Lula X FHC (1994)
Em 1994,
Lula se candidata pela segunda vez à Presidência. De janeiro a março, liderava
as pesquisas. Em julho, logo que foi lançado o Plano Real, Fernando Henrique
Cardoso, ex-ministro da Fazenda de Itamar, passou à frente, disparou e ganhou
no primeiro turno. Brizola chama o Real de estelionato eleitoral, acusando FHC
de lançar o pacote de estabilização da moeda para se eleger presidente. Lula
permanece calado, nem defende nem critica o Plano Real, com medo de perder
votos – fato que foi amplamente denunciado pelos outros candidatos. E FHC acaba
vencendo a no 1º turno com 34.364.961 ou 54,27% dos votos válidos. Lula,
favorito antes do plano econômico, somou apenas 17.122.127 votos (27,04%).
Resultado eleitoral em 1994
Presidenciáveis
|
Votos
|
Válidos (%)
|
FHC
|
34.364.961
|
54,27
|
Lula
|
17.122.127
|
27,04
|
Enéas
|
4.671.457
|
7,38
|
Orestes Quércia
|
2.772.121
|
4,38
|
Leonel Brizola
|
2.015.836
|
3,18
|
Esperidião Amin
|
1.739.894
|
2,75
|
Votos apurados
|
77.948.464
|
82,23 (sobre os apurados)
|
Votos brancos
|
7.192.116
|
9,2 (sobre os apurados)
|
Votos nulos
|
7.444.017
|
9,55 (sobre os apurados)
|
Votos válidos
|
63.312.331
|
81,22
|
Abstenções
|
16.834.339
|
17,76 (sobre 94.782.803 eleitores)
|
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
VÍDEOS
- A realidade do real
- Falta de diploma
- Em cima do muro
- Contexto eleitoral
- Outro Fernando
- O caso Ricupero
A ELEIÇÃO DE 1994
1. Cenário
de Representação da Política
Duas questões centrais marcaram o CR-P das eleições
presidenciais de 1994: as mudanças restritivas na legislação eleitoral e o
Plano Real. Tamanha foi a influência da mídia, principalmente da linguagem
televisiva, dentro e fora do HGPE, nas eleições de 1989 que, em 1994,
decidiu-se tomar providências para limitar essa influência. A lei 8.713/93,
artigo 76, proíbe externas, efeitos especiais e participações de outros no
discurso do candidato na TV. Tudo deveria ser feito em estúdio e os VT’s não
poderiam ser editados, evitando montagens e trucagens - como no debate Lula x
Collor, televisionado ao vivo tarde da noite e reapresentado de forma parcial
pela Rede Globo e pelo próprio programa de Collor às vésperas do segundo turno
de 1989.
Mas, as restrições impostas por esta legislação
acabaram por prejudicar a estratégia de campanha de Lula para TV, que esperava
poder utilizar os vídeos da Caravana da Cidadania, uma série de viagens pelo
interior do país. Aliás, além de Lula, todas as campanhas (as próprias
eleições) foram prejudicadas por essas restrições legais aos efeitos da mídia
nos processos eleitorais. Evidentemente, o fato foi tema de discussões entre os
estudiosos. Para Miguel e Albuquerque, a audiência dos HGPE’s não diminuiu em
94, mas sim sua eficácia persuasiva. Em contrapartida, o papel da imprensa
ganhou destaque.
No entanto, o fundamental passou despercebido pelos
analistas do cenário político: a segmentação da agenda. Não só pelas restrições
legais ao uso da linguagem televisiva no HGPE e na valorização do papel da
imprensa, sobretudo a escrita, mas, principalmente, através do advento da TV
por assinatura; houve uma diferenciação da audiência mais sofisticada em
relação às classes C e D. A segmentação da audiência e a criação de duas
agendas (uma de elite e outra de massas), no entanto, tem consequências sociais
e políticas, profundas, na sociedade brasileira e a eleição de Fernando
Henrique contra Lula, após o fracasso do governo Collor, está certamente entre
uma das mais importantes. A dupla agenda beneficia diretamente FHC porque ele
articula as elites e se vende como elite para as massas, deixando o candidato
do PT identificado com a falta de perspectiva das classes mais pobres.
Repete-se assim, a estratégia de Collor, mas de forma ainda mais sofisticada.
Também teve razoável importância o Caso Ricupero. No
dia 1º de setembro, antenas parabólicas de todo o país captaram uma conversa em
off entre Ministro da Fazenda Ricupero e o jornalista Carlos Monfort, da TV
Globo. O ministro dizia ao jornalista que tanto ele quanto a Globo estavam
ajudando a eleger Cardoso. Apesar da oposição ter insistido na denúncia, o
efeito do escândalo nas pesquisas de intenção de voto foi insignificantemente
pequeno. FHC usou como estratégia desconsiderar a denúncia e deu pouco destaque
ao assunto, estratégia que surtiu bons resultados, uma vez que, apesar do
episódio e das denúncias do PT no horário eleitoral, ele não caiu nas pesquisas
de opinião.
O fato das eleições presidenciais serem casadas com as
eleições gerais em 1994, eleições majoritárias para os governos de Estado e
eleições proporcionais para o Congresso Nacional - apenas um 1/3 do Senado
Federal não foi renovado - teve várias consequências e distingue-se bastante
das eleições presidenciais de 1989. Houve apenas nove candidatos à presidência
da República, e destes, Flavio Rocha, do PL, desistiu em plena campanha, vítima
de denúncias de corrupção eleitoral, e Walter Queiroz, candidato do PRN, foi
substituído durante a campanha por Carlos Gomes. Os partidos, que pouca ou
nenhuma influência tiveram na eleição anterior, passaram a desempenhar um papel
importante tanto do ponto de vista da mobilização, como no plano das ideias.
Foi proposto um sistema de controle de contribuição para campanhas.
Outra diferença significativa, com várias
consequências para o CR-P eleitoral de 94, foi a bipolarização precoce entre
Lula e FHC. Enquanto em 89, Collor se apresentava como oposição ao governo
Sarney; em 94 todo o governo Itamar Franco apoiava (de várias formas) a
candidatura do ex-Ministro da Fazenda e do Itamarati para a sucessão. Na
verdade, FHC foi ‘pré-eleito’ pelas elites para ser seu candidato contra Lula.
Compreendendo estas diferenças, o PT, por sua vez, também foi bem mais
moderado, do que em 89.
O impeachment do presidente Collor e o plebiscito em
que o presidencialismo foi mais uma vez escolhido como forma de governo do país
também tiveram grande influência na constituição desse cenário. Agora, além da
grande rejeição à política e aos políticos, havia também uma grande rejeição
aos comportamentos messiânicos aparentemente apolíticos (como os de Collor) e
ao uso exagerado de técnicas midiáticas. O próprio perfil de FHC (sociólogo
crítico ao personalismo na política brasileira e defensor dos partidos como
atores da democracia) parecia se moldar melhor a este CR-P do que o de um novo
salvador da pátria.
2. Horário
eleitoral
A campanha de Fernando Henrique Cardoso contou com um
tempo maior e com mais recursos do que as demais, resultando em um material
tecnicamente mais elaborado sob vários pontos de vista, com mais jingles e
clipes, filmada em película de 35 mm com melhor definição de imagens, mas,
sobretudo, com sofisticado planejamento conceitual de marketing. O simbolismo
da mão aberta (inspirada em Tancredo Neves), combinada com as cinco metas
(agricultura, segurança, saúde, educação e emprego - copiados de JK) teve um
significado simbólico marcante e foi utilizado em diferentes momentos da
campanha e da propaganda eleitoral. Como a comparação entre uma queda de braços
e um aperto de mão (16/9) ou ainda a analogia entre um comício de punhos
cerrados e uma multidão acenando as mãos abertas (19/9), para perguntar que
tipo de governo o eleitor deseja.
Outro conceito importante da campanha, utilizado no
jingle principal e no discurso político, foi o slogan Gente em primeiro lugar.
Inicialmente, a ideia tentava apenas desfazer a imagem de tecnocrata insensível
do ex-ministro da Fazenda de Itamar Franco, mas no decorrer da campanha se
tornou um diferencial importante do candidato, que afirmava se importar mais
com as pessoas, do que com as instituições.
Também nessa linha da humanização de FHC foi dada
muita ênfase às qualidades pessoais do candidato, apresentado, no jingle, como
firme, honesto e competente. Durante toda a campanha, foi exibido o vídeo da
balança, no qual se dizia que os políticos brasileiros, até o momento, ou não
eram confiáveis (mas sabiam realizar obras); então, na imagem, um dos lados da
balança pesava mais - ou eram bem intencionados (mas não eram capazes); então o
outro lado predominava. Só FHC era honesto e competente, sendo representado
pelo equilíbrio dos lados da balança. Mas, o grande trunfo eleitoral de FHC foi
o Plano Real – como se detalha adiante.
Com o segundo maior tempo, Orestes Quércia, o
candidato do PMDB (ou de parte dele) começou bem sua participação no horário
eleitoral, apresentando seu programa de governo de forma serena e consistente e
dando como principal garantia seu produtivo desempenho à frente do Governo do
Estado de São Paulo. Um verdadeiro show de obras públicas e programas. Além de
propostas municipalistas e desenvolvimentistas (com ênfase no crescimento
econômico e na geração de empregos), pensando o município como principal
parceiro do governo federal nas áreas de saúde, educação e habitação, Quércia
defendeu a ideia da constituição de 90 Regiões de Desenvolvimento (REDES),
subdividindo os estados brasileiros em áreas de diferentes vocações econômicas
e situações socioculturais.
Mas, além, de não explicar direito de onde viriam os
recursos, Quércia também não disse que deixou o Estado de São Paulo
completamente quebrado:
Quando
cheguei no governo de São Paulo também disseram que não havia recursos e, mesmo
assim, consegui fazer significativas obras para melhoria da vida da população.
(Fita DOXA-IUPERJ, 94/05, 25:11)
O candidato apresentou um lado ainda mais anacrônico,
defendendo o controle da inflação através de tabelamento dos preços e a
reindexação da economia com um reajuste universal e linear de 12% para todos os
trabalhadores, pensionistas e aposentados. Para Quércia, o reajuste não seria
inflacionário porque ele impediria os preços de subirem na marra, colocando na
cadeia os especuladores. O candidato do PMDB também defendeu o presidencialismo
e o fato de seu partido ser maioria do Congresso de uma forma polêmica ao
afirmar que todos os planos econômicos haviam fracassado por falta de um
governo forte. No fim da campanha, Quércia se tornava cada vez mais unilateral
e repetitivo tentando polemizar com FHC.
Outra participação interessante e construtiva no
horário eleitoral foi realizada pelo ex-governador Espiridião Amim, candidato
malufista à presidência. Fazendo uma oposição de direita ancorada em valores
progressistas (juventude, afetividade, dinamismo, etc), Amim fez uma campanha
de ideias, com destaque para a sua proposta (então pioneira) de investir no
Turismo como ferramenta de desenvolvimento das Regiões Norte e Nordeste. Isto
não o impediu de fazer praticamente as mesmas críticas que o PT ao governo
federal, porém em um tom menos contundente: o aumento da mortalidade infantil,
resultante da queda dos investimentos em saúde; o caso Ricupero; o atraso no
financiamento agrícola e os artifícios em torno dos índices inflacionários.
Também foram bastante significativas suas colocações sobre as pesquisas de
opinião e sua argumentação tentando convencer os eleitores conservadores da
possibilidade em ir para o 2º turno.
Em relação às pesquisas de opinião, Amim afirma que
elas não podem substituir as eleições e o voto, antecipando seu resultado; e,
em relação aos seus adversários, argumenta, ainda, contra o voto útil, provado
pelo medo de uma vitória do candidato de esquerda. Não vote (em FHC) contra
(Lula) no primeiro turno; vote em seu candidato (Amim) e deixe para votar
contra (Lula) no segundo turno. Para ele, o primeiro turno é ideológico; o
segundo, político. (19/8)
Por suas próprias palavras “o único candidato contra o
Plano Real e contra a Rede Globo” (Fita DOXA-IUPERJ, 94/02, 45:15), a
participação do ex-governador Leonel Brizola no horário eleitoral foi marcada
por críticas e ataques contundentes contra o governo. O Plano Real era, no seu
entender, semelhante ao Plano Cruzado de Sarney, de caráter meramente eleitoral.
Para ele, terminadas as eleições, assegurados os interesses das elites, os
preços voltariam a subir. No dia 28/8, Brizola usa o espaço do horário
eleitoral para denunciar que a Rede Globo aumenta a violência do RJ e esconde a
situação em outros estados, com o objetivo de desestabilizá-lo. No dia 21/9, o
candidato reproduz entrevista do mesmo dia no telejornal Bom Dia Brasil da Rede
Globo quando afirma que a TV incita a violência e manipula a eleição.
As redes de comunicação em conjunto com os institutos
de pesquisa de opinião são uma gigantesca máquina de propaganda eleitoral
fomentada e dirigida por grandes grupos econômicos [...] [os mesmo grupos]
[...] que elegeram e apoiaram Collor, hoje querem eleger Fernando Henrique
Cardoso (Fita DOXA-IUPERJ, 94/02, 12:15, dia 12/8).
Para Brizola, Lula estava programado para perder, pois
“apesar de bem intencionado, é [era] incapaz de vencer FHC no segundo turno”.
As eleições não passavam de uma monstruosa farsa orquestrada pela Rede Globo e
pelas elites coloniais para enganar o povo e manter o modelo econômico
imperialista, favorável aos bancos internacionais.
O marqueteiro americano desaconselhou o uso do tucano
porque é muito brasileiro e não é que FHC tirou o bicho da campanha. (Fita
DOXA-IUPERJ, 94/03, 25:17, dia 25/9)
Já a campanha de Luis Inácio Lula da Silva passou por
vários sobressaltos. As acusações de falta de preparo e experiência voltaram a
incomodar o candidato do PT, que chegou a pedir e conseguir direito de resposta
contra Enéas (que afirmou que Lula não trabalhava e que poderia estudar, se
quisesse) e falou do ‘preconceito do diploma’ em diversos momentos da campanha.
Segundo o próprio candidato, o preconceito do diploma é um preconceito contra o
povo, que o próprio povo tem consigo mesmo (12/9). Fica, então, bem explicado,
o complexo de inferioridade em que o candidato se perdeu, com o assunto
explorado por todos os outros candidatos, inclusive Brizola.
Outro ponto problemático do PT foi a sua posição
ambígua em relação ao Real. A campanha começa com Lula explicando que não é
contra o Plano Real. O próprio nome de seu programa (Brasil Real) parece
explicitar que sua intenção é levar o princípio da realidade às suas últimas
consequências, insinuando que seu adversário não apresentava toda a verdade a
respeito do país.
Em 1989, disseram que ia confiscar a poupança, que a
gente não tinha experiência para administrar. Agora estão dizendo que eu vou
acabar com o Real. (Fita DOXA-IUPERJ, 94/02, 17:13)
Na verdade, Lula quer manter a estabilidade da moeda,
mas também discutir o que é real. No dia 26/8, no entanto, Aloísio Mercadante
fala que o Real é um plano eleitoreiro. Mas é só. Amim, Quércia e Brizola
criticam tanto o Plano Real como essa ambiguidade do PT. Lula chega a
manifestar que gostaria de dar continuidade ao Plano em seu governo,
aperfeiçoando-o. (Fita DOXA-IUPERJ, 94/03, 35:09) E FHC fatura: “Agora todos
apoiam o Real, mas antes foram contra”. (05/9) Em mais uma inversão irônica,
ele não considera prudente colocar “a raposa para tomar conta dos ovos” (a
imagem tinha sido utilizada originalmente pelo programa do PT) e até elogia (no
dia 11/9) a “posição corajosa” de Brizola, por ter combatido o plano durante
toda a campanha. Porém, além das acusações de falta de preparo e da ambiguidade
em relação ao plano Real, de uma forma geral, pode-se dizer que a propaganda
eleitoral do PT foi muito crítica e pouco propositiva, sendo neutralizada pela
estratégia de FHC que enfatizava as soluções e não os problemas.
Na primeira quinzena de campanha (03 a 14/8), Lula
compara seu adversário a um governante trancado em um palácio, “cercado de
puxa-sacos, incapaz de conhecer a realidade do homem comum” que passa fome,
enquanto ele é o candidato que foi o em pessoa; lá, em um município no interior
do sertão nordestino e assumiu um compromisso olho-no-olho, com as reais
necessidades do povo. Do ponto de vista propositivo, o PT lança a proposta de
gerar oito milhões de empregos em quatro anos (indicando as fontes de
financiamento de forma genérica), afirmando que vai apoiar a pequena e média
empresa e assume o compromisso de realizar uma reforma agrária de verdade, uma
vez que “não tem o rabo preso” com os latifundiários.
Grande parte do tempo é gasto com críticas ao governo
e a FHC – principalmente com o aumento da mortalidade infantil provocada pela
falta de investimento no setor de saúde durante o governo Itamar. FHC, por sua
vez, reconhece que o “Brasil tem problemas, sim; mas nós temos a solução”. Rei
dos trocadilhos e das inversões irônicas, o candidato do governo chega às raias
da brincadeira: “Dizem que o Real é eleitoreiro. Não, não é não. Aliás, sou
candidato para que as mudanças que comecei continuem”. (Fita DOXA-IUPERJ,
94/02, 56:06) Ele é o dono do futuro (“o futuro não é um salto no escuro, o
futuro está perto, na palma da mão” – diz o jingle). Para firmar a imagem de um
homem preocupado com as pessoas, FHC afirma que, ao contrário de todos os
governos que até então deram mais importância aos ministros da fazenda, na sua
administração as pastas mais importantes serão as da saúde, da educação e da
agricultura.
Nesta linha, seu programa fala das três carteiras: a
de trabalho (o emprego), a de dinheiro (a estabilidade da moeda) e a da escola;
e defende o programa Toda criança na escola (semelhante ao programa petista
nenhuma criança fora da escola). Também promete dobrar o salário mínimo de 70
para 140 reais. E, sempre que pode, FHC sugere: “Escolha um presidente do
tamanho do Brasil”.
Na segunda quinzena (15 a 30/8), o horário eleitoral
começa com a repercussão do debate realizado pela TV Bandeirantes, em que a
maioria dos candidatos criticou o governo Itamar Franco, com cada candidato
tentando se apresentar como vitorioso e editando (com fotos e áudio) seus
melhores momentos. Menos FHC. Para ele, o povo não quer bagunça, violência,
conflitos.
Não é com raiva, com brigas, jogando patrão contra
empregado, uma região contra outra, a cidade contra o campo, que vamos resolver
os grandes problemas nacionais. (Fita DOXA-IUPERJ, 94/03, 28:15, dia 19/8)
No dia 26, Lula gastou todo seu tempo no último
programa (3’45”) atacando o governo sem apresentar nenhuma proposta – fato
imediatamente denunciado por FHC no dia 28, dentro da estratégia de combater
críticas com propostas.
Enquanto isso, FHC continuava despejando uma avalanche
de propostas para diferentes regiões brasileiras e áreas administrativas como
segurança, agricultura, indústria, saúde - quatro promessas por minuto, segundo
contou Aloísio Mercadante (12/8).
Quando se revê o programa de FHC no horário eleitoral
de 1994 pergunta-se por que ele não levou a frente suas propostas, como por
exemplo, a promessa de que o programa Comunidade Solidária substituiria a
Campanha Contra a Fome. Na segurança, FHC enfatizava que crime organizado não
devia ser combatido como resultado de desigualdades sociais. Prometeu a criação
de uma Secretaria Nacional de Segurança Pública, a informatização integrada dos
órgãos de segurança, aumentar o número de juízes e modernizar o judiciário,
usar as forças armadas contra o narcotráfico. (17/8) No entanto, no governo FHC
nada fez a respeito. Em outros momentos (26 e 28/8), FHC promete promover o
crescimento econômico e prevê falta de energia elétrica e racionamento caso não
haja investimentos e controle do desperdício.
Dois assuntos dominaram os programas da terceira
quinzena (01 a 14/9) de campanha no horário eleitoral: a incontinência verbal
do ministro Ricupero e a divulgação da inflação de agosto pelo IBGE e pela
FIPE.
No dia 2 de setembro, depois de uma entrevista para um
telejornal da Globo em canal aberto o então ministro da Fazenda, Rubens
Ricupero, fez uma série de comentários graves ao jornalista Carlos Monfort, que
foram transmitidos pela Globonews, o canal fechado de notícias da emissora.
Segundo Ricupero o governo federal estava realmente apoiando a candidatura de
FHC: a) escondendo a inflação de agosto (“A gente não tem escrúpulos: o que é
bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde”); e b) divulgando o Plano
Real (“sou o maior eleitor do presidente”). (Fita DOXA-IUPERJ, 94/03, 45:09)
Além disso, ficava também patente o apoio da própria
Rede Globo ao governo e à candidatura de FHC, com o próprio ministro se
escalando para aparecer no programa Fantástico. Mas no domingo, dia 04/9, o que
se viu foi a denúncia de todos os candidatos adversários. Amim reproduziu as
manchetes dos principais jornais e revistas da impressa escrita. Lula
apresentou uma edição gravada do próprio canal, com áudio e imagens originais
(violando impunemente a legislação eleitoral). Brizola, triunfante, interpretou
o fato como a prova de que suas denúncias contra o pacto entre o governo e a
Rede Globo eram verdadeiras. Quércia lançou a campanha dos 12% JÁ – exigindo a
reposição imediata da inflação dos dois primeiros meses do Plano Real de acordo
com o IPCR. O episódio rendeu a demissão de Ricupero, mas não inviabilizou o
processo eleitoral como queria Brizola. Nem a Rede Globo se pronunciou sobre o
assunto.
No dia sete de setembro, dia da independência, Lula e
Brizola lembraram que há dois anos os cara-pintadas iniciaram a campanha cívica
do impeachment de Collor, sugerindo que a moralização da atividade política
passava agora pelo repúdio às manobras midiáticas do governo e de seu
candidato. O Brasil tem escrúpulos. O Brasil vota Lula – passou a ser o slogan
veiculado pelo PT no HGPE. No mesmo dia saiu o índice da FIPE (1,95% de
inflação em agosto), inferior ao IPCR (5,46%) do IBGE. A informação mostrava
que a inflação estava realmente em queda e que, ao contrário do que afirmavam
os adversários, a economia estava cada vez mais estável.
Reforçando esta ideia, FHC mostrou ainda declarações
na imprensa de Roberto Freire e de D. Luciano Mendes, aliados de Lula, dizendo
que o caso Ricupero não inviabiliza as eleições nem desabona o plano real. Na
sexta, 09/9, Roberto Freire escreve carta repudiando o uso não autorizado de
seu nome por FHC e reafirmando seu voto no PT.
Lula fez ainda duas outras denúncias importantes no
decorrer dos acontecimentos: a) o pacote agrícola para financiar a safra é uma
farsa, na verdade, o dinheiro não havia sido liberado para não aumentar a
inflação; (11/9) e b) o congelamento dos salários (14/9) e a greve de
metalúrgicos no ABC, em que Vicentinho havia negociado uma saída através da
redução dos impostos e não do achatamento salarial. Ainda pensando em termos de
correção monetária indexada à economia, para o PT (e principalmente para
Quércia), o Plano Real deixava livres os preços, as tarifas públicas, mas
impedia que os salários fossem reajustados.
E enquanto Quércia insistia na sua estratégia dos ‘12%
JÁ! para todos os trabalhadores, aposentados e pensionistas’ (contabilizando os
IPCR’s de julho e agosto utilizados pelo próprio governo para medir a
inflação); Lula afirmava ser possível diminuir impostos e crescer, gerando mais
empregos sem achatar os salários, bastando para isto um redirecionamento das
prioridades governamentais.
Na última quinzena (16 a 30/9) de campanha no horário
eleitoral não houve maiores novidades: Brizola disse que "Lula quer
agradar a todo mundo e até cortou a barba" (Fita DOXA-IUPERJ, 94/04,
12:15) (16/9) e denunciou, várias vezes, que não haveria debates porque FHC e a
Globo não queriam; FHC, respondendo a críticas, falou de seu passado de
esquerda (18/9) e que não mudou de lado “está onde sempre esteve, do lado do
equilíbrio”; Lula continuou com a estratégia de tentar reacender a campanha
cívica do impeachment de Collor contra FHC (23/9) e a reclamar do preconceito
do diploma.
Também nesse período, tanto FHC como Lula apresentaram
o apoio de vários artistas. Nesse ponto as pesquisas de opinião apontavam para
uma vitória de Fernando Henrique ainda no 1º turno (45% de FHC contra 21% de
Lula). O atraso proposital do financiamento agrícola para evitar aumento no
cálculo da inflação do mês de agosto foi bastante explorado, tanto pelo PT,
como por Amim e Quércia, sem nenhum sucesso.
Ao contrário: fazendo-se de vítima, FHC deitava e
rolava com suas inversões irônicas: “Reta final de campanha, lá vem os boatos.
Não vamos privatizar o BB, não vamos tirar o direito dos aposentados”. (26/9)
Lamentava-se ainda que o PT tinha [...]
[...] passado dos limites, atacando com mentiras,
acusando FHC de racista. Eles estão desesperados e perderam a cabeça, usando as
mesmas armas que Collor usou contra nós no 2o turno em 89. (Fita DOXA-IUPERJ,
94/03, 21:14, dia 28/9)
Também o episódio do depósito de Paulo Cezar Faria na
conta de um assessor de Marco Maciel, para subornar os parlamentares do PFL
durante o impeachment de Collor, foi amplamente denunciado. O PT foi forçado a
ceder, no último programa da campanha, direito de resposta ao candidato à
vice-presidente da chapa de FHC.
3. Recepção
Evolução da
intenção de voto nas pesquisas de opinião de 1994
Fonte:
DATAFOLHA
Na pesquisa de opinião da DataFolha no início de
março, Lula tinha 42% das intenções de voto, mais do que a soma dos outros três
candidatos mais votados (16% de Fernando Henrique Cardoso, 8% de Brizola e 7%
de Orestes Quércia). Então, o Plano Real é lançado e começa a queda de Lula e a
subida de FHC. No fim de julho, há um empate técnico em que Lula tem uma
pequena vantagem (32% contra 29%); em agosto, há a virada (FHC 45%, Lula 23%);
no dia 30 de setembro, FHC chegava aos 48% das intenções de voto, enquanto Lula
tinha 22%, Brizola 5% e Quércia 4%. A queda da inflação e a estabilidade
econômica foram determinantes na vitória de Cardoso. O horário eleitoral não
apresentou nenhum efeito sobre as tendências de subida de FHC e de queda dos
outros candidatos nas pesquisas de opinião. Mas, vários estudos discutiram os
HGPE’s e suas repercussões políticas.
Em A eleição presidencial de 1994 e os meios de
comunicação de massa: uma análise da propaganda eleitoral gratuita de Fernando
Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva na televisão (JORGE, 1995) usa-se
um modelo simplificado de leitura de HGPE’s com apenas três itens:
Autopromoção, Propaganda Negativa e Tema Dominante. Para ele, na eleição de 94,
o Plano Real foi o tema dominante, ou melhor, a garantia de estabilidade da
economia é o fator decisivo das intenções de voto.
A política na TV: o horário eleitoral da eleição
presidencial de 1994, (PORTO, GUAZINA, 1999), utilizando o modelo de leitura de
HGPE’s a partir de seus “apelos”, aponta para o pessimismo crítico do PT,
observando que enquanto “33% do tempo de FHC eram gastos no item de ‘políticas
futuras’, 28% do tempo de Lula era gasto com ‘propaganda negativa’.”
Há, pelo menos, três trabalhos de referência
obrigatória sobre o papel da mídia nas eleições de 1994: a coletânea Eleições:
mídia, cenários, atores, da revista Comunicação & Política nº 03; a revista
Textos de Cultura e Comunicação nº 33 Mídia e Política - Eleições de 1994,
reunindo artigos do 1º Encontro (Inter)nacional de Estudos de Comunicação e
Política (1996); e a tese Mito e discurso Político - uma análise a partir da
campanha eleitoral de 1994 (MIGUEL, 2000).
A revista Comunicação & Política traz uma análise
importante sobre os erros políticos do PT do ponto de vista do PSB (AMARAL,
1995), julgando poder ganhar sozinho a eleição, devido às pesquisas de opinião
antes do período eleitoral.
Já a revista Textos de Cultura e Comunicação da
Facom/UFBA tem seu ponto alto no artigo De Fernando a Fernando II -
Caleidoscópio mediático-eleitoral 1994 (RUBIM, 1996, p. 5), onde se analisa o
Plano Real como uma construção midiática e as restrições da legislação
eleitoral como condicionantes de um esfriamento político-midiático das
eleições.
Em eleições com ênfase na disputa de visibilidade das
Imagens Públicas (como 1989 ou 2002) é evidente o condicionamento do voto
através de valores culturais e da presença de elementos simbólicos. Mas, em
eleições frias, em que o voto parece ser condicionado por avaliações racionais
sobre o desempenho do governo e das propostas dos candidatos, como as de 1994,
a presença de elementos míticos é menos visível.
E este foi o desafio enfrentado por Miguel
(2000). Em relação ao mito político da
autoridade, Miguel estuda os discursos de Orestes Quércia, Enéas Carneiro e
Leonel Brizola, observando inclusive os diferentes apelos feitos pelos
candidatos à vitória do presidencialismo no plebiscito sobre as formas de
governo e a necessidade de combater a corrupção do Poder Legislativo.
Miguel estuda também o mito político da experiência
administrativa nos discursos do ex-governadores Quércia, Amim e Brizola - que
apresentam a aprovação às suas gestões nos estados, como garantias de que
seriam bons presidentes.
Mas, além de enaltecer suas qualidades, a escolha desses
mitos também desqualifica os dois principais candidatos (FHC e Lula), ambos
parlamentaristas e sem experiências em cargos majoritários. Assim, cada um
deles adota uma estratégia de resposta a esses ataques simbólicos indiretos.
Para Miguel, FHC adota o mito político da competência, travestida de
racionalidade. Em primeiro lugar, tenta apresentar uma imagem de que também é
firme e tem autoridade, desfazendo a imagem de personagem três vezes indeciso
(como intelectual distante da ação, como político tucano em cima do muro e como
ministro do governo imobilista de Itamar Franco). Depois, investindo na ideia
de sua superioridade intelectual sobre os outros candidatos, encarnando a
racionalidade científica como uma de suas principais características políticas.
A grande vítima dos discursos míticos da experiência
administrativa dos ex-governadores e da competência intelectual de FHC foi o
candidato do PT. Para Miguel, Lula adotou os mitos políticos da transparência e
da vivência como uma estratégia de combater esses discursos. A valorização do
conhecimento empírico e da intimidade com o público (e com sua situação de
vida) é o grande trunfo de Lula. Mais personalista do que em 89, quando falava
sempre na 1ª pessoa do plural; no HGPE do PT em 94, a biografia do candidato se
sobrepõe ao programa do partido e Lula conjuga seu discurso preferencialmente
na 2ª pessoa do singular, enfatizando o olho-no-olho - para Miguel, símbolo do
compromisso pessoal com a realidade do interlocutor.
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