quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Terrorismo Poético



ESTRANHAS DANÇAS NOS SAGUÕES de Bancos 24 Horas. Shows pirotécnicos não autorizados. Arte terrestre, trabalhos-telúricos como bizarros artefatos alienígenas espalhados em Parques Nacionais. Arrombe casas mas, ao invés de roubar, deixe objetos Poético-Terroristas. Rapte alguém e faça-o feliz. Escolha alguém aleatoriamente e convença-o de que ele é herdeiro de uma enorme, fantástica e inútil fortuna: digamos 8000 quilômetros quadrados da Antártida, ou um velho elefante de circo, ou um orfanato em Bombai, ou uma coleção de manuscritos alquímicos. Mais tarde, ele irá dar-se conta de que acreditou por alguns poucos momentos em algo extraordinário, & talvez, como resultado, seja levado a buscar uma forma mais intensa de viver.

Pregue placas comemorativas de latão em locais (públicos ou privados) onde experimentaste uma revelação ou tiveste uma experiência sexual particularmente especial, etc.

Ande nu por aí.

Organize uma greve em sua escola ou local de trabalho, com a justificativa de que não estão sendo satisfeitas suas necessidades de indolência & beleza espiritual.

A Arte do grafitti emprestou alguma graça à metrôs horrendos & rígidos monumentos públicos. A arte Poético-Terrorista também pode ser criada para locais públicos: poemas rabiscados em banheiros de tribunais, pequenos fetiches abandonados em parques e restaurantes, arte xerocada distribuída sob limpadores de pára-brisa de carros estacionados, Slogans em Letras Grandes grudados em muros de playgrounds, cartas anônimas enviadas a destinatários aleatórios ou escolhidos (fraude postal), transmissões piratas de rádio, cimento fresco...

A reação da audiência ou o choque estético produzido pelo Terrorismo Poético deve ser pelo menos tão forte quanto a emoção do terror: nojo poderoso, excitação sexual, admiração supersticiosa, inspiração intuitiva repentina, angústia dadaísta - não importa se o Terrorismo Poético é direcionado a uma ou a várias pessoas, não importa se é "assinado" ou anônimo; se ele não muda a vida de alguém (além da do artista), ele falhou.

O Terrorismo Poético é um ato em um Teatro de Crueldade que não tem palco, nem assentos, ingressos ou paredes. Para funcionar, o TP deve ser categoricamente divorciado de todas as estruturas convencionais de consumo de arte (galerias, publicações, mídia). Mesmo as táticas guerrilheiras Situacionistas de teatro de rua já estão muito bem conhecidas e esperadas, atualmente.

Uma requintada sedução levada adiante não apenas pela satisfação mútua, mas também como um ato consciente por uma vida deliberadamente mais bela: este pode ser o Terrorismo Poético definitivo. O Terrorista Poético comporta-se como um aproveitador barato cuja meta não é dinheiro, mas MUDANÇA.

Não faça TP para outros artistas, faça-o para pessoas que não perceberão (pelo menos por alguns momentos) que o que acabaste de fazer é arte. Evite categorias artísticas reconhecidas, evite a política, não fique por perto para discutir, não seja sentimental; seja impiedoso, corra riscos, vandalize apenas o que precisa ser desfigurado, faça algo que as crianças lembrarão pelo resto da vida - mas só seja espontâneo quando a Musa do TP tenha te possuído.

Fantasia-te. Deixa um nome falso. Seja lendário. O melhor TP é contra a lei, mas não seja pego. Arte como crime; crime como arte.

Capítulo de "Caos, os Panfletos do Anarquismo Ontológico" (parte um de "Z. A. T."), de Hakim Bey, ou Peter Lamborn Wilson

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

The Good Place







Há mais Multiversos entre o Céu e a Terra do que supõe nossa vã Semiótica das Interações

Resumo: O presente estudo investiga as ideias de Multiverso e de Gameficação Narrativa na série de TV The Good Place, em suas três temporadas (2016-2018). Com o objetivo de analisar como o seriado vê a influência do grupo sobre o caráter do indivíduo de modo sistêmico, recorre-se aqui à teoria sócio semiótica dos quatro regimes de interação (LANDOWSKI, 2014). 
Palavras-chave: Comunicação midiática1; Estudos narrativos audiovisuais2; Filosofia moral3;

1.      Introdução

O bem e mal são interações coletivas grupais e não qualidades individuais da natureza humana. Assim, todo mundo é bom e/ou mal dependendo do contexto e de suas companhias. Essa é uma das premissas do seriado The Good Place [1], em que quatro protagonistas morrem e vão para o inferno (the bad place) holograficamente construído como se fosse um paraíso (the good place).
Ao final da primeira temporada, os protagonistas percebem que não estão no paraíso e porque se encontram naquela situação. No processo, com vários flashbacks da vida antes da morte dos quatro protagonistas, fazem uma revisão dos conceitos do bem e mal na filosofia moral (Kant, Hume, Aristóteles) - em conjunto com o demônio, Michael, em uma dupla menção, ao Arcanjo Solar do Juízo Final e ao produtor executivo da série Michael Shur, que convidou especialmente o ator Ted Danson para o papel por se identificar com ele.
Os quatro protagonistas não são nem boas pessoas nem assassinos violentos, mas pessoas normais, com falhas de caráter comuns. Eleanor Shellstrop (Kristen Bell), uma vendedora desonesta do Arizona que entrou em no paraíso aparentemente confundida como uma advogada de direitos humanos com o mesmo nome que morreu no mesmo dia e local. Chidi Anagonye (William Jackson Harper), ​​um africano, professor de ética, chato, indeciso e sem sentimentos com os outros. Tahani Al-Jamil (Jameela Jamil), uma filantropa rica, fútil, invejosa e falsa. Jianyu Li (Manny Jacinto), um monge budista silencioso de Taiwan, que mais tarde revela-se realmente como Jason Mendoza, DJ e pequeno traficante de drogas da Flórida.
Outra personagem importantíssima é Janet (D'Arcy Carden), uma forma de inteligência artificial que se confunde com o próprio sistema holográfico The Good Place. Embora seja programada, tem autonomia relativa para fazer escolhas pessoais e várias vezes produz resultados inusitados. Janet é morta várias vezes durante a segunda temporada, isto é, o sistema é reinicializado, apagando a memórias dos quatro protagonistas. Eles voltam ao começo da narrativa, quando descobrem que morreram e são informados que estão no Good Place, embora intimamente saibam que não merecem e que algo está errado. E a cada morte de Janet, e cada repetição da narrativa, em algum momento os protagonistas percebem que não estão no Good Place
E essa descoberta de que se está no inferno, reinicializa novamente o sistema, aperfeiçoando todos os seus agentes (inclusive a própria Janet) em uma história cada vez mais complexa. Em uma das primeiras versões do universo, Janet e Jason se apaixonam e se casam. Muitas versões após, embora ninguém se lembrasse desses acontecimentos, eles passaram a interferir no desenvolvimento do sistema-narrativa atual.
O enredo da série é um quebra-cabeça lógico contínuo com reviravoltas que têm que funcionar em várias dimensões diferentes, centralizado por uma questão simples e infinitamente complexa: o que significa ser uma boa pessoa. 

2.      Gameficação narrativa e multiverso

12:01 (1990), de Hillary Ripp e Jonathan Heap, é um curta metragem feito para televisão, que mostra um dia que se repete da mesma forma menos para o protagonista em um 'laço no tempo' (ou time loop), uma situação em que o tempo corre normalmente durante um determinado período (um dia ou algumas horas), mas em certo ponto o tempo "pula" para trás, de volta ao ponto inicial, como um disco de vinil riscado, repetindo o exato período em questão.
Porém, foi o filme Feitiço do Tempo (Groundhog Day, 1993) dirigido por Harold Ramis, que popularizou a narrativa de recorrência temporal. O filme foi um grande sucesso de público e de crítica, ganhando vários prêmios importantes e gerando filmes similares, inúmeras adaptações em episódios de seriados de TV e até vários jogos eletrônicos (The Legend of Zelda: Majora's Mask; Dragon Quest VII; Prince of Persia: The Sands of Time; Final Fantasy; entre outros) foram elaborados dentro do paradigma narrativo do 'laço recorrente de tempo'. A expressão "Groundhog Day" (dia da marmota) tornou-se gíria em inglês, significando uma situação desagradável que se repete continuamente nas narrativas reais da mídia.
É a ‘Gameficação das Narrativas’ – fenômeno que hoje atinge não apenas todas as mídias, mas também a educação, a chamada ‘Gameficação do Aprendizado’. Aliás, The Good Place é uma narrativa seriada ‘tradicional’ (no sentido de não ser interativa) sobre a Gameficação da Vida. O seriado simula um videogame em que os participantes jogam para não ir para o inferno, mas já estão nele. As múltiplas reinicialização do sistema, a restauração dos karmas individuais, a repetição das situações são metáforas em uma narrativa linear.
Além desta noção de ‘narrativa cumulativa de loop’, de laço de recorrência temporal dentro do tempo contínuo, outro conceito fundamental para entender a seriado The Good Place é o de ‘Multiverso’ [2].
A noção de Multiverso (múltiplos universos entrelaçados sem um lado exterior) já existia na literatura há muito tempo antes da física quântica, justamente para falar da vida após a morte como uma dimensão da realidade. O livro dos mortos tibetano e várias narrativas de descidas aos infernos pelos heróis de diferentes culturas. No ocidente, o mito de Er de Platão, na República conta uma experiência de quase-morte, que pode ser interpretada de modo mutiversal, isto é, de que diferentes realidades coexistem em um universo-multiplo-complexo.
E essas duas ‘categorias descritivas’ – a Gameficação e o Multiverso – nos permitem interpretar o seriado The Good Place em uma ótica singular, diferente das opiniões predominantes entre os críticos e ao público em geral [3].

3.      Metodologia

Com o objetivo de compreender como o seriado vê a influência do grupo sobre o caráter do indivíduo de modo sistêmico, recorre-se aqui à teoria sócio semiótica. Landowski (2014) sugere a distinção de quatro regimes de interações: a) a programação ou operação (a interação sempre constante e contínua, um algoritmo objetivo); b) a manipulação ou estratégia (a interação inconstante e contínua em que a intencionalidade se superpõe ao causal, o efeito do narrado sobre o vivido, por exemplo); c) a interação de ajuste (constante e descontínua); e o fator imprevisível das interações (o aspecto inconstante e descontínuo). Cada regime corresponde a uma lógica semiótica distinta. A programação corresponde à regularidade. A manipulação é regida pela intencionalidade. O ajustamento funciona por sensibilidade. E o acidente corresponde à aleatoriedade.
A programação é o primeiro regime de interação. A vida pode ser vista como uma programação de eventos irreversíveis: o sol no transcorrer do dia, as estações durante o ano, o envelhecimento dos seres orgânicos. O tempo é constante e contínuo; e essa regularidade forma a dimensão objetiva da existência.
Há duas formas ideias de programação (que na prática, no entanto, são sempre indissociáveis): a regularidade causal ou algorítmica (o “automatismo anônimo”) e a regularidade sociocultural, isto é, uma programação em que as estratégias de manipulação foram assimiladas e naturalizadas como fazendo parte do programa.
Landowski admite que esses dois regimes de interação não existem de forma independente, que estão sempre intricados um no outro, mas os distingue metodologicamente como modos de interpretar, como a combinação de um modelo estrutural determinista como uma abordagem fenomenológica da intencionalidade. Essa duplicidade teórica produz conceitos gêmeos: há duas regularidades, dois tipos de motivação, dois tipos de sensibilidade e até dois tipos acaso.
Tabela1 - Tipologia ideal das interações de Landowski

ESTRUTURA
FENÔMENO
REGULARIDADE
Causal ou Algoritmia
(Tempo contínuo)
Reprodução sócio cultural
(Tempo narrativo)
MOTIVAÇÃO
Aprender a aprender
Competência modal compreensiva
Autoprogramação
Competência modal criativa
SENSIBILIDADE
Homem x Máquina
Reativa
Homem x homem
Empatia
ACASO
Acidente programado
O aleatório ou sorte/azar
Acidente motivado
O ruído ou risco
Fonte: elaborado pelo autor
Então, esses oito tipos ideais (a regularidade causal, a reprodução cultural, a competência sintática, a criatividade, a interação com as máquinas, a interatividade com as pessoas, a capacidade de corrigir os próprios erros e de viver a própria vida como uma aventura) podem ser aplicados para compreender a narrativa de The Good Place?
A regularidade causal, em nosso caso, é o planejamento de Michael para que os protagonistas torturem uns aos outros, uma vez que os colocou em pares de almas gêmeas, formado, na verdade, por pessoas claramente incompatíveis. Além disso, os quatro pensam que estão no céu por engano e fingem desesperadamente que são boas pessoas, torturando incessantemente a si próprias, para não irem para o Bad Place. A regularidade causal induz a culpa permanente e à falsidade crônica.
A regularidade intencional corresponde à ação da consciência dos protagonistas e à supervisão de Michael - principalmente. Há várias camadas de intencionalidade que incidem de modo desigual e combinado sobre o curso dos acontecimentos narrados (os outros demônios, os juízes, as janet’s) mas que são secundários. O que realmente conta é como os quatro personagens interagem entre si (se eles se torturam ou se ajudam) e como a posição de Michael e Janet se modifica em função das mudanças de comportamento provocadas pelos protagonistas. "O que nós devemos uns aos outros" de Thomas M. Scanlon é um livro citado diversas vezes durante a série e serve como uma inspiração geral da proposta do seriado.
Os dois tipos de motivação são competências distintas: ‘Ser Bom’ para não ir para o inferno e ‘Ser Bom’ por simplesmente ser bom. Os dois tipos de motivação são frequentemente confrontados. Na primeira temporada, a bondade interesseira faz parte da hipocrisia geral de um local do inferno que se disfarça de paraíso. Na segunda temporada a bondade interesseira é colocada como um treinamento para a bondade desinteressada. Curiosamente, o seriado discute apenas sobre o que é ser bom e não sobre ser mal. E, na terceira temporada, o altruísmo passa a ser valorizado como elemento essencial da bondade verdadeira. É preciso ser ‘bom por natureza’, sem esperar recompensa nem temer castigos.
Os dois tipos de sensibilidade também são polarizados por Landowski e podem ser observados e aferidos de vários modos no seriado The Good Place. Uma é a capacidade de interação com as máquinas (e também analogicamente com outros objetos sociais abstratos); a outra, é a interatividade entre as pessoas. Para identificar e analisar essa duas sensibilidade, a personagem Janet é um foco precioso. Sendo um sistema de informação programada para atender equivocadamente a todos os desejos dos condenados a danação eterna, Janet se casa com Jason, alguém certamente sem nenhuma sensibilidade pessoal, em uma de suas atualizações. O evento desconstrói por completo a política de almas gêmeas de Michael e tem consequências sobre a sensibilidade de todos os outros personagens, tanto entre si (eles descobrem que a alma gêmea era um mentira) como com seus desejos e pedidos ao sistema. Isto é particularmente trabalho para personagem Tahani, ‘alma gêmea’ de Jason.
Aliás, os casais de ‘almas gêmeas’ combinam sensibilidades opostas de propósito. Enquanto Jason é malandro e esperto; Tahani acredita ser uma boa pessoa e realmente estar no paraíso. Chili tem uma sensibilidade intelectual voltada para o mundo das ideias; Eleonor é prática e instintiva, tem ‘paresia’ (vontade de verdade). Os pares foram concebidos com sensibilidades contrárias para não dar certo.
E, finalmente, há, na teoria sócio semiótica, dois tipos de acidente: o acaso programado decorrente das falhas na programação, que, se estudado estatisticamente pode ser explicado, corrigido e assimilado pelas interações regulares; e o acaso motivado reside na crença de que existe um destino (e que “não existem coincidências”), as adversidades inesperadas existem para nos ensinar. Enquanto o primeiro é objetivo e procura descobrir fatores desconhecidos no imprevisível; o segundo é subjetivo, extraindo ensinamentos de suas adversidades. No primeiro, há o risco objetivo de morte e das perdas (ou de fim da regularidade); e, no segundo, há o risco de não ser amado e de não ser manipulado (de expulso do Good Place).
A morte é a grande descontinuidade constante, que gera não apenas a regularidade da vida, mas também mudanças qualitativas na natureza. Desafiamos riscos para nos tornarmos pessoas melhores e não para fugir da Bad Place. E sem a ameaça da morte, ninguém sai da zona de conforto. No episódio Crise Existencial (S2E4), Michael, um ser imortal, compreende pela primeira vez o significado que a mortalidade tem para os humanos e surta (ideia desenvolvida a partir do livro Morte,de Todd May, outra inspiração da série).  A partir desse ponto, Michael passa para o lado dos protagonistas e de sua capacidade de se tornarem pessoas melhores em grupo. Assim, a série discute o que é ser uma pessoa melhor coletivamente diante da "indiferença silenciosa de nosso universo vazio", mas não diz nada sobre como não se tornar uma pessoa pior (destrutiva e autodestrutiva) e, pensando bem, essa é que é (ou que deveria ser) a verdadeira questão da Ética e da filosofia moral. O trabalho da moralidade é uma atividade de resistência ao mal, ao contágio emocional da destrutividade (e não da morte).

4.      Conclusão

O seriado The Good Place é uma comédia tipo sitcom ‘sobre filosofia’, mas não exatamente do mesmo modo que The Big Bang Teory é ‘sobre ciência’. Seriados de humor não são seminários de pós-graduação, a filosofia e a ciência são superficiais e utilizadas como pano de fundo para piadas. The Good Place, no entanto, vai um pouco mais além pois as ideias filosóficas sobre o bem e o mal realmente determinam e moldam o enredo.
E quais são essas ideias filosóficas?
Primeira ideia: The Good Place is here; o inferno disfarçado de céu é o mundo em que vivemos. E se o mundo foi concebido para nos torturar e nos fazer sofrer, e não somos responsáveis por isso, por que então ser bons? Mesmo que nascêssemos bons por natureza, seríamos corrompidos pela maldade desta sociedade sádica e suas maquinações depreciativas.
Segunda ideia:  Somos seres imperfeitos em um mundo perfeito (situação da qual a primeira temporada faz parodia) ou somos seres perfeitos por natureza que a imperfeição social corrompeu? E se a vida fosse, eticamente falando, uma videogame; se cada ação tivesse um valor pontual, positivo ou negativo; e o objetivo da vida fosse acumular a pontuação mais alta? Será justo julgar homens de diferentes etnias e credos por leis e regras universais? Essa é a polêmica entre o idealismo ético de JohnRawls e o realismo cultural de John Stuart Mills. Há também o problema do bonde [4], apresentado formalmente na segunda temporada e universalizado no final da terceira temporada [5].
O melhor, no entanto, são as perguntas que podemos formular de fora: vivemos a experiência subjetiva do laço temporal recorrente, em que os dias se repetem iguais como nos filmes 12:01 e Groundhog Day? Ou ainda: é possível tirar vantagem desta repetição para se aperfeiçoar seja no sentido moral ou simplesmente de antecipar os acontecimentos e escolher as melhores possibilidades?
Certamente, The Good Place nos coloca para pensar.

Referências bibliográficas
LANDOWSKI, Eric. Interações Arriscadas. Tradução de Luiza Helena Oliveira da Silva. – São Paulo: Estação das Letras e Cores: Centro de Pesquisa Sociossemióticas, 2014.




[1] The Good Place (2016-2018) é uma série de televisão americana criada por Michael Schur e exibida pela NBC e pela Netflix. Tem três temporadas, cada uma com 13 episódios de 22 minutos. Página oficial: http://www.nbc.com/the-good-place  Lista de episódios de The Good Place no IMDb
[2] O conflito entre muitos anos de serialização e a necessidade de coerência intertextual do mundo narrado, levou, nos quadrinhos, reboot de todo universo narrativo da DC. A história ‘Flash of Two Worlds’ (em 1962) marca a primeira repaginação completa do universo DC. A partir dela, todos os heróis da editora na Era de Ouro e suas histórias passam a pertencer a um universo paralelo: a Terra 2. Os heróis foram duplicados em versões mais jovens, tiveram seus trajes redesenhados, diferenças entre estórias antigas foram resolvidas, a linha do tempo foi reestruturada. Em 1985, a DC Comics decidiu unificar todas as suas publicações sob um único universo narrativo coeso e compartilhado, através da história ‘Crise nas Infinitas Terras’, destruindo todas as ‘terras paralelas’ e encerrando a continuidade e estabelecendo uma nova, repaginando novamente os personagens da DC Comics e acabando com o conceito de ‘multiverso’. Esse novo período foi batizado de “Os novos 52” e foi recentemente (em 2011) encerrado por um terceiro reboot, o Renascimento, em que os personagens retornam ao universo Era de Ouro acrescido de outras continuidades intertextuais. Já o universo Marvel é totalmente multiversal e compartilhado, incluindo além de outros locais e dimensões alternativas, outras continuidades intertextuais como o Esquadrão Supremo e as revistas “E se”. Seus Reboots são específicos. O Homem-Aranha, por exemplo, passou por vários reboots sem que afetasse outros heróis. A importância da descrição e da comparação dos modelos de universo da DC e da Marvel é enorme, não apenas do ponto de vista teórico (uma discussão de física quântica) e narrativo (eles representam formas diferentes de contar estórias: o modelo DC é fechado de multiplicidade interna; o modelo Marvel é aberto e sua pluralidade cresce para fora), mas, sobretudo, editorial – uma vez que toda indústria de entretimento está adotando universos narrativos para organizar suas estórias em várias mídias. O universo DC é mais tradicional (imitando os antigos universos tradicionais, voltado para o passado) e o da Marvel é mais ‘moderno’ (são aventuras imprevisíveis, voltadas para o futuro). Além de mais probabilístico e flexível (permitindo o gerenciamento de várias estórias em vários produtos diferentes simultaneamente), o multiverso Marvel tem uma arquitetura mais complexa, é menor do ponto de vista espacial e mais coletivo do que o universo narrativo da DC.  Ambos universos também são formados por planetas reais e imaginários, como também de diferentes tipos de dimensões alternativas. O universo Marvel é mais múltiplo e menos extenso do que o a DC.
[3] Não nos interessa, por exemplo, discutir o papel simbólico de Janet, comparada à Natureza, ao Sagrado Feminino, mas que é colocada em uma condição de submissão ao patriarcalismo de Michael e da máquina moral de tortura por ele comandada. Todas essas interpretações e críticas são possíveis e estão presentes, na forma de piadas e de situações cômicas, na própria narrativa.
[5] Faz parte do estilo Sitcom que a narrativa seja escrita por temporada porque os autores nunca sabem se o seriado será renovado ou não. Então, escreve-se o final de cada temporada como se ele também seja o último da série, mas com um gancho que permita sua retomada. A terceira temporada termina com Chili sendo reinicializado sozinho, dando a entender que ele está em nosso mundo sem se lembrar de nada do que assistimos, mas com todo capital ético acumulado no inconsciente – caso a série acabasse. Como ela foi renovada e haverá uma quarta temporada, ele provavelmente voltará para descobrir e retomar suas interações com os outros protagonistas.