terça-feira, 29 de março de 2022

cinema novo

 


PRIMEIRA FASE: Estética da fome (1960 – 1964)



Rio Quarenta Graus é um filme brasileiro de 1955, com roteiro e direção de Nelson Pereira dos Santos. É considerada a obra inspiradora do cinema novo, movimento estético e cultural que pretendia mostrar a realidade brasileira.

https://youtu.be/mutKYwMc-Jg



Vidas Secas - Baseado no livro homônimo de Graciliano Ramos, o filme acompanha uma família de retirantes que tenta escapar da seca no sertão nordestino. Fabiano, Sinhá Vitória, seus dois filhos e a cachorrinha Baleia vagam sem destino e já quase sem esperanças pelos confins do sertão, sobrevivendo às forças da natureza e à crueldade dos homens.

https://youtu.be/m5fsDcFOdwQ



Assalto ao Trem pagador é um filme brasileiro de 1962, do gênero policial, dirigido por Roberto Farias. Baseado numa história real, o filme retrata o famoso assalto ocorrido contra o trem de pagamentos da Estrada de Ferro Central do Brasil, que aconteceu às 08h30min do dia 14 de junho de 1960, nas proximidades da Estação Japeri (em Japeri, RJ), no km 71 do extinto trecho da Linha Auxiliar da E.F. Central do Brasil que ligava a Estação Japeri à Estação Botais, em Miguel Pereira (RJ).

https://youtu.be/zOtjf16kANA



O pagador de promessa - Baseado na peça teatral homônima do dramaturgo Dias Gomes, é até hoje o único filme brasileiro a conquistar a Palma de Ouro, prêmio máximo de Cannes. O Pagador de Promessas também se tornou o primeiro filme da América do Sul a ser indicado ao Oscar de Melhor filme estrangeiro em 1963.

https://youtu.be/WLqFa-61tkM



Barravento é o primeiro longa-metragem dirigido por Glauber Rocha. É um filme de 1962, do gênero drama. A história acompanha um ex-pescador que volta à aldeiazinha em que foi criado para tentar livrar o povo do domínio da religião. Filmagens na praia do Buraquinho em Itapuã na Bahia.

https://youtu.be/18z3Ppo9lSw



Deus e o Diabo na Terra do Sol é um filme brasileiro de 1964, do gênero drama, dirigido por Glauber Rocha. Considerado um marco do cinema novo, foi gravado em Monte Santo, Bahia.

https://youtu.be/OlgBrV-E0v0



O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, é um filme brasileiro de 1969, do gênero aventura e western, dirigido por Glauber Rocha. O título faz referência à lenda da luta de São Jorge contra um dragão que assolava um vilarejo que visitou.

https://youtu.be/SSEnlffMB5s



Os fuzis é um filme brasileiro e argentino de 1964, do gênero drama, dirigido por Ruy Guerra. Um grupo de soldados é enviado ao nordeste do Brasil para impedir que cidadãos pobres saqueiem armazéns por causa da fome. Juntamente com Vidas Secas, de Nélson Pereira dos Santos, e Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Gláuber Rocha, este filme faz parte da chamada "trilogia de ouro" do Cinema Novo.

https://youtu.be/8aNkRDu4ZtY



SEGUNDA FASE: Política-urbana (1962 – 1968)



Cinco vezes Favela é um filme brasileiro de 1962. O filme apresenta cinco histórias separadas, cada uma delas com diferentes diretores: Marcos Farias, Miguel Borges, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirszman. Com produção de Leon Hirszman, Marcos Farias e Paulo Cezar Saraceni e, como produtora o Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes. Trilha sonora composta por Carlos Lyra. https://youtu.be/JTcisAwgMM8



Boca de Ouro é um filme brasileiro de 1963, do gênero drama, dirigido por Nelson Pereira dos Santos, com roteiro baseado em peça teatral de Nelson Rodrigues. O filme conta a história de um bicheiro assassinado, e a tentativa de um repórter em relatar a sua vida a partir do depoimento de uma de suas amantes. As lendas sobre o bicheiro, dentre outras coisas, revelavam que ele usava uma dentadura de ouro. https://youtu.be/AhowL-Iwk-k



O desafio é um filme de 1965 que marcou o cinema novo, dirigido por Paulo César Saraceni, com roteiro de Nelson Xavier e produção de Sérgio Saraceni. Por tratar do romance entre a mulher de um rico industrial, Ada e Marcelo (Vianinha), um estudante de esquerda, foi entendido como apologia do amor entre as classes.

https://youtu.be/-BxAy-R_v_k



A grande cidade é um filme brasileiro de drama de 1966, dirigido por Cacá Diegues. O subtítulo é "As aventuras e desventuras de Luzia e seus 3 amigos chegados de longe". Músicas de Heckel Tavares, Ernesto Nazareth, Villa Lobos e Zé Kéti (compositor do tema "A grande cidade"). Direção musical de Moacir Santos e produção de Zelito Viana.

https://youtu.be/3lohKaEvwmM



Terra em transe é um filme brasileiro de 1967, do gênero drama, roteirizado e dirigido por Glauber Rocha e coproduzido pela Mapa Filmes do Brasil. Em novembro de 2015 o filme entrou na lista feita pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos.

https://youtu.be/OqgnXHvy9L0



A falecida é um filme brasileiro do gênero drama de 1965, dirigido por Leon Hirszman. Baseado na obra homônima de Nelson Rodrigues, o filme tem roteiro de Leon Hirszman e do documentarista Eduardo Coutinho. É o primeiro filme de Fernanda Montenegro.

https://youtu.be/SX0oebMhiuw



O amuleto de Ogum é um filme brasileiro de 1974 dirigido por Nelson Pereira dos Santos, com trilha sonora de Jards Macalé.Violeiro cego conta (canta) a história de um menino cujo pai e irmão foram assassinados e que, a pedido da mãe, vai a um terreiro de umbanda para "fechar o corpo" (proteger-se pelos espíritos). Crescido, envolve-se com o crime e a contravenção na Baixada Fluminense, até que se envolve com amante do bicheiro e é jurado de morte — mas conta com a proteção do amuleto de Ogum.

https://youtu.be/Xc0B2AL1WYU



TERCEIRA FASE: Tropicalismo 1968-1974



Macunaima é um filme brasileiro, de 1969, do gênero comédia e fantasia, escrito e dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, baseado na obra homônima de Mário de Andrade. Em novembro de 2015 o filme entrou na lista feita pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos.

https://youtu.be/HB52EyGghho



Como era gostoso meu francês é um filme brasileiro de 1971, do gênero aventura, dirigido por Nelson Pereira dos Santos. No Brasil, em 1594, um aventureiro francês com conhecimentos de artilharia é feito prisioneiro dos Tupinambás. Segundo a cultura índigena, era preciso devorar o inimigo para adquirir todos os seus poderes: saber utilizar a pólvora e os canhões.

https://youtu.be/ZmTPHXeCDUg



O Bandido da Luz Vermelha é um filme brasileiro de 1968, do gênero policial, dirigido por Rogério Sganzerla. Inspirado nos crimes do famoso assaltante João Acácio Pereira da Costa, apelidado de "Bandido da Luz Vermelha". Este filme é também classificado como cinema marginal (ou 'undigrudi', em referência a palavra underground).

https://youtu.be/pSbBA4OiqBc



Toda Nudez Será Castigada é um filme brasileiro lançado em dezembro de 1972, dirigido por Arnaldo Jabor, e produzido pela Produções Cinematográficas Roberto Farias, baseado na peça de teatro homônima de Nelson Rodrigues. A interpretação dos diálogos são o ponto alto do trabalho.

https://youtu.be/TQ-CmuWIz_A


sábado, 19 de março de 2022

BRINCAR, ESTUDAR, JOGAR

 



Notas sobre o lúdico e gamificação



INTODUÇÃO

Uma pergunta simples: a vida é um jogo? A vida é algo que disputamos, em que há vencedores e perdedores? Acredito que não. Mesmo se pensarmos em competição de gens e em 'seleção natural', o critério evolucionista de Darwin da sobrevivência do 'mais forte' já foi substituído pelo critério da capacidade de adaptação e resiliência (Lamarck). A vida seleciona os mais flexíveis e resistentes.

Mas, também compreendo que a vida vem se tornando uma competição. A vida moderna é uma aventura. Somos todos heróis a procura do grande amor e da realização no mundo. Por isso, tornamos nossas vidas narrativas de risco. Risco de vida, risco de não sermos amados, de não sermos bem sucedidos. Risco do fracasso dos perdedores.

A vida está se tornando um jogo. Nesse contexto, estamos vivendo um processo de 'Gamificação' das relações sociais e das interações: a aplicação das estratégias e do design competivivo dos jogos em outras práticas sociais, com o objetivo de aumentar o engajamento dos participantes.

A gamficação das relações se dá a nível estrutural, como disputas entre instituições sociais; como se a sociedade se tornasse um imenso mercado. Já a gamificação das interações se dá no micro espaço do cotidiano, acirrando a competição entre as pessoas em torno diferentes objetos de disputa, como “se a vida fosse um jogo”.

Uma boa introdução geral sobre o tema é o site O que é Gamificação e como ela aumenta o engajamento, da PUC paranaense, ressaltando as aplicações do conceito na administração de empresas e na educação - segundo Yu-Kai Chou, especialista em Behavioral Design e inventor da metodologia Octalysis Framework.

O conceito teve grande repercussão na área de comunicação: o livro Gamificação em Debate (SANTAELLA, 2018) traz um coletânea importante de autores de diferentes áreas, demonstrando que a atividade lúdica aplicada a outras atividades não promove apenas engajamento motivacional, mas, sobretudo, em mudanças profundas de comportamento. Para esses autores, a gamificação retoma os aspectos lúdico e criativo que todos têm incubado, ampliando a qualidade cognitiva do aprendizado e do desempenho.

Por outro lado, A Colonização do Jogo pelo Capitalismo Neoliberal, o dossiê antigamificação da revista contracampo (2021) vê o processo de modo colonizador e exclusor da maioria, uma vez que apenas as elites têm acesso aos jogos eletrônicos, à robótica e a um ensino mais individualizado.

Há também o trabalho do professor Marcos Nicolau (2018a, 2018b, 2018c, 2018d, 2019, 2021) da UFPB sobre ludosofia - conceito que desloca o foco da gamificação de um artíficio de engajamento motivacional para o aprendizado existencial dos jogos em si. Por que jogar? Jogar ensina a viver, a perder, a ganhar, a lidar com as emoções, a ser ético - independentemente do conteúdo que está sendo ensinado de forma colateral.

Em outro momento, detalharemos cada uma dessas três perspectivas. Agora nossa questão aqui é - levando em conta os prós, os contras e os dialéticos - pensar da perspectiva pedagógica, como formar protagonistas, desenvolvendo competências e habilidades socioemocionais através de jogos? E, do ponto de vista social: os jogos podem, ao contrário do que se pensa, contribuir para construção de sua sociedade mais solidária e menos competitiva? E ainda, em uma perspectiva pessoal: Como transformar a própria vida em uma aventura criativa? Como inserir a 'incerteza lúdica' em nossas vidas de modo decolonial e criativo?

Os gregos classificavam os jogos segundo o acaso.

  • Agon, os Jogos de Azar (a roleta, por exemplo). O ruído aqui é Objetivo e equivale ao acaso. Calcula-se a probabilidade (1/6 de chances em jogo de dados, por exemplo) e compara-se com os resultados empíricos. Obtém-se, então, um quadro analógico entre as condições iniciais e os resultados.

  • Alea, os Jogos de Adivinhação (como o jogo de búzios). O ruído é Subjetivo e dificulta a comunicação com o futuro ou com os espíritos. Aqui não existe um "resultado errado" ou discrepante do modelo, todo ruído é, por definição, ignorância do receptor que não consegue decodificar a mensagem.

  • Mimicry, os Jogos de Performance são aqueles em que o desempenho individual é determinante. O ruído aqui é, em parte ambiental, em parte cognitivo. O golfe, o surf e o "jogo de paciência" são alguns dos jogos que combinam acaso e autoconhecimento. Para estudar tais jogos é preciso tanto considerar as variações e discrepâncias probabilísticas de cada jogo (compreendido como um conjunto de regras e possibilidades lógicas) como também os diferentes níveis de intencionalidade e consciência dos jogadores.

  • E, finalmente, Ilynx, os Jogos Competitivos, que tanto podem ser de estratégia pura (como o xadrez, por exemplo); como baseados na força, na velocidade ou em outras qualidades físicas e psicológicas. Estes jogos é que geralmente são estudados na chamada Teoria de Jogos de Soma Zero. O ruído aqui é Intersubjetivo e consiste em uma forma enganar o adversário ou de ser enganado por ele.

Na prática a maioria dos jogos é uma combinação dessas modalidades ideais. Um jogo de pôquer ou de futebol implica tanto em sorte (ou escapar ao ruído objetivo), assertividade (ou não se confundir com o próprio ruído subjetivo) e blefe (ou enganar e não ser enganado pelo ruído intersubjetivo). Nesta classificação, o interessante é a diferença de dois tipos de ruído. Nos primeiros tipos de jogos (de Azar, de Adivinhação e de Performance) o ruído resulta de nossa própria ignorância e corresponde à relação entre o homem e a natureza; enquanto os jogos competitivos (ou de soma zero) o ruído é utilizado para enganar o adversário e corresponde a relação dos homens entre si (WIENER, 1954).

Portanto não cabe indagar se é o jogo antecede o conflito, ou se ele é uma solução amistosa para disputa de interesses, ou se o conflito é um jogo que saiu das regras do campo em que foi gerado; ou, ao contrário: se o universo simbólico (incluindo os jogos) é uma mentira criada para revestir as relações de poder. Apenas uma parte dos jogos é competitiva e eles, no conjunto, simulam situações de conflito (e não as escondem, justificam ou substituem). Os jogos são virtualização das lutas.

A teoria matemática dos Jogos é a análise lógica de qualquer situação na qual apareça um conflito de interesses, com a intenção de encontrar as opções ótimas para que, nas circunstâncias determinadas, consiga-se o resultado desejado.

A teoria dos jogos (baseada na “Escolha Racional” - como dizem os cientistas políticos) tem três gerações diferentes: Von Neumann & Morgenstern (1944), criadores da versão econômica de jogadores com interesses/necessidades semelhantes; Anderson & Moore (1962), responsáveis versão mais política, que passa a levar em conta, entre outros aspectos, o próprio observador externo como parte do jogo; e, finalmente, Robert Aumann (1987), responsável pela noção de racionalidade bayesiana e pela ampliação da incerteza no cálculo das escolhas.

Porém, a completa descontextualização social cultural dos jogadores fez com que a teoria matemática dos jogos fosse abandonada. Assim, não basta entender o lado lógico dos jogos, é preciso também compreender o lado lúdico da linguagem, seu efeito de sentido simbólico estrutural em relação à cognição e ao discurso.

Orlandi (1980) sugere um modelo tipológico dos discursos segundo a participação dos interlocutores na produção do Sentido.

  • Discurso autoritário - O emissor impõe as suas necessidades de transmissão à realidade-referente da linguagem. O discurso tende à ‘paráfrase’, ou seja, à repetição da identidade do sentido e da ordem subjacente à sua transmissão. O resto é ‘ruído’. Esta tendência à causalidade caracteriza a função reflexiva da linguagem.

  • Discurso lúdico - O receptor (ou a percepção) se apropria da realidade-referente, submetendo a transmissão a fatores aleatórios e/ou às necessidades de desenvolvimento da linguagem. O discurso aqui tende à polissemia e à multiplicidade do sentido. Esta tendência à irracionalidade caracteriza a função simbólica da linguagem. 

  • Discurso Polêmico - O sentido é construído pela reversibilidade dialógica entre os polos interlocutores da linguagem. O discurso, neste caso, é uma ‘tensão’ entre a paráfrase e a polissemia, entre a identidade e a multiplicidade do sentido. Esta tensão caracteriza, devido ao seu efeito estruturante do sentido, a função compreensiva da linguagem.

Toda imposição de realidade referencial e toda linguagem instituída pelo emissor é discurso autoritário, em oposição à semiose absoluta do receptor, os sonhos e o simbólico, o discurso lúdico. Isso aponta para uma discrepância estrutural entre o método científico e o objeto lúdico, uma inadequação entre brincar e estudar.

Norval Baitello Jr (1997, 58), a partir das ideias de Walter Benjamin (1985), afirma que essa dificuldade metodológica apenas espelha a dicotomia cultural e cognitiva entre o mundo adulto (e a lógica das "coisas necessárias") e o universo infantil (e do "aparentemente supérfluo").

Winnicott (1975) é o grande estudioso do Brincar e deste universo como um espaço alternativo à realidade imposta pela cultura. A alfabetização e o aprendizado das quatro operações matemáticas básicas exige concentração e disciplina. Com elas, surge o mundo sério dos adultos, em que os atos têm consequências e o lúdico é visto como uma irresponsabilidade.

Edgar Morin (1979:116-117) crê que a construção histórica do Homo Sapiens (homem do saber racional) teve como efeito colateral o (sub)desenvolvimento do Homo Demiens (homem-louco). O primeiro corresponde ao universo adulto e o último, ao mundo da desordem e irracionalidade reprimida no inconsciente em seus diferentes aspectos.

Vilém Flusser (1998) elabora a noção de 'homo ludens', como a superação dessa dicotomia entre razão e loucura e, acrescentamos, como um retorno ao nossa criança interior. Além disso, Flusser caracteriza o 'modo de ser brasileiro' como um protótipo global do homo ludens, que não se identifica nem com a vitória dos colonizadores nem a derrota dos colonizados, mas tem como estratégia de longo prazo a resistência criativa à aculturação colonizadora. Somos um exemplo para o mundo!

Porém foi Ivan Bystrina (1995) quem melhor definiu o papel cognitivo da atividade lúdica em relação ao pensamento lógico. Para ele, há três níveis inter-relacionados de codificação de mensagens.

O código primário, formado através de sinais simples e se organizam a partir da experiência e de regras predeterminadas dos sistemas vivos em sua evolução. Chamamos esse código de BRINCAR.

O Código secundário, uma consciência coletiva através de signos construídos a partir de uma estrutura comum, um sistema institucional de cognição coletiva – para o qual é necessário ESTUDAR.

E o Código terciário representa um nível de codificação cultural, para além das instituições sociais, e que constitui em uma “segunda realidade”, construída para perpetuar mensagens para futuras gerações. Esta “segunda realidade” formada por nossos sonhos e desejos profundos está presente no JOGAR e resulta da perda de nexo reconhecível com as necessidades imediatas de sobrevivência. A segunda realidade é o "não-sério" e os jogos são uma das portas deste universo simbólico.

Na perspectiva atual, a classificação de Bystrina equivale a dizer que o Brincar corresponde ao corpo e a mídia primária; o Estudar, à linguagem estruturada e a mídia secundária; e o Jogar, à simulação de risco no futuro e aos meios de comunicação. A segunda realidade tem o objetivo de antecipar e simular situações possíveis de se configurar. É a simulação dos futuros possíveis que fornecem probabilidades para o presente se organizar.

Conclusão

A noção de 'sociedade de risco' (BECK; LASH; GIDENS, 1997) estabelece que nossa cultura promove o máximo de autonomia dos indivíduos. Desafiamos a morte para nos tornarmos pessoas melhores, com corpos mais capacitados e mentes mais disciplinadas.

Atualmente, o aprendizado está se 'gamificando', isto é, tornando-se lúdico e competitivo. As antigas disciplinas estão se tornando 'narrativas seriadas ', em que cada aula é um episódio (representando um conteúdo específico) e um capítulo de um arco narrativo maior (correspondendo a um estágio de um conjunto de conteúdos cumulativos). As avaliações são desafios para que o aluno assimile o conteúdo específico e avance em relação ao conjunto de conhecimentos sequenciais. A gamificação representa a inserção do risco controlado – a incerteza lúdica - no aprendizado e na própria vida. Para tanto, não é preciso muita tecnologia. Basta viver feliz e consciente das próprias limitações, mas sempre buscando por desafios que possibilitem transcendê-las.

A vida não é um jogo entre máquinas calculadoras programadas com objetivos variados. Somos tão irracionais que essa metáfora não nos cai bem. Além disso, nem todas disputas são amistosas. Em um jogo, o objetivo é vencer o adversário. Em uma luta, o objetivo é derrotar e até destruir o inimigo. A vida não é um jogo. Os jogos é que são simulações da vida. A grande diferença entre a vida e o jogo são seus riscos. Na vida, há o risco de morre e de perdas irreversíveis. No jogo, o perigo é não ser amado, perder a confiança em si, as posses, a naturalização da inferioridade, a honra.

A vida não é um jogo, mas está se tornando um. E como será, dependerá de nossa própria capacidade de jogar.


Referências bibliográficas

ANDERSON, A.R. e MOORE, O.K. ’Some puzzling aspects of social interaction’. The Review of Metaphysics, XV, 3, 59; 1962.

AUMANN, R. , ’Game theory’. The new palgrave — a dictionary of economics, Londres, The Macmillan Press Limited, 1987.

BAITELLO JR., N. O animal que parou os relógios. São Paulo: Annablume, 1997.

BENJAMIM, Walter. Obras Escolhidas, v. I, Magia e técnica, arte e política. (trad. S.P. Rouanet). São Paulo: Brasiliense, 1985.

BYSTRINA, I. Tópicos de Semiótica da Cultura. São Paulo: PUC/SP, 1995.

FLUSSER, Vilem. Fenomenologia do brasileiro: em busca de um novo homem. Rio de Janeiro: Eduerj, 1989. Disponível em:

<https://www.academia.edu/43839147/Fenomenologia_do_Brasileiro_Vil%C3%A9m_Flusserúltimo acesso em 19/03/2022.

MORIN, Edgar. Método III: O Conhecimento do Conhecimento. Lisboa: Publicações Europa-América, 1979.

NICOLAU, Marcos. Dezcaminhos para a criatividade. 2. ed. João Pessoa: Ideia, 2018a. Disponível em:

<https://ludosofia.com.br/wp-content/uploads/2018/11/dezcaminhos_para_criatividade.pdf > ùltimo acesso em 18/03/2022

________ Introdução à criatividade. 2. ed. João Pessoa: Ideia, 2018b. Disponível em:

<https://ludosofia.com.br/wp-content/uploads/2018/11/introducao_novo.pdfúltimo acesso em 18/03/2022

________ Ludosofia: a sabedoria dos jogos, 2ª edição. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2018bc. Disponível em:

<https://ludosofia.com.br/wp-content/uploads/2018/11/ludosofia_novo.pdfúltimo acesso em 18/03/2022

________ Razão e criatividade: tópicos para uma pedagogia neurocientífica. 3. ed. João Pessoa: Ideia, 2018d. Disponível em:

<https://ludosofia.com.br/wp-content/uploads/2018/12/Razao_criatividade.pdfúltimo acesso em 18/03/2022

________ Games e gamificação: práticas educacionais e perspectivas teóricas. João Pessoa: Ideia, 2019. Disponível em:

<https://ludosofia.com.br/wp-content/uploads/2019/02/games_gamificacao-2.pdfúltimo acesso em 18/03/2022

________ Ludoaprendizagem desplugada: pensamento computacional com jogos de tabuleiro no ensino fundamental. João Pessoa: Ideia, 2021. Disponível em:

<https://ludosofia.com.br/wp-content/uploads/2021/12/ludoaprendizagem_desplugada.pdf >

ORLANDI, Eni. O Funcionamento da Linguagem, as Formas do Discurso, A Análise do Discurso Pedagógico. São Paulo: Ed Brazilense. 1980.

SANTAELLA, L. Gamiicação em debate / organização de Lucia Santaella, Sérgio Nesteriuk, Fabricio Fava. – São Paulo : Blucher, 2018

WIENER, Norberto. Cibernética e Sociedade. São Paulo: Cultrix, 1954.

WINNICOTT, D. W. O brincar: uma exposição teórica. In D. Winnicott, O brincar e a realidade. Rio de Janeiro, RJ: Imago 1975.

VON NEUMANN, J. e MORGENSTERN, O. The theory of games and economic behavior . Princeton, Princeton University Press, 1944.


sábado, 5 de março de 2022

100 ANOS DE PASOLINI

No dia 2 de novembro de 1975, Pier Paolo Pasolini foi assassinado, em um terreno baldio, em uma praia tranquila próxima a Ostia. Seu corpo tinha o rosto desfigurado. Os motivos de seu assassinato continuam gerando polêmica até hoje, sendo associados a crime político ou um mero latrocínio. O cineasta foi assassinado por um garoto de programa, que segundo as autoridades italianas, tinha o intuito de assaltá-lo. Porém, há indícios importantes que sugerem a possibilidade de crime político (1).

Pasolini era um artista solitário, um homossexual assumido, um intelectual engajado. Poeta, romancista, autor de intervenções jornalísticas, ensaios críticos e teóricos. De formação comunista, começa no cinema como auxiliar de Fellini no roteiro de Noites de Cabíria e, em 1960, estreia seu primeiro filme, Accatone, na estética do neo realismo italiano. Em 67, desiludido com o marxismo, concebe um “cinema de poesia”, oposto a “prosa linear do cinema clássico”, enfatizando a dimensão mítica e trágica da vida. Dessa concepção surgirão filmes como Édipo Rei, Medeia, Pocilga e Teorema. E a transposição do mito para vida cotidiana, do simbólico para ordem social, do sonho para realidade.

Lahud (1993) enumera as características dessa proposta de “poesia”: câmera fixa, panorâmicas simétricas, o contraste entre luz e sombra, a frontalidade absoluta dos planos, a alternância brusca entre planos gerais e planos fechados/detalhes e, principalmente, a recusa ao plano-sequência (ou a representação da continuidade de tempo). Tais procedimentos conferem à imagem uma desnaturalização e conduzem o receptor à percepção de um tempo mítico, sagrado, cíclico.

"Isso porque o interesse do cinema, para ele, era o de ser uma escritura diretamente ligada ao real, uma forma de captar e de revelar a realidade como uma linguagem (portanto desnaturalizá-la) - cortando e isolando planos (daí seu caráter explicitamente "fetichista") no grande "plano-sequência ininterrupto da vida". Disso procede, em definitivo, uma das obras cinematográficas mais perturbadoras e audaciosas do século XX: não apenas um autêntico cinema autoral (ou o que ele designava, para se distanciar das normas narrativas do cinema comercial corrente, como "cinema de poesia"), mas ainda uma arte eminentemente paradoxal, ao mesmo tempo primitiva e maneirista, ao mesmo tempo realista (no seu amor concreto, sua atitude de fazer perceber a "linguagem dos corpos") e hiper-cultivada (em sua maneira de convocar e de misturar, no segundo grau, elementos originários da pintura antiga, da música clássica ou popular, da literatura, em uma soberba impureza)." (2) 

Considerado por muitos críticos como sua obra-prima, o filme Teorema conta como um anjo (Eros) entra em uma família burguesa e destrói, pouco a pouco, seus valores morais. O Erotismo assume um papel revolucionário: o anjo seduz a esposa, o filho, o pai ...

Em 1970, dando seqüência ao seu erotismo revolucionário, Pasolini inicia a Trilogia da Vida - Il Decameron (Decameron), I Raconti di Canterbury (Os contos de Canterbury) e Il fiore delle mille e una notte (As flores das mil e uma noites) - em que retrata uma sexualidade de tradição homoerótica, que remonta aos poetas latinos e gregos da antiguidade, para subverter “as convenções morais da burguesia”. Essa trilogia foi filmada na Etiópia, Índia, Irã, Nepal e Iêmen. Pasolini gostava de trabalhar com atores amadores e do povo. Posteriormente, os filmes eram dublados (e muito mal dublados, diga-se de passagem) em italiano. Na Trilogia da Vida, Pasolini valorizava a liberdade sexual e a sensualidade sem culpa de um mundo popular, burlesco, não ainda subjugado pelo puritanismo burguês.

Mas, o Eros vira Thanatos! Ironicamente, a Trilogia da Vida, pelo sucesso de público, estimulará a produção de filmes pornográficos na Itália. Os próprios filmes de Pasolini foram tachados de pornográficos e proibidos em vários países (inclusive no Brasil, durante a ditadura militar) e, o mais importante, o erotismo revolucionário de Pasolini foi absorvido pelo sistema. Antes da contracultura, o corpo e o erotismo eram focos de resistência ao poder, mas a sociedade de consumo os prostituiu (ou transformou-os em mercadorias). O sexo não é mais um escândalo, sua interdição não é mais tabu (portanto sua transgressão não é mais um sagrado anti-puritano). Pasolini, então, no início dos anos 70, renega os filmes da trilogia, afirmando que eles foram apropriados erroneamente pela indústria cultural, que os classificava como pornográficos.

Diante da absorção conservadora das mídias na cultura de massas, que transformou o erotismo em pornografia, Pasolini, trocou a representação idealizada do sexo clássico por uma visão denunciadora de sua violência. É quando Pasolini filmará sua obra mais radical: Saló ou os 120 dias de Sodoma, de 1975, superando qualquer coisa que tenha sido feita antes dele em termos de transgressão estética e moral. 

Baseado na obra do Marquês de Sade, o filme conta a estória de quatro homens que compram meninos e meninas para, enquanto esperam a queda iminente do regime fascista que os sustentam na pequena república de Saló, praticam o que de pior um ser humano pode fazer com outro. Em um suntuoso castelo, cercadas de seguranças armados e empregados, prostitutas contam séries de estórias eróticas que são encenadas pelos jovens escravos sexuais para o deleite dos quatro senhores: há o ciclo de manias, o de merda, o do sangue ... Porém, mais do que as torturas físicas o que chama atenção são as humilhações psicológicas, os constrangimentos morais, o sofrimento de serem vítimas inocentes e indefesas, objetos de crueldade por simples prazer e diversão. 

Aliás, Pasolini promove uma inversão notável da intenção do texto original: enquanto o texto de Sade é sádico (desculpem a redundância), o filme de Pasolini é masoquista, isto é, coloca o sujeito-narrador na situação de vítima e não na de agressor. O filme não nos incita à violência (como normalmente fazem os filmes violentos da cultura de massas), mas sim aos sentimentos de vergonha e culpa.

“Alegoria sinistra do fetichismo da sociedade de consumo”, Saló teve seu equivalente e clímax com o assassinato de Pasolini, no mesmo ano de 1975, e contribuiu para fazer do cineasta uma verdadeira lenda negra – transpondo o mito para cotidiano em imagens como em seus filmes, a do anjo do mal, a do herege perseguido, a do último grande artista maldito, sempre colocando em crise e subvertendo as concepções de mundo dominantes, sempre dando visibilidade ao não-dito das representações convencionais, sempre fazer surgir aquilo que foi repelido do consenso social e cultural - sem nada ceder, jamais, sobre a sua singularidade.

Na perspectiva de Pasolini, o que o fascismo histórico fracassou em realizar, o poder conjugado do mercado e das mídias opera docemente (na servidão voluntária): um verdadeiro "genocídio cultural", no qual o povo desaparece em uma massa indiferenciada de consumidores submissos e alienados. É, diz ele, o "nivelamento brutalmente totalitário do mundo", "a ordem degradante da horda". A televisão se torna, para ele, o principal inimigo, a ponto de pregar sua “destruição”.

Também é preciso comparar Pasolini com Michel Foucault. Não apenas por serem homossexuais militantes (que interpretam a própria opção sexual como uma escolha política de se opor ao regime disciplinar do corpo), mas, sobretudo, por viverem e perceberem a passagem do regime baseado na repressão sexual para o regime de controle através do consumo. Para Foucault, “É a lei quem produz a delinquência”. As leis não são regras normativas para regulamentar a vida social em tempos de paz, mas a própria guerra das estratégias de uma determinada correlação de forças. A lei não é expressão contratual do poder, ela é o próprio poder que descreve, analisa e classifica as condutas. A produção de aberrações é engendrada pelo próprio sistema social e também faz parte da estrutura de controle. O controle não é apenas o dispositivo restritivo que gera a aberração, mas também o seu resultado positivo: a transgressão e a mudança dos padrões de organização. A sexualidade, para Foucault, é um campo em que essa produção de comportamento aberrante é bem visível: não há diretamente uma repressão sexual, mas interjeição, isto é, somos incitados ao sexo através de sua aparente interdição. Depois, da liberação sexual dos anos 60 e, mais recentemente a AIDS, o centro da correlação de forças se deslocou da genitalidade para a oralidade, e o consumo de substâncias de efeito psíquico passou a ser o foco deste tipo de mecanismo de proibição/transgressão. Somos hipnotizados a consumir pelos meios de comunicação e proibidos de fazê-lo por diferentes níveis de autoridade.

"(...) a questão das drogas e da dependência química. A noção foucaultiana de ‘modo de sujeição’ nos sugere que o poder tornou-se mais bioquímico que microfísico e que sua estratégia atual consiste na produção hipócrita de uma sociedade de viciados. Álcool, nicotina, cafeína, açúcar, remédios, mas, sobretudo, ilusões: a TV. Aliás, o consumo audiovisual é a única coisa gratuita em nossa sociedade. Ele interage diretamente com a alimentação formando um conjunto de necessidades e, principalmente, mantendo o indivíduo em níveis cada vez mais altos de stress emocional. Após séculos de sujeição sexual, os mecanismos de poder geram agora uma nova tecnologia de controle: as formas psicoquímicas de subjetivação do sentimento de morte. A dependência química e as redes de comunicação fazem parte de uma única estratégia." (GOMES, 2000, 43)

Ao se apoiar sobre o erotismo tradicional contra o regime disciplinar da modernidade industrial, Pasolini demonstrou que é possível fazer um cinema esteticamente diferente. É claro que, após mais de 30 anos após seu assassinato, seu erotismo revolucionário não representa mais nenhum perigo político para o sistema. Ao contrário, o erotismo tornou-se consumista, adaptado e conservador. Por outro lado, a atitude política e artística de Pasolini é mais atual que nunca, pois, combate a crueldade moderna sem retornar às mentiras da tradição. O pós-moderno atual é um retorno parcial ao universo pré-moderno, seja ele clássico, medieval ou oriental – como na trilogia da Vida.


NOTAS

(1) O depoimento contraditório do acusado dá margens a muitas dúvidas. Por que ele assumiu a responsabilidade pela morte do cineasta sozinho, quando havia evidências da participação de outras pessoas? Por que a justiça italiana se contentou com a versão do michê, ignorando outras possibilidades? Há também suspeitas sobre o desaparecimento e morte de outras pessoas que tentaram se aprofundar na investigação. O caso gerou recentemente um filme sobre o assunto, Pasolini: Um delito italiano, de Marco Tullio Giordana.

(2) Guy Scarpetta, Tradução: Carolina Massuia de Paula < http://diplo.uol.com.br/2006-02,a1269 >

sexta-feira, 4 de março de 2022

SONETO MACONHEIRO

Em sedas brancas
embala o sonho,
medita a vida
que me proponho.
Verte o verde sagrado
fumaça vapora no ar
no céu azul estrelado
mais uma luz a brilhar.
E que se consagre o sacramento
na força desse momento
com toda nossa
gratidão
.
E que se confirme o pensamento
que as luzes do firmamento
brilham no mar da escuridão.