quarta-feira, 24 de outubro de 2018

reflexões anarquistas


Só somos iguais durante as eleições, quando cada pessoa vale um voto. No restante do tempo, temos valores diferentes segundo a posição na estrutura social - não há igualdade social ou jurídica de nenhuma forma. O que gosto nas eleições é a sensação de imprevisibilidade. O poder é feito de planos, do planejamento de nossas vidas. Quando a imprevisibilidade irrompe as estruturas do poder são forçadas a se pensar, a reavaliar a correlação das forças sociais e a modificar algo secundário para permanecer a mesma no essencial.

A utilização do celular como mídia principal, em um ambiente de conspiração, postulando que a grande mídia produz fake-news, é uma característica nova, presente na eleição de ontem, na de Trump e no plebiscito do Brexit.

Outra coisa importante é o conteúdo emocional, parcialmente verdadeiro, em cima de pontos conservadores. por exemplo: vídeos pornográficos reclamando da ideologia de gênero associados à esquerda; cenas de violência e de injustiça, acobertados pelo governo; ou ainda denúncias de corrupção. essas mensagens, postas de forma emocionalmente apelativas, transmitidas pelo whatsapp permitem uma capilaridade invisível para os olhares antigos.

A catarse de ódio (e o medo que ele causa) precisa ser compreendido pela luz da consciência de todos. A consciência cultural é a única forma de vencer a resistência às mudanças sociais, envolvendo não apenas a desigualdade social mas também a diversidade cultural.

Por outro lado, o desejo de votar na extrema direita vem do descrédito nas instituições democráticas que se corromperam (o congresso, o STF, os partidos políticos, etc). Há um desejo de mudança não contemplado pela esquerda (a reestruturação do sistema de governança política) e esse é um problema para o qual ninguém tem resposta. Na eleição de 2014, o discurso da antipolítico quase Marina leva ao segundo turno. Agora essa tendência retorna vestida de extrema direita. 

Há pequenas diferenças no comportamento das redes: o face funciona por saturação em bolhas; o twitter funciona através do espírito da manada; o instagram, pela visibilidade e pela inveja, mimetizada em diferentes graus e modos.

Há uma briga quantitativa para subir o número de hastaggs aliadas, mas há também pessoas que usam hastagg inimigas para furar as bolhas. por exemplo, posto um conteúdo pro-haddad com uma hastagg de bolsonaro, então apareço nos feeds de direita.

As comunidades de afeto e interesse tem mais poder nas redes do que os robôs (fora do whattsapp), mesmo com as limitações algorítmicas, essas relações são as únicas confiáveis. Essas comunidades é que são os palcos da disputa política, o local em que se debate realmente.

E a luta política é sobre a confiabilidade dos candidatos (mais do que pelas propostas ou pela ideologia). Qual dos dois está mentindo? Os que votam nulo resolvem essa pergunta afirmando que ambos. Mesmo que seja verdade, que a representação política tenha se tornado uma farsa, resta ainda o peso da escolha. Quem mente menos? Quem faz parte do sistema e luta pela sua manutenção?

A descrença sistêmica (ativa pela imprevisibilidade) tanto se converte em raiva pela direita quanto em medo pela esquerda. É a descrença sistêmica que faz alguns acreditarem em qualquer coisa, mesmo que não faça muito sentido. Em contrapartida, a fé é um sentimento de certeza na sincronicidade do universo. Está tudo certo sempre.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

#elassim

Sejamos francos: as feministas e ações de mulheres em geral nunca agradaram ninguém. Já existe gente que coloca a culpa do fortalecimento da direita no movimento das mulheres #elenão.
Nessa visão, o movimento das mulheres é confundido com o LGTB e é atacado por um viés conservador em nome da família e dos bons costumes. O kit gay, o aborto, a pedofilia, as drogas e até a soltura dos presos são associadas ao movimento #elenão em uma cruzada moralista e hipócrita.
Mas, vejam: o #elenão é versão circunstancial do #metoo, um movimento histórico de dimensões globais. Houve uma reação conservadora ao #elenão, mas isso em nada diminui a prioridade da luta das mulheres em relação a luta política em geral pautada pelo #metoo. 
Para quem pensa dentro da caixa da esquerda, é fácil colocar a responsabilidade nas mulheres e na ênfase feminista, já que as “lutas identitárias” são secundárias mesmo diante da luta de classes e da luta política em geral.
Prefiro pensar a luta política de cada um de forma integral. O machismo está dentro de nós. Fascismo também. Um ensinamentos do #elenão/#metoo é justamente essa interseccionalidade que a esquerda não quer e que a direita tenta se apropriar.
No século que vem, os historiadores vão achar graça dos que acreditam que as eleições são mais importantes do que a mudança histórica global do comportamento feminino depois de muitos séculos de opressão.
Talvez seja justamente o contrário que esteja acontecendo: que personagens como o presidente Trump e o capitão inominável sejam catalizadores do futuro.

DA LIBERDADE INESPERADA

Vivi para ver ...
maconheiro defendendo Bolsonaro;
o papa e a madona do mesmo lado;
e o povo sem vê.

Vivi para ver ... 

As mulheres contra o fascismo
e o passado que retorna.
"O que vc nega, te domina;
O que aceita, te transforma."

Vivi para ver revolução

não do jeito que sonhava
o mundo muda em direção
da liberdade inesperada.


02/10/2018


domingo, 21 de outubro de 2018

história da desonestidade


A corrupção no Brasil não começou com PT

Há várias explicações teóricas para desonestidade brasileira. Gilberto Freyre, Raymundo Faoro, Roberto Damatta e Sérgio Buarque de Hollanda consideram-na uma herança portuguesa. Cada um aponta causas e diferenças interpretativas. Freyre acredita que a família patriarcal, anterior ao Estado e ao mercado, é a institucionalização arcaica do afeto. Faoro compara as elites brasileiras ao ‘modo romano’ dos navegadores lusitanos, em que o estado é privatizado por dentro. Damatta elabora a ‘teoria do jeitinho’ a partir da separação cultural entre pessoa e indivíduo. Holanda defende a noção de ‘homem cordial’ em que as decisões nunca são racionais e o espírito público simplesmente não existe.

“Quem furta um pouco é ladrão. Quem furta muito é barão. Quem mais furta e mais esconde, passa de barão a visconde” – é uma anedota popular sobre o barão de São Lourenço, um picareta da corte do D. João VI.

A corrupção imperial foi criticada pela república. Vargas fez uma revolução contra a corrupção da velha república. Carlos Lacerda, governador da antiga Guanabara nos anos 50, chamava a corrupção do Estado Novo de “mar de lama” envolvendo a Petrobrás. Jânio Quadros se elegeu com uma vassoura, para varrer a corrupção legislativa.

Durante a ditadura houveram muitas obras faraônicas e propinas encobertas[1], gerando o mito de que durante esse período as coisas foram diferentes.[2]

Na nova república, Sarney comprou um ano de mandado presidencial à assembleia constituinte através da concessão de rádios e TV para os deputados e senadores (gerando a atual simbiose entre a classe política e o empresariado de comunicação). Nessa época, havia os sete anões do orçamento, espinha dorsal da corrupção. Um deles, João Alves de Almeida, lavava de dinheiro através da loteria, jogando mais do que ganhava. Ganhou 200 vezes e se dizia, cinicamente, um homem abençoado por Deus.

Então veio Collor. E depois dele, FHC que comprou a própria reeleição a luz do dia, com várias denúncias comprovadas que foram anistiadas e engavetadas. O patrimônio acumulado pelo ex-presidente é um mistério, mas sabe-se que ele tem vários imóveis adquiridos no período no exterior (Paris, Nova Iorque) e que nunca foram declarados à receita. E todo mundo sabe disso.

Chegamos finalmente ao Mensalão do PT, à Petrobrás, ao BNDES e aos famigerados aeroportos e estádios de futebol construídos para Copa do Mundo.

Se compararmos os valores, principalmente os referentes ao enriquecimento, há uma grande queda. Temer – para se manter na presidência – deu pelo menos dois ‘tríplex do Guarujá’ para cada deputado/senador. O que Bolsonaro gasta com whattsapp no primeiro turno dá para um ano de mensalão petista. Outro exemplos podem ser dados a exaustão.

Isto não significa que Lula seja inocente, mas que merece um julgamento justo – pois o que se viu foi que o verdadeiro agente da corrupção institucional brasileira (o MDB) praticamente saiu ileso, fazendo do PT seu bode expiatório. Um julgamento justo, não apenas com provas judiciais verdadeiras, mas também com a auditoria da dívida pública.

Eis porque votar em Haddad, 13, apesar de discordar do PT.