Pierre
Bourdieu foi um dos mais importantes sociólogos franceses, autointitulado como
sendo “um construtivismo estruturalista ou estruturalismo construtivista”. 'Estruturalista'
porque admitia que existem estruturas objetivas no mundo social que condicionam
a ação e a representação dos agentes e instituições. Bourdieu supera assim
tanto o objetivismo estruturalista (com ênfase no condicionamento social) como
o idealismo fenomenológico (que crê na preponderância das práticas sociais e
dos seus esquemas subjetivos na construção da realidade social) (BOURDIEU, 2004,
p. 147).
A teoria
sociológica de Bourdieu tem três conceitos principais: Campo Social, Capital e
Habitus.
Um campo
pode ser definido como uma rede estruturada de agentes e instituições ou uma
configuração de relações objetivas entre posições, onde os agentes estão em
concorrência pelos seus troféus específicos, seguindo regras (de ingresso, de
premiação e de exclusão) igualmente específicas. Para Bourdieu, nas sociedades
altamente diferenciadas como a nossa, o cosmos social é constituído do conjunto
desses 'campos', microcosmos sociais relativamente autônomos, espaços de
relações objetivas que são o lugar de uma lógica e de uma necessidade
especificas e irredutíveis às que regem os outros campos. Por exemplo: o campo
artístico, o campo religioso e o campo econômico obedecem a lógicas diferentes.
Em cada
campo específico existe um conjunto de interesses compartilhados que garantem
sua existência e funcionamento. Como em um jogo, há disputa, mas também
acordos. E se por um lado o conceito de campo ilumina, sobretudo, as cenas onde
se realizam as lutas entre forças opostas, por outro também chama a atenção
para a cumplicidade entre os agentes interessados nesta disputa. O que permite
estruturar os Campos Sociais é a posse de diferentes tipos de Capital. A
posição dos agentes no espaço dos campos depende do volume e da estrutura de
seu Capital. Bourdieu (2000, 53-54) distingue quatro tipos de Capital: Capital
Econômico propriamente dito; Capital Cultural (conjunto das qualidades
intelectuais produzidas pelo sistema escolar ou transmitidas pela família); Capital
Social (definido pelo conjunto das relações sociais de que dispõe um indivíduo
ou um grupo); e Capital Simbólico (correspondente ao conjunto de rituais
ligados à honra e ao reconhecimento).
Outro
conceito importante é o de violência simbólica.
Bourdieu adota e reinterpreta vários conceitos de Max Weber, como a
ideia de multi determinismo estrutural e as noções de Poder e Dominação. A
noção de violência simbólica vem do consentimento dos dominados. Ela é uma
imposição dos dominantes diante da submissão voluntária dos dominados. As
classes sociais não são determinadas pelas relações de produção, mas por sua
posição estrutural como um todo em relação aos diferentes tipos de capital.
Há uma longa
evolução dos conceitos para constituição da teoria dos campos e do espaço
social, com várias idas e vindas em temas específicos (a escola, a arte, os
gostos). O campo escolar, por exemplo, é abordado em diferente momentos,
internamente reproduzindo as desigualdades sociais e externamente transferindo
capitais de uma geração para outra; e assim legitimando e sendo legitimado pela
hierarquia social.
A escola
pública francesa, longe de propiciar a igualdade de oportunidade, reproduz e
legitima as desigualdades sociais através de um discurso meritocrático.
Bourdieu demonstra estatisticamente que a evasão escolar, a repetência, a
seleção para cursos e profissões menores, entre outros fatores; atingem os
estudantes das classes menos favorecidas, que moram longe e têm menos tempo e
condições, não têm um consumo cultural familiar voltado para erudição. A escola
trata todos os alunos como sendo cultural e socialmente iguais, quando, na
verdade, eles não são. Há uma “indiferença às diferenças”. Há também o culto à
‘ideologia do dom’, a crença de que as aptidões ao êxito escolar e social são
inatas – e não adquiridas a partir de diferentes contextos. Bourdieu
desnaturaliza o ‘dom’, como uma forma de legitimação da reprodução das
desigualdades.
Nesses
primeiros trabalhos sobre a escola, principalmente em A Reprodução – Elementos para uma teoria do sistema de
ensino, a noção de
habitus é mais determinista resultante da interiorização das regras da
estrutura social, que os agentes passam adotar 'naturalmente' e nunca são
contestadas. O habitus seria a reprodução inconsciente do passado e explicaria
porque a ação social repete esquemas subjetivos, elaborados a partir da
experiência da estrutura objetiva.
Porém, em
seus trabalhos mais recentes, o habitus evolui para designar uma prática social
de reprodução que encerra a possibilidade criativa de mudança por parte dos
agentes. O habitus passa a ser uma tendência à repetição que também formata a
invenção, gerando novos esquemas subjetivos para se adaptar a novas condições
objetivas; bem como novas relações estruturais a partir de novas ações, decisões
e comportamentos.
Outra área
de interesse de Bourdieu era a sociologia da arte, tendo feito estudos sobre
fotografia, os museus europeus e literatura. O livro As regras da arte - Gênese e estrutura do
campo literário é considerado, pelo próprio Bourdieu, como uma
aplicação exemplar de sua teoria do espaço social a um campo específico.
Em 1976, a
pesquisa A anatomia do gosto – escrita
com Monique de Saint-Martin, promove um novo desdobramento na sociologia de
Bourdieu: o gosto como construção social. O gosto não é inata e universal, ele
é uma referência cultural de classe, que opera por imitação e distinção, onde
tanto se é treinado para gostar como para detestar segundo os valores da
hierarquia social. A família e a escola são os lugares deste aprendizado dos
gostos e dos valores, da competência cultural da desigualdade. A ideologia do
gosto natural é semelhante a ideologia escolar do dom.
Sistematizando
essas mudanças, A
Distinção – Crítica social do julgamento,
de 1979, é a obra prima teórica de Bourdieu.
“Os gostos são sem dúvida e acima de tudo
repugnâncias, feitas de horror ou de intolerância radical (‘é para vomitar’)
pelos outros gostos e pelos gostos dos outros.” (1979, p. 60)
Nos últimos
dez anos de sua vida, Bourdieu adotou um comportamento combativo. É o oficio de
sociólogo que dá sentido à sociologia como ciência. O sociólogo deve ser um
intelectual engajado, fornecendo à sociedade (aos sindicatos, escolas,
partidos) uma visão científica dos conflitos. Para tanto, é preciso desfazer-se
da ilusão do conhecimento imediato. A sociologia exige uma ruptura com o senso
comum espontâneo. Esse ‘corte epistemológico’ corresponde a uma
‘desnaturalização’ e a uma visão menos individualista do mundo social. Mas, não
se trata de uma ruptura científica feita em nome da objetividade, mas sim de
uma ruptura política com o habitus. A sociologia como ciência só se justifica
por seu engajamento político. A função do sociólogo é orienta os movimentos
sociais, partidos e sindicatos.
Tabela 4 – Evolução do pensamento de Bourdieu
TEMA
|
LIVRO (ano
de pub. na França)
|
Crítica à Escola
|
Os herdeiros – os estudantes e a cultura, 1964, com Jean-Claude Passeron.
|
A Reprodução – Elementos para uma teoria do sistema de ensino, 1970, também com Jean-Claude
Passeron.
|
|
A nobreza do estado – grandes escolas e espírito
corporativista. Monique Saint-Martin.
|
|
Poder e Economia Simbólicos
|
|
As regras da Arte (2000).
|
|
Teoria dos Campos e do Espaço Social
|
A Anatomia dos Gostos, 1976.
|
A distinção – Crítica social do julgamento,
1979, com Monique Saint-Martin.
|
|
Sociologia e o papel do sociólogo
|
|
Sobre a Televisão, 1997.
|
|
A Dominação Masculina, 1999.
|
Fonte: elaborado pelo autor.
A
Dominação Masculina, Rio de Janeiro,
Bertrand Brasil, 1999.
Sobre
a Televisão, Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1997.
O
Senso Prático, Petrópolis, Vozes,
2009
A
Reprodução: elementos para uma teoria
do sistema de ensino, Lisboa: Editorial Vega, 1978
Questões
de Sociologia, Lisboa: Fim de Século,
2003
O
Que Falar Quer Dizer: a economia das
trocas simbólicas, Algés: Difel, 1998.
A
Economia das Trocas Simbólicas, São
Paulo, Editora Perspectiva S.A., 2003
O
Poder Simbólico, Rio de Janeiro,
Bertrand Brasil, 1992.
As
Regras da Arte: génese e estrutura do
campo literário, Lisboa: Presença, 1996
Razões
Práticas: Sobre a teoria da ação,
Campinas, Papirus Editora, 1996
Razões
Práticas: sobre a teoria da acção,
Oeiras: Celta Editora, 1997
Contrafogos: táticas para resistir à invasão neoliberal. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
Meditações
Pascalianas, Rio de Janeiro, Bertrand
Brasil, 2001.
Contrafogos
2: por um movimento social europeu.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
A
Produção da Crença: contribuição para
uma economia dos bens simbólicos, Porto Alegre, Editora Zouk, 2001.
As
Estruturas Sociais da Economia,
Lisboa: Instituto Piaget, 2001.
Lições
da Aula: aula inaugural proferida no Collége
de France em 23 de abril de 1982. São Paulo: Ática, 2001.
Esboço
de Uma Teoria da Prática, Precedido
de Três Estudos de Etnologia Cabila, Oeiras: Celta Editora, 2002.
O
Amor Pela Arte: museus de arte na
europa e seu público, Porto Alegre, Editora Zouk, 2003.
A
Miséria do Mundo. Petrópolis: Vozes,
2003.
Esboço
para uma Autoanálise, Lisboa: Edições
70, 2004.
Para
uma Sociologia da Ciência, Lisboa:
Edições 70, 2004. (Trad. de: Science de la science et reflexivité)
Os
Usos Sociais da Ciência: por uma sociologia
clínica do campo científico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
Ofício
de Sociólogo: metodologia da pesquisa
na sociologia. Petrópolis: Vozes, 2004. (Em colaboração com Jean-Claude
Chamboredon e Jean-Claude Passeron.)
A
Distinção: crítica social do julgamento,
Porto Alegre, Editora Zouk, 2007.
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