MANUEL CASTELLS
“Redes constituem a nova morfologia de nossas
sociedades e a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a
operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e
cultura. Embora a forma de organização social em redes tenha existido em outros
tempos e espaços, o novo paradigma da tecnologia da informação fornece a base
material para sua expansão penetrante em toda a estrutura social.” (2009,
p.497)
O sociólogo espanhol Manuel Castells,
professor emérito de Berkeley (Califórnia) e diretor do Internet
Interdisciplinary Institute na UOC (Barcelona), dedicou a maior parte de seu
trabalho para o estudo da sociedade da informação, analisando os aspectos
econômicos, sociais e culturais que estão transformando o mundo. Castells
estuda dois assuntos correlatos: o impacto da tecnologia da informação na
sociedade capitalista e os novos movimentos sociais dos anos 60. Para ele, os
novos movimentos não aspiram mais a tomar a poder de estado, mas a mudar o
comportamento das pessoas e seu modo de vida.
Castells se tornou internacionalmente
conhecido devido sua trilogia A Era da Informação: economia, sociedade e
cultura (1996-2000) – formada pelos livros: A Sociedade em Rede (2009), O Poder
da Identidade (2008); e Fim do Milênio (1999).
A trilogia analisa as mudanças contemporâneas em um tripé: as relações
sociais de produção se desindustrializam e passam a se organizar em redes de
unidades autônomas (assimilando assim a economia política marxista e enfoque
sociológico); a nova percepção de tempo-espaço em função da linguagem
audiovisual e simultânea da mídia (assimilando também a abordagem midiológica e
suas interações tecnológicas); e as novas 'relações de experiência' nas
relações pessoais (assimilando ainda a ênfase do pensamento pós moderno no aqui
e agora e no cotidiano.
Para Castells, o efeito da mídia é apenas um dos fatores estruturais de
uma mudança social bem maior; a globalização. Para ele, nessa mudança, além de
uma nova experiência de tempo/espaço em que o futuro e sua simulação passam a
desempenhar um papel central através da mídia[1],
há também outros fatores estruturais, como as relações de produção organizadas
em rede e as novas relações de experiência. Em relação às relações de produção,
há uma troca o modelo talylorista de organização da fábrica pelo modelo de
organização em redes produtivas. E em relação às novas relações de experiência
produzidas pela entrada da mulher no mercado de trabalho, há também uma
associação estrutural entre o feminino e a natureza.
De forma que Castells assimila e reverencia três abordagens: a
economia-política marxista; o pensamento pós-moderno de Foucault, enraizado no
cotidiano; e as teorias midiológicas da Comunicação.
O primeiro livro, A Sociedade em
Rede, trata da nova ordem econômica e
social, cujo centro das transformações está na revolução tecnológica
concentrada nas tecnologias da informação e comunicações. O ataque ao
patriarcalismo, a nova consciência ambiental, a crise de legitimidade dos
sistemas políticos e a fragmentação dos movimentos sociais, caracterizam um
ambiente de mudanças confusas e incontroladas, tendem a reagrupar os indivíduos
em torno de identidades primárias: religiosas, étnicas, territoriais e
nacionais.
“Em um mundo de fluxos globais de riqueza,
poder e imagens, a busca pela identidade, coletiva ou individual, atribuída ou
construída, torna-se a fonte básica de significado social.” (2009, p.23)
O Capitalismo Informacional (ou
pós-industrial) tem duas características importantes: é global e está
estruturado em uma rede de fluxos financeiros. A acumulação de capital
prossegue e sua realização de valor é cada vez mais gerada nos mercados
financeiros globais estabelecidos pelas redes de informação no espaço
intemporal dos fluxos financeiros. A partir desta rede o capital é investido
por todo o globo, em todos os setores de atividade, algumas mais lucrativas,
conforme vão passando por ciclos, altos e baixos do mercado.
Nesse “cassino global eletrônico”
capitais específicos elevam-se ou diminuem drasticamente, definindo o destino
de empresas, poupanças familiares, moedas nacionais e economias regionais. Social
e economicamente não existe uma classe capitalista global. Acima de vários elites
regionais, há uma entidade capitalista coletiva, sem rosto, formada de fluxos
financeiros operados por redes eletrônicas.
Contradizendo profecias
apocalípticas, há mais empregos e uma proporção maior de pessoas com idade para
o trabalho empregadas que em qualquer outra época da história. A difusão das
tecnologias da informação não resultou e não resultará em desemprego.
Mas, as relações sociais entre o
capital e o trabalho sofreram uma transformação profunda. A mão-de-obra está
desagregada em seu desempenho, fragmentada em sua organização, diversificada em
sua existência e dividida em sua ação coletiva. Capital e trabalho tendem cada
vez mais a existir em diferentes espaços e tempos: o espaço de fluxos e o
espaço dos lugares, tempo instantâneo de redes computadorizadas versus tempo
cronológico da vida cotidiana.
O capital é global; o trabalho,
local.
No segundo volume da trilogia, O Poder de
Identidade (2008),
Castells analisa a formação do Ser e a interação entre a Rede e o SER na crise
de duas instituições centrais da sociedade: a família patriarcal e o Estado
nacional. O movimento zapatista é dado como exemplo de como um movimento social
pode se adaptar à arquitetura das redes, construídas pelo capitalismo
informacional. O feminismo e a ecologia são pensados movimentos globais com atuação
localizada. Castells estuda ainda o fundamentalismo religioso (como resistência
à globalização).
O livro Fim de Milênio (1999) se divide em cinco capítulos: A crise
do estatismo industrial e o colapso da União Soviética; o surgimento do Quarto
Mundo: capitalismo informacional, pobreza e exclusão social; a conexão
perversa: a economia do crime global; desenvolvimento e crise no Pacífico
asiático; e a união da Europa: globalização, identidade e o Estado em rede.
A nova estrutura de poder mundial
comandada pelas empresas transnacionais (industriais, financeiras e de
serviços) está substituindo a atual estrutura de poder dos Estados-nações. Com
o ocaso dos Estados-nações e a proeminência das empresas transnacionais na
estrutura de poder global, o cenário que se descortina para o futuro é o de um
capitalismo mundial sem controle ou regulação pública.
Castells utiliza a noção de rede
social de agentes no sentido sociológico e não como uma rede de comunicação. A
rede é uma forma de organização democrática constituída de elementos autônomos,
interligados de maneira horizontal cooperando entre si[2]. Mas,
também escreveu o livre Galáxia da
Internet (2001),
em que faz uma netnografia da rede, destacando os quatro tipos principais de
usuários: a cultura Hacker, a cultura acadêmica da tecnomeritocrática, a
cultura de empreendedorismo e as comunidades virtuais.
Quinze anos depois da trilogia (e não
por acaso os quinze anos em que a internet se desenvolveu e se estabeleceu),
Castells estuda como os movimentos sociais contemporâneos utilizam a internet e
como isso os diferencia dos movimentos sociais ‘tradicionais’.
Redes de
indignação e esperança (2013) aponta
para falência da organização política tradicional dos partidos e dos
parlamentos atuais.
A maior parte dos cidadãos do mundo não se
sente representada por seu governo e parlamento. Partidos são universalmente
desprezados pela maioria das pessoas. A culpa é dos políticos. Eles acreditam
que seus cargos lhes pertencem, esquecendo que são pagos pelo povo. Boa parte,
ainda que não a maioria, é corrupta, e as campanhas costumam ser financiadas
ilegalmente no mundo inteiro. O fenômeno mais importante na sociedade atual é a
autonomia, a capacidade de a pessoa decidir a sua própria vida, para todo
mundo. O que mais nos importa é decidir nossa vida – com nossas limitações. A
internet é uma tecnologia velha – foi criada em 1969 –, mas o mais importante é
que ela é também um produto cultural. Foi organizada a partir de valores como
liberdade e autonomia. Portanto, o tipo de tecnologia em rede e o tipo de
padrão cultural baseado na autonomia coincidem. (THOMÉ e
MASTALIR, 2015.)
Castells estuda vários movimentos
sociais organizados através da internet a partir de 2010 (Tunísia, Islândia, a
revolução egípcia, os indignados da Espanha, o Occupy Wall Street em Nova York
e os protestos de junho de 2013 no Brasil). Castells identificou várias
aspectos em comum - o caráter espontâneo, pluralista, apartidário e heterogêneo
das manifestações - formando ‘um padrão rizomático emergente’, uma ‘cultura da
autonomia’. Os movimentos descritos por Castells foram populares, dirigidos por
si mesmos, organizados autonomamente pela internet por ativistas sem
militância, sem direção única ou coordenação centralizada, sem o controle de
organizações políticas ou entidades civis, nem o apoio dos meios de comunicação
tradicionais. Foram movimentos pluralistas e heterogêneos, com motivações,
bandeiras e palavras de ordem as mais variadas e até contraditórias. Algumas
foram contra o que o parlamento e os partidos representam, mas sem intenção de
substituí-los ou extingui-los. E, principalmente, esses novos movimentos
sociais em rede apresentaram uma nova concepção de liberdade e de igualdade,
própria da democracia inerente à inteligência coletiva. Na interpretação de
Castells, o sentido mais geral das manifestações coloca em xeque o próprio
sistema de representação política.
A sociedade em rede é global, mas com
características específicas para cada país, de acordo com sua história, sua
cultura e suas instituições. Trata-se de uma estrutura em rede como forma
predominante de organização de qualquer
atividade. Ela não surge por causa da tecnologia, mas devido a imperativos de
flexibilidade de negócios e de práticas sociais, mas sem as tecnologias
informáticas de redes de comunicação ela não poderia existir.
Nos últimos 20 anos, o conceito (de redes)
passou a caracterizar quase todas as práticas sociais, incluindo a
sociabilidade, a mobilização sociopolítica, baseando-se na internet em
plataformas móveis. “Hoje qualquer
mensagem que se quer livre e autônoma não passa por um partido ou por um
jornal. Se há uma mensagem que se conecta com outras mentes conectadas na rede,
então essa aceitação dá início a um movimento. Os atores são coletivos, sem
burocracia, sem hierarquia, sem líderes.
(THOMÉ e
MASTALIR, 2015.)
E o que são redes?
As
redes são formadas por unidades autônomas interligadas em arranjos temporários,
unidades globais e locais ao mesmo tempo, dotados de inteligência coletiva
biológica inata tecnologicamente amplificada, da capacidade de sentir e agir
simultaneamente em conjunto sem hierarquia vertical. Essa sinergia entre os
grupos e pessoas, descentralizada e sincrônica, forma e é formada através das
redes.
Redes são estruturas abertas capazes de
expandir de forma ilimitada, integrando novos nós desde que consigam
comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos
d comunicação. Uma estrutura social com base em redes é um sistema aberto
altamente dinâmico suscetível de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio. Redes
são instrumentos apropriados para a economia capitalista baseada na inovação,
globalização e concentração descentralizada; para o trabalho, trabalhadores e
empresas voltadas para a flexibilidade e a adaptabilidade; para uma cultura de
desconstrução e reconstrução contínuas; para uma política destinada ao
processamento instantâneo de novos valores e humores públicos; e para uma
organização social que vise a suplantação do espaço e a invalidação do tempo.
E, o mais importante: Castells afirma
que o modelo de organização em rede foi do mercado corporativo à sociedade
civil organizada, chegando agora finalmente à esfera pública da política. Ao
contrário do que pensaram Habermas, Giddens e Thompson, não foi a esfera
pública que se uniu à sociedade civil contra o mercado; a globalização
desindustrializou a economia e as multinacionais passaram a ser organizar em
rede; os movimentos sociais da sociedade civil se internacionalizaram em ONGs
como a Anistia ou o Greenpeace.
Apenas o estado se mantem preso às
identidades nacional, regional e local e a antiga estrutura territorial de
organização hierárquica. O Estado não se globalizou e a esfera pública ainda
não se organiza através das redes.
Bibliografia
CASTELLS,
Manuel. A
Sociedade
em Rede/ A
Era da Informação: Economia, sociedade e cultura – Vol. 1. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
___O Poder da identidade/ A
Era
da Informação: Economia, sociedade e cultura – Vol.
2. São
Paulo: Paz e Terra,
2008.
___ Fim do Milênio/ A Era da Informação: Economia,
sociedade e cultura – vol. 3. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
___ A Galáxia Internet: Reflexões sobre Internet,
Negócios e Sociedade. (2ª Edição) Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
___ Redes
de indignação e esperança –
Movimentos sociais na era da internet. Tradução Carlos Alberto Medeiros.
São Paulo: Zahar, 2013.
THOMÉ e MASTALIR, Luciana e
Michele. Manuel
Castells - Fronteiras do
Pensamento; Curadoria Fernando Schüler; Lume
Ideias; Revisão Ortográfica: Renato Deitos. Brasken, 2015.
FONTES COMPLEMENTARES
SITE OFICIAL: http://www.manuelcastells.info/en/
WIKIPEDIA: http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Castells
ENTREVISTAS
“A mudança está na cabeça das
pessoas”. Entrevista
concedida para a revista Época sobre os protestos no Brasil e no mundo,
publicada em outubro de 2013. < http://is.gd/castells1 >
“A rede torna mais difícil a
opressão”, diz Manuel Castells. Entrevista para o jornal sobre a nova
sociedade global, publicada em junho de 2013.
<http://is.gd/castells2 >
“O povo não vai se cansar de
protestar”. Entrevista
para o jornal O Globo, publicada em junho de 2013. http://is.gd/castells3
“Dilma é a primeira líder mundial a
ouvir as ruas”. Entrevista para a revista Isto É sobre a crise no Brasil em 2013,
publicada em junho de 2013. http://is.gd/castells4
Se um país não quer mudar, não é a
rede que irá mudá-lo. Entrevista para o jornal Folha de São Paulo sobre a internet e o processo eleitoral
brasileiro, publicada em setembro de 2010. < http://is.gd/castells5 >
A máquina humana.
Entrevista
para
a revista Isto
É sobre
a trilogia
A
era
da informação,
publicada em junho de 1999. < http://is.gd/castells6
>
Manuel Castells:
temos que criar seres humanos capazes de assumir o risco da liberdade. Artigo
publicado no jornal espanhol La Vanguardia em
abril de 2015 e reproduzido no site do Fronteiras
do Pensamento. < http://is.gd/castells7 >
Redes de indignação e esperança. Castells
divulga seus estudos e conclusões sobre os conflitos civis mundiais em
conferência no Fronteiras do Pensamento em
junho de 2013. < http://is.gd/castells8
Por um Brasil que desconhecemos . Vídeo do Fronteiras do Pensamento,
publicado em junho de 2013, no qual Castells explica a dinâmica dos movimentos
sociais e analisa, de forma comparativa, as manifestações no Brasil. < http://is.gd/castells9 >
Escola e internet: o mundo da
aprendizagem dos jovens. Vídeo
especial com depoimento de Castells produzido pelo Fronteiras
do Pensamento em
2013. < http://is.gd/castells10 >
Roda Viva. Entrevista
concedida para o programa Roda Viva da TV Cultura em julho de 1999. < http://is.gd/castells11 >
[1] Castells
(1999, 413-466) homenageia McLuhan como pioneiro no entendimento das mudanças
de percepção de tempo-espaço instituídas pela televisão (e multiplicadas pelo
computador); mas também o relativiza, uma vez que ele leva em conta apenas um
terço dos fatores de mudança social, sendo preciso ainda avaliar as
transformações no mundo do trabalho e das relações de gênero.
[2] Diferencia-se a noção de ‘Rede Social’ da noção de
‘Redes Digital’. Rede Social é referente à ação comum, sincrônica e
descentralizada de agentes semelhantes não presenciais durante algum tempo. E Redes Digitais correspondem às redes intercomunicação
dentro e fora da internet (incluindo os sites, como o Facebook). As
Redes Sociais, assim, são anteriores, em todos os sentidos, às Redes Digitais.