PORQUE NÃO SOU MARXISTA
Marcelo Bolshaw Gomes
Com a ascensão da extrema-direita e
da ignorância orgulhosa de si ao poder no Brasil, toda esquerda passou a ser
taxada de ‘comunista’ e toda sociologia de ‘marxista’. Isto produziu a
necessidade de explicação dos que sendo contra o governo e adepto das ciências
sociais, não se sentem comunistas ou marxistas. Para quem lê Anthony Giddens e/ou Manuel Castells, ser ou não ser marxista
não é a questão. Na verdade, perdeu-se uma grande diversão intelectual,
pois confundidos com os marxistas, não se pode mais provoca-los como
antigamente, sem fortalecer a ignorância da direita.
Mas, me chamaram de ‘marxista
cultural’ – aqueles que dizem que não são marxistas, mas que, no fundo, são a
mesma coisa: “adeptos de teorias críticas que condenam as pessoas ricas e bem
sucedidas, insuflando os menos favorecidos contra a ordem social” – segundo me
explicaram. E, assim, ao invés de tirar brincadeira com meus amigos marxistas,
agora são eles (que concordando com a direita) zoam comigo, cobrando que eu
assuma “meu lado marxista”.
Em primeiro lugar, é preciso dizer
que o Marx é um grande pensador (do final do século passado) e que o marxismo
como teoria sociológica materialista (fundamentada pela economia) quase não
sobreviveu ao poli determinismo estrutural de Max Weber (2004) ao investigar como
a ética protestante foi decisiva para o espírito do capitalismo.
O marxismo sobreviveu como sociologia
graças a Gramsci, Althusser, Habermas e outros.
Aliás, o próprio Marx não é muito ‘marxista’ em seus textos mais literários,
como O 18 de Brumário de Luís Bonaparte (2011). Mas, infelizmente, nem os atuais marxistas nem seus críticos atuais
leem Marx ou os sociólogos que se seguiram. E para esclarecer meu ponto de
vista tanto à direita quanto à esquerda, imaginei apresentar algumas lacunas da
perspectiva materialista a partir da ótica idealista, em que o subjetivo
interpreta o objetivo, determinando-o.
O motor da história e a terceira
classe
Um dos
conceitos marxistas centrais é ‘a luta de classes’. Ela é o coração político da
teoria marxista e talvez seja a única noção que tenha chegado viva aos nossos
dias. Ela é amplamente utilizada (por ambos os lados) como sendo o fator
explicativo principal de todas as desigualdades e dos conflitos sociais.
Para teoria
marxista, a luta de classes é a ‘encarnação’ sociológica da contradição irreconciliável
entre capital e trabalho. Mas será que essa contradição é mesmo estruturalmente
irreconciliável? E será que essa contradição econômica sempre se expressa historicamente
na luta entre as mesmas classes? Há várias versões teóricas de ‘luta de
classes’ fora da teoria marxista, que tentam reinterpretar a contradição entre
Capital e Trabalho.
Para o
sociólogo contemporâneo Manuel Castells (2008), “o capital é global; o
trabalho, local”. As relações sociais entre o capital e o trabalho sofreram uma
transformação profunda. A mão-de-obra está desagregada em seu desempenho,
fragmentada em sua organização, diversificada em sua existência e dividida em
sua ação coletiva. Capital e trabalho tendem cada vez mais a existir em
diferentes espaços e tempos: o espaço de fluxos e o espaço dos lugares, tempo
instantâneo de redes computadorizadas versus tempo cronológico da vida
cotidiana. Assim é o “capitalismo informacional” em oposição ao antigo capitalismo
industrial.
Outra
reinterpretação desconcertante da luta de classes e da relação entre capital e
trabalho, ainda mais radical e subversiva do que a própria concepção marxista,
é a da sociologia estrutural-construtivista
de Pierre Bourdieu, em pelo menos dois pontos: a redefinição de Capital e a
introdução de uma terceira classe na luta.
Bourdieu
(2000a, 53-54) distingue quatro tipos de Capital: o Econômico propriamente
dito; o Capital Cultural (conjunto das qualidades intelectuais transmitidas pela
escola e pela família); o Capital Social (conjunto das relações sociais de que
dispõe o agente); e, finalmente, o Capital Simbólico.
Para
Bourdieu, a posição dos agentes no espaço (nos campos) depende do volume e da
estrutura de seu Capital. Um campo pode ser definido como uma rede estruturada
de agentes e instituições ou uma configuração de relações objetivas entre
posições, onde os agentes estão em concorrência pelos seus troféus específicos,
seguindo regras (de ingresso, de premiação e de exclusão) igualmente
específicas. A distribuição dos capitais entre as classes sociais (agentes do
campo econômico) são desiguais e há ainda a introdução classe média. Bourdieu
observa que, em várias sociedades, as classes intermediárias, às margens do
processo produtivo e da luta de classes, se dedicaram a produção de bens
simbólicos. A igreja na idade média, por exemplo. Porém, a modernidade para se
desenvolver teve que gestar uma 'automização' da produção de bens simbólicos em
relação ao conjunto da reprodução social e a diferenciação entre o trabalho
manual e o trabalho intelectual.
Segundo Bourdieu, nas sociedades altamente
diferenciadas como a nossa, o cosmos social é constituído do conjunto desses
'campos', microcosmos sociais relativamente autônomos, espaços de relações
objetivas que são o lugar de uma lógica e de uma necessidade especificas e
irredutíveis às que regem os outros campos. Por exemplo: o campo artístico, o
campo religioso e o campo econômico obedecem a lógicas diferentes. Em cada
campo específico existe um conjunto de interesses compartilhados que garantem
sua existência e funcionamento. E o que permite estruturar os Campos é a
posse de diferentes tipos de Capital.
Nessa
lógica, a “cultura dominante não é a cultura da classe dominante” como pensava
o marxismo. A cultura dominante é a cultura da classe média. As classes
dominantes seriam predominantemente incultas, mais afeitas ao luxo e ao
conforto, à ostentação e à boemia; enquanto as artes, a memória, a cultura de
uma forma geral seria uma ocupação do que vivem às margens da luta entre as
classes principais. E o próprio Bourdieu se situa, na condição de sociólogo,
como um produtor simbólico.
Jean Paul
Sartre dizia, na segunda parte da Crítica
da Razão Dialética (2000), que o existencialismo era um território,
consciência pequeno-burguesa, encravado no marxismo-leninismo, consciência de
classe do proletariado. Bourdieu dá um passo à frente em relação à consciência
de classe, mas também a explicação da dinâmica histórica entre as classes.
Mas,
sobretudo, a sociologia de Bourdieu abre a possibilidade de pensar um projeto
de sociedade a partir dos interesses da classe média (ecologia, direito humanos,
o feminismo, as ‘pautas de identidade’). E essa possibilidade de elaboração de
um projeto político próprio (da classe média) surge ao mesmo tempo em que a
sociedade civil passa a se organizar em ONGs frente ao Estado (guardião da
igualdade dos agentes individuais) e ao Mercado (defensor da liberdade dos
agentes econômicos coletivos).
Já existem
até apropriações opostas dessa possibilidade: Habermas (2003), a esquerda,
deseja organizar a sociedade civil para ampliar a esfera pública em uma
democracia deliberativa; Giddens (2001a, 2001b, 2003), a direita, defende a
diminuição do estado através da terceirização da esfera pública para sociedade
civil. Hoje, em uma situação social infinitamente mais complexa daquela em
viveu Karl Marx, a classe média e a sociedade civil se tornaram o ‘fiel da
balança’ – tanto nas disputas políticas entre direita e esquerda, quanto
verticalmente na luta de classes sociais.
Salvos por sobre-determinação
Marx,
quando se refere ao conjunto da sociedade, distingue a existência concreta dos
homens de suas formas de consciência social. A existência concreta equivale à
‘infraestrutura econômica’ e às ‘forças produtivas’ resultantes da interface
entre os homens e a natureza; e as formas de consciência social, à
‘superestrutura social’ e às relações dos homens entre si, à luta política e
cultural entre as classes sociais.
Como
pensador dialético, Marx acredita que infraestrutura e superestrutura se
condicionam mutuamente, mas, que, ‘em última instância’, são as necessidades
humanas que predominam sobre seus hábitos e costumes. As mudanças sociais,
nessa perspectiva, ocorrem inicialmente na infraestrutura produtiva; e, em um
segundo momento, nas esferas reprodutivas das condições de produção: a
superestrutura.
Para
defender marxismo de ataques de pensadores weberianos e estruturalistas – que o
acusam de ‘mono causal’ em sua ênfase econômica e advoga um determinismo de
múltiplos fatores estruturais (religiosos, políticos, culturais) – Louis
Althusser (1979) propôs uma adaptação de uma categoria lacaniana: a
‘sobre-determinação estrutural’ ou a determinação em ‘primeira instância’. Nesse
modelo, há fatores que são determinantes aparentemente ou em um primeiro
momento (como a religião); mas a determinação final continua sendo orientada
pelos interesses econômicos coletivos. Assim, apesar da estrutura social ser
determinada por fatores subjetivos, ela continua determinada por nossas
necessidades objetivas de uso e troca. As castas indianas, por exemplo, são
classes sociais com uma sobre-determinação étnica e religiosa.
A
‘centralidade da mídia’ pode ser definida, nessa perspectiva althusseriana como
uma sobre-determinação estrutural dos fatores ideológico e cultural produzidos
artificialmente. Os meios de comunicação tornaram-se os mediadores centrais das
relações sociais. Assim, é possível que hoje a informação determine o preço dos
produtos e até o valor acionário das empresas, sem que isto se constitua em um
rompimento com a lógica da mercadoria e com o capitalismo. Para dar resposta à
centralidade da comunicação e sobreviver como teoria ao estruturalismo e à
fenomenologia, a sociologia marxista se tornou taticamente ‘idealista’ e
estrategicamente materialista.
Outra
atualização decisiva da teoria marxista é o trabalho do italiano Antônio Gramsci
(2000). Ele é abertamente idealista pois defende uma ‘revolução cultural’,
isto é, a tomada das instituições superestruturais pela consciência coletiva
primeiro para mudar as relações de produção da infraestrutura depois. Gramsci
vê na Cultura não apenas uma forma de alienar os trabalhadores de sua
consciência coletiva, mas, sobretudo a possibilidade de torná-los conscientes
de suas condições de vida. A Cultura mais que ideologia da classe dominante é
vista como uma forma de consciência social, capaz de desencadear revoluções. Ele
também foi um dos primeiros a destacar o papel dos intelectuais na organização
da cultura, principalmente na segunda etapa de cada modo de produção. Nessa
ótica, tal quais os plebeus no Império Romano ou a Igreja no Regime Absolutista,
as classes intermediárias da cultura do pós-guerra, criadas às margens da
produção material, representam um papel decisivo: a defesa dos interesses
coletivos das classes dominantes em detrimento de seus interesses individuais,
sob a forma de uma centralização do poder político ou ‘intervenção estrutural
do Estado na economia’. Nesses momentos, os intelectuais (as classes médias) ou
se tornam tecnocráticos ou revolucionários – em função de sua opção na luta de
classes.
Gramsci distinguia dos tipos de
práxis: o fazer e o agir. O Fazer corresponde a atividade coletiva dos homens
em relação ao meio ambiente, as chamadas ‘práticas sociais’ por Bourdieu e
Althusser; e o Agir referente a ação social dos homens entre si. A tecnologia é
o ‘saber fazer’ e a ética, o ‘saber agir’. Haveria ainda a ‘práxis das práxis’,
a relação dialética entre o Fazer (a ação involuntária das massas) e o Agir (a
ação consciente das pessoas). É a história que ‘faz’ os homens ou são os homens
que fazem a história? A história ‘faz os homens que fazem a história’. Mas, os
homens fazem a própria história e não sabem que a fazem. A revolução, segundo
esse credo, acontece quando os homens ‘tomam as rédeas da própria história’ e
passam a fazê-la conscientemente. Para
Gramsci, tudo começa e acaba na consciência.
Amor e ódio a Habermas
Conheci as ideias de Habermas, mais
precisamente o livro sobre a ampliação da esfera pública (2003), no início dos
anos 80 – conjugadas com o pensamento de Gramsci. A
ampliação da esfera pública equivaleria à organização da sociedade civil (de
Gramsci) e à revolução cultural, a chegada ao poder através da superestrutura.
Nesse contexto, Habermas era
utilizado como fundamento teórico de uma estratégia política importada da
Europa, abertamente reformista diante de outras estratégias que se pretendiam
revolucionárias. E, assim, a primeira impressão foi que não passava de um
marxista conservador, herdeiro de Adorno e da escola de Frankfurt, que desejava
ser crítico mas continuava a pensar de forma elitista.
Porém, certa vez, assisti a uma
exposição da Teoria da Ação Comunicativa, quando essa obra ainda não havia sido
traduzida, e fiquei absolutamente encantado com as noções de racionalidade
instrumental (da objetividade das coisas), racionalidade estratégica (dos
sujeitos individuais e coletivos) e a ação comunicacional (ou a
intersubjetividade coletiva). A ação comunicativa seria mais que racional, pois
englobaria o inconsciente, o involuntário, o corpo inteiro. E essa intersubjetividade
total era a ampliação da sociologia da ação social weberiano dentro do marxismo,
equivalente a noção funcionalista de interação de Talcott Parsons (uma vez que
nessa época não havia ainda internet nem comunicação interativa).
Passaram-se muitos anos e o fato de
que outros leitores de Habermas entendessem a sua intersubjetividade como um
debate racional e não como uma interação social me causava espécie. Uma redução
da ação comunicativa à racionalidade estratégica! – lamentava. Para mim, os
leitores brasileiros de Habermas seguiam influenciados pela difusão inicial de
suas ideias, orientada por interesses partidários.
Recentemente, no entanto, li a Teoria
da Ação Comunicativa (2012). Habermas tanto é institucionalista, que enfatiza o
papel da comunicação na democracia na discussão política das racionalidades
instrumentais e estratégicas; como também neocontractualista, que ressalta a
formação de uma vontade política através de uma intersubjetividade cultural. A
‘democracia deliberativa’ é a cereja do livro, em que Habermas vê dois
aspectos: participação consciente e interação involuntária. A democracia
deliberativa é a união da ação comunicativa com a racionalidade estratégica
contra a razão instrumental.
Nos anos 90, a noção de ‘democracia
deliberativa’ - estruturada em um tripé entre o Estado (o campo da igualdade
jurídica), o Mercado (o campo econômico) e a Sociedade Civil (o campo das
comunidades) - foi retomada por Giddens e Thompson, voltando ao front
teórico-político. Giddens considera a terceirização da sociedade civil
como solução tanto para fazer frente ao estado inchado e ineficiente e ao
estado mínimo neoliberal. A ampliação da esfera pública do estado se daria
através de ONGs.
Já Thompson (1995,
1998) pensa em uma democracia deliberativa orquestrada pela mídia, que deveria
ter autonomia em relação ao estado e ao mercado, sendo organizada a partir da
sociedade civil. A comunidade seria a guardiã da comunicação, mediadora dos
interesses políticos e econômicos. Porém, essas reinterpretações foram anteriores ao advento das
redes digitais!
Crítica pós-moderna
Reparem que tanto Althusser quanto
Gramsci e Habermas em suas tentativas de ‘salvar’ o marxismo o colocam dentro
de um cenário considerado idealista por Marx, cenário que enfatiza mais a ação
que seu condicionamento estrutural pelo contexto. Isto se dá em virtude de
termos conquistado uma percepção intelectual mais clara de que a realidade não
existe em si, independentemente dos agentes que a observam e elaboram. Hoje o
materialismo não passa de uma das realidades possíveis de um universo quântico.
Porém, o golpe fatal na sociologia marxista
foi desferido pelo lado empírico e concreto: o pensamento pós-moderno de
Foucault e Deleuze e a desconstrução de três fundamentos que o marxismo herdou
de Hegel: a totalidade, a causalidade e
a dialética.
Segundo a
ótica pós-moderna, toda totalidade é totalitária, pois impõe um centro e uma
determinada perspectiva do conjunto. A diversidade das partes na formam um
todo; o social não pode ser tomado em seu conjunto, sem que seus elementos
sofram amputações e simplificações.
Relativista
e adepto da simultaneidade não-midiática de tempo-espaço, o pensamento
pós-moderno também não crê em causalidade ou determinação estrutural. Seu mundo
é feito de singularidades imprevisíveis. Todos os fatores se condicionam mutuamente
sem que nenhum seja necessariamente determinante. E assim, o poder não é
‘propriedade’ de uma classe que o teria conquistado, mas um conjunto de
estratégias materializadas em práticas, técnicas e disciplinas diversas e
dispersas. Foucault e Deluze também contestam a ideia de que o Estado funciona
como centro de organização social: “o poder não nem global nem local, não está
em lugar nenhum, mas infinitesimalmente difuso no espaço”. De forma que, o
poder também não está subordinado a um modo de produção ou a uma infraestrutura
econômica. O poder é imanente à vida social e não comporta nenhum tipo de
unificação transcendente ou centralização globalizante. Assim, também seria
falsa a formulação de acordo com o qual, o poder agiria ora por coerção, ora por
consenso.
Incorporando a perspectiva da física
contemporânea, o pós-moderno imagina um universo de partes sem todo, um
contínuo de tempo-espaço sem determinismos estruturais, em que tudo se
condiciona e é relativo ao observador. As
práticas sociais, as estratégias cognitivas, os dispositivos são impessoais,
recorrências históricas intersubjetivas sem agentes, em padrões de organização
aparentemente aleatórios para esconder as relações de poder sobre os corpos.
A diferença
sociológica mais significativa é a mudança nos modos de dominação baseadas na
disciplina para novas formas de controle social. Foucault e Deleuze descrevem a passagem das
instituições de confinamento e disciplina (do adestramento individual do corpo
a rotinas) para uma sociedade de controle em redes a céu aberto, através de
“cifras e senhas”. Sociedade de controle se tornaria possível ainda graças ao
comportamento instituído pelo regime da “moratória ilimitada’ – um
aperfeiçoamento psicopolítico da culpa cristã – uma obsessão psicológica pelo
ressarcimento da dívida social individualizada (1998, 219).
O
pensamento de Foucault e Deleuze transformaram radicalmente o pensamento
sociológico, influenciando todos os pensadores que se seguiram a eles. E, na
minha opinião, é muito mais subversivo, radical e revolucionário do que o
marxismo em sua crítica à sociedade.
Conclusão
Então foi
assim (encontrando algo ainda mais crítico e radical) que deixei de ser
marxista (e freudiano também).
Mas, isso
não significa que eu o considere uma teoria inteiramente ultrapassada ou que
não valorize algumas de suas versões contemporâneas. O geógrafo Milton Santos,
por exemplo, responde a vários pontos da crítica pós-moderna (a história como
dimensão do espaço social, a noção de território substituindo a de propriedade
privada, entre outros). Ou ainda, a feminista Ângela Davis, que descreve a
exploração invisível das mulheres embutida no trabalho masculino ou as relações
do engendramento das intersecionalidades entre o complexo prisional e o
complexo industrial-farmacêutica. Esses pensadores merecem respeito porque
utilizam o pensamento de Marx para pensar suas realidades específicas, sem
querer nem repeti-lo mecanicamente nem reformá-lo com idealismos. Eles não
pretendem dar continuidade ou ressuscitar o marxismo original, mas se utilizam
das ferramentas de análise marxistas em seus próprios projetos teóricos. Acho
que também é possível incluir Edgar Morin aí.
Muitas
outras mudanças sociais aconteceram e o marxismo não consegue (nem poderia)
compreende-las em sua teoria. Há uma evolução de uma riqueza mais quantitativa
e uniforme (ter uma grande quantidade de algo) para uma baseada na diversidade
e na qualidade. O modelo industrial foi substituído pelo de produção em rede
(CASTELLS, 2009). A centralidade dos meios de comunicação institui um regime
social de hipervisibilidade (de algumas pessoas, entidades e situações em
detrimento de outras) e de simultaneidade de tempo-espaço (incluindo o
surgimento de uma audiência não-presencial permanente).
Nos anos
80, a economia começou a se desmaterializar (com os bens simbólicos superando
os físicos em valor e volume em âmbito global e o setor terciário (comércio e
serviços) passou a suplantar a indústria na maioria no PIB dos países. O
primeiro mundo não é mais formado pelos países industrializados, mas pelos
países que detém as patentes dos produtos, agora fabricados pelo terceiro
mundo, em virtude da mão de obra e da matéria prima mais baratas. Os países
ricos terceirizaram a indústria com seus problemas trabalhistas e ambientais.
Em paralelo, o marketing passou a reorganizar a produção e as instituições
sociais para a sociedade de consumo. A exploração industrial se transformou em
exclusão informacional.
Nesse novo contexto, os seguidores do
pensamento pós-moderno acreditam que a cibercultura marca uma nova etapa de
desenvolvimento social. Já
outros autores como Giddens (2003) consideram que a modernidade não acabou,
apenas entrou em um estágio mais avançado de reflexibilidade. Para ele, a tradição
é uma reflexibilidade entre o passado e o presente; e a modernidade, uma
reflexibilidade entre o presente e o futuro. Com a contracultura, entramos em
uma sociedade de risco (individualizando vidas em aventuras), em que a
realidade moderna se globaliza ainda mais em relação aos bens simbólicos, hoje
industrializados através da mídia por idioma. O certo é que tanto para os que
pensam a sociedade atual através de centralidade da mídia na produção de bens
simbólicos, quanto para os que acreditam no fim da modernidade, a contracultura
é um marco histórico de várias mudanças sociais, não apenas em relação à
interferência da comunicação no cotidiano, mas também em relação ao meio
ambiente e ao universo feminino. De uma forma ou de outra, a centralidade dos
meios de comunicação institui um regime social de hipervisibilidade (de algumas
pessoas, entidades e situações em detrimento de outras) e de simultaneidade de
tempo-espaço (incluindo o surgimento de uma audiência não-presencial
permanente).
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