terça-feira, 24 de outubro de 2017

A sociedade sem pessoas

Sistemas Sociais e Comunicação em Luhmann
Outro sociólogo contemporâneo importante é o alemão Niklas Luhmann (2005), em pelo menos três pontos: a redefinição do conceito de Sistema, a diferenciação dos sistemas sociais dos sistemas mentais e biológicos e uma concepção de Comunicação.
Sistema – para o funcionalismo - é um conjunto cujos diferentes elementos interagem entre si, desempenhando funções de integração e de manutenção do sistema. A interação dos elementos produzia uma ‘homeostase’ – um equilíbrio interno responsável pela estabilidade do sistema durante o tempo. Para o funcionalismo, a comunicação já era um fator de equilíbrio e de mediação dos conflito sociais (em oposição à teoria de manipulação hipodérmica e à teoria da persuasão de Lasswell).
Para cibernética, o sistema tende para a entropia e não a homeostase; a disfunção é compreendida como ruído. Os feedbacks promovem auto organização contra a incerteza. A comunicação passou a ser vista como um fator de aperfeiçoamento sistêmico para diminuição da entropia. A comunicação é o inverso que do ruído: a comunicação objetiva a homeostase e auto regulação; o ruído é a própria manifestação da entropia e da dissolução do sistema. 
O estruturalismo não dá nenhum sentido especial a ideia de comunicação e a noção de estrutura toma parte das características do conceito de sistema (totalidade, unicidade), que fica então reduzido a espaços de sincronia, áreas de simultaneidade dentro de um conjunto de regras estruturais. Lévi-Strauss considera a Estrutura Social é formada pelos sistemas de parentesco, de bens e de linguagem – por exemplo. A estrutura é invisível e está por trás dos sistemas, sendo formada por relações e conexões recorrentes, que, com o tempo, se tornam regras estruturais “ocultas”, responsáveis pela reprodução social dos sistemas.
O biólogo chileno Umberto Maturana vai redefinir a ideia de Sistema através da noção de autoreferência sistêmica (o sistema que observa a si próprio) e de autopoesis (o sistema que produz e reproduz a si mesmo). Nessa definição, o importante não é a interação dos elementos internos, mas sim a relação entre a auto-organização do sistema e seu entorno, ou ambiente externo.  O novo conceito de Sistema implica também em um lado de dentro que observa um lado de fora, isto é, na noção de autoreferência.
O sistema é algo que estabelece relações consigo mesmo e se diferencia dessas relações frentes às de seu entorno. Sem diferença com relação ao entorno, não haveria auto referência. Todo o sistema que se autoproduz, que se faz unidade de diferença, se singulariza e passa a se constituir numa identidade. O sistema também ganha autonomia, uma vez que diversifica seus acoplamentos de entrada e saída do ambiente, diminuindo sua dependência estrutural do exterior.
Luhmann assimila e aperfeiçoa ainda mais o conceito de sistema autopoético e autorreferente de Maturana, distinguindo três tipos de sistemas: os biológicos (célula, cérebro, corpo), os psíquicos e sociais (subdivididos em interações, organizações e sociedade). Esses três tipos de sistemas são interpenetrados uns aos outros. Somos sistemas biológicos que se observam através de um sistema psíquico condicionado por um sistema social. Os três sistemas tem interseções e entornos próprios, incluindo/excluindo parte dos outros dois sistemas.
Essa redefinição/desenvolvimento do conceito de Sistema tem um significado avassalador para a tradição do pensamento sociológico. Sistema não é uma categoria analítica, mas uma forma de descrição concreta, que leva em conta a complexidade da realidade.
Luhmann assimila e supera várias etapas da reflexão sociológica: a sociologia das representações coletivas (Durkhein), as sociologias da ação social (Weber, interacionismo simbólico, etnometodologia), a sociologia da estrutura (derivada de Lévy-Strauss), as sociologias que combinam ação e estrutura (Parsons, Habermas) e a sociologia das práticas sociais (Bourdieu, Giddens).
No modelo sistêmico não existe nem ação nem estrutura, nem sujeito nem objetividade, apenas o sistema/entorno, em seu crescimento através de operações de diferenciação voltadas para dentro, reduzindo a complexidade externa através da auto-organização. Os sistemas se assemelham a filtros da complexidade da vida. A atividade autopoesis ou auto-organização é assim uma conquista de autonomia do sistema em relação às incertezas do ambiente externo. Há quatro formas de diferenciação: segmentação (horizontal), estratificação (vertical), centro-periférica e diferenciação de sistema funcionais. Nos sistemas sociais, Luhmann identifica quatro subsistemas funcionais: adaptação (economia), realização de metas (política), integração (sistema legal), manutenção de padrões latentes (instituições culturais).
A comunicação, para Luhmann, é a permuta (de energia, informação, recursos) entre sistemas sociais e não entre pessoas. Não há transferência de informação ou de conteúdos semânticos entre emissor e receptor. A Comunicação é produção de redundância instantânea (uma emulação entre sistemas). Luhmann considera que a comunicação como unidade discreta de análise sociológica é mais precisa do que a Ação Social ou a Ação Comunicativa. (LUHMANN, 1997b APUD RODRIGUES, NEVES, 2016, pág., 86)
Habermas desenvolve uma concepção de sociedade que leva em conta a centralidade dos processos comunicativos. Mas, Habermas acredita no intercambio simbólico entre as consciências, pressupõe, uma base consensual partilhada entre os sujeitos: a intersubjetividade.
Para Luhmann, no entanto, a sociedade não é formada pelas relações entre os seres humanos, a intersubjetividade não existe de fato. As pessoas estão no entorno do sistema social. Elas estão fora do sistema e o sistema está parcialmente dentro delas. Luhmann nos fornece outra forma de pensar e de descrever a sociedade.  
Novos conceitos, velhos problemas
As mudanças do paradigma científico no século passado, tem como ponto central a questão do observador. A visão do universo depende do local em que se está. Enquanto para sociologia clássica existe um sujeito-observador e um objeto observado em uma realidade empiricamente dada; para Luhmann, o que há são sistemas formando uma realidade. O que chamamos de indivíduo, ator ou agente; Luhmann chama de sistema psíquico (a sede da auto referência). É uma perspectiva complexa e um construtivismo radical.

A ciência tradicional oscila entre o empirismo e o racionalismo, entre o indutivo e o dedutivo. Na sociologia de Luhmann, a (auto) observação é uma operação de diferenciação sistêmica. Os sistema se observam através da observação direta e das observações de segunda ordem. Luhmann pode parecer relativista e subjetivista à primeira vista, mas não é. Ele é evolucionista, mas não de uma forma redutora; pois não se trata de seleção externa, mas sim de auto-organização interno. O sistema evolui na medida em que conquista autonomia. Sua teoria é bastante abstrato, mas é voltada para observação e descrição de sistemas e ambientes concretos. 

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