terça-feira, 1 de dezembro de 2020

carta aberta

Prezados colegas do DECOM/UFRN,

Escrevo-lhes para solicitar uma solução para um problema do ensino de comunicação no Brasil que nos aflige faz muitas décadas e que só agora, nos primórdios dos séculos XXI, se torna possível enfrentar. Trata-se da ausência de cursos (e consequentemente de profissionais capacitados) em comunicação organizacional (1) no Brasil.

Tal ausência acarretou no fato dos jornalistas ocuparem o espaço dos profissionais de Relações Públicas através de assessorias de imprensa. Além de atrasar adaptação das instituições sociais à sociedade de consumo através das estratégias de marketing formuladas pelos profissionais de RP, a ausência do ensino de comunicação organizacional descaracteriza o jornalismo do ponto de vista ético. O jornalismo está para promotor, assim como, a publicidade está para o advogado. Os dois primeiros defendem o interesse público, enquanto os últimos defendem os interesses de seus clientes. Colocar o jornalista como assessor de imprensa para cumprir o papel de uma agência de comunicação é um “desvio de função” ou um conflito de interesses (2).

Há inclusive várias monografias, dissertações e teses sobre o assunto. 

A criação de um curso de comunicação organizacional, assim, atenderia tanto a uma demanda social quantitativa enorme (empresas, sindicatos, igrejas, escolas, etc), como também a uma demanda qualitativa relevante: a correção de um sério desequilíbrio estrutural na economia política do mercado de comunicação. A comunicação organizacional, principalmente o marketing é uma ferramenta importante para passagem da sociedade industrial para sociedade de consumo. 

E, seguindo essa tendência histórica, várias universidades brasileiras nos últimos anos passaram a oferecer essa graduação: UFAL, UFMA, UFMG, UFSM, PUCs, ESPM, etc.

Na UFRN

Em 1998, o projeto de extensão OFFICINA DE COMUNICAÇÃO, coordenado pela professora Miriam Moema, do qual tive orgulho de participar, desencadeou uma verdadeira revolução no curso de comunicação e na UFRN, apresentando várias propostas, inclusive uma campanha institucional para universidade – que não chegou a ser produzida na íntegra. 

O aluno Alan Kardec, hoje repórter internacional da Rede Globo, chegou a esbouçar um plano de marketing para UFRN. Mas, o entendimento dos dirigentes da época era que marketing era uma forma de planejamento para as empresas posicionarem seus produtos no mercado (e não de reorganização institucional em relação ao atendimento de seus públicos-alvo específicos) fez com que suas ideias fossem engavetadas.

A AGECOM foi criada em resposta ao movimento, mas as ideias da professora e dos seus alunos não foram levadas adiante. E a agência se tornou uma 'agência de notícias' e não uma agência de comunicação (que trabalha com diferentes públicos externos e internos, centraliza os eventos, zela pela imagem da instituição, de elabora pesquisa de opinião). 

Paralelamente a isso, a proposta de uma habilitação em RP foi derrotada em plenária no DECOM, que deu preferência ao curso de radialismo e, posteriormente, ao de publicidade. 

Recentemente, no entanto, devido ao excelente trabalho do professor Francisco Duarte, a AGECOM tornou-se especializada em divulgação científica e ganhou outra missão institucional. 

Mas, a missão institucional de comandar a TVU, a rádio universitária e os demais meios de comunicação com estratégias e campanhas para otimizar as relações institucionais com a sociedade e com os próprios professores, alunos e funcionários nunca foi realmente efetivada. 

Os cursos de Relações Públicas se tornaram uma necessidade no alvorecer do século XXI e convergem com as mudanças que o mundo vem experimentando nas últimas décadas, em relação às inovações estruturais nos modos de produção e circulação de informação,  

Hoje, mais do que nunca, há oportunidade de corrigir esse desequilíbrio estrutural que se arrasta por décadas, não apenas na universidade, mas sobretudo, na sociedade. 

Concluo, agradecendo ao colegas pela paciência de me ouvirem e reitero o pedido que criem uma comissão de trabalho para elaboração de Projeto Político Pedagógico de Comunicação Organizacional, lembrando que já contamos com parte da estrutura e dos profissionais necessários a essa empreitada. 

Marcelo Bolshaw Gomes


1A profissão de relações públicas é disciplinada desde 1967, pela Lei 5.377, e pelo Regulamento que define o seu exercício, por meio do Decreto 63.283, de 26/09/68. A constituição do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Profissionais de Relações Públicas foi instituída pelo Decreto-Lei 860, de11/09/69. A Resolução Normativa nº 43, de 24/08/02, atualizou as funções e atividades privativas dos profissionais de Relações Públicas, tendo como fundamento as conclusões do Parlamento Nacional de Relações Públicas, que foi o esforço nacional realizado e organizado pela categoria sob o comando do seu Conselho Federal, com o intuito de modernizar a atividade a adequar-se às exigências dos novos tempos.

2O texto Assessoria de imprensa não é jornalismo: conflito de interesses no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros faz uma revisão completa da questão <https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/14355>

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