Reportagem sobre uma exposição fotográfica de Jean Baudrillard
terça-feira, 25 de junho de 2019
segunda-feira, 24 de junho de 2019
consciência ante sistema
Para o pensamento sistêmico não
existe o ante sistêmico. Não há vida alternativa, nem grupo independente. Tudo nesse
universo é interdependente e integrado. Não existe o ‘contra hegemônico’, tudo
é poder. Aliás, Gramsci nunca falou de contra hegemonia. Esse termo foi criado
por Raymound Willians e desenvolvido por Stuart Hall.
O contra hegemônico é a
inveja do poder do outro, é uma manipulação de auto empoderamento. O poder não
é um objeto que possa ser tomado de uma classe ou de um grupo político, é um
dispositivo que toma a alma dos insatisfeitos. A contra hegemonia é um espaço
de formação de novas elites, um lugar onde o poder planeja suas reformas, uma
“heterotopia sistêmica”.
Quando o funcionalismo pensou que
os sistemas tendiam para homeostase, então, havia o disfuncional. Mas veio a
cibernética é viu que os sistemas tendiam à entropia e que os sistemas são
formas de resistência ao caos. Luhmann observou que os sistemas criam sub
sistemas para se observar. E a comunicação é uma troca sistêmica.
O corpo é um suporte do poder. A
única forma de resistência ao poder é a consciência. O sujeito não está no
sistema. Essa é a conclusão a que Foucault chega após a crítica de Baudrilard.
O poder é formado por três tipos
de estratégias: dominação, sedução e subversão. A dominação é exercida pelos
pastores do rebanho, os gestores do capital do grupo (o excedente da soma das
partes que excede o todo). A sedução é a estratégia das ovelhas submissas, das
massas passivas e do espírito de manada. E a subversão é a estratégia dos
lobos, representantes do inconsciente grupal (o inibido das partes na
constituição do todo). O poder é uma estrutura formada por essas três vontades:
coagir, seduzir e expressar.
quinta-feira, 20 de junho de 2019
herói e pseudo herói
JESSICA JONES E O PROTAGONISMO FEMININO
Uma narrativa sobre Sororidade e o ‘pseudo herói’ de
gênero
Marcelo
Bolshaw Gomes[1]
1. Introdução
'Herói' é o protagonista que faz
coisas erradas pelos motivos certos. Quebra regras morais e culturais por
motivação ética. No caso, a heroína feminista é bêbada e mal vestida, mas
coloca os machos no devido lugar. Há também os 'pseudo heróis', que são os personagens
que fazem coisas certas pelos motivos errados. Por exemplo: fazem o bem para
serem reconhecidos, por vaidade.
Nas narrativas de super-heróis a
disputa entre heróis e pseudo heróis é um lugar comum, frente aos vilões, aqueles
que fazem coisas erradas pelos motivos errados. Geralmente, a questão é posta
através do dilema moral entre matar o vilão ou entrega-lo à justiça. Batman tem
várias histórias sobre pseudo heroísmo. Na verdade, todos os super-heróis,
principalmente os vigilantes, têm narrativas em que se discute a diferença
ética entre as noções de justiça e vingança. E muitas vezes, o herói é forçado
a adotar o pseudo herói como parceiro. Gigalmesh, o primeiro herói, derrotou e
depois ficou amigo de Enkidu, o primeiro pseudo herói.
A versão mais recente e a atualizada
deste tipo de história é a web série da Netflix Jéssica Jones (2016-2019), em que a personagem Patrícia Walker (apelidada
de Trish ou Patsy) se torna a pseudo heroína mais verossímil e próxima da
realidade cotidiana até o momento. Trish (Rachael Taylor) foi a primeira vítima e
sua mãe, Dorothy
Walker (Rebecca De Mornay), a primeira vilã que Jessica Jones (Krysten Ritter)
salvou e derrotou respectivamente. E os fantasmas e conflitos arquetípicos
envolvendo essa situação se reproduzem durante as três temporadas da série.
2. Contexto de produção
Jessica Jones é uma herói dos
quadrinhos Marvel que foi recentemente (2015-2019) adaptada para Netflix dentro
de um projeto[2] de
várias outras séries: Demolidor
(2015-2018), Luke Cage (2016-2018), O Justiceiro (2017-2019), Punho de Ferro (2017-2018) e Os Defensores (2017) – que reuniu todos
em uma única história. A série da Jessica Jones
foi a segunda a ser lançada, a que obteve melhores resultados de crítica e
público[3]
e a última ser cancelada: sua terceira temporada em 2019 pós fim a essa
parceria[4].
As
séries formam um universo narrativo próprio, compartilhando continuidade em uma
única linha do tempo[5].
Elas são entrelaçadas do ponto
de vista intertextual entre si, com participações recíprocas dos protagonistas
(overcross) e até personagens secundários em comum - como o advogado Franklin
"Foggy" Nelson (Elden Henson) e a enfermeira Claire Temple (Rosario
Dawson), entre outros. Todas as séries tem uma estética sombria semelhante, do
figurino às trilhas sonoras, são voltadas para um público adulto (com cenas de
sexo e violência) e são localizadas em diferentes bairros de Nova Iorque.
Nos quadrinhos, a personagem
participou de diferentes revistas: Aliás:
codinome investigações (2001-2004), The
Pulse (2005-2009) e Novos Vingadores
(2010-2013).
3. Biografia ficcional dos quadrinhos
Em participações especiais, Jessica
Jones já foi namorada de Scott Lang, o segundo homem-formiga (Dinastia M) e colega escolar de Peter Parker (Ultimate Spider-Man) obcecada
em descobrir a identidade do Homem-Aranha. A história de vida da personagem é longa, tem várias versões
(com escritores e desenhistas diferentes) e vai bem além do período narrado
pela web série – correspondente às narrativas gráficas da revista Aliás, codinome investigações – em que
Jones é uma ex-heroína
no escritório ‘Alias: Investigações’. Depois deste período, Jessica
casa-se com Luke Cage, tem uma filha, volta a ser uma super-heroína, desiste
novamente, retorna mais uma vez e entra para os Jovens Vingadores, como personagem
coadjuvante. Em vários momentos
de sua história, Jessica usou disfarces como Safira, Paladina e Poderosa.
Jessica perdeu sua família sofreu um acidente,
mas ganhou superpoderes após ficar em coma. Após morar em um orfanato, foi
adotada. Como a super-heroína Safira, é sequestrada e hipnotizada pelo
Homem-Púrpura (Killgraves). Sob o controle telepático do psicopata, Jones é
tenta matar o Demolidor e ataca a Feiticeira Escarlate, sendo derrotada por
Visão, ficando novamente de coma. A narrativa da revista Alias: codinome
investigações e da primeira temporada da web série da Netflix começa neste
ponto, quando Jéssica desiste do super-heroísmo e abre um escritório de
investigações.
Aliás, as séries gráficas da revista Alias
(escritas por Brian Michael Bendis e desenhadas
por Michael Gaydos) se aproximam muito mais da estética noir e dark das web
séries Marvel na Netflix do que os quadrinhos dos outros personagens ou da
própria Jessica em outras revistas. Há uma ênfase no cotidiano existencialista
e triste, nos tons cinzas, em personagens alcoólatras, cínicos, pessimistas e
auto destrutivos - em oposição ao mundo idealizado e colorido dos super-heróis.
Fragmentos de Jessica Jones: a imagem
feminina em Alias – Codinome Investigações (SOARES &
MAGALHÃES, 2014), resumindo a dissertação de mestrado em
comunicação na UFPB dos mesmos autores, estuda como as histórias
em quadrinhos do gênero superaventura constroem a imagem das mulheres, a partir
da revista Alias: Codinome Investigações através da Análise de Discurso.
Concluí que a revista representa uma nova visão das mulheres na superaventura,
não só aprofundando esse ponto como sendo também um registro histórico de um
período sociocultural de transformações e novas configurações.
4.
Breve
revisão
Então, a série da Netflix ampliou e atualizou
esse caráter feminista radical e seu ineditismo do protagonismo heroico
feminino já existente na Jessica Jones dos quadrinhos na revista Alias. Além do
sucesso de público e crítica, vários trabalhos acadêmicos[6]
foram escritas em função da versão audiovisual da personagem, destacando seu
protagonismo feminino inédito em narrativas de aventuras e seu conteúdo
feminista contemporâneo, nas falas e atitudes da heroína.
A série de animação da ABC / Marvel
Television, Jessica Jones, exibida em 2015 e 2018, é a primeira série de
televisão do Universo Cinematográfico Marvel a ser feita especificamente para
um público adulto e a apresentar uma super-heroína como personagem principal.
Também é notável por ter uma executiva feminina, Melissa Rosenberg, escritora
ou co-roteirista, e, em sua segunda temporada, todas as diretoras. Empunhando
uma mistura genérica inovadora de thriller de crime noir e fantasia de
super-herói, a série adapta suas fontes de ficção gráfica para o primeiro plano
de Jones como o personagem central. Suas tramas estreitamente entrelaçadas,
diálogos espirituosos e narrativa visual ricamente trabalhada abordam temas de
trauma, poder e responsabilidade. Krysten Ritter aparece como o cínico
super-humano que luta para reconciliar sua força e agilidade com a
vulnerabilidade ao abuso psico-sexual depois de ter sido abduzido pelo monstro
de controle mental, Kilgrave (David Tennant). Referindo-se a teorias de
controle coercivo e estereótipos de gênero na narrativa contemporânea, este artigo
discutirá como a primeira temporada de Jessica Jones envolve abordagens
feministas à narrativa televisiva desafiando as representações convencionais do
super-herói feminino no período que antecedeu a era #MeToo, e abrindo
possibilidades para as mulheres no reino do fantástico como atores, escritores
e produtores (GREEN, 2019). Traduzido
por mim.
No Brasil, dois trabalhos se destacam de
muitos meramente descritivos: a monografia Heroína fracassada e mulher complexa – analise
da personagem Jessica Jones no seriado da Netflix (NICACIO, 2016); e o artigo Por que precisamos falar sobre Jessica Jones? (PAZ, 2016). Esses textos apontam para o
processo de empoderamento feminino da jornada de Jones durante a primeira
temporada da série, de uma vítima vulnerável sem auto estima para se tornar uma
protagonista na luta telepática contra o machismo, encarnado em seu
arqui-inimigo Kilgrave (David Tennant). Para vencer o vilão (personificação
do patriarcalismo cultural) e se tornar inume mentalmente a sua influência
sutil, Jones não pode sentir pena de si ou dos outros, não deve se sentir culpada
por seus erros, equiparando-se emocionalmente ao psicopata, sem, no entanto,
perder o foco da justiça.
A luta da heroína Jessica Jones (o
empoderamento do sujeito do protagonismo heroico feminino) contra o antagonista
(o anti-sujeito, o mundo patriarcal encarnado em Kilgrave, na primeira
temporada, e em outros vilões nas seguintes) é lateralmente condicionada pelo
relacionamento amoroso com o herói Luke Cage (Mike Colter) e amizade fraterna
com Trish Walker (Rachael Taylor).
5.
Análise semiótica
narrativa resumida
Através do modelo do quadrado semiótico
narrativo desenvolvido por Greimas (1973) pode-se observar como os ‘actantes’
(elementos simbólico-narrativos universais) formam pares de relações na
história de Jessica Jones.
Quadrado Semiótico Narrativo da série Jessica
Jones
JESSICA JONES
Protagonismo
Feminino
A heroína lunar
|
KILGRAVE
Antagonismo
Sociedade Patriarcal
|
TRISH
Co-protagonismo
Feminino
Pseudo heroísmo
|
LUKE CAGE
Co-protagonismo
Masculino
Liberdade e colaboração
|
Elaborado pelo autor
· Conflito principal: enquanto o herói solar clássico se rebelava contra
a natureza e contra as deusas matriarcais, a heroína lunar atual luta contra a
sociedade patriarcal. Mas, apesar de principal, no sentido heroico pois
estabelece a relação entre o protagonista (Sujeito) e o antagonista (anti
sujeito), essa contradição é fortemente condicionado pelo conflito secundário.
· Conflito secundário: A contradição entre o antigo feminino (Trish) e o
novo masculino (Luke Cage). E esse duplo condicionamento é que leva o
sujeito ao empoderamento. O ‘novo masculino’ representa a relação de
liberdade e colaboração com o outro sexo e o ‘antigo feminino’, corresponde aos
aspectos ‘vitimizados’ passivos e contra fóbicos da própria identidade de
gênero.
· Complemento principal: o relacionamento amoroso Jones & Cage. Embora a
relação de oposição complementar entre o protagonismo feminino e o elemento
masculino seja a principal do ponto de vista do esquema de actantes proposto
por Greimas, na narrativa em questão ele aparece de modo discreto, como uma
promessa futura, como um fator de conforto e esperança.
· Complemento secundário: o relacionamento entre vítima e vilão. Este sim,
apesar de formalmente secundário, parece ser a relação mais importante, não
apenas das relações de oposição complementar, mas de todas seis relações de
pares extraídas da narrativa. Como deixar de ser vítima (empoderar-se) sem se
tornar um vilão e também como empoderar aos outros também sem ser tornar um
manipulador – eis o que parece ser a discussão central de toda série.
· Contraponto principal: o novo protagonismo feminino versus o antigo
feminino patriarcal. A analogia entre a protagonista e sua melhor amiga é
constantemente feita por essa última, fazendo com que o telespectador a inverta
do ponto de vista de Jones. Porém além de Trish, também há comparações entre o
protagonismo feminino com o comportamento de Dorothy Walker (Rebecca De Mornay), mãe de Trish, e da advogada Jeri
Hogarth (Carrie-Anne Moss).
· Contraponto secundário: o homem-vilão versus o homem-parceiro. Seguindo a
lógica de que o conflito e casamento secundários são mais relevantes do que as
relações de contradição e oposição complementar. A relação analógica de
contraponto masculino é quase subliminar, passado despercebida. Além da
comparação entre a masculinidade de Cage x Kilgrave na primeira temporada;
essa relação é representada na segunda temporada pelos actantes Malcolm Ducasse
(Eka Darville), vizinho do escritório Alias viciado em drogas que Jones ajuda e
passa a trabalhar com ela e a se relacionar com Trish x a IGH, uma grande
empresa farmacêutica que a todos corrompe; e, na terceira, pelo personagem Erik
(Benjamin Walker), capaz de sentir a maldade das pessoas x psicopata George Sallinger
(Jeremy Bobb).
6.
O pseudo
herói
O que se percebe de saída da análise através
do modelo do quadrado semiótico narrativo é que as relações secundárias são
mais importantes que as principais. O conflito entre o feminino patriarcal com
a nova masculinidade é mais importante do que a própria luta da protagonista
contra o mundo machista. A relação de oposição complementar entre o vilão e a
vítima é mais relevante do que o relacionamento amoroso. E, finalmente, a
analogia entre as formas de masculinidade, embora invisível, é mais valorizada
do que a comparação entre mulheres, que é inclusive caricaturada pelo olhar
equivocada de Trish.
Para entender melhor a singularidade da
narrativa é preciso focar na relação entre Jessica e Trish. Após o acidente que
vitimou seu pais e lhe deu poderes, Jessica Jones foi adotada por Dorothy Walker
e sua filha, Patrícia. Nas histórias em quadrinhos, Dorothy era uma escritora
de quadrinhos, que criava uma revista sobre sua filha Patsy. Nesse universo
narrativo, Patsy ou Trish apesar de não se sentir inteiramente confortável com
sua exposição, principalmente porque quem tinha realmente poderes era sua irmã adotiva
Jessica. Porém, depois as duas crescem realmente se tornam super heroínas. A
série da Netflix faz algumas alterações nesse enredo, mas mantem o essencial do
relacionamento entre as três personagens.
Na primeira temporada, Trish Walker,
apresentadora do talk show radiofônico Trish Talk. Ela foi uma atriz mirim de
TV que estrelou na infância sob a mão de ferro da mãe-agente Dorothy. Jessica
foi adotada pela empresária para melhorar a imagem da filha – colocando as duas
na mesma escola como um ato de
caridade altruísta. No entanto, Dorothy foi uma mãe abusiva. Certa noite, ela
forçou Trish a vomitar no banheiro, chamando-a de ‘Fatsy’ – fazendo com que
Jessica usasse seus poderes para defender a irmã. O incidente formou um vínculo
profundo entre Trish e Jessica, colocando um limite nas manipulações
interesseiras de Dorothy. As duas alimentam uma cumplicidade que fortalece a
ambas. A amizade as (super) empodera. Elas se tornam super-heroínas durante
anos e depois voltam a vida cotidiana, no momento em que a narrativa da série
começa.
Durante toda série, Trish oscila entre ser uma
celebridade (e uma jornalista, defensora do interesse público) e uma vigilante
justiceira que mata os criminosos, tentando conciliar as duas condições em
diversos momentos. Ela nutre pela melhor amiga sentimentos ambíguos de amor e
de inveja. E em vários momentos, se aproxima do papel de vilã, fazendo ‘coisas
erradas pelos motivos errados’.
Enquanto Jessica sempre a acolhe como
parceira, sempre sofre as consequência dos erros da irmã e sempre aprende com
eles. Graças a Trish, Jessica se torna emocionalmente capaz de derrotar
Kilgrave e Sallinger; também graças a Trish, Jessica descobre a essência do heroísmo
feminino: a dádiva anônima.
7.
Conclusão
Inicialmente, apresentou-se a personagem
Jessica Jones no universo narrativos Marvel a partir dos quadrinhos e, em
seguida, contextualizou-se a produção de sua versão audiovisual. Após uma
brevíssima revisão bibliográfica dos estudos da web série, definiu-se sua
importância: o pioneirismo do protagonismo feminino de aventuras e seu forte
componente feminista. Depois, sem descrever a narrativa nem analisa-la do ponto
de vista discursivo (como seria necessário), aplicou-se então o modelo do
quadrado semiótico narrativo aos principais actantes da história, estabelecendo
uma grade relações de conflito, complemento e contraposição.
Procurou-se aqui evitar ‘spoliers’
(informações que prejudiquem o suspense, adiantando os finais dos enredos) e
dar apenas elementos interpretativos para que, quando o leitor assista as três
temporadas da série perceba as nuances que ressaltei. Isto impediu de descrever
melhor a narrativa, analisando-a de forma muito resumida. Os leitores que já
assistiram não terão dificuldade em entender meu propósito, embora talvez
sintam falta de uma melhor fundamentação de meus argumentos em cenas e diálogos
da série. O relevante foi descrever adequadamente o actante do ‘pseudo herói’,
principalmente em relação à questão da visibilidade e do reconhecimento.
É claro que outras interpretações são
possíveis. Por exemplo: algum crítico disse e toda mídia repetiu que a série é
sobre dilemas morais (o bem e o mal) e que o que caracteriza o herói é o
sacrifício e que esse é o elemento chave para diferenciar o comportamento de
Jessica do de Trish. Na presente perspectiva, essa é uma forma superficial (e
moralista) de interpretar a narrativa. A renúncia ao reconhecimento vai bem
além do sacrífico. Para o ‘verdadeiro herói’, o anonimato (ou a dupla
identidade) é um benefício necessário. Aliás, essa é uma discussão que o
personagem Jessica Jones traz de antes da série e que leva para além dela sem
solução.
Referências
bibliográficas
GREEN, Stephanie.
Fantasy, gender and power in Jessica Jones. Continuum, Journal of Media &
Cultural Studies 04 March 2019, Vol.33(2), p.173-184
GREIMAS, Algirdas Julien. Semântica estrutural. Tradução de H.
Osakape e I. Blikstein. São Paulo: Cultrix/EdUSP, 1973.
KENNA,
Brian. Marvel's Jessica Jones (US 2015). Science
Fiction Film and Television, Oct 1, 2017, Vol.10(2), p.289(5) Cengage
Learning, Inc.
NICACIO, Jésus Henrique Dias. Heroína fracassada e mulher complexa – analise da personagem Jessica
Jones no seriado da Netflix, monografia de Jornalismo da Universidade
Federal de Viçosa; 2016 Disponível em: <http://www.jornalismo.ufv.br/heroina-fracassada-e-mulher-complexa-analise-da-personagem-jessica-jones-no-seriado-da-netflix/>
último acesso no dia 17/06/2019.
PAZ, Iolanda. Por que precisamos falar sobre Jessica Jones? Curso
de Ciências da Linguagem II (matutino) da Universidade de São Paulo, 2016.
Disponível
em: <http://www.usp.br/cje/jorwiki/exibir.php?id_texto=364> último acesso
no dia 17/06/2019.
RYAN, Maureen. Marvel's Jessica Jones (Television
program review). Variety, Nov 17,
2015, Vol.330(2), p.120(1) Cengage Learning, Inc Disponível em:
< > último acesso no dia
17/06/2019.
SOARES &
MAGALHÃES; Marcelo, Henrique. Fragmentos
de Jessica Jones: a imagem feminina em Alias – Codinome Investigações
Revista 9ª Arte. vol. 3, n. 2, 43-57. São Paulo: USP, 2o. semestre/2014. Disponível
em: <https://www.periodicos.usp.br/nonaarte/article/view/99676>
último acesso no dia 17/06/2019.
[1] Professor
do Programa de Pós Graduação em Estudos da Mídia da UFRN.
[2] Produzida pela
Marvel Television em associação com ABC Studios e Tall Girls Productions, com
Melissa Rosenberg sendo a showrunner.
[3]
Principalmente na primeira temporada, v. wikipedia.com/jessica_jones.
[4]
Entre as
especulações, se comenta o fato de a Disney estar se preparando para lançar o
próprio streaming e, como a Marvel faz parte do grupo Walt Disney, não seria
interessante continuar produzindo histórias em outra plataforma.
[5]
Esse foi um dos grupos de heróis Marvel (os defensores) não participaram da
versão cinematográfica da Guerras Civis, Os
Vingadores – Ultimato (2019); reboot completo do universo narrativo dos
quadrinhos, que incluiria ainda os X-men, o Quarteto Fantástico, o surfista
prateado e outros personagens Marvel.
[6] Por exemplo:
(KENNA, 2015; RYAN, 2015).
quarta-feira, 19 de junho de 2019
quarta-feira, 12 de junho de 2019
sábado, 8 de junho de 2019
terça-feira, 4 de junho de 2019
Landowski
RISCOS & MONOTONIA
Semiótica das interações e a Morte
Resumo:
Resenha
do livro LANDOWSKI, Eric. Interações
Arriscadas. Tradução de Luiza Helena Oliveira da Silva. – São Paulo:
Estação das Letras e Cores/Centro de Pesquisa Sociossemióticas, 2014.
Palavras-Chave: Comunicação1;
Semiótica2; Interações sociais3;
Eric
Landowski (2014) apresenta uma teoria sociológica formada por quatro regimes
distintos de interações sociais, em relação à noção de ‘risco’. Landowski foi
aluno e colaborador de Greimas[1].
Suas ideias derivam diretamente da Semiótica Narrativa de seu mestre; e sua
teoria dos regimes de interação é uma ampliação sociológica da teoria dos
regimes de significação, desenvolvida em perspectiva linguística pela Escola de
Paris[2]. O
metamodelo de Landowski, além de “sair do texto” (e da teoria de significação)
para construir "uma analítica de vida", também transforma o quadrado
semiótico em uma espiral no formato do símbolo do infinito, alterando o
diagrama de Greimas.
A
teoria sócio semiótica de Landowski é formada por quatro regimes distintos de
interações: a) a programação ou operação (a interação sempre constante e
contínua, um algoritmo objetivo); b) a manipulação ou estratégia (a interação
inconstante e contínua em que a intencionalidade se superpõe ao causal, o
efeito do narrado sobre o vivido, por exemplo); c) a interação de ajuste
(constante e descontínua); e o fator imprevisível das interações (o aspecto
inconstante e descontínuo). Cada regime corresponde a uma lógica semiótica
distinta. A programação corresponde à regularidade. A manipulação é regida pela
intencionalidade. O ajustamento funciona por sensibilidade. E o acidente
corresponde à aleatoriedade.
A
programação é o primeiro regime de interação. A vida pode ser vista como uma
programação de eventos irreversíveis: o sol no transcorrer do dia, as estações
durante o ano, o envelhecimento dos seres orgânicos. O tempo é constante e
contínuo; e essa regularidade forma a dimensão objetiva da existência.
Há
duas formas ideias de programação (que na prática, no entanto, são sempre
indissociáveis): a regularidade causal ou algorítmica (o “automatismo anônimo”)
e a regularidade sociocultural, isto é, uma programação em que as estratégias
de manipulação foram assimiladas e naturalizadas como fazendo parte do
programa. É o que Bourdieu (2007) chamou, em diferentes momentos e de
diferentes formas[3],
de habitus: uma ação automatizada como prática social que continua a se
reproduzir.
Landowski
admite que esses dois regimes de interação não existem de forma independente,
que estão sempre intricados um no outro, mas os distingue metodologicamente
como modos de interpretar, como a combinação de um modelo estrutural
determinista como uma abordagem fenomenológica da intencionalidade. Essa
duplicidade teórica produz conceitos gêmeos: há duas regularidades, dois tipos
de motivação, dois tipos de sensibilidade e até dois tipos acaso.
Tabela1 - Tipologia ideal
das interações de Landowski
|
ESTRUTURA
|
FENÔMENO
|
REGULARIDADE
|
Causal ou
Algoritmia
(Tempo
contínuo)
|
Reprodução sócio
cultural
(Tempo
narrativo)
|
MOTIVAÇÃO
|
Aprender a
aprender
Competência
modal compreensiva
|
Autoprogramação
Competência
modal criativa
|
SENSIBILIDADE
|
Homem x
Máquina
Reativa
|
Homem x homem
Empatia
|
ACASO
|
Acidente
programado
O aleatório ou
sorte/azar
|
Acidente
motivado
O ruído ou
risco
|
Fonte: elaborado pelo
autor
Então, esses oito tipos ideais (a regularidade causal,
a reprodução cultural, a competência sintática, a criatividade, a interação com
as máquinas, a interatividade com as pessoas, a capacidade de corrigir os
próprios erros e de viver a própria vida como uma aventura) podem ser aplicados
para compreender ‘objetos sociais’ como um processo de diferentes regimes de
interação? Como usar a teoria dos regimes de interação?
A educação infantil, por exemplo. A regularidade
causal corresponderia ao desenvolvimento cognitivo da criança. As fases de
aquisição da linguagem segundo a epistemologia genético do Piaget[4]
e/ou as etapas cognitivas do Wallon[5].
A regularidade intencional corresponde à
ação da família, da escola e da mídia. São três camadas de intencionalidade que
incidem de modo desigual e combinado sobre o curso histórico dos
acontecimentos.
Os dois tipos de motivação são competências modais
distintas. Por exemplo: uma motivação se alegra em aprender intuitivamente
programas e aplicativos como usuário; a outra se entusiasma programando,
inventando novos modos a partir dos utilizados, criando. É a diferença, se
elevadas a enésima potência, entre a virtuose e o gênio.
Os dois tipos de sensibilidade também são polarizados
por Landowski e podem ser observados e aferidos. Uma é a capacidade de
interação com as máquinas (e também analogicamente com outros objetos sociais
abstratos); a outra, é a interatividade entre as pessoas. Seguindo o exemplo: a
sensibilidade do mouse, dos dedos na tela, do teclado, da máquina como parte do
corpo humano; e a sensibilidade empática - a capacidade de promover a
sensibilidade empática no outro, mas também de ser mobilizado por ela.
E, finalmente, os dois tipos de acidente: o acaso programado decorrente das falhas
na programação, que, se estudado estatisticamente pode ser explicado, corrigido
e assimilado pelas interações regulares; e o acaso motivado reside na crença de que existe um destino (e que
“não existem coincidências”), as adversidades inesperadas existem para nos
ensinar. Enquanto o primeiro é objetivo e procura descobrir fatores
desconhecidos no imprevisível; o segundo é subjetivo, extraindo ensinamentos de
suas adversidades.
Em conjunto, seguindo o exemplo, eles propiciando à
competência da criança se qualificar através de riscos, se tornar protagonista
da sua vida, vencendo conflitos e situações difíceis em uma narrativa de
aventuras empoderante.
Também é possível pensar os quatro regimes de
interação como um conjunto de elementos simultâneos que se condicionam, uma
rede de relações capaz de distinguir o regular, o intencional, o acidental, o
afetivo.
Figura 1 – Os regimes de interação em conjunto
Fonte: internet
Um exemplo do próprio Landowski de como regimes de
interação funcionam juntos de ‘modo desigual e combinado’ é o das eleições
contemporâneas (Idem, 35-37). Os votos fisiológicos (regionais, setoriais) e os
votos ideológicos (em partidos de direita ou esquerda) são previsíveis. Porém o
sentimento de insegurança crônica promovido pela mídia faz com que eleitores de
esquerda votem na direita e vice-versa. O medo ou mesmo a agressividade
recorrente contra objetos de ódio grupal, a interação por contágio emocional,
passou a ser decisiva em relação à defesa dos interesses naturais de cada um ou
às suas preferências políticas. As eleições alimentam o sentimento de risco e
são por ele alimentadas. A guerra e a dança, entre outras atividades exigem que
o eu antecipa as reações do outro, também são exemplos de processos envolvendo
os três regimes de interação, com ênfase no ajustamento e na sensibilidade.
Porém, embora postule a simetria complementar dos
regimes de interação, Landowski enfatiza mais os dois primeiros (ressaltando a
interação teórica entre estruturalismo e fenomenologia) que os dois últimos –
cujo o funcionamento conjunto forma o Actante
Joker (p. 71) – ponto que carece de uma explicação.
Também é importante esclarecer que, em relação ao
terceiro regime de interação, Landowski se distancia bastante de Greimas. O
ajustamento não representa a contextualização social do enunciador e do
destinatário dos discursos, nem pode simplesmente ser reduzida à adaptação
recíproca entre o eu e o outro. Ele também não corresponde ao conceito de ‘ação
comunicativa’ de Habermas (uma vez que as racionalidades instrumental e estratégica
se assemelham aos dois primeiros regimes de interação). É “a capacidade de
sentir reciprocamente. Para diferenciar da competência dita modal, nós a
batizamos de competência estésica” (LANDOWSKI,
2014, 50).
O regime de interação por ajustamento é constante e
descontinuo. Estamos sempre sentindo, mas em intensidade e durações variadas. O
regime de interação por acaso é descontínuo e inconstante, é o oposto completo
da regularidade. E da forma como é apresentado sugere que os dois produzem um
ao outro.
A noção de risco, tomada de empréstimo de Giddens
(BECK; LASH; GIDENS, 1997), já foi chamado de ‘ruído’ tanto por clássicos como
Wiener (1954), criador da cibernética, como também de autores atuais como Atlan
(1992), que considera o ruído como fator central da auto-organização dos
sistemas complexos[6].
Há, no entanto, uma diferença fundamental entre essas
abordagens. Os autores do risco (Giddens e Greimas) pensam o mundo como ordem e
a vida como um processo irreversível. E os pensadores do ruído (na verdade, da
complexidade) acreditam que o universo está ‘em entropia’, em uma implosão
térmica e que a ordem e o sentido são apenas uma pequena ilha de
auto-organização em um oceano de desordem. Eles partem da ideia da vida como
descontinuidade e caos. Landowski chama essa forma de pensar de ‘pós-moderna’
em oposição à forma clássica; e pretende englobar ambas em seu modelo.
O certo é que vivemos
em uma sociedade de risco para promover o máximo de autonomia dos indivíduos.
Desafiamos riscos para nos tornarmos pessoas melhores e não para fugir da
monotonia e do tédio (como os personagens sedutores do romance Ligações perigosas, nos quais Landowski
inspira seus conceitos). Particularmente não concordo de que a monotonia é gera
o catastrófico. É a morte (a grande descontinuidade constante) que gera a
regularidade da vida. Se fosse pensar o aleatório relacionado aos dois
primeiros regimes de interação, diria que há o risco objetivo de morte e das
perdas (ou de fim da regularidade); e o risco de não ser amado (e de não ser
manipulado).
Mas foi o modelo criado
por Landowski que me faz pensar assim. Modelo que sistematiza décadas de
pesquisa semiótica e séculos de reflexão filosófica. Modelo que incita a novas
interpretações de si próprio. E essa parece ser sua principal intenção e não
apresentar uma teoria fechada completa. Daí seu valor incontestável.
Referências bilbiográficas
ATLAN, H. Entre o Cristal e a
Fumaça. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.
BECK, Ulrich; LASH, Scott; GIDENS, Anthony. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na
ordem social moderna. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), 1997.
BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp, 2007.
GREIMAS, Algirdas Julien. Semântica
estrutural. Tradução de H. Osakape e I. Blikstein. São Paulo: Cultrix/EdUSP, 1973.
. Da Imperfeição. Hacker editores: São Paulo, 2002.
GREIMAS, A. J e FONTANILLE, J. Semiótica das
paixões. São Paulo: Ática, 1993.
GREIMAS, A e LANDOWSKI, E. Semiótica e ciências sociais. São Paulo: Cultrix, 1981.
JOURDAIN, Anne; NAULIN, Sidonie. A
teoria de Pierre Bourdieu e seus usos sociológicos. Petropolis, Vozes,
2017.
LANDOWSKI, Eric. Interações Arriscadas. Tradução de
Luiza Helena Oliveira da Silva. – São Paulo: Estação das Letras e Cores: Centro
de Pesquisa Sociossemióticas, 2014.
WIENER, Norberto. Cibernética
e Sociedade. São Paulo: Cultrix, 1954.
[1] No livro Com Greimas (2017), Landowsky nos conta seu aprendizado e sua
convivência com seu professor, contextualizando detalhadamente cada livro da
obra greimasiana.
[2] Landowsky e Greimas escreveram
juntos o livro Semiótica e Ciências Sociais (1981), clássico fundante da
teoria Sóciossemiótica.
[3] JOURDAIN & NAULIN (2017, 49-53) destacam três versões
do termo em Bourdieu: o habitus determinista de A Reprodução, “a interiorização do exterior e a exteriorização do
interior”; o habitus-inércia como resistência à mudanças; e o habitus formado
por ‘esquemas de percepção, de julgamento e de comportamento’ incorporados semi
conscientemente pelos agentes.
[4] Estágios de Desenvolvimento
infantil para Piaget: 1- Período Sensório-motor (0-2 anos), 2- Período
Pré-Operacional (2-7 anos). 3- Período Operacional de Concreto (7-11), 4-
Período Operacional Formal (11 e mais, até cerca de 19 anos).
[5] Estágios de Desenvolvimento
infantil para Wallon: 1 - Estágio
impulsivo-emocional (do nascimento até aproximadamente o primeiro ano de
vida); 2 - Estágio sensório-motor e
projetivo (dos três meses de idade até aproximadamente o terceiro ano de
vida); 3 - Estágio do Personalismo
(dos três aos seis anos de idade aproximadamente); 4 - Estágio Categorial (dois seis anos até os onze); 5 - Estágio da Adolescência (por volta dos
onze ou doze anos de idade).
[6] Atlan pergunta se a “natureza é
perfeita” e a vemos de forma imperfeita (se o ruído é subjetivo) ou se existe
um fator objetivo de desorganização do universo (o que equivaleria a afirmar
que a natureza é imperfeita). Wiener compara o ruído ao mal ético, considerando
a existência de dois diabos: o maniqueu e o agostiniano. Para compreender esta
analogia é preciso lembrar que Santo Agostinho, antes de ser Bispo de Hipona,
participou da seita herética dos maniqueus. Os maniqueus acreditavam louvar a
totalidade de Deus, adorando tanto o Cristo quanto o Diabo. Para esta seita (de
onde deriva a palavra “maniqueísmo”), o bem e o mal são princípios opostos e
complementares que formam juntos a totalidade divina. Agostinho, no entanto,
rompeu com essa concepção quando elaborou a doutrina do pecado original,
segundo a qual Deus é infinitamente bom e misericordioso, e o mal só existe por
causa do próprio homem, que foi expulso do Éden e agora luta para retornar a
sua condição original. Wiener diz que a ciência objetiva (ou a relação entre o
homem e a natureza) corresponde à luta contra a irracionalidade do diabo
agostiniano porque “a natureza não inventa ardis para nos enganar” e o ruído
resulta de nossa própria ignorância; ao passo que a política intersubjetiva (ou
a relação dos homens entre si) representa um embate contra a irracionalidade do
diabo maniqueu em que o ruído é utilizado para enganar o adversário (como nos
jogos de soma zero).
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