Lula X Collor (1989)
Em sua
primeira eleição presidencial, no segundo turno - com 31.076.364 votos (44,23%
dos válidos) - é derrotado por Fernando Collor de Mello, então no PRN, com
35.089.998 votos (49.9% dos válidos).
Resultado eleitoral em 1989 – 1º turno
Presidenciáveis
|
Votos
|
Válidos (%)
|
Collor
|
20.611.030
|
28,5
|
Lula
|
11.622.321
|
16,1
|
|
35.392.535
|
49,0
|
Votos brancos
|
1.176.367
|
1,6
|
Votos nulos
|
3.487.963
|
4,8
|
Base
|
72.920.633
|
100
|
Resultado
eleitoral em 1989 – 2º turno
Presidenciáveis
|
Votos
|
Válidos (%)
|
Collor
|
35.089.998
|
49,9
|
Lula
|
31.076.364
|
44,2
|
Votos brancos
|
986.446
|
1,4
|
Votos nulos
|
3.107.893
|
4,4
|
Base
|
70.260.701
|
100
|
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
Nesta
eleição, tornou-se lugar comum dizer que Lula perdeu o segundo turno contra
Collor devido a três “factóides” (fatos artificialmente produzidos
pela mídia): a entrevista da ex-namorada Mirian Cordeiro acusando Lula de
incentivar o aborto da filha Lurian; as insinuações de que os sequestradores do
empresário Abílio Diniz tinham ligação com o PT; e a polêmica edição do último
debate presidencial transmitido pelo Jornal Nacional.
VÍDEOS
ELEIÇÃO DE 1989
- Cenário de Representação da Política
A eleição de 89 coloca
uma situação nova na política brasileira. Além de marcar a volta da tão
esperada eleição direta para a Presidência da República, após três décadas de
regime ditatorial, ela foi uma eleição solteira, isto é, ocorreu
sozinha, ao contrário das eleições presidenciais seguintes que aconteceram
conjuntamente às eleições legislativas e majoritárias estaduais.
Foi a primeira eleição
com analfabetos em um país integrado por uma indústria cultural (235 emissoras,
cinco redes nacionais, 25 milhões de aparelhos receptores, 94% de audiência
potencial). 47% dos eleitores não tinham 30 anos, nunca haviam votado e tinham
grande intimidade com a linguagem televisiva. O perfil do eleitor de Collor
coincide com dos tipos mais suscetíveis à influência da mídia (baixa renda,
baixa escolaridade, área rural, acesso à informação via TV, etc). (LIMA, 2001,
p. 230)
Mas, como foi essa
influência?
No caso da eleição de 1989, um analista
que busque compreender a vitória de Collor e estude somente os programas
apresentados no Horário Eleitoral Gratuito do TSE corre o risco de empregar sua
inteligência no objeto errado. Seria mais apropriado, por exemplo, uma análise
das novelas aqui mencionadas e/ou os programas do PRN, PTR e PSC em março,
abril e maio, vis-à-vis a construção do CR-P. (LIMA, 2001, p. 247)
Vários estudiosos
atribuem um papel importante às telenovelas Vale Tudo (16/5/88 a 7/1/89); O
Salvador da Pátria (9/1 a 12/8/89); e Que rei sou eu? (13/2 a 16/9) com reprise
a partir de 23/10; portanto às vésperas da eleição. Além de Lima (p. 231),
também Rubim (1990) e Weber (1990) dedicaram estudos ao tema. Rubim é
particularmente feliz em demonstrar os dois aspectos principais do papel dessas
novelas na formação do CR-P eleitoral de 89: a) a desqualificação da política e
do Estado; e, b) a mistura entre ficção e realidade em uma única mensagem.
Nas novelas da TV Globo,
os exploradores são os políticos e não os empresários; o Estado (ineficiente e
corrupto) é o culpado da situação da imoralidade nacional e não o mercado ou o
capitalismo (RUBIM, 1990, p.13). É bem verdade, no entanto, que há, entre os
intelectuais de esquerda (como Lima e Rubim), um grande desejo político de que
o tema dominante das eleições de 1989 não seja a corrupção ou a inflação, e sim
a privatização de parte do Estado.
Por outro lado, o que
está em jogo na disputa discursiva é justamente qual a questão central do
cenário de representação; e o que se observa é que as novelas ajudam a agendar
a ideia de que a corrupção é o grande problema nacional e de que a moralização
e a diminuição do Estado são as respostas adequadas para sua solução. Carlos
Eduardo Lins da Silva criticou a pretensa motivação política da programação de
entretenimento como parte da paranoia conspiratória dos intelectuais de
esquerda.
[...] ridicularizando a percepção de um Roberto
Marinho ‘incrivelmente maquiavélico’, preferindo apontar a ‘extraordinária
sensibilidade política de Collor’, que captava os sentimentos de muitos
eleitores, que ‘os roteiristas da novela estavam captando ao mesmo tempo’.
(MIGUEL, 2002, p. 52)
A fusão entre a
realidade política e social e a ficção é uma das chaves para a construção de um
CR-P favorável à candidatura Collor, principalmente na novela ‘Que rei sou Eu?’,
em que a Nova República é satirizada na forma do Reino imaginário de Avilã.
Mas, além da realidade
representada pela ficção, esta também era representada na realidade: as atrizes
Tereza Rachel (a rainha de Avilã), Isis de Oliveira (Lucy Laugier) e Mila
Moreira (Zmirá) declararam votar em Collor, e o próprio, no horário eleitoral,
fazia alusão à novela e seus personagens. Até o autor da novela, Cassiano Gabus
Mendes, passada a eleição, afirmou que sua intenção era a de agendar uma
mudança contra a corrupção na política brasileira. E o Bode Zé (paródia do
macaco Tião, colocado como candidato de protesto contra uma eleição ilegítima
na novela) teve uma votação expressiva, na realidade. Obviamente, as
telenovelas foram apenas um elemento entre vários na constituição de um Cenário
de Representação.
Segundo Lima (LIMA,
2001, p. 219):
(...) as razões para o sucesso da candidatura
Collor devem ser buscadas no CR-P que foi sendo construído pela mídia,
especialmente pela TV, sobretudo a partir da decisão sobre a duração do mandato
presidencial de José Sarney pela Constituinte (junho de 1988). Este CR-P já
estava delineado em meados de 1989, bem antes do início do Horário Eleitoral
Gratuito do Tribunal Superior Eleitoral (15/09/89) e pelo menos seis meses
antes da realização do primeiro turno. A grande habilidade de Collor foi,
mediante eficiente estratégia de marketing, identificar-se com a temática e as
posições políticas construídas no e pelo CR-P. Adaptando sua imagem pública ao
‘perfil ideal’ de candidato, paulatinamente impôs-se ao ‘moderno’ establishment
(nacional e/ou associado) como o único capaz de encarnar e representar os seus
interesses, articulando assim seu apoio e conquistando os votos
‘não-ideológicos’ dos eleitores que lhe garantiram a vitória.
Pode-se dizer que o ano
de 1988 ficou conhecido como o ano da lei do Gerson e da Cultura da
razão cínica, tamanho era o clima de vale tudo e de pessimismo com a
política e a cultura no próprio País, provocado pelo governo Sarney e pela
decepção com a Constituinte e com a Nova República. Assim, o correto seria
reconhecer que as novelas globais mais retrataram (claro que ampliando e
adaptando esse retrato aos seus interesses) do que simplesmente criaram este
ambiente de desqualificação da política.
E que, além da
desqualificação da política e dos políticos, outros elementos importantes do
CR-P são levantados pelos analistas: a crise dos países socialistas do Leste
Europeu; a propaganda partidária do PRN (30/3), do PTR (24/4) e do PSC (18/5) e
seu grande impacto nas pesquisas, dando ao candidato 43% das intenções
estimuladas de voto em 7/6; a divulgação massiva e sistemática destas pesquisas
pela imprensa, desde abril com Collor em 1º lugar, construíram um
CR-P em que ‘o caçador de marajás’ surgia como “o vencedor virtual do primeiro
turno” (LIMA, 2001, p. 246) e o telejornalismo da Rede Globo.
Segundo Rubim, no Jornal
Nacional de 28 de agosto a 29 de outubro, Collor ocupou 21,5% do tempo total do
programa, enquanto Lula apenas 9%, segundo pesquisa da Datafolha veicula pela
revista Veja, n. 1.105, páginas 74-76, de 15 de novembro de 1989. Na nota 15,
Rubim cita ainda a pesquisa do Dentel no 2º turno, 64,1% para Collor
contra 35,9% para Lula do tempo dedicado para a campanha eleitoral. (RUBIM,
1990, p. 21). Também se considere que ao ficar fora dos debates na TV (e que,
coincidentemente, a Globo não fez debates no 1º turno) durante o período de
horário eleitoral do primeiro turno, Collor não apenas preservou-se, como fez
com que sua imagem se tornasse mais forte do que sua presença.
Lima aponta, também,
várias brechas legais que beneficiaram o candidato (LIMA 2001: p. 248): um
mesmo candidato usar três programas partidários em cadeia nacional de rádio e
TV; a possibilidade de um mesmo instituto de pesquisa (o IBOPE) ser contratado
por uma rede de TV (a Globo) e por um candidato (Collor); a possibilidade de
divulgação parcial das pesquisas de opinião (para omitir a queda de Collor
durante o HGPE); e a inexistência de direito de resposta fora do HGPE, nos
jornais impressos e telejornais.
Há
outros trabalhos importantes para a reconstituição de CR-P eleitoral de 1989: O
presidente na televisão (FAUSTO NETO, 1995) analisa o efeito
da linguagem televisiva no discurso político no horário gratuito; em Fernando
Collor: o discurso messiânico - o clamor do sagrado, (COUTINHO,
1995) enfoca o discurso visual da campanha de Collor nas principais revistas de
circulação nacional, tomando-o como uma herança da retórica populista da
salvação e da gramática dos discursos messiânicos históricos; e Imprensa
e eleições 1989: razão e sedução na opinião das elites (AGUIAR,
1995), estuda como o jornalismo opinativo na imprensa escrita constituiu o CR-P
da eleição de 89.
Aguiar
estudou A Folha de São Paulo, O Estadão e o JB analisando matérias opinativas,
tais como: editoriais, artigos de colaboradores externos aos jornais e colunas
assinadas por jornalistas, em torno das representações dos temas ligados à
campanha eleitoral. Quatro pares de conceitos chaves foram observados por ela
nesse debate: 1) estatismo x privatização; 2) governabilidade x
ingovernabilidade; 3) ideológico x não-ideológico e 4) moderno x arcaico.
Segundo Aguiar, houve momentos em que se formava uma equação, considerando-se
equivalentes privatizações, modernidade, sem ideologia e Collor, enquanto por
outro lado, estatismo e arcaísmo ideológico identificavam Lula. (AGUIAR, 1995,
p. 45)
- Horário eleitoral[2]
Em
1989, vinte e dois candidatos presidenciais disputaram o voto e a atenção do
eleitorado brasileiro durante o horário eleitoral. Que me desculpem
Marronzinho, Fernando Pedreira, Enéas Carneiro, Fernando Gabeira, Ronaldo
Caiado, entre outros. Não podemos falar de todos, mas apenas dos candidatos que
consideramos principais no cenário político, tomando como critério tanto o
tempo do candidato no HGPE como sua participação política nas eleições.
Interessa-nos, sobretudo, demonstrar as estratégias discursivas elaboradas
diante de um Cenário de Representação da Política extremamente pessimista, em
que a classe política e a própria política em si, enquanto atividade, gozavam
de péssima reputação, levando vários candidatos à apologia da esperança, a
utilização abusiva de crianças na campanha e (sempre numa tentativa de
desmobilizar a demanda anticorrupção contra os políticos) uma ‘demonização’
dos especuladores e dos atravessadores, como sendo os responsáveis pela
inflação e pela situação econômica do país.
A
campanha de Ulysses Guimarães teve como título Vote 15, Ulysses
Presidente e como símbolo, o V da vitória com dois dedos. O Jingle Bote
fé no velhinho tentava transformar um ponto fraco em uma vantagem: a
lembrança da morte trágica do Presidente Tancredo Neves nos primeiros dias da
Nova República, que poderia influenciar o eleitor a recusar o voto em um
ancião, era contraposta à idéia da importância da experiência de vida nos
momentos difíceis e aos exemplos de grandes estadistas históricos que guiaram
suas nações em momentos de crise.
Foi
o programa que mais deu ênfase na identificação partidária, lembrando
constantemente o papel do PMDB no movimento das Diretas Já e na Constituinte
com a participação de vários líderes políticos do partido: Jarbas Vasconcelos,
Orestes Quércia, Pedro Simon. Também contou a presença da atriz Elisabeth
Savalla e da jornalista Silvia Popovic. Os governadores do PMDB aparecem
diversas vezes no programa eleitoral para apoiar seu candidato. Primeiro, no
dia 30/9, discretamente e em conjunto; e no final da campanha, 09/11, todos
falam individualmente (RJ, SP, MG, RS, SC, GO, AM, MS, RN, ES, AC, BA, PE e
PR). No entanto, o slogan Vamos colocar o Brasil de pé, utilizado pelo
candidato do PMDB à presidência da República, foi progressivamente sendo
colocado de lado durante a campanha. O motivo é que estava identificado com o
governo Sarney e não conseguia convencer ninguém com um discurso de oposição.
Aliás,
este papel, o de oposição ao governo federal, foi inicialmente desempenhado
mais pelo candidato a vice Waldir Pires do que pelo próprio Ulysses Guimarães.
No dia 21/10, tentando se desvencilhar do governo federal, o velho guerreiro
faz pronunciamento contra o Governo Sarney. Porém, apesar da insistência “nas
mãos limpas do sangue da ditadura e da corrupção da Nova República” (Fita
DOXA-IUPERJ, 89/03, 17:14), Ulysses não conseguiu se distinguir da imagem de
‘situação’. Além do que, o discurso de Ulysses Guimarães era excessivamente
retórico e estava formatado mais para a militância do seu partido do que para o
eleitorado. Por várias vezes, o candidato explicava ao telespectador as
características do eleitorado e como convencê-lo a votar no PMDB, ao invés de
tentar convencer diretamente o eleitor a votar em si enquanto personagem
político. Um exemplo disso é o discurso no dia 29/9, em que a classe média é o
público alvo principal e o trabalhador é um objeto a ser manipulado. Aliás, no
final da campanha, Ulysses assume conscientemente essa tendência de falar para
o partido e se dirige diretamente à militância. (27/10 e 09/11)
Em
contraste com essa estranha estratégia de assumir-se como um velho, o
candidato do PMDB cercou-se de crianças. E não foi o único. Não apenas por ser
uma rima fácil, mas, sobretudo, pelo fato de serem idéias simbolicamente
entrelaçadas, as crianças nos remetem ao sentimento de esperança no futuro;
ideal que os candidatos tentaram desesperadamente defender, em um cenário
eivado pelo pessimismo e pela descrença na atividade política.
A
título de exemplo: dia 02/10, Guilherme Afif lê, emocionado, uma carta escrita
por uma criança que o apóia; dia 08/10, Mario Covas participa de uma reunião do
clube dos ‘tucaninhos’. Leonel Brizola, do Partido Democrático Trabalhista
(PDT), o Candidato da Esperança, foi um dos que denunciou o uso
demagógico que os políticos estavam fazendo através das crianças, afirmando que
apenas ele, que construiu os Centros Integrados de Ensino Público (CIEP’s),
tinha uma política pública realmente voltada para elas, as crianças. E para
reforçar a idéia de que os outros candidatos estavam se utilizando
demagogicamente de menores, colocou no ar algumas mães apoiando sua
candidatura. Também colocou no ar um interessante repente sobre essa disputa
política pelos cabos eleitorais infantis. (09/10)
Aliás, foi uma campanha
pródiga em cordéis: dia 04/10, Collor apresenta dois cantadores com
repentes a seu respeito; dia 18/10, Maluf coloca um repetente sobre a mentira;
e dia 21/10, Covas mostra cantador sobre as brigas entre os candidatos durante
o 3º debate da Rede Bandeirantes de Televisão.
Affonso
Camargo, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), foi outro que se envolveu
perigosamente com o público infantil, chegando mesmo a levar ao horário
eleitoral o menino Marcelo (08/10), que convenceu a mãe em votar no candidato
(apesar dele ser um candidato pobre) e a menina Bárbara (11/10), que fazia
campanha de porta em porta em seu edifício.
Ex-ministro
dos transportes do governo Sarney, Camargo estruturou sua campanha em quatro
metas de trabalho, simbolizadas por um trevo de quatro folhas: comida, escola,
casa e trabalho. Além disso, o candidato se apresentava com um forte apelo
ético: não recebeu dinheiro de representação, não nomeou parentes, não morou em
residência oficial, entre outros nãos. De positivo, criou o vale-transporte
obrigatório. Mesmo assim, usou o slogan: Affonso fez, Affonso fará.
Porém,
foi devido a uma curiosa mudança discursiva, que o presidente dos
trabalhadores se tornou o candidato dos baixinhos. O comediante Tião
Macalé, muito conhecido na TV brasileira pelo bordão “Nojento!”, fazia a
abertura e o encerramento do programa do candidato do PTB. Os quadros de humor,
no entanto, eram meio debochados e colaboravam com uma visão depreciativa da
atividade política – fato que não passou despercebido por críticos e
colaboradores do candidato. Então, no dia 02/10, Camargo fala que Tião está
sendo vítima de racismo e que continuará em seu programa até o final da
campanha, que ele é engraçado e não está dizendo nada de prejudicial, mas
promove uma grande mudança discursiva em seu programa, mudando substancialmente
o papel desempenhado pelo comediante[3].
Também
a partir deste momento, Camargo montará o palanque do povo e das crianças,
respondendo cartas de seus eleitores dos mais diversos rincões do país. Ao que
parece, a mudança de estratégia deu certo, pois o candidato ficou “muito feliz”
com “o telefone que não pára de tocar” (05/10) sendo que 40% das chamadas são
de crianças (22/10).
Segundo
explicou o próprio Affonso Camargo (09/11), o substantivo candidato
deriva do adjetivo cândido, significando que os postulantes aos cargos
eletivos devem ser pessoas puras, sem mácula. Por isso, é
bastante compreensível que, em um ambiente de ceticismo generalizado, que
caracterizou as eleições presidenciais de 1989, o candidato do PTB tenha
conquistado a simpatia, não apenas das crianças, mas também de muitos adultos.
No entanto, a simpatia pela candura e a honestidade de Camargo não reverteu em
intenções de voto.
Talvez por isso, o
candidato tenha tentado engrossar contra o PT no dia 10/11, mas definitivamente
a tática de propaganda negativa não lhe caía bem e a iniciativa foi abandonada.
Dentre
os candidatos que melhor desenvolveram uma estratégia discursiva de situação
esteve o ex-ministro de Minas e Energia Aureliano Chaves, candidato do Partido
da Frente Liberal (PFL). Para evitar a defesa ou o ataque ao governo federal,
sua campanha dava ênfase às qualidades pessoais, os seus entrevistados
elogiavam mais o homem que o político.
No
dia 09/10, por exemplo, o programa mostra Aureliano em Três Pontas, sua terra
natal; no dia 23/10, o programa mostra a família do candidato, entrevista seus
empregados e seus amigos. As qualidades enfatizadas nos programas são Autoridade,
Austeridade e Dignidade; mas também de forma secundária, a honestidade, a
experiência e a tolerância são ressaltadas como as virtudes necessárias e
capazes de despertar a … esperança.
É
como diz o Jingle: “No horizonte há uma luz brilhando, é a esperança que já vai
chegar, há tanto tempo estamos esperando, chegou à hora do Brasil mudar …”
Também seu slogan Um voto de confiança colabora com a construção dessa
imagem; de uma autoridade tradicional, mineira, segura, séria e ... meio
apolítica, para escapar da discussão sobre sua participação no governo Sarney.
No entanto, Aureliano defende as idéias de “desconcentração neoliberal do
Estado”, de redemocratização institucional e de privatização das estatais, mas
quase nada fala do governo. O programa eleitoral do PFL contou ainda com um
excelente quadro de humor Conversa ao pé da cerca, com quadros de
depoimentos e apoios (porque Aureliano; quem sabe, sabe), entrevistas com
jornalistas e populares.
Porém,
uma vez que sua campanha não decolava, a candidatura de Aureliano foi
bombardeada pelo próprio partido, que tentou trocá-la pela do apresentador
Silvio Santos, gerando uma avalanche de especulações, críticas e matérias na
imprensa. No dia 27/10, Aureliano fala que “em confiança daqueles que o
apoiavam não renunciaria” (Fita DOXA-IUPERJ, 89/18, 43:15) em favor de Silvio
Santos e que continua sua campanha com dignidade apesar da traição do
senador Hugo Napoleão e do seu partido, o PFL.
Mesmo sem se solidarizar
com Aureliano, praticamente todos os candidatos (Ulysses, Affonso Camargo,
Afif, Brizola, Lula, Covas e Collor) repudiaram a tentativa de inclusão da
candidatura de Silvio Santos durante o período de campanha, como uma ingerência
do governo Sarney no processo eleitoral. Apenas Maluf se manifestou como
favorável à sua entrada na disputa e, no final da campanha, utilizou a
apresentadora Hebe Camargo, empregada do Sistema Brasileira de Televisão (SBT),
de propriedade de Silvio Santos, para pedir para ele (Maluf) os votos que
seriam dados ao apresentador.
Talvez
não seja inteiramente correto colocar o ex-prefeito Paulo Maluf, do Partido
Democrático Social (PDS) entre os candidatos com estratégia discursiva de
situação. Afinal, ele foi um crítico implacável, durante a campanha e antes dela,
da Nova República e do governo do PMDB, que sempre qualificou como sendo
corruptos e incompetentes. Mas, por outro lado, pode-se dizer também que, do
ponto de vista discursivo, assim como Ulysses, Maluf também não desempenhou bem
o papel de oposicionista, uma vez que apresentou sua administração à frente de
São Paulo como o principal argumento político para a sua eleição.
Assim, desde o início de
sua campanha no horário eleitoral, duas linhas de argumentação distintas
coexistiram paralelas. A primeira pode ser resumida em seu principal slogan de
campanha Maluf, Presidente Competente, em que afirmava sua superioridade
administrativa sobre os outros candidatos, tidos como sem experiência gerencial
ou mesmo como incapazes. E a segunda linha argumentativa era agressiva e
fortemente ideológica de direita, apelando para valores tradicionais, atacando
os seus adversários de esquerda e tentando atrair eleitores mais conservadores.
Pode-se dividir a
participação de Maluf no horário eleitoral de 1989 em três momentos distintos:
no primeiro Maluf usa o slogan Maluf neles, com um clipe em que um
personagem anônimo chuta várias latas de lixo com os nomes de inflação, corrupção,
incompetência. A ideia passada é que, para se vingar do governo federal,
o eleitor pode votar em Maluf. Também nessa primeira etapa da campanha, o
candidato faz uso de várias dramatizações apelativas, algumas explicitamente
contra a ideia dos Direitos Humanos (apresentada como uma filosofia política
que defende criminosos em detrimento do direito das vítimas), comentadas, em
seguida, pelo candidato em conjunto com a apresentadora Hebe Camargo.
A partir de 05/10, no
entanto, Paulo Maluf muda um pouco sua estratégia e passa a usar o slogan: Brasil
para frente, Maluf Presidente. E adota uma vinheta de abertura e
encerramento, dando uma ideia de publicidade comercial dentro do horário
eleitoral, fazendo paródias de algumas propagandas comerciais de sucesso, como
as da Bombril e do Sutiã Valiser. Também nesta etapa surge o inteligente jingle
do lero-lero[4],
desqualificando os que falam demais e não fazem nada, e mostra reportagens com
brasileiros que imigraram para os EUA por falta de oportunidades no Brasil.
Maluf termina a campanha ideologizando ainda mais seu discurso contra as
esquerdas. Nos dias 29 e 30/10, acusa a prefeita petista Luiza Erundina de ser
a responsável pela tragédia da Vila Socó, de desabamento de terra que soterrou
uma favela em São Paulo, fazendo várias vítimas, inclusive crianças. No dia
01/11, o candidato do PDS mostra o muro de Berlim e a fuga de refugiados da
Alemanha Oriental, perguntando ao eleitor “se é isto que queremos para o
Brasil” (Fita
DOXA-IUPERJ, 89/20 - 25:10).
Em novembro, Maluf
apelará, tanto em seu próprio discurso político como nas vinhetas que utiliza
em seu programa, para as cores da Bandeira Nacional e para a tentativa de “Lula
e Brizola manchá-la de vermelho” (Fita DOXA-IUPERJ, 89/20, 26:05). Nessa terceira fase, o argumento ideológico
suplanta o da competência administrativa, reduzido à afirmação de que o candidato
esteve em quase todas as cidades brasileiras (02/11) e que ele, em São Paulo,
seria o primeiro colocado em todas as pesquisas de opinião (a partir de 28/10),
demonstrando a aprovação de sua administração no passado.
Apesar
de contar com um belo jingle[5],
de apoios políticos significativos[6]
e alguns recursos técnicos em sua campanha, o ex-governador Leonel Brizola,
candidato pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), utiliza o HGPE, mais como
um espaço para ‘propagandear’ sua candidatura, como uma tribuna de denúncias e
de argumentação política. No dia 19/9, Brizola denuncia a compra do quinto ano
de mandato presidencial de Sarney, através das concessões de rádio e TV; no dia
21/9, ele denuncia que domingo à noite, das 23:00 até a 01:30 a Embratel transmitiu
o programa de Collor por antena parabólica; no dia 24/9, lembra da tentativa de
fraude das eleições estaduais do RJ em 82 e do Plano Cruzado; e no dia 26/9
alerta para o perigo de fraude na apuração das eleições.
Três
episódios marcaram a campanha do PDT na TV: o processo contra o jornalista
Sebastião Nery; o direito de resposta do IBOPE, cedido pela justiça eleitoral,
em virtude das denúncias infundadas de manipulação; e a luta constante contra o
jornal O Globo e as organizações (de propriedade de) Roberto Marinho.
Nos dias 28/9, 30/9 e
04/10 Brizola afirma que está sendo atacado indiretamente, através da imprensa,
por Collor, matérias pagas, escritas pelo jornalista Sebastião Nery são
publicadas em todo o país através da agência contratada por Collor, pagas pela
associação de banqueiros de SP.
No dia 08/10, o programa
afirma que o TRE vai punir o jornalista de aluguel. No programa do dia
11/10, César Maia levanta a possibilidade de fraude nas pesquisas de opinião do
IBOPE, como uma tentativa de tentar influenciar no resultado das eleições. E no
dia 19/10, Brizola é forçado a ceder direito de resposta ao Instituto, que nega
as acusações. O programa, então, adota uma das estratégias mais inteligentes já
elaboradas em relação às pesquisas eleitorais de opinião pública: a realização
e a divulgação de prévias eleitorais em diversos locais[7].
Na torcida organizada do Botafogo Futebol Clube, na cidade de Fortaleza segundo
o jornal O Povo, na Faculdade de Economia da UFRJ e ... na Rede Globo de
Televisão (18/10), onde o candidato do PDT foi o mais votado. O programa
eleitoral do dia 24/10 afirma que o jornalista Roberto Marinho não acreditou na
prévia eleitoral do PDT e mandou realizar outra por sua conta, que foi igualmente
vencida por Brizola.
Mas
as relações entre o ex-governador e as organizações Globo estão longe de serem
civilizadas. Por diversas vezes, Brizola afirmou que Roberto Marinho apoiava
Collor (09/10) e cobrou o fato da emissora de TV não promover debates por não
ser do interesse de seu candidato (02/11).
Porém,
o fato realmente relevante ocorreu no dia 29/10, quando o programa eleitoral
mostrou, no jornal O Globo, uma foto de Brizola abraçando o suposto traficante Eureka;
na verdade, o presidente da associação de moradores de uma favela carioca, sem
nenhuma ligação com o narcotráfico. No programa do dia 01/11, Brizola diz que
abriu inquérito criminal contra O Globo por causa da falsa notícia.
Para convencer os
eleitores a analisar os demais adversários e escolhê-lo como candidato, o
senador Mário Covas, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB),
elaborou uma estratégia discursiva curiosa. Convidava o eleitor a imaginar a
situação de ser apresentado ao namorado de sua filha. “Ora”, argumenta Covas,
“para saber quem é o rapaz, você vai querer saber: seu passado, de quem é
filho, onde estudou; o que ele faz, onde mora e trabalha; e, principalmente,
quem são seus amigos”. (Fita DOXA-IUPERJ, 89/07 – 1:05:15)
Seu slogan era O
Brasil de Verdade e seu programa contava com recursos de computação gráfica
(um tucano voando na abertura) e com vários quadros temáticos. Seu jingle teve
duas versões rítmicas: uma mais comum na forma de samba e outra feita para o
programa sobre o nordeste (27/10) na forma de forró.
Dois fatos relevantes merecem
ser ressaltados em relação à participação de Covas na campanha presidencial de
1989: a utilização de imagens editadas nos debates da Rede Bandeirantes no
horário eleitoral e a sua atitude diante das pesquisas de opinião.
Na verdade, vários
candidatos utilizam as imagens dos debates no HGPE. No dia 19/10, Collor usa
cenas de conflito (Brizola x Afif, Maluf x Brizola) para justificar sua
ausência no terceiro debate da Band[8].
No mesmo dia, Affonso Camargo e Maluf também mostram o debate, sendo que o segundo
considera-se vencedor (através de pesquisas). No dia seguinte, à noite, Covas
dá sua versão editada do debate: todos brigaram e apenas ele soube se
comportar. No dia 25/10, possivelmente gostando da forma grosseira como foi
feita a manipulação dos acontecimentos, Paulo Maluf também coloca trechos de
debates da Band, editados a seu favor.
O precedente abriu
caminho para novas interpretações do quarto debate realizado pela Rede
Bandeirantes, reeditado por Covas e Brizola no dia 07/11 e por Maluf no dia 09/11
de forma diretamente desfavorável ao próprio Covas. Não se trata apenas do
feitiço ter retornado contra o feiticeiro, mas, sobretudo, da abertura de
Covas para ser questionado do ponto de vista ético, principalmente por Afif
(que tendo sido editado pelo programa do PSDB) afirmou que o tucano “tinha duas
caras” (Fita
DOXA-IUPERJ, 89/05, 25:05), que se elegeu
governador de São Paulo pelo PMDB devido ao Plano Real e que apenas se passava
por um oposicionista ao governo Sarney, mas na verdade era um político de
situação, apoiado pelo empresariado paulista (28/10).
Mas, a atitude ambígua
de Mario Covas diante das pesquisas de opinião também chamou a atenção.
Inicialmente, o candidato usou o horário eleitoral para explicar aos eleitores
que o primeiro lugar nas pesquisas de opinião eram dos indecisos, os que
estavam aguardando para escolher o seu candidato numa data mais próxima à
eleição, e que, portanto, nada estava decidido e qualquer um poderia ir para o
2º turno. Atitude, portanto, semelhante à de Aureliano Chaves (17/10).
Já Brizola e Ronaldo
Caiado combateram diretamente as pesquisas como formas de manipulação política.
Caiado chegou a dizer que por todas as cidades onde andou jamais conheceu
alguém que tenha sido entrevistado pelos Institutos de Pesquisa e Brizola, como
vimos, depois de entrar em conflito com o IBOPE, passou a realizar e divulgar
prévias isoladas em que saía vitorioso.
Vários candidatos
utilizaram-se de imagens de manifestações públicas para refutar sua posição nas
pesquisas de opinião. Ulysses no fim da campanha (10/11) disse que “os comícios
e carreatas são sua pesquisa”. Covas também usou desse expediente (09/11).
Aliás, este recurso de retroalimentação entre a tela e a rua, em que a
TV convoca a população para os comícios e os comícios são mostrados como prova
da força popular dos candidatos é uma das características marcantes do HGPE de
89, não apenas devido às proibições legais nas eleições seguintes, mas,
sobretudo pelas mudanças ocorridas na própria linguagem televisiva, que deixou
de ser uma janela do mundo para ser autorreferente.
Porém, certas vezes,
Covas também acreditava nas pesquisas. No dia 30/9, por exemplo, ele afirmou
que, nas simulações do 2º turno, é o único capaz de enfrentar Collor. Quando o
candidato do PRN caiu dos 42% que tinha antes do início do horário eleitoral
para 21,9% (29/10), o tucano animou-se e passou a dar maior visibilidade às
pesquisas. No programa do dia 01/11, Covas afirmou seu crescimento (que estava
em empate técnico com Lula e Brizola) em várias pesquisas diferentes (IBOPE,
DataFolha, Toledo & Associados) e disse que era o candidato com menor taxa
de rejeição (o que mais pode crescer). Talvez por isso Covas tenha sido objeto
de tantos ataques de seus adversários, nos últimos programas eleitorais. No dia
09/11, Afif, Maluf e Manuel Horta atacam o candidato tucano – não se sabe se
para impedir ou para facilitar que ele ultrapassasse os outros candidatos de
esquerda e fosse para o 2º turno.
É
difícil classificar a estratégia adotada por Guilherme Afif Domingues,
candidato pela Aliança Cristã Liberal, formada pelo Partido Democrático Cristão
(PDC) e pelo Partido Liberal (PL), como sendo de situação ou de oposição,
porque mesclava elementos das duas situações: ataca os adversários de esquerda
e o governo do PMDB, mas enfatiza os valores de solidariedade e de igualdade
política. É o único candidato que utiliza um mímico, para deficientes auditivos
(24/9) e o único a lançar o seu programa de governo em Braile para deficientes
visuais (19/10).
Seu
slogan era uma resposta ao clima de desesperança reinante: Fé no Brasil;
e sua principal palavra de ordem, com a qual terminava todos os seus discursos
é Juntos, chegaremos lá e era acompanhada pelos gestos de bater os
punhos cerrados (juntos) e apontar uma direção com o dedo indicador (chegaremos
lá). Do ponto de vista político, Afif defendia uma Revolução Verde, “um retorno
às origens, a terra; a união do povo da enxada com o povo da panela, contra os
especuladores e os atravessadores” (Fita DOXA-IUPERJ, 89/01, 57:13) – cujas
propostas (muitas delas absurdas e irrealistas) eram detalhadas durante vários
programas.
Afif
também tentou se cercar de crianças e, assim como Maluf, lamentou a saída de
brasileiros do país, em busca de melhores oportunidades profissionais (27/10).
Uma curiosidade: em uma
eleição com um número grande de candidatos e uma cédula cheia de nomes, quase
todos os programas eleitorais (Ulysses, Camargo, Aureliano, Maluf, Covas,
Collor, Lula, Freire, entre outros) ensinaram a votar, isto é,
apresentaram um quadro, através de computação gráfica ou de participação de um
apresentador, em que o voto era simulado com o áudio sendo acompanhado pela
visualização desta operação, seja em animação ou vídeo. Afif, no entanto, se
diferenciou dos demais colocando em seu HGPE, a partir do dia 01/11, uma
vinheta da cédula de votação com dois patinhos gêmeos formando o seu número 22.
O candidato, no entanto,
se envolveu em várias brigas com seus adversários e acabou tendo sua imagem
desgastada. Primeiro teve um embate com Collor dentro do horário eleitoral;
depois, passou a revidar, no horário eleitoral, um ataque feito por Covas
durante o debate da Bandeirantes.
Desde o dia 04/10,
Fernando Collor finalizou seu programa eleitoral, cujo horário antecedia o de
Afif, feito em seqüência, com ataque na qual a abertura do programa do
candidato liberal era satirizada. No dia 04, insinuando que Afif havia votado
contra a reforma agrária, mostra duas mãos brigando por um punhado de terra; no
dia 05, mãos seguram-se caoticamente, enquanto se ouve [...] “agora, com vocês,
o candidato que votou contra a liberdade sindical. Seu nome é [...]”. (Fita DOXA-IUPERJ, 89/20, 15:08)
No dia 06, Collor ainda
apresentou uma terceira crítica mostrando as mãos com os polegares para baixo e
dizendo “Vem aí o candidato que tirou zero no DIAP ...”. Porém dessa vez, Afif
reagiu, criticando “o pontapé pelas costas”: “quem chuta por trás e foge, no
Brasil tem nome” (Fita
DOXA-IUPERJ, 89/20, 17:15).
No dia 08, Afif desafia
Collor para um debate na Universidade Santa Úrsula e no dia seguinte Collor
manda, em seu programa, Afif debater com o povo. No dia 11, Lula lamenta, no
horário eleitoral, a baixaria entre Collor e Afif. E acaba tomando um troco de
Afif nos programas noturnos dos dias 14 e 15/10. No dia 28/10, Afif responde no
horário eleitoral à pergunta formulada por Mário Covas durante o debate da
Band. Seguem-se outra série de ataques e contra-ataques. No final da campanha,
Afif se torna ainda mais agressivo com os candidatos de esquerda. No dia 04/11,
seu programa apresenta uma paródia do jingle do PT, o pula-lá, mostrando
o povo pulando o muro de Berlim. Nos dias 05 e 09/11 concentra seu ataque em
Mário Covas.
Assim como Afif, a
estratégia discursiva adotada por Fernando Collor de Mello, candidato do
Movimento Brasil Novo, formado pelo Partido da Renovação Nacional (PRN),
Partido Social Trabalhista (PST), Partido Social Cristão (PSC) e Partido
Trabalhista Renovador (PTR) não pode ser caracterizada inteiramente como de
situação ou de oposição. Nem como direita ou de esquerda, como explica o
próprio candidato no programa do dia 02/11, quando Collor usa a vinheta da
balança. Os dois “L's” de Collor (ll) formam a haste de um balança, a cada
afirmação do locutor em off é colocado um peso em um dos pratos. Do lado
direito, são colocadas três propostas que caracterizam o candidato com sendo de
direita (privatização, luta contra corrupção, controle inflacionário) – por
isso alguns dizem que Collor é de direita; e do lado esquerdo, as
propostas de esquerda (reforma agrária, distribuição dos lucros, melhores
salários) – por isso outros afirmam que Collor é de esquerda. Quando os braços
da balança se equilibram, o locutor conclui: Collor é equilíbrio.
Aliás, o candidato
associou, de forma bastante emocional, sem nenhum argumento consistente, a
inflação à corrupção (04/11). E talvez atendendo as preocupações de Lula, que
pediu medidas urgentes para o controle inflacionário (02/10), orientou seu
líder no Congresso Nacional, o deputado Renan Calheiros, a apresentar uma série
de medidas emergenciais para o controle da economia que na verdade atacavam a
corrupção, tais como o congelamento do salário dos parlamentares, o
levantamento dos bens da União, a suspensão das mordomias – insistentemente
veiculados no horário eleitoral a partir do dia 25/10 até o fim da campanha.
Slogan: Chegou a
nossa vez (usado para orientar o eleitor na cédula eleitoral); jingle:
Collor, um grito de torcida de futebol, música em arranjos de samba, forró e
música gaúcha, de acordo com a situação da campanha; estratégia: administrar
queda das pesquisas. No dia 29/9, Collor ordena vote em quem vai ganhar.
E não participa de debates; no dia 19/10, usa cenas de conflito para justificar
sua ausência do debate da Band.
Collor inicia o horário
eleitoral (15/9) de forma extremamente simbólica, em Monte Pascoal, no sul da
Bahia, no lugar onde Pedro Álvares Cabral celebrou a primeira missa em solo
brasileiro, falando de sua missão histórica, de seu “compromisso com Deus e a
fé em um futuro melhor”. (Fita DOXA-IUPERJ, 89/01, 05:18) Depois mostrou a cidade alagoana (Limoeiro de
Anádia) onde foi ameaçado de morte por seus adversários, quando foi fazer um
comício na campanha para governador em 1986. No dia 21, vai a São Roque de
Minas, na Serra da Canastra, e compara sua candidatura à nascente do rio São
Francisco, símbolo da integração nacional. No dia 24/9, o HGPE mostra Collor
vendo a devastação na Mata Atlântica e na Amazônia, em viagem com os filhos,
para ensiná-los a respeitar a natureza. E, assim, o candidato vai construindo
uma imagem de herói e seu programa parece um seriado, com cenas dos próximos
capítulos. Porém, ao mesmo tempo, o candidato faz discursos contundentes sobre
a realidade do país, principalmente sobre corrupção e moralização
administrativa: no dia 30/9,
Collor fala “ao povo sem esperança”; no dia 01/10, quer um país em que “valha a
pena ser honesto”.
Tamanha era a confusão
entre ficção e realidade, que o próprio Collor declarou em 27/9: “O reino de
Avilã declarou Guerra contra mim” (Fita DOXA-IUPERJ, 89/10, 1:24:05) – referindo-se a novela Que rei sou eu?
da TV Globo, uma paródia da Nova República. Os apoios que o candidato recebe
também mesclam realidade e fantasia, dentro da estratégia do herói: Sarah e Márcia Kubitschek
10/10; Marilia Pêra (17/10); Tereza Rachel, a rainha de Avilã (15/10); e,
finalmente, (08/11) Frei Damião dá viva a “sua excelência Fernando Collor”
(Fita DOXA-IUPERJ, 89/24, 20:10); Milton Moraes, o compara a D. Pedro I. Collor
recebe o apoio ainda dos sindicalistas Magri e Medeiros e do humorista João
Kleber.
Em relação à Lula
podem-se observar dois movimentos importantes: o episódio do arroz estragando
em Goiás e a pretensa agressão a um eleitor de Collor por militantes do PT em
Ipatinga, Minas Gerais.
No dia 19/9, Collor
denuncia várias toneladas de arroz estragando em Goiás. Mas, no dia 27, Lula vai
ao local, encontra homens armados que inicialmente o impedem de vistoriar o
local e descobre que o responsável pelo prejuízo, era na verdade um colaborador
de Collor. No dia 28/9, Collor mostra Lula no seu arroz estragado e
reinterpreta o fato, dizendo que até seus adversários confirmam suas denúncias,
deixando de lado a denúncia sobre seu coordenador de campanha em Goiás. E no
dia 22/10, o programa de Collor mostra um homem com o nariz sangrando,
atribuindo a agressão aos militantes do PT. O incidente, na verdade, antecipa
os argumentos e a estratégia utilizados por Collor no 2º turno,
denunciando a truculência dos adversários.
E, por falar, em
truculência... No dia 05/11 Collor faz um contundente pronunciamento contra a
entrada de Silvio Santos no processo eleitoral. “Sarney quer dar um golpe
porque teme Collor”. (Fita
DOXA-IUPERJ, 89/24, 17:19) No dia 07/11, Brizola
mostra Collor chamando Sarney de “corrupto e incompetente” e diz que para ele
que há cumplicidade entre o candidato do PRN e o presidente. No mesmo dia
Collor agride ainda mais diretamente Sarney. No dia 08, a Justiça Eleitoral
concede direito de resposta ao Presidente Sarney que ocupa parte do horário de
Collor. O candidato, no entanto, continua com as agressões, dizendo que o presidente
“não tem o direito, mas o dever de dar uma resposta ao povo brasileiro”. E no
dia 10, o TSE concede novo direito de resposta a Sarney, agora ocupando todo
tempo do programa de Collor. Em seus dois últimos programas, o candidato do PRN
continuaria atacando o governo, mas de forma mais moderada.
Aqui
você vê o que não vê nas outras TVs – slogan petista que deu nome ao estudo de
Afonso Albuquerque sobre o HGPE de 1989, Aqui você vê a verdade na TV (1999), foi a principal estratégia
discursiva adotada por Luis
Inácio Lula da Silva, candidato da Frente Brasil Popular, formada pelo Partido
dos Trabalhadores (PT), Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Partido Comunista
do Brasil (PC do B).
Ao
inverter a distinção entre conteúdo publicitário e conteúdo jornalístico (ao
invés de fazer propaganda de si, Lula opta por mostrar a realidade do país),
essa estratégia do ponto de vista estético se baseava em uma paródia da Rede
Globo, a Rede Povo, que além de uma vinheta semelhante a da emissora,
também contava com quadros semelhantes aos programas veiculados (Povo repórter,
Jornal do Povo, Tela Quente, Povo de Ouro, etc). Além disso, Lula conta com um
excelente jingle (no dia 18/10, Sivuca toca e Rosinha
de Valença canta o Lula-lá) e um amplo leque de apoios políticos.
A
estratégia de inversão dos conteúdos jornalístico e publicitário da Frente
Brasil Popular, portanto, subentendia uma crítica humorística ao jornalismo
praticado pela principal televisão brasileira e a tentativa de substituí-lo, em
sua função pública de retratar a realidade social, pelo horário de propaganda
eleitoral; como o próprio candidato explica nos primeiros dias de campanha
(15/9). E nessa linha: no dia 20/9, a Rede Povo mostra a luta do Sindicato dos
bancários contra a privatização do Banco do Brasil; no dia 22/9, mostra o MST e
a morte de um trabalhador pela Polícia Militar em Santa Catarina; no dia 02/10,
Lula fala da situação econômica do país e pede medidas urgentes contra a
hiper-inflação; no dia 03/10, a denúncia da Frente Brasil Popular, feita na
forma de uma reportagem da Rede Povo, consegue barrar a privatização da
Marfesa; no dia 27/10, Lula mostra o leite importado de Chernobyl durante o
Plano Cruzado; no dia 09/11, o programa eleitoral de Lula mostra as obras
paralisadas da hidroelétrica de Xingó; entre outras reportagens.
Dois momentos merecem
ser destacados no HGPE petista em 1989: o dia 21/10, quando Lula fala do clima
de terrorismo e da ameaça de Mário Amato, do empresariado brasileiro ir embora
do país; e no dia 10/11 – Lula prova que a denúncia de Caiado sobre corrupção
na prefeitura de SP é mentirosa (feita durante o terceiro debate da Band) e
denuncia o Efeito Estrela (a hiperinflação e a fuga de capitais e de
empresários, devido à vitória de um candidato de esquerda) como uma ameaça
política de finalidade eleitoral.
Outro
ponto importante de ser lembrado sobre o finalzinho da campanha eleitoral na TV
foi a disputa entre o programa da Frente Brasil Popular e o programa de Roberto
Freire, candidato do Partido Comunista Brasileiro (PCB), para ver quem
apresentava um maior número de apoio entre os artistas e intelectuais
brasileiros. Impossível citar todos os nomes ou medir o impacto desses apoios,
mas é importante dizer que o programa comunista conseguiu agregar formas mais
criativas de linguagem, por exemplo, usando os cartuns do Veríssimo (29/10) e Adriana Calcanhoto cantando Navios
Negreiros, música cuja letra era extraída parcialmente do poema de Castro
Alves, dentro do programa eleitoral (05/11).
Evolução da intenção de
voto nas pesquisas de opinião de 89 – 2º turno.
Fonte:
DATAFOLHA
Segundo turno
Collor
iniciou sua estratégia discursiva no segundo turno em três linhas de
argumentação: ele não faz acordos ou conchavos com políticos, Lula, ao
contrário, está ampliando a plataforma política do PT (e traindo o eleitor)
para fazer alianças; b) quem conhece o PT, não vota no PT (Lula perdeu nas
cidades em que as prefeituras eram do PT), enquanto em Alagoas a votação de
Collor no primeiro turno foi maior que a soma dos outros candidatos; e c)
Collor teve os votos da parcela mais pobre da população e Lula os votos dos
ricos e dos intelectuais.
Além
disso, em seu primeiro programa (28/11) há dois novos jingles - Collorir de
novo e Chegou a hora de confirmar - e uma nova vinheta de computação
(agora os lls de Collor andam de trilhos sem quebrar os obstáculos) e a
presença de elementos simbólicos, como uma Missa celebrada por frei Damião.
Surge o Dá-lhe Collor! (acompanhado com um gesto de estalar de dedos) e o
slogan Collor é progresso. Outro recurso: quando uma pessoa diz que vai
votar em Collor, o VT, que estava em preto-e-branco, fica colorido. Há também
um vídeo sobre o mundo colorido, em que as pessoas vão gradativamente votando
em Collor e colorindo o mundo. Collor cria a vinheta da IncomPTência com
a estrela do PT.
Lula
abre seu primeiro programa tentando o apoio de Miguel Arraes, de parte do PMDB,
e dos candidatos derrotados Mario Covas (PSDB), Brizola (PDT) e Roberto Freire
(PCB). A Frente Brasil Popular (coligação formada pelo PT, PSB e PC do B) se
torna então o Movimento Lula Presidente. A campanha também apresenta um
novo Jingle: o “Vai lá e vê”. Sobre a argumentação de Collor de que ele está
traindo o povo para fazer conchavos com as elites, Lula diz que seu adversário
está baixando o nível da campanha e que não tem propostas. No programa noturno
de 30/11 Lula mostra a saúde pública em Alagoas com quase todos os hospitais
fechados. E, no dia seguinte, apresenta um VT em que se comparam as biografias dos
candidatos para tentar “mostrar quem realmente está do lado do povo”. (Fita
DOXA-IUPERJ, 89/01, 45:32) Além dos hospitais públicos de Alagoas, o PT
denunciou também a cumplicidade de Collor com os usineiros alagoanos e o
tratamento tirânico aos seus empregados nas empresas de sua família (03/12),
com o objetivo de desfazer a imagem de honestidade e competência do Caçador de
Marajás.
Porém,
no dia primeiro de dezembro, a jornalista Beliza Ribeiro, da campanha de
Collor, conta a agressão do PT à sua equipe, no município gaúcho de Caxias do
Sul. O programa gasta todo tempo mostrando as cenas transmitidas pelo SBT e
pela Rede Globo em seus telejornais. No dia seguinte, repete a dose, dando
repercussão ao fato, mostrando personalidades e nos principais jornais
nacionais condenando o episódio. O programa afirma ainda que o PT mente sobre a
saúde pública de Alagoas e que todo mundo lá vota em Collor. No dia 02/12, o PT
dá sua versão sobre Caxias (quem começou foram os seguranças de Collor) e a
Polícia Federal pega panfletos falsos do PT e evita nova farsa contra Lula. No
dia 05/12, Collor apresenta os dados da pesquisa do Ibope: dá Collor 52% contra
lula 37%; coloca um clipe fazendo campanha contra o voto em branco (O Brasil
é collorido); e a atriz Marilia Pêra lê um excelente texto sobre a patrulha
ideológica: “Eu vou votar em Collor e você vai votar em quem quiser” (Fita
DOXA-IUPERJ, 89/25, 14:53). Também começa a
ideologização da campanha de Collor em torno da Bandeira e do Hino Nacional
sempre invocados pelo locutor em off contra as bandeiras vermelhas do PT e dos
seus aliados.
Lula,
por sua vez, mostra algumas cenas do primeiro debate entre os dois candidatos e
finalmente desmascara a farsa de Collor em Caxias do Sul, entrevistando vários
populares presentes ao episódio. No dia seguinte, Collor afirma que a equipe de Lula só entrevistou gente
do PT em Caxias do Sul e também edita o debate da Rede Globo a seu favor.
Nos
últimos dias da campanha, 13 e 14/12, o horário eleitoral foi palco das
denúncias de Miriam Cordeiro, ex-mulher de Lula, que deu um depoimento
desqualificando-o como pessoa:
Sofri muito na mão de Lula.
Ele acabou com a minha vida. Lula quis que eu fizesse aborto. [...] Nunca
suportou negro. [...] Estou aqui espontaneamente. Me convidei. (Fita DOXA-IUPERJ,
89/25, 24:28)
O
programa do PT, além de mostrar Lula com a filha Luriam, também veiculava um
depoimento da ex-assessora de Collor, Maria Helena Amaral, que tendo pagado 200 mil cruzados a
Miriam Cordeiro
para que ela fizesse as acusações contra Lula, teve um acesso de culpa e foi
até à Polícia Federal denunciar o fato. No dia 14, Lula teve um direito de
resposta sobre o caso, mas antes Collor ainda disse que Lula estava ameaçando
Miriam.
- Recepção
Evolução da intenção de voto nas pesquisas de
opinião de 89 – 1º turno
Fonte: DATAFOLHA
Como já foi dito, Collor
subiu aos 42% das intenções de voto em junho, principalmente devido aos
programas partidários do PRN, PTR e PSC e à ação da mídia, seja pela imprensa
ou pelos diferentes programas televisivos, como as telenovelas, que construíram
um cenário favorável à estratégia e à propaganda do candidato. Este, no
entanto, teve que administrar a queda, evitando debater com outros
candidatos e atacando agressivamente o governo Sarney.
Lula, ao contrário de
Collor, sobe de sete para 15% com o começo do HGPE e consegue 16,08%, de
votação. Reparem que Brizola sempre esteve ligeiramente à frente de Lula (na
verdade, em empate técnico), só sendo ultrapassado no início de novembro, já no
fim da campanha. Tal fato deu margem a denúncias do PDT de fraude pró-Lula para
beneficiar Collor, uma vez que o petista seria um adversário mais fácil de
derrotar. No 2º turno, Cenário de Representação da Política se tornou mais
ideológico, com Collor atacando diretamente o posicionamento político de Lula e
ao mesmo tempo se fazendo de vítima de agressões forjadas. E, mais uma vez,
teve o apoio do conjunto da mídia impressa e televisiva. As pesquisas de
opinião, no entanto, mostram a subida de Lula e a queda de Collor até o dia
12/12, até o Episódio Miriam Cordeiro, quando então Lula cai um ponto e
Collor sobe outro, mas os candidatos se mantêm em um empate técnico.
Duas
interpretações das pesquisas de opinião foram particularmente importantes: a da
tese de doutorado de Soares (SOARES, 1995, p. 313) que, com base nas pesquisas
do DataFolha, realizadas de junho a dezembro de 1989, fez uma análise das
orientações do eleitorado, segundo diversas estratificações, mas, em
particular, pelo grau de escolaridade; André Singer (SINGER, 1993), que
observou a estratificação das pesquisas pela faixa de renda, constatando uma
inversão ideológica no eleitorado brasileiro no segundo turno: eleitores mais
pobres não só preferiam Collor, como também apresentavam atitudes que os
identificavam com posições conservadoras, enquanto os eleitores mais ricos eram
mais progressistas e preferiam Lula.
Mas, há muitas outras
formas de interpretar o cenário eleitoral de 89. Para Rubim, houve empate entre
as forças de esquerda e de direita. A necessidade de distanciamento do governo
Sarney e a tendência à polarização dos extremos ideológicos, excluíram os
candidatos governistas de centro Ulysses e Aureliano – apesar do maior tempo de
exposição no horário eleitoral. (RUBIM: 1990; p. 26) Lima defende a hipótese de
vitória antecipada: que Collor ‘venceu’ as eleições antes de 7/6/89, quando
atingiu 43% das intenções de voto. Depois apenas ‘administrou a queda’,
chegando ao 2º turno com o dobro do 2º lugar.
Muitos analistas
acentuaram o fato do personalismo midiático surgir na política brasileira em
detrimento dos partidos políticos, com toda força e visibilidade. Ao invés de
propostas programáticas, Lula e Collor (ambos de partidos pequenos) enfatizaram
a construção de imagens políticas (como o Caçador de Marajás) e recursos
sofisticados de publicidade. Para estes, a luta contra a corrupção foi o tema
dominante, isto é, o fator decisivo da intenção de voto emergente no debate
realizado através da mídia.
O centro do labirinto: um
estudo sobre a competição eleitoral na TV (CARVALHO, 1994) estuda diretamente o personalismo. Sua análise
temática dos discursos eleitorais aponta que os candidatos gastaram 23,02% do
tempo de campanha na TV com autopromoção, o maior tempo dentre vários outros
temas (governo Sarney, regime político, economia, bem estar social, ordem
social, modelos de desenvolvimento, ataques aos adversários e pesquisas). O
tema ‘economia’ ficou em 2o lugar (9,95%).
Aqui você vê a verdade na
TV (ALBUQUERQUE, 1999) é
um dos mais importantes trabalhos já escritos sobre propaganda eleitoral
brasileira, sendo responsável, entre outras coisas, pela própria nomenclatura
do HGPE. Albuquerque faz uma ampla revisão bibliográfica da propaganda política
brasileira na TV, subdividindo os trabalhos e autores segundo sua abordagem
(legislação eleitoral e TV, análise das estratégias na TV, análise do processo
de produção das campanhas, estudos ancorados na retórica e estudos que adaptam
categorias analíticas à política brasileira).
O texto traz também uma
revisão teórica mais ampla sobre como “o espetáculo se constituiu em princípio
estruturador das relações políticas” (ALBUQUERQUE, 1999, p. 31), uma detalhada
história da propaganda política brasileira na TV (ALBUQUERQUE, 1999, p. 45) e
uma perspectiva comparada com a propaganda eleitoral norte-americana,
demonstrando a especificidade do HGPE brasileiro. Porém, a grande contribuição
metodológica desse trabalho para o estudo sistemático dos HGPE’s é a escolha de
critérios claros e simples para a análise discursiva dos programas e sua
aplicação às campanhas de três candidatos nas eleições presidenciais de 89
extraindo de cada um sua estratégia discursiva: Afif – Juntos chegaremos lá!;
Collor - Confiem em mim; e Lula - Aqui você vê o que não vê nas
outras tevês.
Albuquerque propõe o
seguinte modelo de leitura de HGPE’s: a) Forma – campanha, meta-campanha
e auxiliares (clipes, vinhetas, etc); b) Conteúdo – problemas políticos,
construção da imagem, ataques a adversários; c) Interlocução – Do
candidato (com o telespectador, grupos ou pessoa, grande público ou adversário)
e de outros atores (off, entrevistas, locutores, etc).
Outro trabalho essencial
de análise de HGPE’s das campanhas presidenciais de 1989 é Construindo o significado do
voto: retórica da propaganda política pela Televisão (SOARES, 1995).
A metodologia empregada baseou-se na análise retórica
dos programas de propaganda política gratuita pela televisão, utilizando um
modelo inovador, com três características importantes: a) estabelece uma
comparação interessante entre teatro e sociologia política; b) utiliza,
pioneiramente, o enfoque tríplice de análise do CR-P, HGPE e Pesquisas de
Opinião; e c) divide os atos retóricos das campanhas em dois modos: a persuasão
e a sedução. A persuasão foi observada a partir dos tópicos: análises de
problemas nacionais; valores professados e propostas apresentadas. A sedução
foi observada a partir dos tópicos: personagens do drama político, conflito,
interpretação, formatos de televisão e música. O trabalho sugere que a
determinação dos significados do voto depende de uma análise integrada das
análises do cenário político, da propaganda política e das audiências, que são
intérpretes dos signos da campanha. Soares encontra o modo retórico da persuasão em dois formatos
do HGPE: a reportagem e o monólogo (do candidato ou dos coadjuvantes).
O formato ‘reportagem’ foi mais utilizado para mostrar os problemas,
preparando a apresentação de propostas. (...) As campanhas de Brizola e de
Maluf não empregaram esse formato e, na amostra, apenas um programa de Covas
trouxe uma reportagem. Isso faz com que os programas de Lula e de Collor
apresentem um aspecto mais informativo que os demais, pois, com o registro
visual e a variedade narrativa trazida pelas entrevistas, a reportagem pode
trazer alguns dimensionamentos e especificações dos problemas, mantendo o
interesse televisual. As reportagens trazem, também, outras vozes, como as dos
técnicos e populares, o que aumenta o efeito de credibilidade do discurso de
campanha. Já o monólogo dos candidatos é o formato mais frequente dentro da
propaganda eleitoral pela televisão e, sem dúvida, um dos mais importantes. O
candidato, geralmente apresentado em close ou meio close, fala,
olhando diretamente para a câmara, o que resulta numa imagem de proximidade
máxima do telespectador, aparentando estar fixando seus olhos. Esse
enquadramento simula a situação de diálogo, disfarçando que se trata,
efetivamente, de um solilóquio. Nessas condições, o candidato pronuncia um
discurso, sem auxílio de efeitos, exceto, eventualmente, uma sonoplastia de
fundo, um corte para uma imagem alusiva ao texto. Nesse formato, praticamente
diário, no qual domina o registro linguístico, os candidatos apresentam, via de
regra, um discurso, predominantemente, do gênero laudatório ou epidítico: ou se
destina ao enaltecimento e à exaltação, ou à censura e à crítica de um tema
presente. (...) De modo geral, domina um critério retórico de eloquência
veemente, buscando extrair ressonâncias de temas fortes (a infância, o
trabalho, a corrupção), mantendo a atenção do telespectador. Trata-se de fundar
o discurso em valores. (SOARES, 1995, p. 354)
Referência obrigatória,
não apenas em pesquisas de campanhas eleitorais na TV, mas também em estudos de
retórica política contemporânea e de análise do discurso político, o trabalho
de Soares abre um novo patamar de enfoque, com a sua discussão da relação entre
a Retórica Política e o Teatro.
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Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves, Mario Covas, Leonel Brizola, Enéas
Carneiros, Ronaldo Caiado, Afif Domigues, Paulo Maluf, Roberto Freire, entre
outros menos conhecidos.