RISCOS & MONOTONIA
Semiótica das interações e a Morte
Resumo:
Resenha
do livro LANDOWSKI, Eric. Interações
Arriscadas. Tradução de Luiza Helena Oliveira da Silva. – São Paulo:
Estação das Letras e Cores/Centro de Pesquisa Sociossemióticas, 2014.
Palavras-Chave: Comunicação1;
Semiótica2; Interações sociais3;
Eric
Landowski (2014) apresenta uma teoria sociológica formada por quatro regimes
distintos de interações sociais, em relação à noção de ‘risco’. Landowski foi
aluno e colaborador de Greimas[1].
Suas ideias derivam diretamente da Semiótica Narrativa de seu mestre; e sua
teoria dos regimes de interação é uma ampliação sociológica da teoria dos
regimes de significação, desenvolvida em perspectiva linguística pela Escola de
Paris[2]. O
metamodelo de Landowski, além de “sair do texto” (e da teoria de significação)
para construir "uma analítica de vida", também transforma o quadrado
semiótico em uma espiral no formato do símbolo do infinito, alterando o
diagrama de Greimas.
A
teoria sócio semiótica de Landowski é formada por quatro regimes distintos de
interações: a) a programação ou operação (a interação sempre constante e
contínua, um algoritmo objetivo); b) a manipulação ou estratégia (a interação
inconstante e contínua em que a intencionalidade se superpõe ao causal, o
efeito do narrado sobre o vivido, por exemplo); c) a interação de ajuste
(constante e descontínua); e o fator imprevisível das interações (o aspecto
inconstante e descontínuo). Cada regime corresponde a uma lógica semiótica
distinta. A programação corresponde à regularidade. A manipulação é regida pela
intencionalidade. O ajustamento funciona por sensibilidade. E o acidente
corresponde à aleatoriedade.
A
programação é o primeiro regime de interação. A vida pode ser vista como uma
programação de eventos irreversíveis: o sol no transcorrer do dia, as estações
durante o ano, o envelhecimento dos seres orgânicos. O tempo é constante e
contínuo; e essa regularidade forma a dimensão objetiva da existência.
Há
duas formas ideias de programação (que na prática, no entanto, são sempre
indissociáveis): a regularidade causal ou algorítmica (o “automatismo anônimo”)
e a regularidade sociocultural, isto é, uma programação em que as estratégias
de manipulação foram assimiladas e naturalizadas como fazendo parte do
programa. É o que Bourdieu (2007) chamou, em diferentes momentos e de
diferentes formas[3],
de habitus: uma ação automatizada como prática social que continua a se
reproduzir.
Landowski
admite que esses dois regimes de interação não existem de forma independente,
que estão sempre intricados um no outro, mas os distingue metodologicamente
como modos de interpretar, como a combinação de um modelo estrutural
determinista como uma abordagem fenomenológica da intencionalidade. Essa
duplicidade teórica produz conceitos gêmeos: há duas regularidades, dois tipos
de motivação, dois tipos de sensibilidade e até dois tipos acaso.
Tabela1 - Tipologia ideal
das interações de Landowski
|
ESTRUTURA
|
FENÔMENO
|
REGULARIDADE
|
Causal ou
Algoritmia
(Tempo
contínuo)
|
Reprodução sócio
cultural
(Tempo
narrativo)
|
MOTIVAÇÃO
|
Aprender a
aprender
Competência
modal compreensiva
|
Autoprogramação
Competência
modal criativa
|
SENSIBILIDADE
|
Homem x
Máquina
Reativa
|
Homem x homem
Empatia
|
ACASO
|
Acidente
programado
O aleatório ou
sorte/azar
|
Acidente
motivado
O ruído ou
risco
|
Fonte: elaborado pelo
autor
Então, esses oito tipos ideais (a regularidade causal,
a reprodução cultural, a competência sintática, a criatividade, a interação com
as máquinas, a interatividade com as pessoas, a capacidade de corrigir os
próprios erros e de viver a própria vida como uma aventura) podem ser aplicados
para compreender ‘objetos sociais’ como um processo de diferentes regimes de
interação? Como usar a teoria dos regimes de interação?
A educação infantil, por exemplo. A regularidade
causal corresponderia ao desenvolvimento cognitivo da criança. As fases de
aquisição da linguagem segundo a epistemologia genético do Piaget[4]
e/ou as etapas cognitivas do Wallon[5].
A regularidade intencional corresponde à
ação da família, da escola e da mídia. São três camadas de intencionalidade que
incidem de modo desigual e combinado sobre o curso histórico dos
acontecimentos.
Os dois tipos de motivação são competências modais
distintas. Por exemplo: uma motivação se alegra em aprender intuitivamente
programas e aplicativos como usuário; a outra se entusiasma programando,
inventando novos modos a partir dos utilizados, criando. É a diferença, se
elevadas a enésima potência, entre a virtuose e o gênio.
Os dois tipos de sensibilidade também são polarizados
por Landowski e podem ser observados e aferidos. Uma é a capacidade de
interação com as máquinas (e também analogicamente com outros objetos sociais
abstratos); a outra, é a interatividade entre as pessoas. Seguindo o exemplo: a
sensibilidade do mouse, dos dedos na tela, do teclado, da máquina como parte do
corpo humano; e a sensibilidade empática - a capacidade de promover a
sensibilidade empática no outro, mas também de ser mobilizado por ela.
E, finalmente, os dois tipos de acidente: o acaso programado decorrente das falhas
na programação, que, se estudado estatisticamente pode ser explicado, corrigido
e assimilado pelas interações regulares; e o acaso motivado reside na crença de que existe um destino (e que
“não existem coincidências”), as adversidades inesperadas existem para nos
ensinar. Enquanto o primeiro é objetivo e procura descobrir fatores
desconhecidos no imprevisível; o segundo é subjetivo, extraindo ensinamentos de
suas adversidades.
Em conjunto, seguindo o exemplo, eles propiciando à
competência da criança se qualificar através de riscos, se tornar protagonista
da sua vida, vencendo conflitos e situações difíceis em uma narrativa de
aventuras empoderante.
Também é possível pensar os quatro regimes de
interação como um conjunto de elementos simultâneos que se condicionam, uma
rede de relações capaz de distinguir o regular, o intencional, o acidental, o
afetivo.
Figura 1 – Os regimes de interação em conjunto
Fonte: internet
Um exemplo do próprio Landowski de como regimes de
interação funcionam juntos de ‘modo desigual e combinado’ é o das eleições
contemporâneas (Idem, 35-37). Os votos fisiológicos (regionais, setoriais) e os
votos ideológicos (em partidos de direita ou esquerda) são previsíveis. Porém o
sentimento de insegurança crônica promovido pela mídia faz com que eleitores de
esquerda votem na direita e vice-versa. O medo ou mesmo a agressividade
recorrente contra objetos de ódio grupal, a interação por contágio emocional,
passou a ser decisiva em relação à defesa dos interesses naturais de cada um ou
às suas preferências políticas. As eleições alimentam o sentimento de risco e
são por ele alimentadas. A guerra e a dança, entre outras atividades exigem que
o eu antecipa as reações do outro, também são exemplos de processos envolvendo
os três regimes de interação, com ênfase no ajustamento e na sensibilidade.
Porém, embora postule a simetria complementar dos
regimes de interação, Landowski enfatiza mais os dois primeiros (ressaltando a
interação teórica entre estruturalismo e fenomenologia) que os dois últimos –
cujo o funcionamento conjunto forma o Actante
Joker (p. 71) – ponto que carece de uma explicação.
Também é importante esclarecer que, em relação ao
terceiro regime de interação, Landowski se distancia bastante de Greimas. O
ajustamento não representa a contextualização social do enunciador e do
destinatário dos discursos, nem pode simplesmente ser reduzida à adaptação
recíproca entre o eu e o outro. Ele também não corresponde ao conceito de ‘ação
comunicativa’ de Habermas (uma vez que as racionalidades instrumental e estratégica
se assemelham aos dois primeiros regimes de interação). É “a capacidade de
sentir reciprocamente. Para diferenciar da competência dita modal, nós a
batizamos de competência estésica” (LANDOWSKI,
2014, 50).
O regime de interação por ajustamento é constante e
descontinuo. Estamos sempre sentindo, mas em intensidade e durações variadas. O
regime de interação por acaso é descontínuo e inconstante, é o oposto completo
da regularidade. E da forma como é apresentado sugere que os dois produzem um
ao outro.
A noção de risco, tomada de empréstimo de Giddens
(BECK; LASH; GIDENS, 1997), já foi chamado de ‘ruído’ tanto por clássicos como
Wiener (1954), criador da cibernética, como também de autores atuais como Atlan
(1992), que considera o ruído como fator central da auto-organização dos
sistemas complexos[6].
Há, no entanto, uma diferença fundamental entre essas
abordagens. Os autores do risco (Giddens e Greimas) pensam o mundo como ordem e
a vida como um processo irreversível. E os pensadores do ruído (na verdade, da
complexidade) acreditam que o universo está ‘em entropia’, em uma implosão
térmica e que a ordem e o sentido são apenas uma pequena ilha de
auto-organização em um oceano de desordem. Eles partem da ideia da vida como
descontinuidade e caos. Landowski chama essa forma de pensar de ‘pós-moderna’
em oposição à forma clássica; e pretende englobar ambas em seu modelo.
O certo é que vivemos
em uma sociedade de risco para promover o máximo de autonomia dos indivíduos.
Desafiamos riscos para nos tornarmos pessoas melhores e não para fugir da
monotonia e do tédio (como os personagens sedutores do romance Ligações perigosas, nos quais Landowski
inspira seus conceitos). Particularmente não concordo de que a monotonia é gera
o catastrófico. É a morte (a grande descontinuidade constante) que gera a
regularidade da vida. Se fosse pensar o aleatório relacionado aos dois
primeiros regimes de interação, diria que há o risco objetivo de morte e das
perdas (ou de fim da regularidade); e o risco de não ser amado (e de não ser
manipulado).
Mas foi o modelo criado
por Landowski que me faz pensar assim. Modelo que sistematiza décadas de
pesquisa semiótica e séculos de reflexão filosófica. Modelo que incita a novas
interpretações de si próprio. E essa parece ser sua principal intenção e não
apresentar uma teoria fechada completa. Daí seu valor incontestável.
Referências bilbiográficas
ATLAN, H. Entre o Cristal e a
Fumaça. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.
BECK, Ulrich; LASH, Scott; GIDENS, Anthony. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na
ordem social moderna. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), 1997.
BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp, 2007.
GREIMAS, Algirdas Julien. Semântica
estrutural. Tradução de H. Osakape e I. Blikstein. São Paulo: Cultrix/EdUSP, 1973.
. Da Imperfeição. Hacker editores: São Paulo, 2002.
GREIMAS, A. J e FONTANILLE, J. Semiótica das
paixões. São Paulo: Ática, 1993.
GREIMAS, A e LANDOWSKI, E. Semiótica e ciências sociais. São Paulo: Cultrix, 1981.
JOURDAIN, Anne; NAULIN, Sidonie. A
teoria de Pierre Bourdieu e seus usos sociológicos. Petropolis, Vozes,
2017.
LANDOWSKI, Eric. Interações Arriscadas. Tradução de
Luiza Helena Oliveira da Silva. – São Paulo: Estação das Letras e Cores: Centro
de Pesquisa Sociossemióticas, 2014.
WIENER, Norberto. Cibernética
e Sociedade. São Paulo: Cultrix, 1954.
[1] No livro Com Greimas (2017), Landowsky nos conta seu aprendizado e sua
convivência com seu professor, contextualizando detalhadamente cada livro da
obra greimasiana.
[2] Landowsky e Greimas escreveram
juntos o livro Semiótica e Ciências Sociais (1981), clássico fundante da
teoria Sóciossemiótica.
[3] JOURDAIN & NAULIN (2017, 49-53) destacam três versões
do termo em Bourdieu: o habitus determinista de A Reprodução, “a interiorização do exterior e a exteriorização do
interior”; o habitus-inércia como resistência à mudanças; e o habitus formado
por ‘esquemas de percepção, de julgamento e de comportamento’ incorporados semi
conscientemente pelos agentes.
[4] Estágios de Desenvolvimento
infantil para Piaget: 1- Período Sensório-motor (0-2 anos), 2- Período
Pré-Operacional (2-7 anos). 3- Período Operacional de Concreto (7-11), 4-
Período Operacional Formal (11 e mais, até cerca de 19 anos).
[5] Estágios de Desenvolvimento
infantil para Wallon: 1 - Estágio
impulsivo-emocional (do nascimento até aproximadamente o primeiro ano de
vida); 2 - Estágio sensório-motor e
projetivo (dos três meses de idade até aproximadamente o terceiro ano de
vida); 3 - Estágio do Personalismo
(dos três aos seis anos de idade aproximadamente); 4 - Estágio Categorial (dois seis anos até os onze); 5 - Estágio da Adolescência (por volta dos
onze ou doze anos de idade).
[6] Atlan pergunta se a “natureza é
perfeita” e a vemos de forma imperfeita (se o ruído é subjetivo) ou se existe
um fator objetivo de desorganização do universo (o que equivaleria a afirmar
que a natureza é imperfeita). Wiener compara o ruído ao mal ético, considerando
a existência de dois diabos: o maniqueu e o agostiniano. Para compreender esta
analogia é preciso lembrar que Santo Agostinho, antes de ser Bispo de Hipona,
participou da seita herética dos maniqueus. Os maniqueus acreditavam louvar a
totalidade de Deus, adorando tanto o Cristo quanto o Diabo. Para esta seita (de
onde deriva a palavra “maniqueísmo”), o bem e o mal são princípios opostos e
complementares que formam juntos a totalidade divina. Agostinho, no entanto,
rompeu com essa concepção quando elaborou a doutrina do pecado original,
segundo a qual Deus é infinitamente bom e misericordioso, e o mal só existe por
causa do próprio homem, que foi expulso do Éden e agora luta para retornar a
sua condição original. Wiener diz que a ciência objetiva (ou a relação entre o
homem e a natureza) corresponde à luta contra a irracionalidade do diabo
agostiniano porque “a natureza não inventa ardis para nos enganar” e o ruído
resulta de nossa própria ignorância; ao passo que a política intersubjetiva (ou
a relação dos homens entre si) representa um embate contra a irracionalidade do
diabo maniqueu em que o ruído é utilizado para enganar o adversário (como nos
jogos de soma zero).
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