DISCURSO SOBRE O TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO
João Helder Cavalcanti
Quando
começamos a advogar, o Tribunal do Trabalho existia – como o
próprio nome diz – de forma Regional. Era por regiões.
Isso
foi em 1982-83. Faz 40 anos que começamos a advogar... Começamos
antes, ainda como estagiário, mas estamos considerando, a partir da
época em que já tínhamos a carteira da OAB.
A
sede do Tribunal Regional do Trabalho era em Recife, e englobava
Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.
Todas
as vezes que precisávamos fazer uma defesa no Tribunal – entregar
um recurso, um memorial – tínhamos que nos deslocar de Natal para
Recife, para cumprir o protocolo. Como não havia, então, nenhuma
das facilidades tecnológicas, que temos hoje, só aí você
despendia praticamente o dia inteiro, considerando a viagem de ida e
volta. E nunca tínhamos o mesmo tratamento dos advogados da
cidade-sede, que estavam ali, diariamente, e eram, portanto, mais
conhecidos.
Com
a Constituição de 1988, muita coisa veio a mudar no cenário do
Judiciário Brasileiro. Aliás, é preciso que se diga que, apesar
das tentativas de desfigurá-la, é uma Constituição, cujo maior
mérito é ser altamente
inclusiva
– isso na nossa visão, e na de muitos constitucionalistas de
renome mundial.
Digo mais:
o próprio Direito do Trabalho é, por si só, o
maior projeto de inclusão social
que a civilização conseguiu realizar até hoje.
Feita
essa premissa, pode-se dizer que a Justiça do Trabalho funciona,
também, como um instrumento reparador de desigualdades sociais,
muitas delas históricas. Esse instrumento está à disposição do
trabalhador, para dele fazer uso e corrigir eventuais erros, ou, até
mesmo, abusos por parte do empregador.
A
Constituição de 88, ao primar pelos direitos fundamentais, pelos
direitos sociais, obviamente permitiu um salto significativo na vida
dos trabalhadores, dos sindicatos e dos movimentos sociais
brasileiros.
E um
exemplo bem palpável disso é que os Tribunais, por estado, foram
criados, a partir dessa Constituinte.
Como
o Rio Grande do Norte não tinha força política para criar o seu
próprio Tribunal, Pernambuco ficou com Alagoas, e a Paraíba
encampou a criação de um Tribunal, que terminou nos envolvendo. A
força política da Paraíba vinha do advogado e político Humberto
Lucena, então Presidente do Senado, que liderou essa conquista do
seu Estado, em detrimento do nosso.
Os
anos se passaram e, às custas de abnegados juízes do Trabalho –
que se mobilizaram a ponto de sensibilizar a classe política para
viabilizar a criação do Tribunal Regional do Rio Grande do Norte –
este, por fim, foi criado.
A
Lei de número 8215, de 1991 criou, definitivamente, o TRT da
Vigésima-Primeira Região, que viria a se instalar somente no ano
seguinte.
E,
aqui, abro um parêntese, para mencionar um nome que, indo na
contramão do marasmo da nossa, então, classe política, fez-se
exceção à época. Talvez, pelo seu conhecimento jurídico, talvez,
pelo fato de ter advogado na Justiça do Trabalho, talvez, pelo fato
de ter sido professor de Direito Constitucional, o então deputado
federal Ney Lopes de Souza botou, literalmente, o projeto debaixo do
braço e saiu, sensibilizando seus colegas, e tornando-se, assim, uma
espécie de padrinho
da causa.
Com
a criação do TRT do Rio Grande do Norte, os juízes de primeira
instância foram alçados ao novo Tribunal, obedecidos os critérios
de antiguidade e merecimento (não conhecimento). Iria compor o
TRT-RN, ainda, um representante do Quinto Constitucional,
representando os advogados, e um representante do Ministério
Público.
Entre
os juízes togados estavam Raimundo Oliveira, Francisco das Chagas
Pereira, Waldeci Gomes Confessor e Maria do Perpétuo Socorro
Wanderley de Castro. Já entre os classistas, Sérgio de Miranda
Monte e Reginaldo Teófilo da Silva. Othongaldi Rocha era o
representante do Ministério Público e o Dr. José Rocha o
representante do Quinto Constitucional, que viria a ser,
naturalmente, o primeiro presidente do TRT 21ª Região.
E
por que digo naturalmente?
Porque,
indiscutivelmente, sem desconsiderar nenhum outro magistrado –
absolutamente; todos foram fundamentais na luta pelo Tribunal do
Trabalho Potiguar – mas, sem o Dr. José Rocha nós não estaríamos
aqui.
Simplesmente.
Não
estaríamos aqui, e ponto.
Sem
discussão.
Pode-se
dizer que Dr. José Rocha foi quem construiu o novo Tribunal, a
partir de uma ideia, de um desejo, que foi se planificando através
dos projetos arquitetônicos e estruturais, que são fundamentais,
claro, mas que não poderiam existir sem o alicerce maior da força
de um sonho.
José
Vasconcelos da Rocha foi esse sonhador.
Esse homem, esse advogado, esse juiz, que transcendeu as fronteiras
do sonho e concretizou este
Tribunal, que, hoje, comemora três décadas.
Dr.
José Rocha compreendeu que não bastava ser romântico
– era preciso ser o guerreiro
que, efetivamente, ele foi. Obstinado, determinado, dedicado,
trabalhador, todas características que pavimentaram seu percurso até
tornar-se um magistrado exemplar.
Obviamente,
ele não estava só. Nenhuma andorinha faz sozinha as alegrias vivas
de um verão. Ou, como diria nosso vizinho, o poeta pernambucano João
Cabral de Melo Neto,
Um
galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de
outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e
o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um
galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que
com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus
gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se
vá tecendo, entre todos os galos.
•
Junto
com José Rocha estava Dr. Francisco das Chagas Pereira e sua cultura
ímpar.
Estava,
também, a Dra. Perpétua, igualmente detentora, no seu modo
discreto, de uma cultura jurídica e literária inigualável e cujo
nome, por razões de uma quase delicada poesia, que tanto nos
inspira, deixou de ser Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de
Castro, para ser, simplesmente, Perpétua
– ou seja, de
longa vida,
eterna.
•
Mas,
em verdade, incomparáveis, inigualáveis, também, eram os demais
magistrados – Raimundo Oliveira, Waldeci Confessor, Sérgio Monte,
Reginaldo Teófilo, Othongaldi Rocha.
Ressalto,
ainda, que em toda essa luta o Dr. Francisco Fausto, dileto amigo e
ministro do TST, esteve sempre presente.
Nessa
época, é importante relembrar, ainda existia a representação
classista, pelo lado do empregador e pelo lado do empregado, que
terminou sendo extinta devido a um acúmulo de direitos que, com o
tempo, tornaram-se privilégios.
Igualmente
importante, é situar o contexto da época. O país vivia o
rompimento da ditadura. Nascia um novo Brasil, cheio de esperança,
com muitos novos projetos.
O
nosso Tribunal nasce, então, sob este novo signo.
A
começar pelo seu – por assim dizer – berço:
uma Constituição extremamente inclusiva!
A
Constituição de 1988 inaugura direitos nunca antes vistos pelos
trabalhadores; como, por exemplo, o instituto da substituição
processual e a liberdade e autonomia dos sindicatos, vetando a
intervenção estatal.
Até
então, era muito difícil um trabalhador entrar na Justiça,
sozinho, contra o seu empregador, por medo de represálias, ao ponto
que a Justiça do Trabalho era conhecida como “a Justiça dos
desempregados”. Só quem já não tinha mais nada a perder,
recorria a ela...
•
Com
o advento dos direitos sociais, com a consagração da autonomia
coletiva dos trabalhadores, com o reconhecimento das convenções e
acordos coletivos – entre outros direitos – tudo isso acaba
transformando a feição da Justiça do Trabalho. Novas demandas
surgem, o espectro torna-se mais abrangente, cumprindo melhor o seu
papel de inclusão social, através do reconhecimento dos direitos
dos trabalhadores.
Como
era de se esperar, a resistência a essas mudanças não tardou, com
muitos debates jurídicos, doutrinários, mas quase sempre com o
intuito de dificultar o acesso do trabalhador à Justiça.
Temos,
aqui, um detalhe importante – é que os juízes, formados àquela
época, tinham uma formação humanista, e enxergavam, portanto, o
Direito do Trabalho como efetivamente ele é.
Hoje,
quando se ouve falar em, por exemplo, flexibilização
de direitos trabalhistas
ou coisa que o valha, automaticamente, se está contrariando a
própria essência do Direito do Trabalho – porque ele não foi
feito para flexibilizar,
mas para reconhecer
direitos que as pessoas têm!
•
Voltando
mais ainda no tempo, no pós-guerra, todos os regimes que se
constituíram na Europa – fonte de onde nós bebemos muito do nosso
conhecimento – formaram um novo tipo de estado.
Em
troca da legalidade dos sindicatos, das convenções coletivas do
trabalho e dos contratos coletivos, se criou um estado que veio a se
chamar estado
de bem-estar social.
As
mudanças foram visíveis. Na Inglaterra, por exemplo, Winston
Churchill, mesmo tendo comandado seu país à vitória contra os
nazistas; mesmo resistindo; mesmo conseguindo derrubar o governo de
Neville Chamberlain, para que este não capitulasse diante de Hitler;
e, mesmo conduzindo os aliados, juntamente com Stalin e Roosevelt...
Churchill perde as eleições para o Partido Trabalhista no imediato
pós-guerra.
E
por que isso aconteceu?
Porque
o povo britânico compreendeu que, para a tarefa árdua da guerra,
Churchill era extremamente capaz, sim; mas, reconstruir um país
inteiro, isso era outra coisa.
Era
preciso reconstruir um estado social,
um estado inclusivo.
Em
outras palavras e usando de uma metáfora, a Europa namorava
a esquerda, mas não assumia.
Não subia com ela ao altar; não permitia que ela chegasse ao poder.
Mas, era o suficiente para que a esquerda influenciasse a feição do
Estado.
Isso
tem muito a ver com o Direito do Trabalho, porque ele é quem guarda
essa função. Os sindicatos, na Europa do pós-guerra, passaram a
ter voz ativa, passaram a ter importância na construção do
desenvolvimento nacional, apostando em um projeto de civilização
extremamente includente.
Antes
da redemocratização brasileira, assistimos a Espanha passar por um
percurso semelhante ao que veríamos passar aqui. Adolfo Suárez era,
inclusive, advogado trabalhista, antes de tornar-se o primeiro
presidente democrático após a ditadura de Franco. Pouco antes de
assumir, Suárez recitou, em um discurso, versos do poeta espanhol
Antonio Machado, exilado por conta do regime franquista:
“Está
o Hoje aberto para Amanhã”
“Amanhã
para o Infinito
Nem
o Passado é morto
Nem
o Amanhã nem o Ontem estão escritos”
•
Este
Tribunal está, portanto, do alto dos seus 30 anos, aberto ao
infinito.
•
Voltando
à Espanha, o mais incrível da sua redemocratização é que Adolfo
Suárez, mesmo tendo exercido vários cargos durante o regime
franquista, foi capaz de reunir as diferenças e, até mesmo, os
extremos políticos. Santiago Carrillo, líder comunista espanhol,
definiu Suárez como um “anticomunista inteligente”.
Como
vocês vêem, eram outros tempos, quando a inteligência reinava,
soberana, sobre a ignorância; ignorância esta que se escondia
covardemente, como hoje, sob o véu obscuro do radicalismo
ideológico.
O
advogado trabalhista Adolfo Suárez soube conduzir, na Espanha
pós-Franco, o que a elite brasileira jamais quis – Suárez
conduziu um pacto
social,
visando ao desenvolvimento do país, porque ele entendeu que, sem o
reconhecimento das dívidas históricas, que as classes mais altas
têm perante uma nação, jamais se conseguirá pacto algum, nem a
nação conseguirá se desenvolver plenamente.
•
Houve
exceções, claro. Durante o Governo Itamar Franco, o ministro do
Trabalho, Walter Barelli, economista, oriundo do Dieese, até tentou;
mas, infelizmente, as tradicionais forças refratárias brasileiras
não admitiram – como hoje não admitem – o entendimento geral
que inclua determinadas classes sociais que se encontram excluídas.
Por
isso que, até no hoje, no Brasil, se namora com ideias que são,
efetivamente, contrárias à história do Direito do Trabalho –
como a flexibilização sobre a qual já falamos...
•
Mas,
voltemos agora a um ponto, ainda importante, sempre
importante, aliás, que é a Constituição Brasileira vigente de
1988.
Ela
tem um artigo de extrema valia. É o artigo terceiro, que diz o
seguinte:
“Constitui
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil
I -
Construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II -
Garantir o desenvolvimento nacional;
III -
Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
IV -
Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
•
Vejam
bem, quando se diz o que deve ser feito, é porque não existe,
ainda,
aquilo que deve ser feito!
Ou
seja, não temos uma sociedade “livre, justa e solidária”; mas
temos pobreza, marginalização e desigualdades.
Este
artigo, terceiro, é considerado pelos maiores constitucionalistas do
mundo um dos mais importantes, porque, ao ter uma cláusula
transformadora,
dialoga com a realidade. É como se dissesse:
“essa
realidade não nos interessa, nós temos que construir outra
realidade, outra sociedade”.
Ao
dialogar, então, com a sociedade, através desta cláusula, deste
artigo, a Constituição Brasileira de 1988 se mostra capaz de
promover um verdadeiro programa social, que vincula o Executivo, o
Legislativo e o Judiciário.
José
Joaquim Gomes Canotilho, português e um dos maiores estudiosos de
Constituições do mundo, define a nossa Constituição como
programática
e
dirigente,
ao estabelecer um vínculo com a realidade e a união dos poderes em
torno desta mesma realidade.
Mas,
antes de entrarmos em detalhes sobre os elogios e, também, os poréns
que o ilustre professor tece sobre a nossa Constituição, vamos
ouvir suas palavras quanto às constituições em geral:
“Existe
uma Constituição mundial que é a Carta dos Direitos do Homem; ela
protege o cidadão contra o poder do Estado, define os direitos
fundamentais das pessoas e consagra a democracia como o regime
ideal.”
•
Esta
fala do professor Canotilho é de uma entrevista concedida na
primeira década deste século, ao site brasileiro Consultor
Jurídico.
É,
também, um belo resumo do papel das Constituições, do papel do
Direito na vida das civilizações.
E
notem a ênfase que demos a palavra “civilização” e não
“barbárie”.
Sim,
porque, mais pra frente, nessa entrevista, José Gomes Canotilho nos
lembra que uma das características das civilizações é que elas
dialogam
entre si,
e que há países que não têm Constituição, optando, em seu
lugar, por livros religiosos.
Nada
contra a religião, absolutamente, mas, como diz o eminente jurista
português,
“É
bom que haja uma Constituição dos homens, mas a Constituição não
é uma Bíblia, assim como a Bíblia não pode servir de Constituição
para povo algum.”
Fecha
aspas.
Desculpem-nos
se cito demais Canotilho, mas é impossível não beber,
sofregamente, de suas palavras – elas nos matam uma sede que,
muitas vezes, não sabemos nem mesmo que temos...
Então,
prestemos atenção, ainda uma vez, sobre como ele nos enxerga:
“A
Constituição Brasileira foi um grito
de modernidade ouvido trinta anos depois da criação de Brasília,
em 1958, um estatuto de contraste com a ditadura da qual o país se
libertou. É um texto assentado sobre os princípios da democracia
representativa, garantidor dos direitos fundamentais, mas que nem por
isso deixa de ser alvo de contestação, por englobar o trato dos
problemas sociais do país, a articulação dos poderes regionais e
dos conflitos políticos. É uma empreitada quase impossível. É,
talvez, a mais complexa Constituição, em face do volume e do
detalhamento. É um fator gerador de tensões e que desafia a
dialética, mas que completa vinte anos consagrando a separação de
Poderes.”
•
Na
época, eram 20 anos, hoje, já são 34 anos!
E
vamos convidá-los – a cada um de vocês aqui presente – que
recordem como vocês eram aos 20 anos de idade... E depois, aos 30,
aos 34...
Podemos
dizer que o jovem estudante de Direito, que éramos, aos 20 –
revolucionário, idealista, contestador – deu lugar, 14, 15 anos
depois, a um advogado, ainda jovem, ainda revolucionário, ainda
idealista, ainda contestador.
A
propósito, Milton Nascimento, que está completando 80 anos e
fazendo a sua última turnê mundial, respondeu, um dia desses, a
pergunta se ele era um revolucionário... A sua resposta, que achamos
genial, belíssima, e que tomamos emprestado, foi a seguinte:
“Não.
Revolucionário, não. Mas eu quero ser um revolucionário.”
•
Aos
30 anos, já éramos advogado, e como advogado aprendemos a enxergar
a nobreza que existe no Judiciário. Nobreza, aqui, entendida não
como um valor aristocrático – não, ao contrário!
Porque,
é através, entre outros, do Direito do Trabalho, que o Judiciário
fica mais nobre, se engrandece – porque participa da vida da nação,
com o objetivo maior de entregar para as outras gerações uma
sociedade melhor.
Então,
hoje, ao celebrarmos o ingresso do Tribunal Regional do Trabalho na
vida do Rio Grande do Norte, três décadas atrás, estamos
relembrando que, por trás de tudo isso, de cada um desses 30 anos,
existem muitas e muitas ideias, muitos e muitos ideais, muitas e
muitas batalhas. E todas elas vitoriosos
– uma vitória que é, justamente, da civilização
sobre a barbárie.
Essa
vitória é nossa, de todos nós.
E
vai muito além deste prédio.
Vai
na casa de cada um cidadão norte-rio-grandense; não apenas entre
nós, doutores
e
doutoras
da lei.
Hoje,
mais do que nunca, não podemos permitir que a história nos seja
negada, ou adulterada, ou esquecida.
•
Permitam-nos
que lhes conte uma história, uma das tantas histórias da nossa
trajetória como advogado, que, todos vocês, igualmente, têm as
suas.
Certa
vez, nos procurou, no escritório, um rapaz, bancário, 22 anos,
vindo do interior – a sua demissão coincidiu com a descoberta de
que era portador do vírus HIV.
Esse
rapaz não tinha mais para onde voltar. Anos antes, tinha sido posto
pra fora de casa por ser homossexual.
O
escritório entrou com uma ação, alegando discriminação, o juiz
concedeu a liminar e o empregado foi reintegrado.
Após
essa vitória, ele volta a nos procurar, desta vez para agradecer e
nos confidencia: caso não tivesse obtido a liminar, já tinha se
organizado para tirar a própria vida...
Nós,
meus colegas e eu, ficamos, obviamente, comovidos, tocados. E pedimos
a ele que procurasse, também, o juiz que concedeu a liminar, porque,
já então, percebíamos que, muitas vezes, os juízes, pela própria
natureza do seu trabalho, não têm a oportunidade deste contato mais
íntimo, que nós advogados temos o privilégio de ter e, assim,
muitas vezes, não veem o alcance de suas decisões.
Esse
rapaz não teve apenas o emprego de volta – teve a própria vida,
restituída.
•
Outro
caso singular foi o de um cidadão, cuja causa vitoriosa se traduziu
em números numa quantia bem razoável, o equivalente a, hoje, cerca
de 500 mil reais. Também, ele voltou ao escritório para nos
agradecer... infelizmente, é preciso que se diga que esta não é a
regra...
Mas
este cidadão volta, pra nos agradecer – e não apenas: ele nos
presta conta, em detalhes, como estava aplicando o dinheiro que tinha
recebido. Um dos destinos era para a filha fazer a faculdade de
medicina. E nos apresenta, então, a moça, acrescentando:
“Indiretamente,
são vocês, o trabalho de vocês que está financiando o sonho dela,
que é o meu sonho também”.
•
Então...
é disso que estamos tratando aqui, é sobre isso
essa comemoração!
É
sobre dar às pessoas acesso à Justiça e dar condições, ao
Judiciário, como um todo, para que ele resolva, para que ele conclua
os processos e modifique, assim, definitivamente, a vida das pessoas
que batem
à nossa porta.
Porque
foi por isso que eles, elas vêm até nós e
batem à nossa porta.
Cabe
a nós, abrir ou não essa porta; cabe a nós, convidar ou não essa
pessoa, carente de justiça, para que entre e se sinta incluído num
mundo que não pode mais ser dividido entre nós
e
eles...
Isso
nos faz lembrar que, certa vez, Eduardo Galeano e um seu amigo,
diretor de cinema argentino, estavam sendo entrevistados por
estudantes de uma universidade em Cartagena das Índias, na Colômbia.
Um
dos estudantes levanta e pergunta ao amigo, não a Galeano... “Pra
que serve a Utopia?”
Galeano
fica, assim, quase... “escapei
dessa”...
Mas
o amigo responde, de um modo que Galeano considera exemplar...
“A
Utopia está no horizonte; eu sei muito bem que nunca a alcançarei;
que se eu caminho dez passos, ela se afastará dez passos; quanto
mais a procure, menos a encontrarei, porque ela vai se distanciando à
medida que eu me aproximo. É uma ótima pergunta – pra que serve
afinal? Pois, a Utopia serve pra isso – pra que eu caminhe.”
Devemos,
pois, todos nós, caminhar, sem perder de vista o horizonte, o norte
de cada um. Que, no caso do Direito do Trabalho, é a inclusão
social.
Muito
obrigado.