sexta-feira, 13 de abril de 2018

Bourdieu


Pierre Bourdieu foi um dos mais importantes sociólogos franceses, autointitulado como sendo “um construtivismo estruturalista ou estruturalismo construtivista”. 'Estruturalista' porque admitia que existem estruturas objetivas no mundo social que condicionam a ação e a representação dos agentes e instituições. Bourdieu supera assim tanto o objetivismo estruturalista (com ênfase no condicionamento social) como o idealismo fenomenológico (que crê na preponderância das práticas sociais e dos seus esquemas subjetivos na construção da realidade social) (BOURDIEU, 2004, p. 147).
A teoria sociológica de Bourdieu tem três conceitos principais: Campo Social, Capital e Habitus.
Um campo pode ser definido como uma rede estruturada de agentes e instituições ou uma configuração de relações objetivas entre posições, onde os agentes estão em concorrência pelos seus troféus específicos, seguindo regras (de ingresso, de premiação e de exclusão) igualmente específicas. Para Bourdieu, nas sociedades altamente diferenciadas como a nossa, o cosmos social é constituído do conjunto desses 'campos', microcosmos sociais relativamente autônomos, espaços de relações objetivas que são o lugar de uma lógica e de uma necessidade especificas e irredutíveis às que regem os outros campos. Por exemplo: o campo artístico, o campo religioso e o campo econômico obedecem a lógicas diferentes.
Em cada campo específico existe um conjunto de interesses compartilhados que garantem sua existência e funcionamento. Como em um jogo, há disputa, mas também acordos. E se por um lado o conceito de campo ilumina, sobretudo, as cenas onde se realizam as lutas entre forças opostas, por outro também chama a atenção para a cumplicidade entre os agentes interessados nesta disputa. O que permite estruturar os Campos Sociais é a posse de diferentes tipos de Capital. A posição dos agentes no espaço dos campos depende do volume e da estrutura de seu Capital. Bourdieu (2000, 53-54) distingue quatro tipos de Capital: Capital Econômico propriamente dito; Capital Cultural (conjunto das qualidades intelectuais produzidas pelo sistema escolar ou transmitidas pela família); Capital Social (definido pelo conjunto das relações sociais de que dispõe um indivíduo ou um grupo); e Capital Simbólico (correspondente ao conjunto de rituais ligados à honra e ao reconhecimento).
Outro conceito importante é o de violência simbólica.  Bourdieu adota e reinterpreta vários conceitos de Max Weber, como a ideia de multi determinismo estrutural e as noções de Poder e Dominação. A noção de violência simbólica vem do consentimento dos dominados. Ela é uma imposição dos dominantes diante da submissão voluntária dos dominados. As classes sociais não são determinadas pelas relações de produção, mas por sua posição estrutural como um todo em relação aos diferentes tipos de capital.
Há uma longa evolução dos conceitos para constituição da teoria dos campos e do espaço social, com várias idas e vindas em temas específicos (a escola, a arte, os gostos). O campo escolar, por exemplo, é abordado em diferente momentos, internamente reproduzindo as desigualdades sociais e externamente transferindo capitais de uma geração para outra; e assim legitimando e sendo legitimado pela hierarquia social.
A escola pública francesa, longe de propiciar a igualdade de oportunidade, reproduz e legitima as desigualdades sociais através de um discurso meritocrático. Bourdieu demonstra estatisticamente que a evasão escolar, a repetência, a seleção para cursos e profissões menores, entre outros fatores; atingem os estudantes das classes menos favorecidas, que moram longe e têm menos tempo e condições, não têm um consumo cultural familiar voltado para erudição. A escola trata todos os alunos como sendo cultural e socialmente iguais, quando, na verdade, eles não são. Há uma “indiferença às diferenças”. Há também o culto à ‘ideologia do dom’, a crença de que as aptidões ao êxito escolar e social são inatas – e não adquiridas a partir de diferentes contextos. Bourdieu desnaturaliza o ‘dom’, como uma forma de legitimação da reprodução das desigualdades.
Nesses primeiros trabalhos sobre a escola, principalmente em A Reprodução – Elementos para uma teoria do sistema de ensino, a noção de habitus é mais determinista resultante da interiorização das regras da estrutura social, que os agentes passam adotar 'naturalmente' e nunca são contestadas. O habitus seria a reprodução inconsciente do passado e explicaria porque a ação social repete esquemas subjetivos, elaborados a partir da experiência da estrutura objetiva.
Porém, em seus trabalhos mais recentes, o habitus evolui para designar uma prática social de reprodução que encerra a possibilidade criativa de mudança por parte dos agentes. O habitus passa a ser uma tendência à repetição que também formata a invenção, gerando novos esquemas subjetivos para se adaptar a novas condições objetivas; bem como novas relações estruturais a partir de novas ações, decisões e comportamentos.
Outra área de interesse de Bourdieu era a sociologia da arte, tendo feito estudos sobre fotografia, os museus europeus e literatura. O livro As regras da arte - Gênese e estrutura do campo literário é considerado, pelo próprio Bourdieu, como uma aplicação exemplar de sua teoria do espaço social a um campo específico.
Em 1976, a pesquisa A anatomia do gosto – escrita com Monique de Saint-Martin, promove um novo desdobramento na sociologia de Bourdieu: o gosto como construção social. O gosto não é inata e universal, ele é uma referência cultural de classe, que opera por imitação e distinção, onde tanto se é treinado para gostar como para detestar segundo os valores da hierarquia social. A família e a escola são os lugares deste aprendizado dos gostos e dos valores, da competência cultural da desigualdade. A ideologia do gosto natural é semelhante a ideologia escolar do dom.
Sistematizando essas mudanças, A Distinção – Crítica social do julgamento, de 1979, é a obra prima teórica de Bourdieu.
“Os gostos são sem dúvida e acima de tudo repugnâncias, feitas de horror ou de intolerância radical (‘é para vomitar’) pelos outros gostos e pelos gostos dos outros.” (1979, p. 60)
Nos últimos dez anos de sua vida, Bourdieu adotou um comportamento combativo. É o oficio de sociólogo que dá sentido à sociologia como ciência. O sociólogo deve ser um intelectual engajado, fornecendo à sociedade (aos sindicatos, escolas, partidos) uma visão científica dos conflitos. Para tanto, é preciso desfazer-se da ilusão do conhecimento imediato. A sociologia exige uma ruptura com o senso comum espontâneo. Esse ‘corte epistemológico’ corresponde a uma ‘desnaturalização’ e a uma visão menos individualista do mundo social. Mas, não se trata de uma ruptura científica feita em nome da objetividade, mas sim de uma ruptura política com o habitus. A sociologia como ciência só se justifica por seu engajamento político. A função do sociólogo é orienta os movimentos sociais, partidos e sindicatos.
Tabela 4 – Evolução do pensamento de Bourdieu
TEMA
LIVRO (ano de pub. na França)
Crítica à Escola
Os herdeiros – os estudantes e a cultura, 1964, com Jean-Claude Passeron.
A Reprodução – Elementos para uma teoria do sistema de ensino, 1970, também com Jean-Claude Passeron.
A nobreza do estado – grandes escolas e espírito corporativista.  Monique Saint-Martin.
Poder e Economia Simbólicos
Teoria dos Campos e do Espaço Social
A Anatomia dos Gostos, 1976.
A distinção – Crítica social do julgamento, 1979, com Monique Saint-Martin.
Sociologia e o papel do sociólogo
Fonte: elaborado pelo autor.


A Dominação Masculina, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1999.
Sobre a Televisão, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
O Senso Prático, Petrópolis, Vozes, 2009
A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino, Lisboa: Editorial Vega, 1978
Questões de Sociologia, Lisboa: Fim de Século, 2003
O Que Falar Quer Dizer: a economia das trocas simbólicas, Algés: Difel, 1998.
A Economia das Trocas Simbólicas, São Paulo, Editora Perspectiva S.A., 2003
O Poder Simbólico, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1992.
As Regras da Arte: génese e estrutura do campo literário, Lisboa: Presença, 1996
Razões Práticas: Sobre a teoria da ação, Campinas, Papirus Editora, 1996
Razões Práticas: sobre a teoria da acção, Oeiras: Celta Editora, 1997
Contrafogos: táticas para resistir à invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
Meditações Pascalianas, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2001.
Contrafogos 2: por um movimento social europeu. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
A Produção da Crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos, Porto Alegre, Editora Zouk, 2001.
As Estruturas Sociais da Economia, Lisboa: Instituto Piaget, 2001.
Lições da Aula: aula inaugural proferida no Collége de France em 23 de abril de 1982. São Paulo: Ática, 2001.
Esboço de Uma Teoria da Prática, Precedido de Três Estudos de Etnologia Cabila, Oeiras: Celta Editora, 2002.
O Amor Pela Arte: museus de arte na europa e seu público, Porto Alegre, Editora Zouk, 2003.
A Miséria do Mundo. Petrópolis: Vozes, 2003.
Esboço para uma Autoanálise, Lisboa: Edições 70, 2004.
Para uma Sociologia da Ciência, Lisboa: Edições 70, 2004. (Trad. de: Science de la science et reflexivité)
Os Usos Sociais da Ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
Ofício de Sociólogo: metodologia da pesquisa na sociologia. Petrópolis: Vozes, 2004. (Em colaboração com Jean-Claude Chamboredon e Jean-Claude Passeron.)
A Distinção: crítica social do julgamento, Porto Alegre, Editora Zouk, 2007.

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