terça-feira, 4 de junho de 2019

Landowski

RISCOS & MONOTONIA
Semiótica das interações e a Morte



Resumo: Resenha do livro LANDOWSKI, Eric. Interações Arriscadas. Tradução de Luiza Helena Oliveira da Silva. – São Paulo: Estação das Letras e Cores/Centro de Pesquisa Sociossemióticas, 2014.
Palavras-Chave: Comunicação1; Semiótica2; Interações sociais3;

Eric Landowski (2014) apresenta uma teoria sociológica formada por quatro regimes distintos de interações sociais, em relação à noção de ‘risco’. Landowski foi aluno e colaborador de Greimas[1]. Suas ideias derivam diretamente da Semiótica Narrativa de seu mestre; e sua teoria dos regimes de interação é uma ampliação sociológica da teoria dos regimes de significação, desenvolvida em perspectiva linguística pela Escola de Paris[2]. O metamodelo de Landowski, além de “sair do texto” (e da teoria de significação) para construir "uma analítica de vida", também transforma o quadrado semiótico em uma espiral no formato do símbolo do infinito, alterando o diagrama de Greimas.
A teoria sócio semiótica de Landowski é formada por quatro regimes distintos de interações: a) a programação ou operação (a interação sempre constante e contínua, um algoritmo objetivo); b) a manipulação ou estratégia (a interação inconstante e contínua em que a intencionalidade se superpõe ao causal, o efeito do narrado sobre o vivido, por exemplo); c) a interação de ajuste (constante e descontínua); e o fator imprevisível das interações (o aspecto inconstante e descontínuo). Cada regime corresponde a uma lógica semiótica distinta. A programação corresponde à regularidade. A manipulação é regida pela intencionalidade. O ajustamento funciona por sensibilidade. E o acidente corresponde à aleatoriedade.
A programação é o primeiro regime de interação. A vida pode ser vista como uma programação de eventos irreversíveis: o sol no transcorrer do dia, as estações durante o ano, o envelhecimento dos seres orgânicos. O tempo é constante e contínuo; e essa regularidade forma a dimensão objetiva da existência.
Há duas formas ideias de programação (que na prática, no entanto, são sempre indissociáveis): a regularidade causal ou algorítmica (o “automatismo anônimo”) e a regularidade sociocultural, isto é, uma programação em que as estratégias de manipulação foram assimiladas e naturalizadas como fazendo parte do programa. É o que Bourdieu (2007) chamou, em diferentes momentos e de diferentes formas[3], de habitus: uma ação automatizada como prática social que continua a se reproduzir.
Landowski admite que esses dois regimes de interação não existem de forma independente, que estão sempre intricados um no outro, mas os distingue metodologicamente como modos de interpretar, como a combinação de um modelo estrutural determinista como uma abordagem fenomenológica da intencionalidade. Essa duplicidade teórica produz conceitos gêmeos: há duas regularidades, dois tipos de motivação, dois tipos de sensibilidade e até dois tipos acaso.
Tabela1 - Tipologia ideal das interações de Landowski

ESTRUTURA
FENÔMENO
REGULARIDADE
Causal ou Algoritmia
(Tempo contínuo)
Reprodução sócio cultural
(Tempo narrativo)
MOTIVAÇÃO
Aprender a aprender
Competência modal compreensiva
Autoprogramação
Competência modal criativa
SENSIBILIDADE
Homem x Máquina
Reativa
Homem x homem
Empatia
ACASO
Acidente programado
O aleatório ou sorte/azar
Acidente motivado
O ruído ou risco
Fonte: elaborado pelo autor
Então, esses oito tipos ideais (a regularidade causal, a reprodução cultural, a competência sintática, a criatividade, a interação com as máquinas, a interatividade com as pessoas, a capacidade de corrigir os próprios erros e de viver a própria vida como uma aventura) podem ser aplicados para compreender ‘objetos sociais’ como um processo de diferentes regimes de interação? Como usar a teoria dos regimes de interação?
A educação infantil, por exemplo. A regularidade causal corresponderia ao desenvolvimento cognitivo da criança. As fases de aquisição da linguagem segundo a epistemologia genético do Piaget[4] e/ou as etapas cognitivas do Wallon[5].  A regularidade intencional corresponde à ação da família, da escola e da mídia. São três camadas de intencionalidade que incidem de modo desigual e combinado sobre o curso histórico dos acontecimentos.
Os dois tipos de motivação são competências modais distintas. Por exemplo: uma motivação se alegra em aprender intuitivamente programas e aplicativos como usuário; a outra se entusiasma programando, inventando novos modos a partir dos utilizados, criando. É a diferença, se elevadas a enésima potência, entre a virtuose e o gênio.
Os dois tipos de sensibilidade também são polarizados por Landowski e podem ser observados e aferidos. Uma é a capacidade de interação com as máquinas (e também analogicamente com outros objetos sociais abstratos); a outra, é a interatividade entre as pessoas. Seguindo o exemplo: a sensibilidade do mouse, dos dedos na tela, do teclado, da máquina como parte do corpo humano; e a sensibilidade empática - a capacidade de promover a sensibilidade empática no outro, mas também de ser mobilizado por ela.
E, finalmente, os dois tipos de acidente: o acaso programado decorrente das falhas na programação, que, se estudado estatisticamente pode ser explicado, corrigido e assimilado pelas interações regulares; e o acaso motivado reside na crença de que existe um destino (e que “não existem coincidências”), as adversidades inesperadas existem para nos ensinar. Enquanto o primeiro é objetivo e procura descobrir fatores desconhecidos no imprevisível; o segundo é subjetivo, extraindo ensinamentos de suas adversidades.
Em conjunto, seguindo o exemplo, eles propiciando à competência da criança se qualificar através de riscos, se tornar protagonista da sua vida, vencendo conflitos e situações difíceis em uma narrativa de aventuras empoderante.
Também é possível pensar os quatro regimes de interação como um conjunto de elementos simultâneos que se condicionam, uma rede de relações capaz de distinguir o regular, o intencional, o acidental, o afetivo.
Figura 1 – Os regimes de interação em conjunto
Fonte: internet
Um exemplo do próprio Landowski de como regimes de interação funcionam juntos de ‘modo desigual e combinado’ é o das eleições contemporâneas (Idem, 35-37). Os votos fisiológicos (regionais, setoriais) e os votos ideológicos (em partidos de direita ou esquerda) são previsíveis. Porém o sentimento de insegurança crônica promovido pela mídia faz com que eleitores de esquerda votem na direita e vice-versa. O medo ou mesmo a agressividade recorrente contra objetos de ódio grupal, a interação por contágio emocional, passou a ser decisiva em relação à defesa dos interesses naturais de cada um ou às suas preferências políticas. As eleições alimentam o sentimento de risco e são por ele alimentadas. A guerra e a dança, entre outras atividades exigem que o eu antecipa as reações do outro, também são exemplos de processos envolvendo os três regimes de interação, com ênfase no ajustamento e na sensibilidade.
Porém, embora postule a simetria complementar dos regimes de interação, Landowski enfatiza mais os dois primeiros (ressaltando a interação teórica entre estruturalismo e fenomenologia) que os dois últimos – cujo o funcionamento conjunto forma o Actante Joker (p. 71) – ponto que carece de uma explicação.
Também é importante esclarecer que, em relação ao terceiro regime de interação, Landowski se distancia bastante de Greimas. O ajustamento não representa a contextualização social do enunciador e do destinatário dos discursos, nem pode simplesmente ser reduzida à adaptação recíproca entre o eu e o outro. Ele também não corresponde ao conceito de ‘ação comunicativa’ de Habermas (uma vez que as racionalidades instrumental e estratégica se assemelham aos dois primeiros regimes de interação). É “a capacidade de sentir reciprocamente. Para diferenciar da competência dita modal, nós a batizamos de competência estésica” (LANDOWSKI, 2014, 50). 
O regime de interação por ajustamento é constante e descontinuo. Estamos sempre sentindo, mas em intensidade e durações variadas. O regime de interação por acaso é descontínuo e inconstante, é o oposto completo da regularidade. E da forma como é apresentado sugere que os dois produzem um ao outro.  
A noção de risco, tomada de empréstimo de Giddens (BECK; LASH; GIDENS, 1997), já foi chamado de ‘ruído’ tanto por clássicos como Wiener (1954), criador da cibernética, como também de autores atuais como Atlan (1992), que considera o ruído como fator central da auto-organização dos sistemas complexos[6].
Há, no entanto, uma diferença fundamental entre essas abordagens. Os autores do risco (Giddens e Greimas) pensam o mundo como ordem e a vida como um processo irreversível. E os pensadores do ruído (na verdade, da complexidade) acreditam que o universo está ‘em entropia’, em uma implosão térmica e que a ordem e o sentido são apenas uma pequena ilha de auto-organização em um oceano de desordem. Eles partem da ideia da vida como descontinuidade e caos. Landowski chama essa forma de pensar de ‘pós-moderna’ em oposição à forma clássica; e pretende englobar ambas em seu modelo.
O certo é que vivemos em uma sociedade de risco para promover o máximo de autonomia dos indivíduos. Desafiamos riscos para nos tornarmos pessoas melhores e não para fugir da monotonia e do tédio (como os personagens sedutores do romance Ligações perigosas, nos quais Landowski inspira seus conceitos). Particularmente não concordo de que a monotonia é gera o catastrófico. É a morte (a grande descontinuidade constante) que gera a regularidade da vida. Se fosse pensar o aleatório relacionado aos dois primeiros regimes de interação, diria que há o risco objetivo de morte e das perdas (ou de fim da regularidade); e o risco de não ser amado (e de não ser manipulado).
Mas foi o modelo criado por Landowski que me faz pensar assim. Modelo que sistematiza décadas de pesquisa semiótica e séculos de reflexão filosófica. Modelo que incita a novas interpretações de si próprio. E essa parece ser sua principal intenção e não apresentar uma teoria fechada completa. Daí seu valor incontestável.

Referências bilbiográficas
ATLAN, H. Entre o Cristal e a Fumaça. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.
BECK, Ulrich; LASH, Scott; GIDENS, Anthony. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista (UNESP), 1997.
BOURDIEU, Pierre.  A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp, 2007.
GREIMAS, Algirdas Julien. Semântica estrutural. Tradução de H. Osakape e I. Blikstein. São Paulo: Cultrix/EdUSP, 1973.
              . Da Imperfeição. Hacker editores: São Paulo, 2002.
GREIMAS, A. J e FONTANILLE, J. Semiótica das paixões. São Paulo: Ática, 1993.
GREIMAS, A e LANDOWSKI, E. Semiótica e ciências sociais. São Paulo: Cultrix, 1981.
JOURDAIN, Anne; NAULIN, Sidonie. A teoria de Pierre Bourdieu e seus usos sociológicos. Petropolis, Vozes, 2017.
LANDOWSKI, Eric. Interações Arriscadas. Tradução de Luiza Helena Oliveira da Silva. – São Paulo: Estação das Letras e Cores: Centro de Pesquisa Sociossemióticas, 2014.
WIENER, Norberto. Cibernética e Sociedade. São Paulo: Cultrix, 1954.



[1] No livro Com Greimas (2017), Landowsky nos conta seu aprendizado e sua convivência com seu professor, contextualizando detalhadamente cada livro da obra greimasiana.
[2] Landowsky e Greimas escreveram juntos o livro Semiótica e Ciências Sociais (1981), clássico fundante da teoria Sóciossemiótica.
[3] JOURDAIN & NAULIN (2017, 49-53) destacam três versões do termo em Bourdieu: o habitus determinista de A Reprodução, “a interiorização do exterior e a exteriorização do interior”; o habitus-inércia como resistência à mudanças; e o habitus formado por ‘esquemas de percepção, de julgamento e de comportamento’ incorporados semi conscientemente pelos agentes. 
[4] Estágios de Desenvolvimento infantil para Piaget: 1- Período Sensório-motor (0-2 anos), 2- Período Pré-Operacional (2-7 anos). 3- Período Operacional de Concreto (7-11), 4- Período Operacional Formal (11 e mais, até cerca de 19 anos).
[5] Estágios de Desenvolvimento infantil para Wallon: 1 - Estágio impulsivo-emocional (do nascimento até aproximadamente o primeiro ano de vida); 2 - Estágio sensório-motor e projetivo (dos três meses de idade até aproximadamente o terceiro ano de vida); 3 - Estágio do Personalismo (dos três aos seis anos de idade aproximadamente); 4 - Estágio Categorial (dois seis anos até os onze); 5 - Estágio da Adolescência (por volta dos onze ou doze anos de idade).
[6] Atlan pergunta se a “natureza é perfeita” e a vemos de forma imperfeita (se o ruído é subjetivo) ou se existe um fator objetivo de desorganização do universo (o que equivaleria a afirmar que a natureza é imperfeita). Wiener compara o ruído ao mal ético, considerando a existência de dois diabos: o maniqueu e o agostiniano. Para compreender esta analogia é preciso lembrar que Santo Agostinho, antes de ser Bispo de Hipona, participou da seita herética dos maniqueus. Os maniqueus acreditavam louvar a totalidade de Deus, adorando tanto o Cristo quanto o Diabo. Para esta seita (de onde deriva a palavra “maniqueísmo”), o bem e o mal são princípios opostos e complementares que formam juntos a totalidade divina. Agostinho, no entanto, rompeu com essa concepção quando elaborou a doutrina do pecado original, segundo a qual Deus é infinitamente bom e misericordioso, e o mal só existe por causa do próprio homem, que foi expulso do Éden e agora luta para retornar a sua condição original. Wiener diz que a ciência objetiva (ou a relação entre o homem e a natureza) corresponde à luta contra a irracionalidade do diabo agostiniano porque “a natureza não inventa ardis para nos enganar” e o ruído resulta de nossa própria ignorância; ao passo que a política intersubjetiva (ou a relação dos homens entre si) representa um embate contra a irracionalidade do diabo maniqueu em que o ruído é utilizado para enganar o adversário (como nos jogos de soma zero).



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