Conclusão
Em 1989, a
imagem de Lula era de um sindicalista corporativista que entra na política para
defender o interesse dos trabalhadores.
Em 1994, houve uma evolução desta posição, com um discurso mais amplo,
buscando o apoio de outros setores da sociedade, mas, novamente, a tentativa de
se contrapor a mídia (mas do que ao Plano Real em si), levou a uma imagem
negativa em relação ao futuro. Em 1998,
novamente batendo de frente com a mídia, Lula ficará com uma imagem de
despreparado para enfrentar a crise econômica internacional.
Tabela – Resumo do conteúdo do livro
Cenário
|
Mensagem
|
Recepção
|
|
1989
|
Eleição
‘solteira’ e a 1ª com TV. Divisão dos conservadores, crise e desejo de
mudança
|
Criatividade
nos HGPE’s. Conflito entre mídia e propaganda eleitoral. Tema das crianças
|
Alto
número de indecisos e resultado imprevisível
|
1994
|
Plano Real
e desejo de estabilidade econômica
|
O controle
monetário da inflação. O Brasil-moderno.
|
Adesão e
Previsibilidade
|
1998
|
Reeleição
e desejo de estabilidade política
|
A crise
internacional e as reeleições estaduais
|
Conformação
e Previsibilidade
|
2002
|
Divisão
dos conservadores, crise e desejo de mudança
|
Diálogo
entre mídia e propaganda eleitoral. Tema das mulheres.
|
Alto
número de indecisos e resultado imprevisível
|
Fonte: elaborado pelo próprio autor
resumindo toda pesquisa
Mas, em
2002, Duda Mendonça transformou a imagem do Lula radical, agressivo, crítico,
negativo, destrutivo, intransigente; na imagem do Lula light de discurso
moderado; o Lulinha paz e amor; Lula, o negociador; Lula encarnando a esperança
(de mudança) contra o medo (da mudança). E após três eleições nadando contra a
corrente midiática; em 2002, Lula decide voar a favor do vento e constrói, em conjunto
com a mídia que tanto combateu, a imagem de negociador pacifista, ideal para o
governo democrático.
VÍDEOS
|
|||
TEXTOS
|
|||
Posfácio
|
Apêndices
|
||
RESULTADOS DA PESQUISA
Seguindo a metodologia e o modelo teórico adotado por esta investigação
- que nos capítulos anteriores analisou o Cenário de Representação da Política,
os programas de HGPE e sua Recepção (através de pesquisas de opinião e de
revisões bibliográficas específicas) em cada uma das quatro primeiras eleições
diretas presidenciais brasileiras – agora se compara essas três instancias
discursivas entre si abstraindo os períodos históricos, procurando extrair a
partir destas analogias estruturais alguns pontos na evolução/mudança da Imagem
Pública de Lula.
- Comparando Cenários
Em
1989 e em 2002 havia uma péssima avaliação de desempenho dos governos Sarney e
FHC. E uma constatação importante desta pesquisa foi que a estabilidade do
Cenário de Representação da Política é inversamente proporcional à disputa por
visibilidade das imagens públicas.
Em
1989, no 1º turno da eleição houve uma disputa por Imagem Pública; e, no 2º
turno, as pesquisas de opinião e a mídia formaram um Cenário de Representação Política
amplamente favorável a Collor. Havia uma grande insatisfação popular com o
governo Sarney, com a inflação e com a própria classe política em geral,
levando o eleitor a votar em candidatos novos, que conquistaram visibilidade
através da mídia, tais como Collor, Lula e Enéas. No 2º turno, houve a
construção de CR-P negativo ao candidato do PT, principalmente através de
simulações negativas da ideia de um Brasil governado pela esquerda.
Em
1994 e 1998 não havia a mesma insatisfação, as condições eram mais adequadas
para uma ‘modernização conservadora’ do que para rupturas e o eleitorado não
estava disposto a apostar em novidades.
Neste
contexto, as pesquisas de opinião e a mídia apenas confirmavam (e dessa forma,
reafirmavam) um CR-P construído pela avaliação de desempenho retroativo das
administrações federais anteriores. Havia uma ‘disposição natural para
continuidade’ tornada definitiva pela mídia, de dois modos diferentes.
Em 94,
não houve disputa de Imagem Pública por visibilidade e a mídia participou
ativamente da campanha de forma indireta, elaborando um CR-P favorável à
continuidade do Plano Real e da estabilidade monetária, logo à eleição de FHC.
E em
98 também não houve disputa de Imagem Pública nas eleições. Ao contrário, houve
um abafamento da campanha eleitoral pela mídia, que preferiu enfatizar o papel
responsável do governo frente à crise econômica internacional, esquecendo-se de
dizer que este disputava uma reeleição. O estudo de Oliveira (1999) sobre o
HGPE de 98 nos mostra como a imagem que o candidato faz do país passou a ser um
conceito importante das campanhas publicitárias nos programas de rádio e TV.
FHC firmava um bom presente e simulava um futuro melhor, enquanto Lula não
conseguia convencer de que o presente não era tão bom assim e que o futuro só
seria melhor, se votassem nele.
Nas
eleições de 2002 havia uma grande insatisfação, como em 89, e o bloco
hegemônico dominante também se achava dividido. A mídia, ainda tentando ser
imparcial, adotou a estratégia da hipervisibilidade, de fazer as eleições um
grande show.
Também
se leve em conta que nas três primeiras eleições o peso do poder econômico, dos
esquemas políticos clientelistas e o conjunto da mídia (os principais jornais,
revistas e redes de televisão) estiveram monoliticamente do mesmo lado. E, em
2002, houve uma diversidade de posicionamento político dentro e fora dos meios
de comunicação.
- Comparando
Campanhas
Em sua
primeira eleição presidencial, Lula defendeu a suspensão os acordos com o FMI e
o pagamento do serviço da dívida externa; renegociar o pagamento da dívida externa,
de modo a baixar a taxa de juros e direcionar recursos para as atividades
produtivas; executar uma política de integração energética com os países da
América Latina; modificar a estrutura agrária e o modelo agrícola, de modo a
inverter a tendência de queda na oferta interna de alimentos; e elaborar um
anteprojeto de um novo Código do Trabalho, em substituição a CLT.
Em
1994, contra FHC, Lula prometia assegurar a igualdade de oportunidade e de
tratamento e uma justa distribuição da terra, do poder político e da riqueza
nacional; e no lugar de simplesmente não pagar a dívida externa e o rompimento
com FMI, contratar uma auditoria internacional. Porém, o PT gastou boa parte de
seu tempo em campanha criticando o Plano Real, sem apresentar propostas alternativas.
Em 98,
suas propostas foram: dobrar o salário mínimo em quatro anos de governo;
reduzir a jornada de trabalho para 40 horas semanais; estimular a criação de
bancos do povo; assentar um milhão de famílias em quatro anos; incentivar a
geração de novas vagas no mercado de trabalho em um programa emergencial para
os jovens; abrir linhas de crédito para estudantes com juros baixos; adotar um
programa de renda mínima que garanta um complemento para quem recebe menos de
um salário mínimo; desonerar a produção, fazer a reforma tributária e retomar a
capacidade de investimento do Estado.
Em
2002, a plataforma petista mudou bastante: modernizar a legislação trabalhista;
reduzir a taxa de juros; promover o financiamento da saúde por toda a
sociedade, através de recursos da União, dos Estados e dos municípios, além de
contribuições sociais; atacar o problema da segurança pública através de
oportunidades para os jovens; estimular a construção de moradias, racionalizar
o uso de imóveis urbanos vagos, implantar o Projeto Moradia do Instituto
Cidadania, impulsionar o barateamento dos materiais de construção e incentivar
ações das Prefeituras; criar quatro milhões de bolsas-escola em todo o País;
universalizar o ensino pré-escolar até o médio e garantir o acesso à creche.
Em 89,
houve um confronto entre as mensagens da mídia e as do HGPE. Não apenas da PT
com a Rede Globo, através da sátira Rede Povo, mas também de outros candidatos
que desqualificavam os meios de comunicação e eram por eles desqualificados. Em
94, a mídia tratou apoiou monoliticamente o Plano Real por fora da campanha,
facilitando bastante a vitória de FHC. Em 98, escondeu as eleições e em 2002
preparou em verdadeiro show para, através da hipervisibilidade, enquadrar
antecipadamente os candidatos à agenda do FMI.
Não se
trata apenas da visibilidade do candidato ou da campanha, a mídia oculta ou
superexpõe as eleições de acordo com suas próprias necessidades de
visibilidade. A superexposição das eleições na mídia gera também uma disputa de
visibilidade interna, tanto dos candidatos em busca de votos como de emissoras
de TV em busca de audiência.
O
candidato do PT foi certamente o presidenciável que mais soube tirar proveito
desta situação, tanto pelo fato de já ser bastante conhecido das outras três
eleições presidenciais de que participou, mas principalmente pelo seu
posicionamento de diálogo permanente com a imprensa durante a campanha.
É o
que alguns analistas chamaram de Lua de mel entre Lula e a TV; e que
Fausto Neto aponta como uma manobra de dupla utilização entre o candidato e a
mídia, em que um dá visibilidade ao outro. Mais do que um duplo uso
houve e há um diálogo entre Lula e a Mídia. Aliás, um não; vários diálogos, uma
vez que o estilo do candidato do PT interage com diversos atores com e através
da mídia. Lula responde a tentativa dos seus adversários de capturar o voto
feminino indeciso com um belo clipe no HGPE; responde às críticas sobre sua
falta de formação superior com humildade e com espírito de colaboração;
responde ao mercado financeiro assumindo compromissos (na Carta ao Povo
Brasileiro); revida aos ataques dos adversários com a estratégia do Lulinha,
paz e amor; monitora a imprensa e briga por sua imparcialidade.
Nada
Lula deixa sem resposta.
Na
metodologia de apelos no HGPE de Porto, Lula foi o candidato que mais tempo
dedicou às músicas e jingles (10,6%) e que menos utilizou o recurso da
propaganda negativa (2,5%). Dos temas, ocupou 28,2% do seu tempo total com
análise de conjuntura e ao diagnóstico dos problemas do país e, em segundo
lugar (18,4%), às políticas futuras, sempre apresentadas como soluções aos
problemas levantados. Os dados revelam uma profunda mudança política do PT em
relação às eleições anteriores. Porto, comparando os apelos aos enquadramentos
da imprensa, observa ainda que a agenda de Lula foi a que mais se aproximou da
agenda da mídia em relação ao tema ‘Análise de Conjuntura’, isto é, que Lula
foi quem mais interagiu com o jornalismo dentro do campo temático de seu
interesse, usando o noticiário a seu favor, com alusões frequentes aos fatos
noticiados e à própria mídia dentro de sua campanha.
As imagens de Lula
Presidente
(RUBIM in FAUSTO NETO; 2003, p. 43) estuda as principais imagens políticas da
campanha de 2002 – Lula encarnando a esperança (de mudança) contra o medo (da
mudança); o Lulinha paz e amor; e Lula, o negociador. Rubim ressalta
ainda a importância da imagem de Lula negociador, enfatizada por Duda
Mendonça principalmente em oposição às críticas sobre a falta de preparo (de
experiência administrativa e acadêmica) para governar feitas pelos adversários.
Porém,
o golpe de mestre em termos publicitários está na resposta às tentativas de
intimidação do eleitorado por parte de José Serra (e também da mídia e, através
dela, do mercado financeiro): associando o medo (invocado pelos adversários) à
mudança (de si mesmo e do país como um todo), Lula associou-se à ideia de que a
mudança é possível, à esperança de sua realização. Mudaram as propostas, o
discurso, as alianças com outras forças políticas, o cabelo, a barba, as
roupas. Lula e o Partido dos Trabalhadores mudaram? Ou terá sido o eleitor que
mudou? Lula mudou porque o Brasil mudou
– mudou a imagem que o país faz de si mesmo, mudou também a imagem dos que
representam a própria mudança.
A
ideia de que a Esperança venceu o Medo - baseada na percepção de que
houve uma mudança na autoimagem de Brasil da qual Lula e sua equipe souberam
tirar vantagem política – é a que melhor combina os elementos visíveis e
invisíveis da estratégia petista nas eleições de 2002.
A
disputa pelo voto feminino por todos os candidatos na mídia durante a campanha
é um caso particular desta relação limiar entre o visível e o simbólico. Desde
cedo, os marqueteiros perceberam que a grande massa de votos indecisos era
feminina. Então, primeiro houve uma tentativa de emplacar a candidatura da
governadora Roseana Sarney pelo PFL (abortada por escândalos de corrupção).
Depois, a escolha da deputada Rita Camata, do PMDB, para candidata à vice na
chapa de José Serra (com a dura missão de adicionar sensibilidade ao
economista); o papel desempenhado pela atriz Patrícia Pillar, ‘mulher’ do
candidato Ciro Gomes, recém-recuperada de um câncer; as constantes menções de
Garotinho a sua esposa Rosinha, candidata vitoriosa ao governo do Estado do Rio
de Janeiro – todos os candidatos tentaram associar sua imagem às mulheres e ao
ideal feminino.
O PT
colocou no ar um belo clipe com mulheres grávidas, símbolos da renovação,
lembrando às eleitoras que Lula é quem realmente defende um mundo voltado para
os valores femininos da solidariedade e da paz: a mudança light, sem rupturas
ou sustos. O clipe tornava visível o que os outros candidatos tentavam utilizar
um modo subliminar e ainda desqualificava sutilmente as outras iniciativas de
cooptação do voto feminino.
Lula
enquanto político (e não seus programas na TV) desenvolve duas estratégias
discursivas bem características: o discurso para as mulheres (e não
sobre as mulheres ou pelas mulheres) e as metáforas futebolísticas para
universo masculino.
Essas
duas estratégias dão a Lula o acesso direto ao imaginário social brasileiro.
Observa-se também que em suas três primeiras eleições Lula adotava uma
estratégia centrada na análise crítica do passado/presente; e na quarta optou
por uma estratégia voltada para o futuro e para idealização.
Por
outro lado, se adotarmos as categorias da ação social weberiana, constatamos
que Lula e o PT amadureceram, ou seja, passaram da ética da convicção
para ética responsabilidade. Em 2002, o PT combinou uma estratégia idealista
com uma ética política responsável e pragmática. E a combinação de opostos
funcionou.
Outras
características discursivas de 89 foram retomadas em 2002. Na primeira eleição,
os programas de Lula eram menos personalistas, e o próprio candidato falava
sempre em nome da Frente Brasil Popular. Nas duas eleições seguintes, os
programas foram mais centrados do personagem de Lula. Em 2002, o PT e seus
aliados reaparecem com os atores políticos históricos no discursivo televisivo,
sem com isso ferirem a linguagem do veículo.
- Comparando as
Recepções
Na campanha presidencial de 1989, a Imagem Pública de Lula era de um
sindicalista corporativista que entra na política para defender o interesse dos
trabalhadores, emblematizada no slogan trabalhador vota em trabalhador.
Em 1994, houve uma evolução desta posição, com um discurso mais amplo
buscando o apoio de outros setores da sociedade, mas, novamente, a tentativa de
se contrapor à mídia (mais do que ao Plano Real em si), levou a uma imagem
negativa do petista em relação ao futuro.
Em 98, sempre batendo de frente com a mídia, Lula ficou com uma Imagem
Pública de despreparado para enfrentar a crise econômica internacional.
Mas, em 2002, a imagem do Lula radical, agressivo, crítico, negativo,
destrutivo, intransigente deu lugar à imagem do Lula light de discurso
moderado; o Lulinha paz e amor; Lula, o negociador; Lula
encarnando a esperança (de mudança) contra o medo (da mudança).
E após três eleições nadando contra a corrente midiática; em 2002, Lula
decide voar a favor do vento e constrói, em conjunto com a mídia que tanto
combateu, a imagem de negociador pacifista, ideal para o governo democrático.
Houve uma mudança histórica de comportamento eleitoral em relação às
eleições anteriores, uma vez que os eleitores que votavam em adversários, desta
vez, resolveram elegê-lo. Segundo a pesquisa Cartografia do Voto (JACOB
et al; 2003, p. 287 a 327), que estuda o comportamento eleitoral brasileiro
tomando como referência as 558 microrregiões econômicas definidas pelo IBGE,
Lula ampliou sua votação em regiões em que não era votado (como Goiás, Bahia e
Piauí) e não absorveu os votos transferidos de seus aliados (como Sarney no
Maranhão, Ciro Gomes no Ceará e Garotinho com os votos evangélicos). A julgar
pelas votações obtidas por Collor (1989) e FHC (1994 e 1998) percebe-se que, em
certas regiões (no interior do país), o eleitorado tende a votar de forma conservadora,
enquanto noutras (as capitais e centros industrializados), de forma
progressista. Esses dados apontam para uma mudança significativa do
comportamento eleitoral brasileiro em 2002, em relação às três eleições
anteriores.
Vários fatores contribuíram para esta mudança. Entre as mais citadas
estão: a ampliação do leque das alianças políticas do PT, o programa de
centro-esquerda da coligação e a nova imagem de Lula produzida por Duda
Mendonça. Para chegar à Presidência, o PT atraiu um amplo leque de partidos e
linhas políticas. O vice de Lula, o empresário e senador mineiro José Alencar,
é do Partido Liberal. Também aceitou os apoios de José Sarney (PMDB) e de sua
filha, a ex-governadora do Maranhão Roseana Sarney (PFL), ex-pretendente à
sucessão e dos peemedebistas Orestes Quércia (SP) e Roberto Requião (PR), e o
governador mineiro Itamar Franco (sem partido). No segundo turno, a aliança se
ampliou ainda mais, incluindo as candidaturas derrotadas de Ciro Gomes e de
Antony Garotinho.
Então,
a pergunta é: qual foi a mudança? Foi apenas uma mudança no discurso e na
atitude política do Partido dos Trabalhadores que atraiu espontaneamente os
eleitores mais conservadores? Ou houve realmente um forte desejo de mudança por
parte da população? Ou será que marketing político de Lula foi mais efetivo com
Duda Mendonça do que com outros marqueteiros e publicitários? Ou ainda terá
sido a crise no modelo neoliberal, as fraturas no bloco dominante e das
oligarquias políticas tradicionais que propiciou a chegada da esquerda à
Presidência da República? E a pertinência do programa do PT, as alianças
sociais e partidárias, a escolha do candidato à vice, a campanha publicitária
na TV e no rádio, a sintonia de Lula com o sentimento popular e sua performance
na imprensa - e se considerando que cada um desses fatores contribuiu para
vitória de Lula, qual o peso que cada um teve na sua eleição?
De nada servem tantas perguntas ou enumerar as determinações estruturais
e as condições conjunturais, se não observamos o papel da ação social que,
engendrada por esses fatores, os utiliza e transforma: Lula ganhou as
eleições devido a sua capacidade política de dialogar com a mídia, com os
eleitores, com os outros partidos e candidatos, com as instituições e com a
realidade social brasileira.
É claro que o crescimento do PT como partido político ao longo dos anos
e o grande desgaste dos governos FHC também contribuíram, mas este caráter
interativo do discurso político e da Imagem Pública de Lula transpassam todas
suas campanhas, mas vão progressivamente se aperfeiçoando e se consolidando.
- Conclusão
Além
da análise descritiva dos programas do HGPE das quatro eleições presidenciais,
esta pesquisa sistematizou o trabalho de vários pesquisadores. Usamos a
definição de “novo comportamento não-racional” ou eleitor-consumidor de
Silveira (1998). Para caracterizar os fatores específicos da decisão de voto
nas eleições presidenciais brasileiras recorremos a Carreirão (2002): a
avaliação de desempenho do candidato, a avaliação de desempenho do governo, as
qualidades pessoais e a Imagem Pública do candidato.
A
noção de Imagem Pública (como “intimidade não-recíproca à distância”) foi
tomada emprestada de Thompson (1998) e aplicada particularmente à política a
partir das ideias de Gomes (2004). Na pesquisa empírica utilizei, em relação às
eleições de 89, as teses de doutorado de Albuquerque (1999) e de Soares (1995);
em relação às eleições de 94, a tese Miguel (2000); em relação às eleições de
98, a dissertação de Oliveira (1999); e em relação às eleições de 2002, os
livros de Fausto Neto (2003) e Rubim (2004a).
Vários
autores e mesmo candidatos ressaltam a oportunidade de se utilizar Horário
Gratuito de Propaganda Eleitoral como um espaço para tentar influenciar os
eleitores a terem um enquadramento alternativo ao que é formatado pela mídia.
Mas, como vimos, ao longo das quatro campanhas presidenciais, esta
possibilidade é irrealista e levou a três derrotas sucessivas do candidato do
PT, que tentou desqualificar as interpretações da mídia através da própria
mídia, como se disputassem com ela (e não com os outros candidatos) a hegemonia
ideológica dos eleitores.
Por
outro lado, no decorrer das quatro eleições várias medidas tomadas no sentido
de diminuir o poder do HGPE: a legislação eleitoral, o aparecimento dos debates
televisionados, dos spots durante a programação e das entrevistas
personalizadas – além de uma campanha jornalística permanente sobre a
arbitrariedade da instituição, a má qualidade da produção dos programas e o
consequente desinteresse do público.
A
impossibilidade de usar o HGPE como um campo de contraposição à imprensa e aos
meios de comunicação para formar um CR-P contra hegemônico não deve ser
entendido como sua ineficácia política ou improcedência institucional.
Longe
de ser arbitrário ou antidemocrático, o horário eleitoral é uma poderosa
ferramenta da cidadania e graças a ela, políticos contrários às elites podem
ter acesso direto à população pela TV e pelo rádio.
Aliás,
tamanha é a importância do HGPE que a mídia sempre tenta decidir as eleições
presidenciais antes do início da campanha. Foi assim com Collor e com FHC. Mas,
em 2002, essa mesma estratégia fracassou com Roseana Sarney e Ciro Gomes.
Valorizar o HGPE como campo de autonomia da política diante da mídia e
regulamentar (estabelecer critérios para divulgação e aumentar a precisão
estatística) das Pesquisas de Opinião durante processos eleitorais são ainda
pequenas reformas diante do gigantesco desafio posto pelo funcionamento dos
meios de comunicação em uma democracia contemporânea.
Para cumprir o papel institucional de mediação dos interesses públicos e
privados, a mídia precisaria construir uma autonomia administrativa e
financeira em relação ao mercado e ao Estado. É importante que, por um lado, os
meios de comunicação não sejam direcionados unicamente para o consumo, mas seja
um instrumento de cidadania; e, por outro, que a concessão dos serviços
públicos de radiodifusão não os tornem reféns do interesse estatal. Para que a
mídia não seja um poderoso ator social, mas um campo democrático para os atores
políticos é preciso impor limites e obrigações em relação ao mercado e ao
Estado.
Verificamos que não é possível (ou pelo menos que não foi possível),
utilizando o horário eleitoral, formar um cenário contra-hegemônico em relação
ao imaginário dominante. Mas, em sua quarta campanha presidencial, Lula mudou a
estratégia de confronto com a mídia e ajustou sua Imagem Pública ao cenário de
representação dominante produzido pela mídia e pelas demais instituições
sociais. Mas, há ainda duas questões polêmicas entrelaçadas no debate teórico
sobre as quatro eleições presidenciais: a dialética entre o medo e a esperança
no discurso político contemporâneo e a mudança no padrão de representação de
nossa identidade nacional.
Na
eleição de 1989, Collor venceu Lula no 2º turno através do medo de um governo
de esquerda estatizar ainda mais a economia e fazer a reforma agrária. Em 1994,
FHC ameaçava que, se Lula fosse eleito, a inflação voltaria. Houve também o
medo da incapacidade administrativa de Lula e o medo da crise de
governabilidade devido ao sectarismo do PT. Em 98 e 2002, com a queda das
bolsas e a alta do dólar, o medo se torna risco, isto é, o medo fabricado
institucionalmente por um sistema político para estimular a obediência dos
cidadãos a determinadas condições. Há uma evolução histórica em relação ao
funcionamento conjunto desses dispositivos durante as eleições presidenciais.
Em
cada um dos quatro momentos eleitorais, o medo e a esperança assumem um estágio
de desenvolvimento específico. Em um primeiro momento, o medo da possibilidade
da vitória de Lula era suscitado através do passado radical e da mudança de
linha política. Tratava-se de convencer os eleitores que o PT estava mentindo,
que logo que assumisse o poder, revelar-se-ia a verdadeira índole esquerdista
do partido e todo esforço feito para controlar a inflação seria perdido, as
privatizações das empresas estatais seriam desfeitas, os compromissos com o FMI
seriam descumpridos, etc. Neste sentido, no final da campanha, José Serra
adotará uma campanha nacionalista, usando as cores verde e amarela da Bandeira
Nacional, e sempre caracterizando Lula e o PT com bandeiras vermelhas,
repetindo, de certa forma, a mesma estratégia de Collor no 2o turno
de 1989.
O excesso
de visibilidade de Lula – que por estar em sua quarta campanha era o mais
conhecido dos candidatos – e a questão sobre a validade da mudança de seu
discurso político foi um dos pontos centrais da eleição: quando a atriz Regina
Duarte declarou no HGPE que temia a eleição de Lula, era porque não confiava em
quem antes tinha propostas diferentes das que estava defendendo. Insinuava-se
que detrás da publicidade light escondiam-se bandeiras vermelhas. Tentava-se
colocar a imagem passada em contradição com a imagem imediata, invocando o medo
– um forte apelo emocional contra o excesso de visibilidade de Lula.
Eleições no Brasil:
O medo como estratégia política (CHAIA in RUBIM; 2004a, p. 06) tem por objetivo
analisar a estratégia de criar um clima de medo para combater a candidatura de
Lula nas quatro eleições. O texto, no entanto, supera em muito seu objetivo
inicial uma vez que, em alguns momentos, descreve também o aspecto positivo do
medo no discurso político, o convite à aventura, à mudança e ao desconhecido. E
vê o medo em sua dimensão social, silenciosa, não-discursiva.
Outro
trabalho semelhante é o artigo O Discurso do Medo versus o Discurso da
Esperança – a disputa de sentidos decisiva das Eleições de 2002
(ALBUQUERQUE, 2004). Na verdade, Albuquerque apenas resume o aspecto teórico do
trabalho de Chaia, detalhando mais a análise das campanhas eleitorais e
reduzindo (metodologicamente) o medo à esfera discursiva.
No
entanto, pelo fato de ambas desconhecerem a bibliografia mais recente sobre a
noção atual de indução ao Risco como um mecanismo coercitivo do poder (presente
em inúmeras abordagens contemporâneas) e trabalhar apenas com o aspecto
negativo do medo (medo ideológico em 89, medo da inflação em 94 e medo da crise
internacional em 98), as pesquisadoras chegam a uma conclusão ingênua,
atribuindo o medo a um discurso e a esperança a outro. Assim, o medo venceu em
89, 94 e 98; e, em 2002, a “esperança venceu o medo” e Lula foi eleito
contra indústria do medo promovida pelo mercado financeiro com os institutos de
pesquisa e redes de TV. Mas, o medo não é mais uma ameaça discursiva, mas sim
um sistema organizado de chantagem e enquadramento formado pelo mercado
financeiro, pela mídia e os institutos de pesquisa; a esperança não é mais um
sonho de um dia ser feliz, mas um sofisticado dispositivo da simulação em
situações de risco induzido.
O medo
é dialeticamente indissociável da esperança. Um homem sem medo é um homem sem
esperanças. Mas, um só existe em função do outro. Só há esperança quando
tememos e só temos medo quando temos expectativa. Na prática, são duas faces da
mesma moeda. E se utilizarmos o modelo das estratégias persuasivas nesta
questão pode-se dizer a estratégia de situação consiste em defender a confiança
no presente e fazer uma projeção negativa de futuro caso o adversário vença, em
contraposição à estratégia de oposição é o pregar o medo diante do presente e a
esperança em um futuro melhor.
Ambos
se utilizam simultaneamente do medo e da esperança no âmbito discursivo, só que
de modo invertido. Durante toda sua trajetória política, Lula também se
utilizou várias vezes do medo discursivo ao seu favor na tática do quanto
pior, melhor e fez ameaças, dizendo que quem tinha medo dele eram as
elites, que temiam o advento da justiça social no Brasil e que este medo era
real, uma vez que ele faria as reformas sociais necessárias para acabar com os
privilégios caso eleito. Inspirar medo aos adversários faz parte das qualidades
do herói ou do líder com que se identifica. Não é possível estudar a utilização
política-eleitoral do medo sem observar também sua inter-relação com as esperanças
que ele suscita.
Pode-se
colocar a ideia de uma dialética entre medo e esperança tanto no patamar
conjuntural (o medo de mudança de nosso modelo econômico e da esperança de
mudança da situação social injustiça) como no âmbito estrutural da Imagem de
nossa identidade nacional (o medo e a esperança de ser brasileiro)[1].
Na
contextualização histórica, constatou-se que o voto personalista para
presidência no Brasil (Vargas, JK, Jânio Quadros) é anterior à TV e ao ambiente
social midiocêntrico. Observando-se as quatro eleições presidenciais, após
o período ditatorial constata-se que a mídia amplificou esta tendência
histórica, construindo gradualmente uma popularidade de novo tipo, a
Imagem Pública.
E além
de comprovar o tremendo impacto da imagem pública em processos eleitorais, esta
pesquisa contatou ainda que a atual luta política, mais que uma luta meramente
por visibilidade ainda é uma disputa entre interpretações de mundo. E que a
mídia enquadra a política, mas também é por ela agendada, principalmente em
momentos de grande incerteza política e/ou pouca previsibilidade eleitoral.
É
claro que existem os que acreditam que Lula venceu porque os brasileiros
acharam que eram necessárias mudanças na estrutura do poder e no modelo
econômico e, racionalmente, decidiram por aquele que melhor representa esta
opção. Como também perduram os que pensam na predominância de fatores
invisíveis na determinação da intenção de voto, como, por exemplo, na
fantasiosa variável freudiana de que o símbolo de Pai dos Pobres
condiciona o voto presidencial no imaginário brasileiro.
Demonstrou-se
aqui um terceiro ponto de vista: de que Lula venceu a eleição porque amadureceu
e se apresentou de forma mais responsável, não apenas com proposta mais viáveis
e confiáveis, mas também como uma imagem diferente: de barba branca, como um
pai de família preocupado com o futuro e com as próximas gerações. A mudança
para uma imagem mais madura fez com que as pessoas se sentissem mais seguras
com Lula e não o rejeitaram como um revoltado inconsequente de propostas
impossíveis como das outras vezes. Apenas mudando significativamente, não
somente seu programa político e suas alianças partidárias, mas, sobretudo, sua
Imagem Pública, foi possível a um candidato contrário às elites, três vezes derrotado
em eleições anteriores, ser eleito presidente.
Marcelo Bolshaw Gomes
[1] Uma polêmica paralela a essa se refere à mudança na
representação da identidade nacional e ao fato novo que é o eleitor brasileiro
eleger, em 2002, pela primeira vez em toda sua história, alguém que não faz
parte da elite e que contesta seus interesses. A esperança de ser alguém superou
o medo de não ser ninguém. Será que a eleição de Lula representa dissolução
histórica de complexo de inferioridade cultural dos brasileiros em relação ao
Primeiro Mundo? Sendo assim não se trata apenas de uma mudança de embalagem ou
fachada, ao aperfeiçoar sua imagem no sentido a atender esta demanda de
autoestima nacional, Lula deu uma cara ao país e sua vitória termina com nossa inferioridade
étnica de mestiços colonizados, “nosso complexo de inferioridade nacional”. (RUBIM in FAUSTO NETO; 2003, p. 62).
Nenhum comentário:
Postar um comentário