segunda-feira, 12 de março de 2018

1994

Lula X FHC (1994)

               Em 1994, Lula se candidata pela segunda vez à Presidência. De janeiro a março, liderava as pesquisas. Em julho, logo que foi lançado o Plano Real, Fernando Henrique Cardoso, ex-ministro da Fazenda de Itamar, passou à frente, disparou e ganhou no primeiro turno. Brizola chama o Real de estelionato eleitoral, acusando FHC de lançar o pacote de estabilização da moeda para se eleger presidente. Lula permanece calado, nem defende nem critica o Plano Real, com medo de perder votos – fato que foi amplamente denunciado pelos outros candidatos. E FHC acaba vencendo a no 1º turno com 34.364.961 ou 54,27% dos votos válidos. Lula, favorito antes do plano econômico, somou apenas 17.122.127 votos (27,04%).
Resultado eleitoral em 1994
Presidenciáveis
Votos
Válidos (%)
FHC
34.364.961
54,27
Lula
17.122.127
27,04
Enéas
4.671.457
7,38
Orestes Quércia
2.772.121
4,38
Leonel Brizola
2.015.836
3,18
Esperidião Amin
1.739.894
2,75
Votos apurados
77.948.464
82,23 (sobre os apurados)
Votos brancos
7.192.116
9,2 (sobre os apurados)
Votos nulos
7.444.017
9,55 (sobre os apurados)
Votos válidos
63.312.331
81,22
Abstenções
16.834.339
17,76 (sobre 94.782.803 eleitores)
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)


VÍDEOS




A ELEIÇÃO DE 1994
1.         Cenário de Representação da Política
Duas questões centrais marcaram o CR-P das eleições presidenciais de 1994: as mudanças restritivas na legislação eleitoral e o Plano Real. Tamanha foi a influência da mídia, principalmente da linguagem televisiva, dentro e fora do HGPE, nas eleições de 1989 que, em 1994, decidiu-se tomar providências para limitar essa influência. A lei 8.713/93, artigo 76, proíbe externas, efeitos especiais e participações de outros no discurso do candidato na TV. Tudo deveria ser feito em estúdio e os VT’s não poderiam ser editados, evitando montagens e trucagens - como no debate Lula x Collor, televisionado ao vivo tarde da noite e reapresentado de forma parcial pela Rede Globo e pelo próprio programa de Collor às vésperas do segundo turno de 1989.
Mas, as restrições impostas por esta legislação acabaram por prejudicar a estratégia de campanha de Lula para TV, que esperava poder utilizar os vídeos da Caravana da Cidadania, uma série de viagens pelo interior do país. Aliás, além de Lula, todas as campanhas (as próprias eleições) foram prejudicadas por essas restrições legais aos efeitos da mídia nos processos eleitorais. Evidentemente, o fato foi tema de discussões entre os estudiosos. Para Miguel e Albuquerque, a audiência dos HGPE’s não diminuiu em 94, mas sim sua eficácia persuasiva. Em contrapartida, o papel da imprensa ganhou destaque.
No entanto, o fundamental passou despercebido pelos analistas do cenário político: a segmentação da agenda. Não só pelas restrições legais ao uso da linguagem televisiva no HGPE e na valorização do papel da imprensa, sobretudo a escrita, mas, principalmente, através do advento da TV por assinatura; houve uma diferenciação da audiência mais sofisticada em relação às classes C e D. A segmentação da audiência e a criação de duas agendas (uma de elite e outra de massas), no entanto, tem consequências sociais e políticas, profundas, na sociedade brasileira e a eleição de Fernando Henrique contra Lula, após o fracasso do governo Collor, está certamente entre uma das mais importantes. A dupla agenda beneficia diretamente FHC porque ele articula as elites e se vende como elite para as massas, deixando o candidato do PT identificado com a falta de perspectiva das classes mais pobres. Repete-se assim, a estratégia de Collor, mas de forma ainda mais sofisticada.
Também teve razoável importância o Caso Ricupero. No dia 1º de setembro, antenas parabólicas de todo o país captaram uma conversa em off entre Ministro da Fazenda Ricupero e o jornalista Carlos Monfort, da TV Globo. O ministro dizia ao jornalista que tanto ele quanto a Globo estavam ajudando a eleger Cardoso. Apesar da oposição ter insistido na denúncia, o efeito do escândalo nas pesquisas de intenção de voto foi insignificantemente pequeno. FHC usou como estratégia desconsiderar a denúncia e deu pouco destaque ao assunto, estratégia que surtiu bons resultados, uma vez que, apesar do episódio e das denúncias do PT no horário eleitoral, ele não caiu nas pesquisas de opinião.
O fato das eleições presidenciais serem casadas com as eleições gerais em 1994, eleições majoritárias para os governos de Estado e eleições proporcionais para o Congresso Nacional - apenas um 1/3 do Senado Federal não foi renovado - teve várias consequências e distingue-se bastante das eleições presidenciais de 1989. Houve apenas nove candidatos à presidência da República, e destes, Flavio Rocha, do PL, desistiu em plena campanha, vítima de denúncias de corrupção eleitoral, e Walter Queiroz, candidato do PRN, foi substituído durante a campanha por Carlos Gomes. Os partidos, que pouca ou nenhuma influência tiveram na eleição anterior, passaram a desempenhar um papel importante tanto do ponto de vista da mobilização, como no plano das ideias. Foi proposto um sistema de controle de contribuição para campanhas.
Outra diferença significativa, com várias consequências para o CR-P eleitoral de 94, foi a bipolarização precoce entre Lula e FHC. Enquanto em 89, Collor se apresentava como oposição ao governo Sarney; em 94 todo o governo Itamar Franco apoiava (de várias formas) a candidatura do ex-Ministro da Fazenda e do Itamarati para a sucessão. Na verdade, FHC foi ‘pré-eleito’ pelas elites para ser seu candidato contra Lula. Compreendendo estas diferenças, o PT, por sua vez, também foi bem mais moderado, do que em 89.
O impeachment do presidente Collor e o plebiscito em que o presidencialismo foi mais uma vez escolhido como forma de governo do país também tiveram grande influência na constituição desse cenário. Agora, além da grande rejeição à política e aos políticos, havia também uma grande rejeição aos comportamentos messiânicos aparentemente apolíticos (como os de Collor) e ao uso exagerado de técnicas midiáticas. O próprio perfil de FHC (sociólogo crítico ao personalismo na política brasileira e defensor dos partidos como atores da democracia) parecia se moldar melhor a este CR-P do que o de um novo salvador da pátria.
2.         Horário eleitoral
A campanha de Fernando Henrique Cardoso contou com um tempo maior e com mais recursos do que as demais, resultando em um material tecnicamente mais elaborado sob vários pontos de vista, com mais jingles e clipes, filmada em película de 35 mm com melhor definição de imagens, mas, sobretudo, com sofisticado planejamento conceitual de marketing. O simbolismo da mão aberta (inspirada em Tancredo Neves), combinada com as cinco metas (agricultura, segurança, saúde, educação e emprego - copiados de JK) teve um significado simbólico marcante e foi utilizado em diferentes momentos da campanha e da propaganda eleitoral. Como a comparação entre uma queda de braços e um aperto de mão (16/9) ou ainda a analogia entre um comício de punhos cerrados e uma multidão acenando as mãos abertas (19/9), para perguntar que tipo de governo o eleitor deseja.
Outro conceito importante da campanha, utilizado no jingle principal e no discurso político, foi o slogan Gente em primeiro lugar. Inicialmente, a ideia tentava apenas desfazer a imagem de tecnocrata insensível do ex-ministro da Fazenda de Itamar Franco, mas no decorrer da campanha se tornou um diferencial importante do candidato, que afirmava se importar mais com as pessoas, do que com as instituições.
Também nessa linha da humanização de FHC foi dada muita ênfase às qualidades pessoais do candidato, apresentado, no jingle, como firme, honesto e competente. Durante toda a campanha, foi exibido o vídeo da balança, no qual se dizia que os políticos brasileiros, até o momento, ou não eram confiáveis (mas sabiam realizar obras); então, na imagem, um dos lados da balança pesava mais - ou eram bem intencionados (mas não eram capazes); então o outro lado predominava. Só FHC era honesto e competente, sendo representado pelo equilíbrio dos lados da balança. Mas, o grande trunfo eleitoral de FHC foi o Plano Real – como se detalha adiante.
Com o segundo maior tempo, Orestes Quércia, o candidato do PMDB (ou de parte dele) começou bem sua participação no horário eleitoral, apresentando seu programa de governo de forma serena e consistente e dando como principal garantia seu produtivo desempenho à frente do Governo do Estado de São Paulo. Um verdadeiro show de obras públicas e programas. Além de propostas municipalistas e desenvolvimentistas (com ênfase no crescimento econômico e na geração de empregos), pensando o município como principal parceiro do governo federal nas áreas de saúde, educação e habitação, Quércia defendeu a ideia da constituição de 90 Regiões de Desenvolvimento (REDES), subdividindo os estados brasileiros em áreas de diferentes vocações econômicas e situações socioculturais.
Mas, além, de não explicar direito de onde viriam os recursos, Quércia também não disse que deixou o Estado de São Paulo completamente quebrado:
Quando cheguei no governo de São Paulo também disseram que não havia recursos e, mesmo assim, consegui fazer significativas obras para melhoria da vida da população. (Fita DOXA-IUPERJ, 94/05, 25:11)
O candidato apresentou um lado ainda mais anacrônico, defendendo o controle da inflação através de tabelamento dos preços e a reindexação da economia com um reajuste universal e linear de 12% para todos os trabalhadores, pensionistas e aposentados. Para Quércia, o reajuste não seria inflacionário porque ele impediria os preços de subirem na marra, colocando na cadeia os especuladores. O candidato do PMDB também defendeu o presidencialismo e o fato de seu partido ser maioria do Congresso de uma forma polêmica ao afirmar que todos os planos econômicos haviam fracassado por falta de um governo forte. No fim da campanha, Quércia se tornava cada vez mais unilateral e repetitivo tentando polemizar com FHC.
Outra participação interessante e construtiva no horário eleitoral foi realizada pelo ex-governador Espiridião Amim, candidato malufista à presidência. Fazendo uma oposição de direita ancorada em valores progressistas (juventude, afetividade, dinamismo, etc), Amim fez uma campanha de ideias, com destaque para a sua proposta (então pioneira) de investir no Turismo como ferramenta de desenvolvimento das Regiões Norte e Nordeste. Isto não o impediu de fazer praticamente as mesmas críticas que o PT ao governo federal, porém em um tom menos contundente: o aumento da mortalidade infantil, resultante da queda dos investimentos em saúde; o caso Ricupero; o atraso no financiamento agrícola e os artifícios em torno dos índices inflacionários. Também foram bastante significativas suas colocações sobre as pesquisas de opinião e sua argumentação tentando convencer os eleitores conservadores da possibilidade em ir para o 2º turno.
Em relação às pesquisas de opinião, Amim afirma que elas não podem substituir as eleições e o voto, antecipando seu resultado; e, em relação aos seus adversários, argumenta, ainda, contra o voto útil, provado pelo medo de uma vitória do candidato de esquerda. Não vote (em FHC) contra (Lula) no primeiro turno; vote em seu candidato (Amim) e deixe para votar contra (Lula) no segundo turno. Para ele, o primeiro turno é ideológico; o segundo, político. (19/8)
Por suas próprias palavras “o único candidato contra o Plano Real e contra a Rede Globo” (Fita DOXA-IUPERJ, 94/02, 45:15), a participação do ex-governador Leonel Brizola no horário eleitoral foi marcada por críticas e ataques contundentes contra o governo. O Plano Real era, no seu entender, semelhante ao Plano Cruzado de Sarney, de caráter meramente eleitoral. Para ele, terminadas as eleições, assegurados os interesses das elites, os preços voltariam a subir. No dia 28/8, Brizola usa o espaço do horário eleitoral para denunciar que a Rede Globo aumenta a violência do RJ e esconde a situação em outros estados, com o objetivo de desestabilizá-lo. No dia 21/9, o candidato reproduz entrevista do mesmo dia no telejornal Bom Dia Brasil da Rede Globo quando afirma que a TV incita a violência e manipula a eleição.
As redes de comunicação em conjunto com os institutos de pesquisa de opinião são uma gigantesca máquina de propaganda eleitoral fomentada e dirigida por grandes grupos econômicos [...] [os mesmo grupos] [...] que elegeram e apoiaram Collor, hoje querem eleger Fernando Henrique Cardoso (Fita DOXA-IUPERJ, 94/02, 12:15, dia 12/8).
Para Brizola, Lula estava programado para perder, pois “apesar de bem intencionado, é [era] incapaz de vencer FHC no segundo turno”. As eleições não passavam de uma monstruosa farsa orquestrada pela Rede Globo e pelas elites coloniais para enganar o povo e manter o modelo econômico imperialista, favorável aos bancos internacionais.
O marqueteiro americano desaconselhou o uso do tucano porque é muito brasileiro e não é que FHC tirou o bicho da campanha. (Fita DOXA-IUPERJ, 94/03, 25:17, dia 25/9)
Já a campanha de Luis Inácio Lula da Silva passou por vários sobressaltos. As acusações de falta de preparo e experiência voltaram a incomodar o candidato do PT, que chegou a pedir e conseguir direito de resposta contra Enéas (que afirmou que Lula não trabalhava e que poderia estudar, se quisesse) e falou do ‘preconceito do diploma’ em diversos momentos da campanha. Segundo o próprio candidato, o preconceito do diploma é um preconceito contra o povo, que o próprio povo tem consigo mesmo (12/9). Fica, então, bem explicado, o complexo de inferioridade em que o candidato se perdeu, com o assunto explorado por todos os outros candidatos, inclusive Brizola.
Outro ponto problemático do PT foi a sua posição ambígua em relação ao Real. A campanha começa com Lula explicando que não é contra o Plano Real. O próprio nome de seu programa (Brasil Real) parece explicitar que sua intenção é levar o princípio da realidade às suas últimas consequências, insinuando que seu adversário não apresentava toda a verdade a respeito do país.
Em 1989, disseram que ia confiscar a poupança, que a gente não tinha experiência para administrar. Agora estão dizendo que eu vou acabar com o Real. (Fita DOXA-IUPERJ, 94/02, 17:13)
Na verdade, Lula quer manter a estabilidade da moeda, mas também discutir o que é real. No dia 26/8, no entanto, Aloísio Mercadante fala que o Real é um plano eleitoreiro. Mas é só. Amim, Quércia e Brizola criticam tanto o Plano Real como essa ambiguidade do PT. Lula chega a manifestar que gostaria de dar continuidade ao Plano em seu governo, aperfeiçoando-o. (Fita DOXA-IUPERJ, 94/03, 35:09) E FHC fatura: “Agora todos apoiam o Real, mas antes foram contra”. (05/9) Em mais uma inversão irônica, ele não considera prudente colocar “a raposa para tomar conta dos ovos” (a imagem tinha sido utilizada originalmente pelo programa do PT) e até elogia (no dia 11/9) a “posição corajosa” de Brizola, por ter combatido o plano durante toda a campanha. Porém, além das acusações de falta de preparo e da ambiguidade em relação ao plano Real, de uma forma geral, pode-se dizer que a propaganda eleitoral do PT foi muito crítica e pouco propositiva, sendo neutralizada pela estratégia de FHC que enfatizava as soluções e não os problemas.
Na primeira quinzena de campanha (03 a 14/8), Lula compara seu adversário a um governante trancado em um palácio, “cercado de puxa-sacos, incapaz de conhecer a realidade do homem comum” que passa fome, enquanto ele é o candidato que foi o em pessoa; lá, em um município no interior do sertão nordestino e assumiu um compromisso olho-no-olho, com as reais necessidades do povo. Do ponto de vista propositivo, o PT lança a proposta de gerar oito milhões de empregos em quatro anos (indicando as fontes de financiamento de forma genérica), afirmando que vai apoiar a pequena e média empresa e assume o compromisso de realizar uma reforma agrária de verdade, uma vez que “não tem o rabo preso” com os latifundiários.
Grande parte do tempo é gasto com críticas ao governo e a FHC – principalmente com o aumento da mortalidade infantil provocada pela falta de investimento no setor de saúde durante o governo Itamar. FHC, por sua vez, reconhece que o “Brasil tem problemas, sim; mas nós temos a solução”. Rei dos trocadilhos e das inversões irônicas, o candidato do governo chega às raias da brincadeira: “Dizem que o Real é eleitoreiro. Não, não é não. Aliás, sou candidato para que as mudanças que comecei continuem”. (Fita DOXA-IUPERJ, 94/02, 56:06) Ele é o dono do futuro (“o futuro não é um salto no escuro, o futuro está perto, na palma da mão” – diz o jingle). Para firmar a imagem de um homem preocupado com as pessoas, FHC afirma que, ao contrário de todos os governos que até então deram mais importância aos ministros da fazenda, na sua administração as pastas mais importantes serão as da saúde, da educação e da agricultura.
Nesta linha, seu programa fala das três carteiras: a de trabalho (o emprego), a de dinheiro (a estabilidade da moeda) e a da escola; e defende o programa Toda criança na escola (semelhante ao programa petista nenhuma criança fora da escola). Também promete dobrar o salário mínimo de 70 para 140 reais. E, sempre que pode, FHC sugere: “Escolha um presidente do tamanho do Brasil”. 
Na segunda quinzena (15 a 30/8), o horário eleitoral começa com a repercussão do debate realizado pela TV Bandeirantes, em que a maioria dos candidatos criticou o governo Itamar Franco, com cada candidato tentando se apresentar como vitorioso e editando (com fotos e áudio) seus melhores momentos. Menos FHC. Para ele, o povo não quer bagunça, violência, conflitos.
Não é com raiva, com brigas, jogando patrão contra empregado, uma região contra outra, a cidade contra o campo, que vamos resolver os grandes problemas nacionais. (Fita DOXA-IUPERJ, 94/03, 28:15, dia 19/8)
No dia 26, Lula gastou todo seu tempo no último programa (3’45”) atacando o governo sem apresentar nenhuma proposta – fato imediatamente denunciado por FHC no dia 28, dentro da estratégia de combater críticas com propostas.
Enquanto isso, FHC continuava despejando uma avalanche de propostas para diferentes regiões brasileiras e áreas administrativas como segurança, agricultura, indústria, saúde - quatro promessas por minuto, segundo contou Aloísio Mercadante (12/8).
Quando se revê o programa de FHC no horário eleitoral de 1994 pergunta-se por que ele não levou a frente suas propostas, como por exemplo, a promessa de que o programa Comunidade Solidária substituiria a Campanha Contra a Fome. Na segurança, FHC enfatizava que crime organizado não devia ser combatido como resultado de desigualdades sociais. Prometeu a criação de uma Secretaria Nacional de Segurança Pública, a informatização integrada dos órgãos de segurança, aumentar o número de juízes e modernizar o judiciário, usar as forças armadas contra o narcotráfico. (17/8) No entanto, no governo FHC nada fez a respeito. Em outros momentos (26 e 28/8), FHC promete promover o crescimento econômico e prevê falta de energia elétrica e racionamento caso não haja investimentos e controle do desperdício.
Dois assuntos dominaram os programas da terceira quinzena (01 a 14/9) de campanha no horário eleitoral: a incontinência verbal do ministro Ricupero e a divulgação da inflação de agosto pelo IBGE e pela FIPE.
No dia 2 de setembro, depois de uma entrevista para um telejornal da Globo em canal aberto o então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, fez uma série de comentários graves ao jornalista Carlos Monfort, que foram transmitidos pela Globonews, o canal fechado de notícias da emissora. Segundo Ricupero o governo federal estava realmente apoiando a candidatura de FHC: a) escondendo a inflação de agosto (“A gente não tem escrúpulos: o que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde”); e b) divulgando o Plano Real (“sou o maior eleitor do presidente”). (Fita DOXA-IUPERJ, 94/03, 45:09)
Além disso, ficava também patente o apoio da própria Rede Globo ao governo e à candidatura de FHC, com o próprio ministro se escalando para aparecer no programa Fantástico. Mas no domingo, dia 04/9, o que se viu foi a denúncia de todos os candidatos adversários. Amim reproduziu as manchetes dos principais jornais e revistas da impressa escrita. Lula apresentou uma edição gravada do próprio canal, com áudio e imagens originais (violando impunemente a legislação eleitoral). Brizola, triunfante, interpretou o fato como a prova de que suas denúncias contra o pacto entre o governo e a Rede Globo eram verdadeiras. Quércia lançou a campanha dos 12% JÁ – exigindo a reposição imediata da inflação dos dois primeiros meses do Plano Real de acordo com o IPCR. O episódio rendeu a demissão de Ricupero, mas não inviabilizou o processo eleitoral como queria Brizola. Nem a Rede Globo se pronunciou sobre o assunto.
No dia sete de setembro, dia da independência, Lula e Brizola lembraram que há dois anos os cara-pintadas iniciaram a campanha cívica do impeachment de Collor, sugerindo que a moralização da atividade política passava agora pelo repúdio às manobras midiáticas do governo e de seu candidato. O Brasil tem escrúpulos. O Brasil vota Lula – passou a ser o slogan veiculado pelo PT no HGPE. No mesmo dia saiu o índice da FIPE (1,95% de inflação em agosto), inferior ao IPCR (5,46%) do IBGE. A informação mostrava que a inflação estava realmente em queda e que, ao contrário do que afirmavam os adversários, a economia estava cada vez mais estável.
Reforçando esta ideia, FHC mostrou ainda declarações na imprensa de Roberto Freire e de D. Luciano Mendes, aliados de Lula, dizendo que o caso Ricupero não inviabiliza as eleições nem desabona o plano real. Na sexta, 09/9, Roberto Freire escreve carta repudiando o uso não autorizado de seu nome por FHC e reafirmando seu voto no PT. 
Lula fez ainda duas outras denúncias importantes no decorrer dos acontecimentos: a) o pacote agrícola para financiar a safra é uma farsa, na verdade, o dinheiro não havia sido liberado para não aumentar a inflação; (11/9) e b) o congelamento dos salários (14/9) e a greve de metalúrgicos no ABC, em que Vicentinho havia negociado uma saída através da redução dos impostos e não do achatamento salarial. Ainda pensando em termos de correção monetária indexada à economia, para o PT (e principalmente para Quércia), o Plano Real deixava livres os preços, as tarifas públicas, mas impedia que os salários fossem reajustados.
E enquanto Quércia insistia na sua estratégia dos ‘12% JÁ! para todos os trabalhadores, aposentados e pensionistas’ (contabilizando os IPCR’s de julho e agosto utilizados pelo próprio governo para medir a inflação); Lula afirmava ser possível diminuir impostos e crescer, gerando mais empregos sem achatar os salários, bastando para isto um redirecionamento das prioridades governamentais.
Na última quinzena (16 a 30/9) de campanha no horário eleitoral não houve maiores novidades: Brizola disse que "Lula quer agradar a todo mundo e até cortou a barba" (Fita DOXA-IUPERJ, 94/04, 12:15) (16/9) e denunciou, várias vezes, que não haveria debates porque FHC e a Globo não queriam; FHC, respondendo a críticas, falou de seu passado de esquerda (18/9) e que não mudou de lado “está onde sempre esteve, do lado do equilíbrio”; Lula continuou com a estratégia de tentar reacender a campanha cívica do impeachment de Collor contra FHC (23/9) e a reclamar do preconceito do diploma.
Também nesse período, tanto FHC como Lula apresentaram o apoio de vários artistas. Nesse ponto as pesquisas de opinião apontavam para uma vitória de Fernando Henrique ainda no 1º turno (45% de FHC contra 21% de Lula). O atraso proposital do financiamento agrícola para evitar aumento no cálculo da inflação do mês de agosto foi bastante explorado, tanto pelo PT, como por Amim e Quércia, sem nenhum sucesso.
Ao contrário: fazendo-se de vítima, FHC deitava e rolava com suas inversões irônicas: “Reta final de campanha, lá vem os boatos. Não vamos privatizar o BB, não vamos tirar o direito dos aposentados”. (26/9)
Lamentava-se ainda que o PT tinha [...]
[...] passado dos limites, atacando com mentiras, acusando FHC de racista. Eles estão desesperados e perderam a cabeça, usando as mesmas armas que Collor usou contra nós no 2o turno em 89. (Fita DOXA-IUPERJ, 94/03, 21:14, dia 28/9)
Também o episódio do depósito de Paulo Cezar Faria na conta de um assessor de Marco Maciel, para subornar os parlamentares do PFL durante o impeachment de Collor, foi amplamente denunciado. O PT foi forçado a ceder, no último programa da campanha, direito de resposta ao candidato à vice-presidente da chapa de FHC.


3.         Recepção
Evolução da intenção de voto nas pesquisas de opinião de 1994

Fonte: DATAFOLHA
Na pesquisa de opinião da DataFolha no início de março, Lula tinha 42% das intenções de voto, mais do que a soma dos outros três candidatos mais votados (16% de Fernando Henrique Cardoso, 8% de Brizola e 7% de Orestes Quércia). Então, o Plano Real é lançado e começa a queda de Lula e a subida de FHC. No fim de julho, há um empate técnico em que Lula tem uma pequena vantagem (32% contra 29%); em agosto, há a virada (FHC 45%, Lula 23%); no dia 30 de setembro, FHC chegava aos 48% das intenções de voto, enquanto Lula tinha 22%, Brizola 5% e Quércia 4%. A queda da inflação e a estabilidade econômica foram determinantes na vitória de Cardoso. O horário eleitoral não apresentou nenhum efeito sobre as tendências de subida de FHC e de queda dos outros candidatos nas pesquisas de opinião. Mas, vários estudos discutiram os HGPE’s e suas repercussões políticas.
Em A eleição presidencial de 1994 e os meios de comunicação de massa: uma análise da propaganda eleitoral gratuita de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva na televisão (JORGE, 1995) usa-se um modelo simplificado de leitura de HGPE’s com apenas três itens: Autopromoção, Propaganda Negativa e Tema Dominante. Para ele, na eleição de 94, o Plano Real foi o tema dominante, ou melhor, a garantia de estabilidade da economia é o fator decisivo das intenções de voto.
A política na TV: o horário eleitoral da eleição presidencial de 1994, (PORTO, GUAZINA, 1999), utilizando o modelo de leitura de HGPE’s a partir de seus “apelos”, aponta para o pessimismo crítico do PT, observando que enquanto “33% do tempo de FHC eram gastos no item de ‘políticas futuras’, 28% do tempo de Lula era gasto com ‘propaganda negativa’.”
Há, pelo menos, três trabalhos de referência obrigatória sobre o papel da mídia nas eleições de 1994: a coletânea Eleições: mídia, cenários, atores, da revista Comunicação & Política nº 03; a revista Textos de Cultura e Comunicação nº 33 Mídia e Política - Eleições de 1994, reunindo artigos do 1º Encontro (Inter)nacional de Estudos de Comunicação e Política (1996); e a tese Mito e discurso Político - uma análise a partir da campanha eleitoral de 1994 (MIGUEL, 2000).
A revista Comunicação & Política traz uma análise importante sobre os erros políticos do PT do ponto de vista do PSB (AMARAL, 1995), julgando poder ganhar sozinho a eleição, devido às pesquisas de opinião antes do período eleitoral.
Já a revista Textos de Cultura e Comunicação da Facom/UFBA tem seu ponto alto no artigo De Fernando a Fernando II - Caleidoscópio mediático-eleitoral 1994 (RUBIM, 1996, p. 5), onde se analisa o Plano Real como uma construção midiática e as restrições da legislação eleitoral como condicionantes de um esfriamento político-midiático das eleições.
Em eleições com ênfase na disputa de visibilidade das Imagens Públicas (como 1989 ou 2002) é evidente o condicionamento do voto através de valores culturais e da presença de elementos simbólicos. Mas, em eleições frias, em que o voto parece ser condicionado por avaliações racionais sobre o desempenho do governo e das propostas dos candidatos, como as de 1994, a presença de elementos míticos é menos visível.
E este foi o desafio enfrentado por Miguel (2000).  Em relação ao mito político da autoridade, Miguel estuda os discursos de Orestes Quércia, Enéas Carneiro e Leonel Brizola, observando inclusive os diferentes apelos feitos pelos candidatos à vitória do presidencialismo no plebiscito sobre as formas de governo e a necessidade de combater a corrupção do Poder Legislativo.
Miguel estuda também o mito político da experiência administrativa nos discursos do ex-governadores Quércia, Amim e Brizola - que apresentam a aprovação às suas gestões nos estados, como garantias de que seriam bons presidentes.
Mas, além de enaltecer suas qualidades, a escolha desses mitos também desqualifica os dois principais candidatos (FHC e Lula), ambos parlamentaristas e sem experiências em cargos majoritários. Assim, cada um deles adota uma estratégia de resposta a esses ataques simbólicos indiretos. Para Miguel, FHC adota o mito político da competência, travestida de racionalidade. Em primeiro lugar, tenta apresentar uma imagem de que também é firme e tem autoridade, desfazendo a imagem de personagem três vezes indeciso (como intelectual distante da ação, como político tucano em cima do muro e como ministro do governo imobilista de Itamar Franco). Depois, investindo na ideia de sua superioridade intelectual sobre os outros candidatos, encarnando a racionalidade científica como uma de suas principais características políticas.
A grande vítima dos discursos míticos da experiência administrativa dos ex-governadores e da competência intelectual de FHC foi o candidato do PT. Para Miguel, Lula adotou os mitos políticos da transparência e da vivência como uma estratégia de combater esses discursos. A valorização do conhecimento empírico e da intimidade com o público (e com sua situação de vida) é o grande trunfo de Lula. Mais personalista do que em 89, quando falava sempre na 1ª pessoa do plural; no HGPE do PT em 94, a biografia do candidato se sobrepõe ao programa do partido e Lula conjuga seu discurso preferencialmente na 2ª pessoa do singular, enfatizando o olho-no-olho - para Miguel, símbolo do compromisso pessoal com a realidade do interlocutor.


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