quarta-feira, 25 de outubro de 2017

As redes

MANUEL CASTELLS
“Redes constituem a nova morfologia de nossas sociedades e a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura. Embora a forma de organização social em redes tenha existido em outros tempos e espaços, o novo paradigma da tecnologia da informação fornece a base material para sua expansão penetrante em toda a estrutura social.” (2009, p.497)

O sociólogo espanhol Manuel Castells, professor emérito de Berkeley (Califórnia) e diretor do Internet Interdisciplinary Institute na UOC (Barcelona), dedicou a maior parte de seu trabalho para o estudo da sociedade da informação, analisando os aspectos econômicos, sociais e culturais que estão transformando o mundo. Castells estuda dois assuntos correlatos: o impacto da tecnologia da informação na sociedade capitalista e os novos movimentos sociais dos anos 60. Para ele, os novos movimentos não aspiram mais a tomar a poder de estado, mas a mudar o comportamento das pessoas e seu modo de vida.
Castells se tornou internacionalmente conhecido devido sua trilogia A Era da Informação: economia, sociedade e cultura (1996-2000) – formada pelos livros: A Sociedade em Rede (2009), O Poder da Identidade (2008); e Fim do Milênio (1999).
A trilogia analisa as mudanças contemporâneas em um tripé: as relações sociais de produção se desindustrializam e passam a se organizar em redes de unidades autônomas (assimilando assim a economia política marxista e enfoque sociológico); a nova percepção de tempo-espaço em função da linguagem audiovisual e simultânea da mídia (assimilando também a abordagem midiológica e suas interações tecnológicas); e as novas 'relações de experiência' nas relações pessoais (assimilando ainda a ênfase do pensamento pós moderno no aqui e agora e no cotidiano.
Para Castells, o efeito da mídia é apenas um dos fatores estruturais de uma mudança social bem maior; a globalização. Para ele, nessa mudança, além de uma nova experiência de tempo/espaço em que o futuro e sua simulação passam a desempenhar um papel central através da mídia[1], há também outros fatores estruturais, como as relações de produção organizadas em rede e as novas relações de experiência. Em relação às relações de produção, há uma troca o modelo talylorista de organização da fábrica pelo modelo de organização em redes produtivas. E em relação às novas relações de experiência produzidas pela entrada da mulher no mercado de trabalho, há também uma associação estrutural entre o feminino e a natureza.
De forma que Castells assimila e reverencia três abordagens: a economia-política marxista; o pensamento pós-moderno de Foucault, enraizado no cotidiano; e as teorias midiológicas da Comunicação.
O primeiro livro, A Sociedade em Rede, trata da nova ordem econômica e social, cujo centro das transformações está na revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da informação e comunicações. O ataque ao patriarcalismo, a nova consciência ambiental, a crise de legitimidade dos sistemas políticos e a fragmentação dos movimentos sociais, caracterizam um ambiente de mudanças confusas e incontroladas, tendem a reagrupar os indivíduos em torno de identidades primárias: religiosas, étnicas, territoriais e nacionais.
“Em um mundo de fluxos globais de riqueza, poder e imagens, a busca pela identidade, coletiva ou individual, atribuída ou construída, torna-se a fonte básica de significado social.” (2009, p.23)
O Capitalismo Informacional (ou pós-industrial) tem duas características importantes: é global e está estruturado em uma rede de fluxos financeiros. A acumulação de capital prossegue e sua realização de valor é cada vez mais gerada nos mercados financeiros globais estabelecidos pelas redes de informação no espaço intemporal dos fluxos financeiros. A partir desta rede o capital é investido por todo o globo, em todos os setores de atividade, algumas mais lucrativas, conforme vão passando por ciclos, altos e baixos do mercado.
Nesse “cassino global eletrônico” capitais específicos elevam-se ou diminuem drasticamente, definindo o destino de empresas, poupanças familiares, moedas nacionais e economias regionais. Social e economicamente não existe uma classe capitalista global. Acima de vários elites regionais, há uma entidade capitalista coletiva, sem rosto, formada de fluxos financeiros operados por redes eletrônicas.
Contradizendo profecias apocalípticas, há mais empregos e uma proporção maior de pessoas com idade para o trabalho empregadas que em qualquer outra época da história. A difusão das tecnologias da informação não resultou e não resultará em desemprego.
Mas, as relações sociais entre o capital e o trabalho sofreram uma transformação profunda. A mão-de-obra está desagregada em seu desempenho, fragmentada em sua organização, diversificada em sua existência e dividida em sua ação coletiva. Capital e trabalho tendem cada vez mais a existir em diferentes espaços e tempos: o espaço de fluxos e o espaço dos lugares, tempo instantâneo de redes computadorizadas versus tempo cronológico da vida cotidiana.
O capital é global; o trabalho, local.
No segundo volume da trilogia, O Poder de Identidade (2008), Castells analisa a formação do Ser e a interação entre a Rede e o SER na crise de duas instituições centrais da sociedade: a família patriarcal e o Estado nacional. O movimento zapatista é dado como exemplo de como um movimento social pode se adaptar à arquitetura das redes, construídas pelo capitalismo informacional. O feminismo e a ecologia são pensados movimentos globais com atuação localizada. Castells estuda ainda o fundamentalismo religioso (como resistência à globalização).
O livro Fim de Milênio (1999) se divide em cinco capítulos: A crise do estatismo industrial e o colapso da União Soviética; o surgimento do Quarto Mundo: capitalismo informacional, pobreza e exclusão social; a conexão perversa: a economia do crime global; desenvolvimento e crise no Pacífico asiático; e a união da Europa: globalização, identidade e o Estado em rede.
A nova estrutura de poder mundial comandada pelas empresas transnacionais (industriais, financeiras e de serviços) está substituindo a atual estrutura de poder dos Estados-nações. Com o ocaso dos Estados-nações e a proeminência das empresas transnacionais na estrutura de poder global, o cenário que se descortina para o futuro é o de um capitalismo mundial sem controle ou regulação pública.
Castells utiliza a noção de rede social de agentes no sentido sociológico e não como uma rede de comunicação. A rede é uma forma de organização democrática constituída de elementos autônomos, interligados de maneira horizontal cooperando entre si[2]. Mas, também escreveu o livre Galáxia da Internet (2001), em que faz uma netnografia da rede, destacando os quatro tipos principais de usuários: a cultura Hacker, a cultura acadêmica da tecnomeritocrática, a cultura de empreendedorismo e as comunidades virtuais.
Quinze anos depois da trilogia (e não por acaso os quinze anos em que a internet se desenvolveu e se estabeleceu), Castells estuda como os movimentos sociais contemporâneos utilizam a internet e como isso os diferencia dos movimentos sociais ‘tradicionais’.
Redes de indignação e esperança (2013) aponta para falência da organização política tradicional dos partidos e dos parlamentos atuais.
A maior parte dos cidadãos do mundo não se sente representada por seu governo e parlamento. Partidos são universalmente desprezados pela maioria das pessoas. A culpa é dos políticos. Eles acreditam que seus cargos lhes pertencem, esquecendo que são pagos pelo povo. Boa parte, ainda que não a maioria, é corrupta, e as campanhas costumam ser financiadas ilegalmente no mundo inteiro. O fenômeno mais importante na sociedade atual é a autonomia, a capacidade de a pessoa decidir a sua própria vida, para todo mundo. O que mais nos importa é decidir nossa vida – com nossas limitações. A internet é uma tecnologia velha – foi criada em 1969 –, mas o mais importante é que ela é também um produto cultural. Foi organizada a partir de valores como liberdade e autonomia. Portanto, o tipo de tecnologia em rede e o tipo de padrão cultural baseado na autonomia coincidem. (THOMÉ e MASTALIR, 2015.)
Castells estuda vários movimentos sociais organizados através da internet a partir de 2010 (Tunísia, Islândia, a revolução egípcia, os indignados da Espanha, o Occupy Wall Street em Nova York e os protestos de junho de 2013 no Brasil). Castells identificou várias aspectos em comum - o caráter espontâneo, pluralista, apartidário e heterogêneo das manifestações - formando ‘um padrão rizomático emergente’, uma ‘cultura da autonomia’. Os movimentos descritos por Castells foram populares, dirigidos por si mesmos, organizados autonomamente pela internet por ativistas sem militância, sem direção única ou coordenação centralizada, sem o controle de organizações políticas ou entidades civis, nem o apoio dos meios de comunicação tradicionais. Foram movimentos pluralistas e heterogêneos, com motivações, bandeiras e palavras de ordem as mais variadas e até contraditórias. Algumas foram contra o que o parlamento e os partidos representam, mas sem intenção de substituí-los ou extingui-los. E, principalmente, esses novos movimentos sociais em rede apresentaram uma nova concepção de liberdade e de igualdade, própria da democracia inerente à inteligência coletiva. Na interpretação de Castells, o sentido mais geral das manifestações coloca em xeque o próprio sistema de representação política.
A sociedade em rede é global, mas com características específicas para cada país, de acordo com sua história, sua cultura e suas instituições. Trata-se de uma estrutura em rede como forma predominante de organização   de qualquer atividade. Ela não surge por causa da tecnologia, mas devido a imperativos de flexibilidade de negócios e de práticas sociais, mas sem as tecnologias informáticas de redes de comunicação ela não poderia existir.
Nos últimos 20 anos, o conceito (de redes) passou a caracterizar quase todas as práticas sociais, incluindo a sociabilidade, a mobilização sociopolítica, baseando-se na internet em plataformas móveis.  “Hoje qualquer mensagem que se quer livre e autônoma não passa por um partido ou por um jornal. Se há uma mensagem que se conecta com outras mentes conectadas na rede, então essa aceitação dá início a um movimento. Os atores são coletivos, sem burocracia, sem hierarquia, sem líderes.  (THOMÉ e MASTALIR, 2015.)
E o que são redes?
As redes são formadas por unidades autônomas interligadas em arranjos temporários, unidades globais e locais ao mesmo tempo, dotados de inteligência coletiva biológica inata tecnologicamente amplificada, da capacidade de sentir e agir simultaneamente em conjunto sem hierarquia vertical. Essa sinergia entre os grupos e pessoas, descentralizada e sincrônica, forma e é formada através das redes.
Redes são estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos d comunicação. Uma estrutura social com base em redes é um sistema aberto altamente dinâmico suscetível de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio. Redes são instrumentos apropriados para a economia capitalista baseada na inovação, globalização e concentração descentralizada; para o trabalho, trabalhadores e empresas voltadas para a flexibilidade e a adaptabilidade; para uma cultura de desconstrução e reconstrução contínuas; para uma política destinada ao processamento instantâneo de novos valores e humores públicos; e para uma organização social que vise a suplantação do espaço e a invalidação do tempo.
E, o mais importante: Castells afirma que o modelo de organização em rede foi do mercado corporativo à sociedade civil organizada, chegando agora finalmente à esfera pública da política. Ao contrário do que pensaram Habermas, Giddens e Thompson, não foi a esfera pública que se uniu à sociedade civil contra o mercado; a globalização desindustrializou a economia e as multinacionais passaram a ser organizar em rede; os movimentos sociais da sociedade civil se internacionalizaram em ONGs como a Anistia ou o Greenpeace.
Apenas o estado se mantem preso às identidades nacional, regional e local e a antiga estrutura territorial de organização hierárquica. O Estado não se globalizou e a esfera pública ainda não se organiza através das redes.


Bibliografia
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede/ A Era da Informação: Economia, sociedade e cultura – Vol. 1. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
___O Poder da identidade/ A Era da Informação: Economia, sociedade e cultura – Vol. 2. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
___ Fim do Milênio/ A Era da Informação: Economia, sociedade e cultura – vol. 3. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
___ A Galáxia Internet: Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade. (2ª Edição) Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
___ Redes de indignação e esperança – Movimentos sociais na era da internet. Tradução Carlos Alberto Medeiros. São Paulo: Zahar, 2013.
THOMÉ e MASTALIR, Luciana e Michele. Manuel Castells - Fronteiras do Pensamento; Curadoria Fernando Schüler; Lume Ideias; Revisão Ortográfica: Renato Deitos. Brasken, 2015.

FONTES COMPLEMENTARES
ENTREVISTAS
“A mudança está na cabeça das pessoas”. Entrevista concedida para a revista Época sobre os protestos no Brasil e no mundo, publicada em outubro de 2013. < http://is.gd/castells1 >
“A rede torna mais difícil a opressão”, diz Manuel Castells. Entrevista para o jornal sobre a nova sociedade global, publicada em junho de 2013. <http://is.gd/castells2 >
“O povo não vai se cansar de protestar”. Entrevista para o jornal O Globo, publicada em junho de 2013. http://is.gd/castells3
Dilma é a primeira líder mundial a ouvir as ruas”. Entrevista para a revista Isto É sobre a crise no Brasil em 2013, publicada em junho de 2013. http://is.gd/castells4  
Se um país não quer mudar, não é a rede que irá mudá-lo. Entrevista para o jornal Folha de São Paulo sobre a internet e o processo eleitoral brasileiro, publicada em setembro de 2010. < http://is.gd/castells5 >
A máquina humana. Entrevista para a revista Isto É sobre a trilogia A era da informação, publicada em junho de 1999.  < http://is.gd/castells6 >
Manuel Castells: temos que criar seres humanos capazes de assumir o risco da liberdade. Artigo publicado no jornal espanhol La Vanguardia em abril de 2015 e reproduzido no site do Fronteiras do Pensamento. < http://is.gd/castells7 >
Redes de indignação e esperança. Castells divulga seus estudos e conclusões sobre os conflitos civis mundiais em conferência no Fronteiras do Pensamento em junho de 2013.  < http://is.gd/castells8
Por um Brasil que desconhecemos . Vídeo do Fronteiras do Pensamento, publicado em junho de 2013, no qual Castells explica a dinâmica dos movimentos sociais e analisa, de forma comparativa, as manifestações no Brasil. < http://is.gd/castells9 >
Escola e internet: o mundo da aprendizagem dos jovens. Vídeo especial com depoimento de Castells produzido pelo Fronteiras do Pensamento em 2013.  < http://is.gd/castells10 >
Roda Viva. Entrevista concedida para o programa Roda Viva da TV Cultura em julho de 1999. < http://is.gd/castells11 > 

[1] Castells (1999, 413-466) homenageia McLuhan como pioneiro no entendimento das mudanças de percepção de tempo-espaço instituídas pela televisão (e multiplicadas pelo computador); mas também o relativiza, uma vez que ele leva em conta apenas um terço dos fatores de mudança social, sendo preciso ainda avaliar as transformações no mundo do trabalho e das relações de gênero.
[2] Diferencia-se a noção de ‘Rede Social’ da noção de ‘Redes Digital’. Rede Social é referente à ação comum, sincrônica e descentralizada de agentes semelhantes não presenciais durante algum tempo. E Redes Digitais correspondem às redes intercomunicação dentro e fora da internet (incluindo os sites, como o Facebook). As Redes Sociais, assim, são anteriores, em todos os sentidos, às Redes Digitais.

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