanicidade desumana, a falta de sentimentos, etc) e o Mestre – outro Senhor do Tempo renegado. O Mestre se torna o arqui-inimigo do Doutor.
O viés cômico e meio psicodélico da série, com seus roteiros criativos e saídas teatrais, contrasta com a ênfase tecnológica da maioria das séries de ficção científica, que valorizam narrativas de aventura mais tradicionais, com lutas, beijos e perseguições. Esse estilo narrativo que lembra Lewis Carol e o humor crítico do grupo Monty Python, é o que distingue Doctor Who de outros seriados televisivos de ficção científica. Por outro lado, o clima de humor ‘non-sense’, vem como a forma “mágica” e teatral como a série trata a tecnologia, sugerem que a narrativa não se encaixa bem no gênero de ficção científica, se assemelhando mais a uma ‘ficção filosófica’. Mas, Doctor Who é ficção científica porque desmistifica temas espirituais (como fantasmas e deuses) e porque compreende o comportamento emocional humano dos personagens. Além disso, seu enredo de viajar no tempo é inspirado nos conceitos da física quântica.
5.      O doutor eterno e seus envolvimentos passageiros
Tabela 3: resumo das temporadas da série atual
ANO
DOUTOR
ENVOLVIMENTO ROMÂNTICO
2005
Christopher Eccleston
Rose Tyler (Billie Piper)
2006-2010
David Tennant
Rose Tyler (Billie Piper)
Donna Noble (Catherine Tate)
Martha Jones (Freema Agyeman)
The end of time
2011-2015
Matt Smith
Amy Pond (Karen Gillan)
River Song (Alex Kingston)
Clara Oswald (Jenna-Louise Coleman)
The day of de doctor
2013-2016
Peter Capaldi
Clara Oswald (Jenna-Louise Coleman)
2017-
Jodie Whittaker

Fonte: o próprio autor
Os acompanhantes originais do 1º Doutor eram sua neta Susan Foreman (Carole Ann Ford) e os professores Barbara Wright (Jacqueline Hill) e Ian Chesterton (William Russell). Sarah Jane Smith (Elizabeth Sladen) foi uma acompanhante dos 3º e 4º doutores da série original e que conseguiu protagonizar a própria série, além de participar de várias narrativas secundárias do universo narrativo Who. Mas, ela nunca teve nenhum envolvimento romântico com doutor. Ela foi uma aprendiz que se tornou uma viajante do tempo. Já Daphne Ashbrook (Grace Holloway) e Rose Tyler (Billie Piper) são personagens elaboradas para inserir o elemento romântico na narrativa. Não se trata mais de um protagonismo juvenil, mas de mulheres parceiras de homens mais velhos: Daphne no filme de 1996, contracenando com o 7º e o 8º doutores; e Rose Tyler nas duas primeiras temporadas da série atual, se envolvendo com o 9º e 10º doutores.
A 1ª temporada da série atual, de 2005, corresponde à 27ª temporada da série como um todo e ao 9º Doctor (Christopher Eccleston). Entre ele e a acompanhante Rose Tyler surge um envolvimento platônico, o amor impossível entre um ser ancestral e uma adolescente rebelde, deslumbrada pela possibilidade de viajar no tempo e no espaço. Tanto a mãe de Rose (Camille Coduri) quanto o namorado Mickey Smith (Noel Clarke) tentam convencer a jovem de que o doutor deseja apenas manipula-la, distanciando-a das pessoas que realmente a amam em troca de vida de aventuras. Mas, no decorrer da temporada, ambos são conquistados pelo doutor e participam de suas viagens.
Além de treze episódios anuais, cada temporada apresenta ainda um especial de Natal, que “dá o tom” para temporada seguinte. Assim, a segunda temporada começa no ano anterior, no dia 25 de dezembro de 2005 com o especial de Natal The Christmas Invasion. Esta é a estreia de David Tennant, a 10ª e mais popular encarnação do Doutor. E a mais romântica também. Ele continua viajando com Rose Tyler até o final da 2ª temporada. Na 3ª temporada se envolve com Donna Noble (Catherine Tate) e com Martha Jones (Freema Agyeman). Em 2008, 4ª temporada, última de 10º Doutor, Donna Noble volta a acompanhar o Doutor em suas viagens. Antes porém, no episódio Voyage of the Damned, a convidada especial é a cantora Kylie Minogue. Há ainda a longa e complicada relação do Doutor (em suas diferentes versões) com a misteriosa personagem River Song (Alex Kingston), única esperança possível de relacionamento romântico para o viajante do tempo.
No episódio School Reunion (S02E3), Rose Tyler e Sarah Jane Smith se encontram e o caráter solitário, carente e manipulador do doutor é desmascarado. As personagens femininas descobrem que são usadas, depois abandonadas em algum momento do tempo e finalmente trocadas por acompanhantes mais jovens. É o destino trágico do doutor e de suas “impossibles girls”.
Lançado como um especial de Natal em duas partes, The End of Time conta que o planeta natal dos Lordes do Tempo, Gallifrey, se aproxima da Terra provocando o apocalipse, a eternização do momento presente. Após derrotar os Lordes e o mestre (que havia se fundido como toda humanidade), impedindo o colapso temporal e o fim da humanidade, o doutor também morre. Mas, se regenera novamente passando de 10ª para 11ª encarnação[10].
No final da 7ª temporada, o episódio The Day of the Doctor marca um momento importante tanto do ponto de vista histórico como do ponto da narrativa. Ele marca o aniversário de 50 anos da série, comemorada através de sua transmissão a nível global pela BBC para um público recorde. E do ponto de vista narrativo, o episódio promove o encontro entre 10º e 11º doutores (Matt Smith e David Tennant) e o War Doctor (John Hurt)[11] para decidir sobre reboot do universo, o extermínio dos lordes do tempo e o fim de linhas fixas no tempo. Em vários momentos da série, o Doutor desobedece as regras da viagem do tempo. Mas, a partir desse episódio, o universo Dr. Who se torna mais probabilístico. Em sua viagem do tempo, o protagonista passar a quebrar as regras de não interferência alterando as linhas de tempo deliberadamente.
O ano de 2014 marca a estreia de Peter Capaldi como a nova encarnação do Doutor e o retorno de Clara Oswald (Jenna Coleman) como acompanhante -  e também com Nardole (Matt Lucas) e Bill Potts (Pearl Mackie). Nessa nova temporada, o doutor passa a ser interpretado por homem mais velho e Clara tenta viver uma vida dupla, viajando com o Doutor e tentando manter um romance com Danny Pink (Samuel Anderson). Há uma tentativa deliberada dos produtores de voltarem ao modelo da série original, em que os protagonistas não tinham nenhum envolvimento romântico, mas, sim uma relação paternal. Capaldi permanece no papel de doutor por três temporadas (2013-2016). Ele se considera um capitão casado com seu navio (a Tardis).
E, finalmente, em 2017 Jodie Whittaker encarna como a 13ª doutora e tem como companheiros Graham (Bradley Walsh), Yasmin (Mandip Gill) e Ryan (Tosin Cole). A doutora é uma síntese criativa de Mary Jane Smith com os primeiros doutores, despidos de qualquer interesse sexual. 
Conclusão
Alguém disse não se sabe onde que a verdadeira luta não é entre o bem e o mal, mas entre o conhecimento e a ignorância. No entanto, a grande maioria das narrativas são morais e prescrevem regras de comportamento. A ‘moral da história’ é a organização dos elementos universais da narrativa, sua mensagem psicológica quase sempre pautada pelos conceitos de Bem e Mal.
A ficção científica (e os quadrinhos de super-heróis) tinham originalmente essa preocupação em se distinguir dos contos de fada e das narrativas fantásticas da luta moral. O inimigo não é o outro ou o mal objetivo, mas sim nossa incapacidade de compreende-lo e aceita-lo. A adversidade existe para que possamos aprender com ela. Esse era o caso das primeiras séries de ficção científica televisiva, como Doctor Who ou Star Treak. Essas séries aspiravam pela vitória do conhecimento sobre a ignorância e não pela vitória do bem sobre o mal, como nas narrativas dos contos de fadas.
Doctor Who foi originalmente concebido para um público familiar, com um viés educacional. As viagens no tempo eram um meio para explorar ideias científicas e visitar momentos famosos da história. A produção da série original era realizada com poucos recursos: a maquiagem, cenários e efeitos visuais eram precários, quase amadorísticos.  Mas a série fazia um enorme sucesso graças, principalmente, aos roteiros criativos e à sua linguagem surrealista.
Na série atual, no entanto, passaram a predominar as aventuras de ficção científica onde os heróis encontravam estranhas civilizações e criaturas extraterrestres. E as estórias se tornaram cada mais centradas na luta entre o bem e o mal; e também mais românticas, como a inserção do elemento feminino de modo sexualizado. Aos poucos, Doctor Who começa a buscar o caminho de volta, o retorno aos ideias da série original de modo atualizado. Agora, por exemplo, na 11ª temporada, o Doutor é uma mulher, os acompanhantes são personagens complexos e os adversários não são moralmente demonizados. Há um retorno à proposta original, atualizada culturalmente para a vida contemporânea.
Talvez de todos os ensinamentos do Doctor Who que podemos extrair, o mais importante seja o mais simples: de como uma história se repete sempre na mesma armadura narrativa, seu esquema estrutural, de forma atualizada. A série, suas temporadas e cada episódio apresenta sempre os mesmos elementos narrativos dispostos sempre em um arranjo discursivo criativo. Mudam os produtores, os roteiristas, os atores – mas os personagens e suas características permanecem em constante transformação criativa.


Bibliografia
CONTARTESI, Felipe. Uma Análise do Universo Ficcional de Doctor Who e de seus Arquétipos Centrais. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos como requisito para a obtenção do título de Mestre em Imagem e Som. São Carlos, SP, 2017. <https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/9350>
EDUARD, A. Dimensions of Character in Doctor Who: A Study on Genre, Identity and Mythology. Tese de Mestrado, Universidade de Salzburg, 2013.
GOMES, Marcelo Bolshaw. Universos sci-fi audiovisuais: estudos narrativos transmí­dia II.  Paraíba: Marca de Fantasia, 2016. <https://www.academia.edu/29845416/universos_Sci-fi>
JOHNSON, L. Fan Self-Identity in the Doctor Who Universe. Trinity University, Texas, Estados Unidos, 2012.
MAINARDI, Marina Smidt. Literatura Whovian e Cultura de Fã: Uma análise sobre consumo de livros por fãs da série Doctor Who. Trabalho de Conclusão de Curso em Comunicação Social, habilitação Produção Editorial – UFSM. Vozes & Diálogo. Itajaí, v. 15, n. 02, jul./dez. 2016. <http://portalintercom.org.br/anais/nordeste2018/resumos/R62-0499-1.pdf>
PARKIN, L. A history: Na Unauthorised History of the Doctor Who Universe, 2006.
PELUSI, A. J. Doctor Who and the Creation of a Non-Gendered Hero Archetype. Universidade estadual de Illinois, 2014
RUSSELL, G. Doctor Who: The Inside Story, 2006.
TULLOCH, J.; MANUEL, A. Doctor Who: The Unfoldding Text. [S.L.: s.n.]. 1984.
TULLOCH, J.; HENRY J. Science Fiction Audiences: Watching Doctor Who and Star Trek. [S.L.: s.n.]. 1995.
VIEIRA, Eloy Santos. O lugar do fandom no processo produtivo das indústrias culturais no contexto da cultura da convergência: os casos de ‘Doctor Who Brasil’ e ‘Universo Who’. Trabalho de Dissertação apresentado como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Comunicação PPGCOM/UFS, São Cristóvão: 2015. <https://ri.ufs.br/bitstream/riufs/4021/1/ELOY_SANTOS_VIEIRA.pdf>



[1] No Brasil, antes de 2005, foram lançados apenas os seguintes produtos: a) o filme spin-off estrelado por Peter Cushing Ano 2150: A Invasão da Terra em 1970; b) o filme Dr. Who e a Guerra dos Daleks (1981); c) o livro Doutor Who e a Mudança da História (editora Global, 1975); d) o VHS legendado Os Robôs da Morte, versão editada do arco The Robots of Death, da 14ª temporada (1976) lançado pela Video Network em 1988; e e) o VHS legendado do filme O Senhor do Tempo, (1996) foi lançado pela Universal nos anos 90, exibido pela televisão a partir do ano 2000. Fonte: Wikipédia.
[2] Oito das 27 temporadas são acessíveis para download através do site: https://universowho.com/
[3] Desde o começo da série, Doctor Who gerou centenas de produtos relacionados à série, de brinquedos e jogos à figuras colecionáveis e selos postais. Incluindo jogos de tabuleiros, jogos de cartas, Livro- jogos, jogos de computador, RPGs e um jogo de pinball. Há vários audiodramas (produzido pela Big Finish Productions, baseados na série clássica), diversos livros (sete publicados em português, a maioria pela editora Suma de Letras) e algumas séries derivadas (Spin-offs): Torchwood (2006-2011); The Sarah Jane Adventures (2007-2011), estrelado por Elisabeth Sladen no papel de Sarah Jane Smith, antiga acompanhante do 3º e 4º Doctors; e a série Class (2016) de apenas oito episódios, acompanhando um grupo alunos de Senhores do Tempo do sexto ano da escola Coal Hill Academy..
[4] Na década de 1960 existem dois filmes, tendo Peter Cushing como Dr. Who. Há também três produções de longa-metragem: The Five Doctors (1983), Doctor Who (1996) e o especial de 50 Anos, "The Day of The Doctor" (2013); e ainda 14 especiais de Natal e especiais adicionais (de 50 a 90 minutos de duração).
[5] Universos Sci-Fic – Es­tudos narrativos transmídia II (GO­MES, 2016) descreve as principais franquias televisivas de ficção científica - Star Trek (1966-2005), Stargate (1994-2011), Babylon 5 (1994-1999), Battlestar Galactica (1978-2010).
[6] Pode ser baixada via torrente em: https://seriestorrent.tv/doctor-who/
[10] Na 5ª temporada, em 2010, surge o 11º Doctor (Matt Smith), talvez, o mais divertido de debochado de todos da série e seus novos parceiros de viagem - Amy Pond (Karen Gillan) e Rory Williams (Arthur Darvill). Também há o retorno de River Song (Alex Kingston). Na 8ª temporada, Amy deixa a série no 5º episódio e é substituída por Clara Oswald (Jenna-Louise Coleman).
[11] Em vários momentos, tanto da antiga como da nova série, há encontros entre as diferentes doutores. Em 1972, The Three Doctors; em 1983, The Five Doctors; em 2013, no especial de 50º aniversário, The Day of The Doctor; e no Especial de Natal de 2017.