segunda-feira, 12 de março de 2018

conclusão


Conclusão
             Em 1989, a imagem de Lula era de um sindicalista corporativista que entra na política para defender o interesse dos trabalhadores.  Em 1994, houve uma evolução desta posição, com um discurso mais amplo, buscando o apoio de outros setores da sociedade, mas, novamente, a tentativa de se contrapor a mídia (mas do que ao Plano Real em si), levou a uma imagem negativa em relação ao futuro.  Em 1998, novamente batendo de frente com a mídia, Lula ficará com uma imagem de despreparado para enfrentar a crise econômica internacional.
Tabela – Resumo do conteúdo do livro

Cenário
Mensagem
Recepção
1989
Eleição ‘solteira’ e a 1ª com TV. Divisão dos conservadores, crise e desejo de mudança
Criatividade nos HGPE’s. Conflito entre mídia e propaganda eleitoral. Tema das crianças
Alto número de indecisos e resultado imprevisível
1994
Plano Real e desejo de estabilidade econômica
O controle monetário da inflação. O Brasil-moderno.
Adesão e Previsibilidade
1998
Reeleição e desejo de estabilidade política
A crise internacional e as reeleições estaduais
Conformação e Previsibilidade
2002
Divisão dos conservadores, crise e desejo de mudança
Diálogo entre mídia e propaganda eleitoral. Tema das mulheres.
Alto número de indecisos e resultado imprevisível
Fonte: elaborado pelo próprio autor resumindo toda pesquisa

             Mas, em 2002, Duda Mendonça transformou a imagem do Lula radical, agressivo, crítico, negativo, destrutivo, intransigente; na imagem do Lula light de discurso moderado; o Lulinha paz e amor; Lula, o negociador; Lula encarnando a esperança (de mudança) contra o medo (da mudança). E após três eleições nadando contra a corrente midiática; em 2002, Lula decide voar a favor do vento e constrói, em conjunto com a mídia que tanto combateu, a imagem de negociador pacifista, ideal para o governo democrático.

VÍDEOS
TEXTOS
Posfácio
Apêndices
RESULTADOS DA PESQUISA
Seguindo a metodologia e o modelo teórico adotado por esta investigação - que nos capítulos anteriores analisou o Cenário de Representação da Política, os programas de HGPE e sua Recepção (através de pesquisas de opinião e de revisões bibliográficas específicas) em cada uma das quatro primeiras eleições diretas presidenciais brasileiras – agora se compara essas três instancias discursivas entre si abstraindo os períodos históricos, procurando extrair a partir destas analogias estruturais alguns pontos na evolução/mudança da Imagem Pública de Lula.
  1. Comparando Cenários
Em 1989 e em 2002 havia uma péssima avaliação de desempenho dos governos Sarney e FHC. E uma constatação importante desta pesquisa foi que a estabilidade do Cenário de Representação da Política é inversamente proporcional à disputa por visibilidade das imagens públicas.
Em 1989, no 1º turno da eleição houve uma disputa por Imagem Pública; e, no 2º turno, as pesquisas de opinião e a mídia formaram um Cenário de Representação Política amplamente favorável a Collor. Havia uma grande insatisfação popular com o governo Sarney, com a inflação e com a própria classe política em geral, levando o eleitor a votar em candidatos novos, que conquistaram visibilidade através da mídia, tais como Collor, Lula e Enéas. No 2º turno, houve a construção de CR-P negativo ao candidato do PT, principalmente através de simulações negativas da ideia de um Brasil governado pela esquerda.
Em 1994 e 1998 não havia a mesma insatisfação, as condições eram mais adequadas para uma ‘modernização conservadora’ do que para rupturas e o eleitorado não estava disposto a apostar em novidades.
Neste contexto, as pesquisas de opinião e a mídia apenas confirmavam (e dessa forma, reafirmavam) um CR-P construído pela avaliação de desempenho retroativo das administrações federais anteriores. Havia uma ‘disposição natural para continuidade’ tornada definitiva pela mídia, de dois modos diferentes.
Em 94, não houve disputa de Imagem Pública por visibilidade e a mídia participou ativamente da campanha de forma indireta, elaborando um CR-P favorável à continuidade do Plano Real e da estabilidade monetária, logo à eleição de FHC.
E em 98 também não houve disputa de Imagem Pública nas eleições. Ao contrário, houve um abafamento da campanha eleitoral pela mídia, que preferiu enfatizar o papel responsável do governo frente à crise econômica internacional, esquecendo-se de dizer que este disputava uma reeleição. O estudo de Oliveira (1999) sobre o HGPE de 98 nos mostra como a imagem que o candidato faz do país passou a ser um conceito importante das campanhas publicitárias nos programas de rádio e TV. FHC firmava um bom presente e simulava um futuro melhor, enquanto Lula não conseguia convencer de que o presente não era tão bom assim e que o futuro só seria melhor, se votassem nele.
Nas eleições de 2002 havia uma grande insatisfação, como em 89, e o bloco hegemônico dominante também se achava dividido. A mídia, ainda tentando ser imparcial, adotou a estratégia da hipervisibilidade, de fazer as eleições um grande show.
Também se leve em conta que nas três primeiras eleições o peso do poder econômico, dos esquemas políticos clientelistas e o conjunto da mídia (os principais jornais, revistas e redes de televisão) estiveram monoliticamente do mesmo lado. E, em 2002, houve uma diversidade de posicionamento político dentro e fora dos meios de comunicação.
  1. Comparando Campanhas
Em sua primeira eleição presidencial, Lula defendeu a suspensão os acordos com o FMI e o pagamento do serviço da dívida externa; renegociar o pagamento da dívida externa, de modo a baixar a taxa de juros e direcionar recursos para as atividades produtivas; executar uma política de integração energética com os países da América Latina; modificar a estrutura agrária e o modelo agrícola, de modo a inverter a tendência de queda na oferta interna de alimentos; e elaborar um anteprojeto de um novo Código do Trabalho, em substituição a CLT.
Em 1994, contra FHC, Lula prometia assegurar a igualdade de oportunidade e de tratamento e uma justa distribuição da terra, do poder político e da riqueza nacional; e no lugar de simplesmente não pagar a dívida externa e o rompimento com FMI, contratar uma auditoria internacional. Porém, o PT gastou boa parte de seu tempo em campanha criticando o Plano Real, sem apresentar propostas alternativas.
Em 98, suas propostas foram: dobrar o salário mínimo em quatro anos de governo; reduzir a jornada de trabalho para 40 horas semanais; estimular a criação de bancos do povo; assentar um milhão de famílias em quatro anos; incentivar a geração de novas vagas no mercado de trabalho em um programa emergencial para os jovens; abrir linhas de crédito para estudantes com juros baixos; adotar um programa de renda mínima que garanta um complemento para quem recebe menos de um salário mínimo; desonerar a produção, fazer a reforma tributária e retomar a capacidade de investimento do Estado.
Em 2002, a plataforma petista mudou bastante: modernizar a legislação trabalhista; reduzir a taxa de juros; promover o financiamento da saúde por toda a sociedade, através de recursos da União, dos Estados e dos municípios, além de contribuições sociais; atacar o problema da segurança pública através de oportunidades para os jovens; estimular a construção de moradias, racionalizar o uso de imóveis urbanos vagos, implantar o Projeto Moradia do Instituto Cidadania, impulsionar o barateamento dos materiais de construção e incentivar ações das Prefeituras; criar quatro milhões de bolsas-escola em todo o País; universalizar o ensino pré-escolar até o médio e garantir o acesso à creche.
Em 89, houve um confronto entre as mensagens da mídia e as do HGPE. Não apenas da PT com a Rede Globo, através da sátira Rede Povo, mas também de outros candidatos que desqualificavam os meios de comunicação e eram por eles desqualificados. Em 94, a mídia tratou apoiou monoliticamente o Plano Real por fora da campanha, facilitando bastante a vitória de FHC. Em 98, escondeu as eleições e em 2002 preparou em verdadeiro show para, através da hipervisibilidade, enquadrar antecipadamente os candidatos à agenda do FMI.
Não se trata apenas da visibilidade do candidato ou da campanha, a mídia oculta ou superexpõe as eleições de acordo com suas próprias necessidades de visibilidade. A superexposição das eleições na mídia gera também uma disputa de visibilidade interna, tanto dos candidatos em busca de votos como de emissoras de TV em busca de audiência.
O candidato do PT foi certamente o presidenciável que mais soube tirar proveito desta situação, tanto pelo fato de já ser bastante conhecido das outras três eleições presidenciais de que participou, mas principalmente pelo seu posicionamento de diálogo permanente com a imprensa durante a campanha.
É o que alguns analistas chamaram de Lua de mel entre Lula e a TV; e que Fausto Neto aponta como uma manobra de dupla utilização entre o candidato e a mídia, em que um dá visibilidade ao outro. Mais do que um duplo uso houve e há um diálogo entre Lula e a Mídia. Aliás, um não; vários diálogos, uma vez que o estilo do candidato do PT interage com diversos atores com e através da mídia. Lula responde a tentativa dos seus adversários de capturar o voto feminino indeciso com um belo clipe no HGPE; responde às críticas sobre sua falta de formação superior com humildade e com espírito de colaboração; responde ao mercado financeiro assumindo compromissos (na Carta ao Povo Brasileiro); revida aos ataques dos adversários com a estratégia do Lulinha, paz e amor; monitora a imprensa e briga por sua imparcialidade.
Nada Lula deixa sem resposta.
Na metodologia de apelos no HGPE de Porto, Lula foi o candidato que mais tempo dedicou às músicas e jingles (10,6%) e que menos utilizou o recurso da propaganda negativa (2,5%). Dos temas, ocupou 28,2% do seu tempo total com análise de conjuntura e ao diagnóstico dos problemas do país e, em segundo lugar (18,4%), às políticas futuras, sempre apresentadas como soluções aos problemas levantados. Os dados revelam uma profunda mudança política do PT em relação às eleições anteriores. Porto, comparando os apelos aos enquadramentos da imprensa, observa ainda que a agenda de Lula foi a que mais se aproximou da agenda da mídia em relação ao tema ‘Análise de Conjuntura’, isto é, que Lula foi quem mais interagiu com o jornalismo dentro do campo temático de seu interesse, usando o noticiário a seu favor, com alusões frequentes aos fatos noticiados e à própria mídia dentro de sua campanha.
As imagens de Lula Presidente (RUBIM in FAUSTO NETO; 2003, p. 43) estuda as principais imagens políticas da campanha de 2002 – Lula encarnando a esperança (de mudança) contra o medo (da mudança); o Lulinha paz e amor; e Lula, o negociador. Rubim ressalta ainda a importância da imagem de Lula negociador, enfatizada por Duda Mendonça principalmente em oposição às críticas sobre a falta de preparo (de experiência administrativa e acadêmica) para governar feitas pelos adversários.
Porém, o golpe de mestre em termos publicitários está na resposta às tentativas de intimidação do eleitorado por parte de José Serra (e também da mídia e, através dela, do mercado financeiro): associando o medo (invocado pelos adversários) à mudança (de si mesmo e do país como um todo), Lula associou-se à ideia de que a mudança é possível, à esperança de sua realização. Mudaram as propostas, o discurso, as alianças com outras forças políticas, o cabelo, a barba, as roupas. Lula e o Partido dos Trabalhadores mudaram? Ou terá sido o eleitor que mudou? Lula mudou porque o Brasil mudou – mudou a imagem que o país faz de si mesmo, mudou também a imagem dos que representam a própria mudança.
A ideia de que a Esperança venceu o Medo - baseada na percepção de que houve uma mudança na autoimagem de Brasil da qual Lula e sua equipe souberam tirar vantagem política – é a que melhor combina os elementos visíveis e invisíveis da estratégia petista nas eleições de 2002.
A disputa pelo voto feminino por todos os candidatos na mídia durante a campanha é um caso particular desta relação limiar entre o visível e o simbólico. Desde cedo, os marqueteiros perceberam que a grande massa de votos indecisos era feminina. Então, primeiro houve uma tentativa de emplacar a candidatura da governadora Roseana Sarney pelo PFL (abortada por escândalos de corrupção). Depois, a escolha da deputada Rita Camata, do PMDB, para candidata à vice na chapa de José Serra (com a dura missão de adicionar sensibilidade ao economista); o papel desempenhado pela atriz Patrícia Pillar, ‘mulher’ do candidato Ciro Gomes, recém-recuperada de um câncer; as constantes menções de Garotinho a sua esposa Rosinha, candidata vitoriosa ao governo do Estado do Rio de Janeiro – todos os candidatos tentaram associar sua imagem às mulheres e ao ideal feminino.
O PT colocou no ar um belo clipe com mulheres grávidas, símbolos da renovação, lembrando às eleitoras que Lula é quem realmente defende um mundo voltado para os valores femininos da solidariedade e da paz: a mudança light, sem rupturas ou sustos. O clipe tornava visível o que os outros candidatos tentavam utilizar um modo subliminar e ainda desqualificava sutilmente as outras iniciativas de cooptação do voto feminino.
Lula enquanto político (e não seus programas na TV) desenvolve duas estratégias discursivas bem características: o discurso para as mulheres (e não sobre as mulheres ou pelas mulheres) e as metáforas futebolísticas para universo masculino.
Essas duas estratégias dão a Lula o acesso direto ao imaginário social brasileiro. Observa-se também que em suas três primeiras eleições Lula adotava uma estratégia centrada na análise crítica do passado/presente; e na quarta optou por uma estratégia voltada para o futuro e para idealização.
Por outro lado, se adotarmos as categorias da ação social weberiana, constatamos que Lula e o PT amadureceram, ou seja, passaram da ética da convicção para ética responsabilidade. Em 2002, o PT combinou uma estratégia idealista com uma ética política responsável e pragmática. E a combinação de opostos funcionou.
Outras características discursivas de 89 foram retomadas em 2002. Na primeira eleição, os programas de Lula eram menos personalistas, e o próprio candidato falava sempre em nome da Frente Brasil Popular. Nas duas eleições seguintes, os programas foram mais centrados do personagem de Lula. Em 2002, o PT e seus aliados reaparecem com os atores políticos históricos no discursivo televisivo, sem com isso ferirem a linguagem do veículo.
  1. Comparando as Recepções
Na campanha presidencial de 1989, a Imagem Pública de Lula era de um sindicalista corporativista que entra na política para defender o interesse dos trabalhadores, emblematizada no slogan trabalhador vota em trabalhador.
Em 1994, houve uma evolução desta posição, com um discurso mais amplo buscando o apoio de outros setores da sociedade, mas, novamente, a tentativa de se contrapor à mídia (mais do que ao Plano Real em si), levou a uma imagem negativa do petista em relação ao futuro.
Em 98, sempre batendo de frente com a mídia, Lula ficou com uma Imagem Pública de despreparado para enfrentar a crise econômica internacional.
Mas, em 2002, a imagem do Lula radical, agressivo, crítico, negativo, destrutivo, intransigente deu lugar à imagem do Lula light de discurso moderado; o Lulinha paz e amor; Lula, o negociador; Lula encarnando a esperança (de mudança) contra o medo (da mudança).
E após três eleições nadando contra a corrente midiática; em 2002, Lula decide voar a favor do vento e constrói, em conjunto com a mídia que tanto combateu, a imagem de negociador pacifista, ideal para o governo democrático.
Houve uma mudança histórica de comportamento eleitoral em relação às eleições anteriores, uma vez que os eleitores que votavam em adversários, desta vez, resolveram elegê-lo. Segundo a pesquisa Cartografia do Voto (JACOB et al; 2003, p. 287 a 327), que estuda o comportamento eleitoral brasileiro tomando como referência as 558 microrregiões econômicas definidas pelo IBGE, Lula ampliou sua votação em regiões em que não era votado (como Goiás, Bahia e Piauí) e não absorveu os votos transferidos de seus aliados (como Sarney no Maranhão, Ciro Gomes no Ceará e Garotinho com os votos evangélicos). A julgar pelas votações obtidas por Collor (1989) e FHC (1994 e 1998) percebe-se que, em certas regiões (no interior do país), o eleitorado tende a votar de forma conservadora, enquanto noutras (as capitais e centros industrializados), de forma progressista. Esses dados apontam para uma mudança significativa do comportamento eleitoral brasileiro em 2002, em relação às três eleições anteriores.
Vários fatores contribuíram para esta mudança. Entre as mais citadas estão: a ampliação do leque das alianças políticas do PT, o programa de centro-esquerda da coligação e a nova imagem de Lula produzida por Duda Mendonça. Para chegar à Presidência, o PT atraiu um amplo leque de partidos e linhas políticas. O vice de Lula, o empresário e senador mineiro José Alencar, é do Partido Liberal. Também aceitou os apoios de José Sarney (PMDB) e de sua filha, a ex-governadora do Maranhão Roseana Sarney (PFL), ex-pretendente à sucessão e dos peemedebistas Orestes Quércia (SP) e Roberto Requião (PR), e o governador mineiro Itamar Franco (sem partido). No segundo turno, a aliança se ampliou ainda mais, incluindo as candidaturas derrotadas de Ciro Gomes e de Antony Garotinho.
Então, a pergunta é: qual foi a mudança? Foi apenas uma mudança no discurso e na atitude política do Partido dos Trabalhadores que atraiu espontaneamente os eleitores mais conservadores? Ou houve realmente um forte desejo de mudança por parte da população? Ou será que marketing político de Lula foi mais efetivo com Duda Mendonça do que com outros marqueteiros e publicitários? Ou ainda terá sido a crise no modelo neoliberal, as fraturas no bloco dominante e das oligarquias políticas tradicionais que propiciou a chegada da esquerda à Presidência da República? E a pertinência do programa do PT, as alianças sociais e partidárias, a escolha do candidato à vice, a campanha publicitária na TV e no rádio, a sintonia de Lula com o sentimento popular e sua performance na imprensa - e se considerando que cada um desses fatores contribuiu para vitória de Lula, qual o peso que cada um teve na sua eleição?
De nada servem tantas perguntas ou enumerar as determinações estruturais e as condições conjunturais, se não observamos o papel da ação social que, engendrada por esses fatores, os utiliza e transforma: Lula ganhou as eleições devido a sua capacidade política de dialogar com a mídia, com os eleitores, com os outros partidos e candidatos, com as instituições e com a realidade social brasileira.
É claro que o crescimento do PT como partido político ao longo dos anos e o grande desgaste dos governos FHC também contribuíram, mas este caráter interativo do discurso político e da Imagem Pública de Lula transpassam todas suas campanhas, mas vão progressivamente se aperfeiçoando e se consolidando.
  1. Conclusão
Além da análise descritiva dos programas do HGPE das quatro eleições presidenciais, esta pesquisa sistematizou o trabalho de vários pesquisadores. Usamos a definição de “novo comportamento não-racional” ou eleitor-consumidor de Silveira (1998). Para caracterizar os fatores específicos da decisão de voto nas eleições presidenciais brasileiras recorremos a Carreirão (2002): a avaliação de desempenho do candidato, a avaliação de desempenho do governo, as qualidades pessoais e a Imagem Pública do candidato.
A noção de Imagem Pública (como “intimidade não-recíproca à distância”) foi tomada emprestada de Thompson (1998) e aplicada particularmente à política a partir das ideias de Gomes (2004). Na pesquisa empírica utilizei, em relação às eleições de 89, as teses de doutorado de Albuquerque (1999) e de Soares (1995); em relação às eleições de 94, a tese Miguel (2000); em relação às eleições de 98, a dissertação de Oliveira (1999); e em relação às eleições de 2002, os livros de Fausto Neto (2003) e Rubim (2004a).
Vários autores e mesmo candidatos ressaltam a oportunidade de se utilizar Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral como um espaço para tentar influenciar os eleitores a terem um enquadramento alternativo ao que é formatado pela mídia. Mas, como vimos, ao longo das quatro campanhas presidenciais, esta possibilidade é irrealista e levou a três derrotas sucessivas do candidato do PT, que tentou desqualificar as interpretações da mídia através da própria mídia, como se disputassem com ela (e não com os outros candidatos) a hegemonia ideológica dos eleitores.
Por outro lado, no decorrer das quatro eleições várias medidas tomadas no sentido de diminuir o poder do HGPE: a legislação eleitoral, o aparecimento dos debates televisionados, dos spots durante a programação e das entrevistas personalizadas – além de uma campanha jornalística permanente sobre a arbitrariedade da instituição, a má qualidade da produção dos programas e o consequente desinteresse do público.
A impossibilidade de usar o HGPE como um campo de contraposição à imprensa e aos meios de comunicação para formar um CR-P contra hegemônico não deve ser entendido como sua ineficácia política ou improcedência institucional.
Longe de ser arbitrário ou antidemocrático, o horário eleitoral é uma poderosa ferramenta da cidadania e graças a ela, políticos contrários às elites podem ter acesso direto à população pela TV e pelo rádio.
Aliás, tamanha é a importância do HGPE que a mídia sempre tenta decidir as eleições presidenciais antes do início da campanha. Foi assim com Collor e com FHC. Mas, em 2002, essa mesma estratégia fracassou com Roseana Sarney e Ciro Gomes.
Valorizar o HGPE como campo de autonomia da política diante da mídia e regulamentar (estabelecer critérios para divulgação e aumentar a precisão estatística) das Pesquisas de Opinião durante processos eleitorais são ainda pequenas reformas diante do gigantesco desafio posto pelo funcionamento dos meios de comunicação em uma democracia contemporânea.
Para cumprir o papel institucional de mediação dos interesses públicos e privados, a mídia precisaria construir uma autonomia administrativa e financeira em relação ao mercado e ao Estado. É importante que, por um lado, os meios de comunicação não sejam direcionados unicamente para o consumo, mas seja um instrumento de cidadania; e, por outro, que a concessão dos serviços públicos de radiodifusão não os tornem reféns do interesse estatal. Para que a mídia não seja um poderoso ator social, mas um campo democrático para os atores políticos é preciso impor limites e obrigações em relação ao mercado e ao Estado.
Verificamos que não é possível (ou pelo menos que não foi possível), utilizando o horário eleitoral, formar um cenário contra-hegemônico em relação ao imaginário dominante. Mas, em sua quarta campanha presidencial, Lula mudou a estratégia de confronto com a mídia e ajustou sua Imagem Pública ao cenário de representação dominante produzido pela mídia e pelas demais instituições sociais. Mas, há ainda duas questões polêmicas entrelaçadas no debate teórico sobre as quatro eleições presidenciais: a dialética entre o medo e a esperança no discurso político contemporâneo e a mudança no padrão de representação de nossa identidade nacional.
Na eleição de 1989, Collor venceu Lula no 2º turno através do medo de um governo de esquerda estatizar ainda mais a economia e fazer a reforma agrária. Em 1994, FHC ameaçava que, se Lula fosse eleito, a inflação voltaria. Houve também o medo da incapacidade administrativa de Lula e o medo da crise de governabilidade devido ao sectarismo do PT. Em 98 e 2002, com a queda das bolsas e a alta do dólar, o medo se torna risco, isto é, o medo fabricado institucionalmente por um sistema político para estimular a obediência dos cidadãos a determinadas condições. Há uma evolução histórica em relação ao funcionamento conjunto desses dispositivos durante as eleições presidenciais.
Em cada um dos quatro momentos eleitorais, o medo e a esperança assumem um estágio de desenvolvimento específico. Em um primeiro momento, o medo da possibilidade da vitória de Lula era suscitado através do passado radical e da mudança de linha política. Tratava-se de convencer os eleitores que o PT estava mentindo, que logo que assumisse o poder, revelar-se-ia a verdadeira índole esquerdista do partido e todo esforço feito para controlar a inflação seria perdido, as privatizações das empresas estatais seriam desfeitas, os compromissos com o FMI seriam descumpridos, etc. Neste sentido, no final da campanha, José Serra adotará uma campanha nacionalista, usando as cores verde e amarela da Bandeira Nacional, e sempre caracterizando Lula e o PT com bandeiras vermelhas, repetindo, de certa forma, a mesma estratégia de Collor no 2o turno de 1989.
O excesso de visibilidade de Lula – que por estar em sua quarta campanha era o mais conhecido dos candidatos – e a questão sobre a validade da mudança de seu discurso político foi um dos pontos centrais da eleição: quando a atriz Regina Duarte declarou no HGPE que temia a eleição de Lula, era porque não confiava em quem antes tinha propostas diferentes das que estava defendendo. Insinuava-se que detrás da publicidade light escondiam-se bandeiras vermelhas. Tentava-se colocar a imagem passada em contradição com a imagem imediata, invocando o medo – um forte apelo emocional contra o excesso de visibilidade de Lula.
Eleições no Brasil: O medo como estratégia política (CHAIA in RUBIM; 2004a, p. 06) tem por objetivo analisar a estratégia de criar um clima de medo para combater a candidatura de Lula nas quatro eleições. O texto, no entanto, supera em muito seu objetivo inicial uma vez que, em alguns momentos, descreve também o aspecto positivo do medo no discurso político, o convite à aventura, à mudança e ao desconhecido. E vê o medo em sua dimensão social, silenciosa, não-discursiva.
Outro trabalho semelhante é o artigo O Discurso do Medo versus o Discurso da Esperança – a disputa de sentidos decisiva das Eleições de 2002 (ALBUQUERQUE, 2004). Na verdade, Albuquerque apenas resume o aspecto teórico do trabalho de Chaia, detalhando mais a análise das campanhas eleitorais e reduzindo (metodologicamente) o medo à esfera discursiva.
No entanto, pelo fato de ambas desconhecerem a bibliografia mais recente sobre a noção atual de indução ao Risco como um mecanismo coercitivo do poder (presente em inúmeras abordagens contemporâneas) e trabalhar apenas com o aspecto negativo do medo (medo ideológico em 89, medo da inflação em 94 e medo da crise internacional em 98), as pesquisadoras chegam a uma conclusão ingênua, atribuindo o medo a um discurso e a esperança a outro. Assim, o medo venceu em 89, 94 e 98; e, em 2002, a “esperança venceu o medo” e Lula foi eleito contra indústria do medo promovida pelo mercado financeiro com os institutos de pesquisa e redes de TV. Mas, o medo não é mais uma ameaça discursiva, mas sim um sistema organizado de chantagem e enquadramento formado pelo mercado financeiro, pela mídia e os institutos de pesquisa; a esperança não é mais um sonho de um dia ser feliz, mas um sofisticado dispositivo da simulação em situações de risco induzido.
O medo é dialeticamente indissociável da esperança. Um homem sem medo é um homem sem esperanças. Mas, um só existe em função do outro. Só há esperança quando tememos e só temos medo quando temos expectativa. Na prática, são duas faces da mesma moeda. E se utilizarmos o modelo das estratégias persuasivas nesta questão pode-se dizer a estratégia de situação consiste em defender a confiança no presente e fazer uma projeção negativa de futuro caso o adversário vença, em contraposição à estratégia de oposição é o pregar o medo diante do presente e a esperança em um futuro melhor.
Ambos se utilizam simultaneamente do medo e da esperança no âmbito discursivo, só que de modo invertido. Durante toda sua trajetória política, Lula também se utilizou várias vezes do medo discursivo ao seu favor na tática do quanto pior, melhor e fez ameaças, dizendo que quem tinha medo dele eram as elites, que temiam o advento da justiça social no Brasil e que este medo era real, uma vez que ele faria as reformas sociais necessárias para acabar com os privilégios caso eleito. Inspirar medo aos adversários faz parte das qualidades do herói ou do líder com que se identifica. Não é possível estudar a utilização política-eleitoral do medo sem observar também sua inter-relação com as esperanças que ele suscita.
Pode-se colocar a ideia de uma dialética entre medo e esperança tanto no patamar conjuntural (o medo de mudança de nosso modelo econômico e da esperança de mudança da situação social injustiça) como no âmbito estrutural da Imagem de nossa identidade nacional (o medo e a esperança de ser brasileiro)[1]. 
Na contextualização histórica, constatou-se que o voto personalista para presidência no Brasil (Vargas, JK, Jânio Quadros) é anterior à TV e ao ambiente social midiocêntrico. Observando-se as quatro eleições presidenciais, após o período ditatorial constata-se que a mídia amplificou esta tendência histórica, construindo gradualmente uma popularidade de novo tipo, a Imagem Pública.
E além de comprovar o tremendo impacto da imagem pública em processos eleitorais, esta pesquisa contatou ainda que a atual luta política, mais que uma luta meramente por visibilidade ainda é uma disputa entre interpretações de mundo. E que a mídia enquadra a política, mas também é por ela agendada, principalmente em momentos de grande incerteza política e/ou pouca previsibilidade eleitoral.
É claro que existem os que acreditam que Lula venceu porque os brasileiros acharam que eram necessárias mudanças na estrutura do poder e no modelo econômico e, racionalmente, decidiram por aquele que melhor representa esta opção. Como também perduram os que pensam na predominância de fatores invisíveis na determinação da intenção de voto, como, por exemplo, na fantasiosa variável freudiana de que o símbolo de Pai dos Pobres condiciona o voto presidencial no imaginário brasileiro.
Demonstrou-se aqui um terceiro ponto de vista: de que Lula venceu a eleição porque amadureceu e se apresentou de forma mais responsável, não apenas com proposta mais viáveis e confiáveis, mas também como uma imagem diferente: de barba branca, como um pai de família preocupado com o futuro e com as próximas gerações. A mudança para uma imagem mais madura fez com que as pessoas se sentissem mais seguras com Lula e não o rejeitaram como um revoltado inconsequente de propostas impossíveis como das outras vezes. Apenas mudando significativamente, não somente seu programa político e suas alianças partidárias, mas, sobretudo, sua Imagem Pública, foi possível a um candidato contrário às elites, três vezes derrotado em eleições anteriores, ser eleito presidente.

Marcelo Bolshaw Gomes



[1] Uma polêmica paralela a essa se refere à mudança na representação da identidade nacional e ao fato novo que é o eleitor brasileiro eleger, em 2002, pela primeira vez em toda sua história, alguém que não faz parte da elite e que contesta seus interesses. A esperança de ser alguém superou o medo de não ser ninguém. Será que a eleição de Lula representa dissolução histórica de complexo de inferioridade cultural dos brasileiros em relação ao Primeiro Mundo? Sendo assim não se trata apenas de uma mudança de embalagem ou fachada, ao aperfeiçoar sua imagem no sentido a atender esta demanda de autoestima nacional, Lula deu uma cara ao país e sua vitória termina com nossa inferioridade étnica de mestiços colonizados, “nosso complexo de inferioridade nacional”.  (RUBIM in FAUSTO NETO; 2003, p. 62).

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