quarta-feira, 22 de junho de 2022

Barthes


 O ESTRUTURALISTA E O PÓSMODERNO

A coletânea de artigos Análise Estrutural da Narrativa (BARTHES, 2008) marca um momento importante para os estudos narrativos. Umberto Eco escreve uma análise narrativa dos livros de James Bond (2008, 142); Claude Bremond investiga 'A lógica dos possíveis narrativos' (2008, 114); Tzvetan Todorov define 'As categorias da narrativa literária' (2008, 218); Gérard Genette discute as Fronteiras da narrativa (2008, 265); Greimas faz uma homenagem a Levi-Strauss em Elementos para uma teoria da interpretação da narrativa mítica (2008, 63); e Roland Barthes, organizador do livro, publica sua Introdução à análise estrutural da narrativa (2008, 19).

Ao contrário de Campbell, de Levi-Strauss e de Greimas, que viam as narrativas míticas como epifanias e memórias estruturantes; Roland Barthes considera que os mitos são construções ideológicas do poder conotativo. O mito naturaliza as relações sociais, transformando contingências históricas em tabus e falsas identidades, eternizando o mundo em suas desigualdades. O livro Mitologias (BARTHES, 1972) - escrito nos anos 50, com textos rápidos com críticas estruturalistas a temas comuns da mídia – popularizou rapidamente o autor fora no meio acadêmico francês, inclusive fora do país.

Aqui no Brasil, em virtude das preferências intelectuais de tradutores e editores, temos dois Barthes diferentes:

(…) nos anos 70, foi sobretudo o autor estruturalista que interessou aos intelectuais brasileiros, graças a suas reflexões sobre a linguagem, calcadas nas teorias linguísticas em voga (…) transformaram-se nas leituras obrigatórias ao intelectual interessado em analisar qualquer tipo de linguagem, da literatura ao cinema, do mobiliário às revistas em quadrinhos, da moda à publicidade, da fotografia ao discurso jornalístico. O Roland Barthes que ora transparecia era o semiólogo, líder do estruturalismo francês, instrumental analítico, pau para toda obra, teoria para toda pesquisa. (…) Mas a pós-modernidade do final dos anos 90 e do início dos anos 2000 ressuscitou o escritor como um todo, reconhecendo nele um precursor de modelos libertários de construção literária: a estética do fragmento e a escrita corpórea, que opera guiada pelo desejo, por exemplo, foram celebradas como formas de ruptura com o padrão de escrita acadêmica, em princípio objetiva e fundamentada em uma lógica puramente racional.1

O grande marco dessa virada foi a aula inaugural no College de France, em 1977, quando Barthes rompeu definitivamente com o estruturalismo, ao considerar a língua como um código de linguagem engendrado pelo poder (e não como memória social), aproximando-se de Foucault. Barthes tem um percurso que vai da linguística estrutural ao literatura, embora parte de seus leitores minimizem essa mudança.

O certo, no entanto, é que seus livros mais recentes são bem diferentes dos mais antigos. O Roland Barthes da Introdução à análise estrutural da narrativa, do Grau zero da Escritura e de Elementos de Semiologia (1971b) não é o mesmo Roland Barthes dos livros Fragmentos do Discurso Amoroso (1977), um dicionário de verbetes filosóficos sobre o amor; Camera Clara (1980), um estudo sobre fotografia e morte, ou de textos como A Morte do Autor (2004).

Em seus primeiros livros, Barthes enfatiza mais o significado que o significante, que confunde com o aspecto material do signo, chegando a dizer que a semeologia deveria ser uma parte da linguística (e não o contrário como pensam Saussare e Pierce) devido ao predomínio do verbal sobre não verbal. Assim, por exemplo um conjunto de significantes (luvas, gorro, casaco) teria como significado denotativo que está frio e como significado conotativo, a condição social do portador. Outro analista tomaria os acessórios como signos, o clima como significado e o significante seria 'o aconchego reconfortante' e/ou 'a vulnerabilidade ao frio'. A semeologia barthiana não percebe a afetividade, desconsidera a entonação fonológica como fator comunicativo e é incapaz de entender a sintaxe da linguagem visual e de símbolos, apelando sempre para o conotativo, para o referente extralinguístico. Ele se debate contra o significante!

Há uma grande diferença entre analisar narrativas e interpretar a própria história. Os últimos textos de Barthes são um convite à ruptura de um paradigma e à superação de um modo de vida através de uma nova atitude diante do mundo. Barthes não é mais um analista, tornou-se um escritor (ou um scriptor, como preferia).

1BRANDINI, Laura Taddei. Roland Barthes no Brasil, via traduções < https://pdfslide.net/documents/5-laura-taddei-brandini-34indd.html >

Nenhum comentário:

Postar um comentário