terça-feira, 26 de março de 2019

O bode expiatório

Não acredito na eficiência dessas campanhas institucionais contra o buling. O buling é uma configuração grupal arcaica, comumente chamada de 'bode expiatório'. E pode ser observador em vários níveis. O mais leve é o 'ajuste de conduta' quando todos do grupo debocham de um elemento em relação a algo em particular. Por exemplo: quando uma criança faz manha, os índios costumam caçoar dela, imitando-a. Há a intenção de combater a autopiedade. Porém, quando o indivíduo não se enquadra no comportamento do grupo começa um segundo nível de buling, em que, ao invés de forçar a inclusão da diferença pela adequação, deseja excluí-la. Chamo esse segundo nível de 'produção do transgressor'. 

O complexo de bode expiatório chega ao seu ápice, o terceiro estágio do buling, quando o grupo decide culpar o transgressor de todas as adversidades pelas quais os outros elementos do grupo passam e, então, o sacrificam para se purificarem de seus erros. E isso acontece muito mais corriqueiramente do que se imagina. 

A palavra grega "tragédia" significa "canto do bode" e se refere possivelmente ao ritual em honra a Dionísio do qual, o teatro se originou. O 'bode expiatório' é uma expressão alegórica oriunda de um fato literal: um bode era imolado para expiar os pecados dos participantes. O culto a Dionísio, no qual se sacrificava um bode, ligava-se à fertilidade vegetal e humana, condicionado pela sombra da morte e aberta, pelo ritual, à ressurreição. A tragédia como uma forma de drama evoluiu desse ritual orgiástico que promovia o transe místico, formado por um coral (as bacantes) e um personagem central (Dionísio) que era sacrificado, depois evoluiu para um espetáculo teatral com vários personagens e público. 

Para Aristóteles, a 'catarse' é o principal efeito de sentido das narrativas trágicas, proporcionando o alívio de sentimentos negativos do público. Na Grécia do século V a.C. acreditava-se que, ao assistir as apresentações das tragédias, saia-se do teatro purificado. A tragédia, assim concebida, resultava de uma catarse da audiência, o prazer de assistir ao sofrimento dramatizado. As narrativas trágicas sempre enfatizam uma transgressão e sua punição exemplar, envolvendo um conflito entre o protagonista e algum poder de instância maior, como a lei, os deuses, o destino ou a sociedade – ou seja: a passagem do segundo para o terceiro estágio do buling. 

Baudrilard considera o terrorismo subproduto da cultura de massas (do espírito de rebanho). Para ele, as massas (as ovelhas), com sua inércia e letargia, é que manipulam as vanguardas sociais (os pastores) e o terrorismo é uma tentativa desesperada de visibilidade das minorias excluídas (os lobos), que, na maioria das vezes, acaba fortalecendo ainda mais o pacto social, colocando o terrorismo como bode expiatório de todos os problemas sociais. 

A televisão é a principal ferramenta de produção social do terrorismo e do desejo incendiário de desmascarar, espetacular e violentamente, a violência silenciosa da maioria e seu regime de visibilidade. Como também é a principal arma de punição simbólica contra os transgressores. 

Eu poderia ter sido mais um autista sacrificado pelo mundo em nome da união e do bem estar das pessoas normais. Também poderia ter sido um franco atirador desses que dão tiros nas escolas por aí. Mas consegui (até agora) me fortalecer através dos diferentes de tipos de buling a que constantemente sou submetido, inclusive meu auto-buling social introjetado. Foi graças a Jesus Cristo que não me tornei um louco ou um franco atirador. Explico melhor: a vida de Jesus Cristo como narrativa é a história do maior de todos bodes expiatórios de que se tem notícia. É uma narrativa contra o buling religioso e social, em que o protagonista encarna o papel de bode expiatório cósmico e universal. Ele morreu para redimir os pecados do mundo, ou melhor: os nossos pecados. Acontece que essa narrativa é tão trágica e aterradora, que os próprios cristãos (para não sentir a catarse e a culpa de matar seu salvador) precisam de um Judas para malhar durante a semana santa. 

Por outro lado, Osho afirma, com sua ironia mordaz, que Nietzsche enlouqueceu porque tinha inveja de Jesus Cristo (2006, 114). Para o guru indiano, o filósofo alemão dissociou os aspectos apolíneos e dionisíacos do Self, considerando apenas o lado formal do cristianismo, delegou seu conteúdo redentor a si mesmo, sucumbindo a uma psicose de bode expiatório. Às vezes, é a culpa que nos impede de surtar, se sentir em dívida com universo e com a vida nele existente. 

E o cristianismo é importante como modo de sujeição, independente de gostarmos dele ou não. 

Uma narrativa relevante nesse sentido é a conversão ao cristianismo do psicanalista marxista W. Reich, em seu último livro, O assassinato de Cristo (1983). Reich entende a sujeição cristã do auto-sacrifício como um aprofundamento da subjetividade necessário ao desenvolvimento, um mundo sem bode expiatório ou macho-alfa. 

Então, como disse no começo, não acredito em campanhas institucionais contra o buling, pois elas apenas o tornam cada vez mais invisível. A única forma de diminuir e acabar com essa forma trágica de relacionamento grupal seria: a) que ela fosse assumida conscientemente e considerada legítima em seus níveis mais superficiais (como ajuste de conduta grupal e produção de singularidades assimiláveis); e b) que a posição simbólica de bode expiatório fosse rotativa, isto é, que cada elemento do grupo sofresse buling durante algum tempo, em relação aos seus problemas específicos, e aprendesse na própria carne como se sente quem é objeto do escárnio coletivo sistemático. 

É claro que essa proposta é completamente fora da realidade. Mas, tentar abolir os mecanismos do inconsciente grupal através de campanhas publicitárias de conscientização me parece muito mais irreal. “Ou talvez essas campanhas tenham apenas por objetivo real ‘varrer o lixo para debaixo do tapete”, embora as pessoas que as elaborem e participem não tenham consciência disso.

segunda-feira, 25 de março de 2019

Kropotkin

Piotr Alexeyevich Kropotkin (1842 — 1921) foi um geógrafo, escritor e ativista político russo, um dos principais pensadores políticos do anarquismo no fim do século XIX. Suas análises profundas da burocracia estatal e do sistema prisional também são relevantes na área de criminologia. Foi o autor de livros considerados clássicos do pensamento libertário, entre os quais se destacam A Conquista do Pão; Memórias de um Revolucionário (ambos publicados em 1892); Campos, Fábricas e Oficinas (1899); e Mutualismo: Um Fator de Evolução (1902). 

sábado, 23 de março de 2019

A sociedade contra o Estado




Pierre Clastres foi um importante antropólogo e etnógrafo francês da segunda metade do século XX. Clastres é conhecido sobretudo por seus trabalhos de antropologia política, por sua vinculação ao anarquismo e sua pesquisa sobre os índios Guaranis do Paraguai.

DOWNLOAD:

Socialismo ou Barbárie

Cornelius Castoriádis, em grego Κορνήλιος Καστοριάδης (Constantinopla,  1922 — Paris, 1997), foi um filósofo, economista e psicanalista francês, de origem grega, defensor do conceito de autonomia política. Em 1949, fundou, com Claude Lefort, o grupo Socialismo ou barbárie, que deu origem à revista homônima, que circulou regularmente até 1965.

sábado, 9 de março de 2019

Sem deuses, sem mestres


150 anos de Anarquismo

O documentário “Sem deuses, Sem mestres: História do Anarquismo“, de 2006, dirigido por Tancrède Ramonet (legendado em português) é subdividido em três partes – de 52 minutos cada – com a história política do movimento anarquista: A paixão por destruição (1840-1906); Terra e Liberdade (1907-1921); e Em memória do derrotado (1922-1945).