segunda-feira, 25 de outubro de 2010

o mago de Northampton

Alan Moore e Lost Girls
Marcelo Bolshaw Gomes1
Resumo: O presente artigo resume o conjunto trabalho do roteirista Alan Moore e pretende caracterizar o discurso erótico feminino, através da análise interpretativa da história em quadrinhos Lost Girls (2007).
O mago de Northampton
Que me desculpem Neil Gaiman e Frank Miller; mas o melhor roteirista de histórias em quadrinhos de todos os tempos – tanto em quantidade como em qualidade e diversidade – é mesmo Alan Moore, o bruxo de Northampton. Na verdade, ele é o grande responsável pela reinvenção do gênero, que passou a se chamar Grafic Novels. A partir de Moore, a importância de quem escreve as histórias passou a ser maior do que a de quem faz os desenhos.
Profissionalmente, não é um exagero dizer que Moore inventou sua própria história, trabalhando nas duas grandes editoras - DC Comics e Marvel Comics - e brigando com ambas por um sistema mais justo de reconhecimento e de remuneração de direitos autorais. Moore escreveu estórias sofisticadas tanto para heróis tradicionais e criados por outros autores (Batman2, Superman3, Monstro do Pântano4, entre outros5) como também criando narrativas completamente novas com seus próprios personagens.
Aliás, como também criando suas próprias estórias com personagens de outras narrativas, oriundos da literatura, como é o caso da Liga de Cavaleiros Extraordinários. No final do século XIX a rainha Vitória nomeia, para combater um perigoso inimigo, um gênio do crime que deseja conquistar o planeta uma legião de grandes nomes da época: Allan Quatermain (As Minas do Rei Salomão, de H. Rider Haggard), Mina Harker (Drácula, de Brain Stoker), Henry Jekyll e Edward Hyde (Dr. Jekyll e Mr. Hyde, de Robert Louis Stevenson), Rodney Skinner (O Homem Invisível, de H.G. Wells), Capitão Nemo (20.000 Léguas Submarinas, de Julio Verne), Dorian Gray (O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde), Tom Sawyer (As Aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain) e professor James Moriarty (The Final Problem, de Arthur Conan Doyle).
Mas, a adaptação da estória para o cinema (direção: Stephen Norrington e roteiro: James Robinson) foi um fracasso de crítica e de público. Motivo: os detalhes de época, as citações de outras narrativas, a disposição gráfico-visual da narrativa como um todo se perderam no tempo contínuo e linear da sétima arte. O próprio Moore detesta, declaradamente, a idéia de adaptarem suas obras para o cinema e nunca se envolveu nenhuma das produções.
O mesmo aconteceu com a adaptação de From Hell (Do Inferno, 2005a) para o cinema pelos Irmãos Hughes, em 2001, com participações de Johnny Depp, Heather Graham e Ian Holm. From Hell é um romance gráfico escrito por Alan Moore e ilustrado por Eddie Campbell que especula sobre a identidade e as motivações de Jack o Estripador.
Apesar de ser confessadamente um trabalho ficcional, Moore faz uma rigorosa investigação sobre todas as fontes do caso, não só para garantir plausibilidade e verossimilhança da narrativa, mas como uma forma de pesquisa e revisão das interpretações anteriores. From Hell apresenta mais de 40 páginas de informações e referências, indicando quais partes são baseadas na imaginação de Moore e quais são tiradas de fontes específicas. As opiniões de Moore sobre as informações referenciais também são listadas. Além disso, a verdadeira aula sobre a história e a arquitetura de Londres – bem como sobre a época e os costumes em que o Estripador fez suas vítimas. A obra é densa, cheia de camadas e imensamente detalhada; a edição em coletânea tem aproximadamente 570 páginas - que foram severamente amputadas pela versão cinematográfica. E, mesmo assim, o filme ficou monótono e complexo, sendo elogiado pela crítica, ignorado pelo público e detestado por Moore.
Em 2005, foi a vez de Constantine. Constantine é uma adaptação do personagem das histórias em quadrinhos John Constantine6, protagonista da revista Hellblazer, para o cinema, dirigido por Francis Lawrence. Embora possa ser considerado um sucesso de bilheteria, é muito criticado pelos fãs dos quadrinhos pela falta de fidelidade ao original. No filme, John Constantine (Keanu Reeves) é um ocultista e exorcista, que ajuda Angela Dodson (Rachel Weisz), uma policial cética, a investigar o misterioso suicídio de sua irmã gêmea, Isabel. O filme é inspirado numa história antiga de Hellblazer, Hábitos perigosos, em que Constantine descobre que têm câncer de pulmão e já em estado terminal. O mago então tenta bolar um plano para escapar da morte, lidando com demônios legais e anjos malvados.
E para desespero de Moore (e dos que compreende a especialidade das narrativas gráfico-visuais), também houve adaptações para cinema de dois dos principais trabalhos: V de Vingança (2006a)7 e Watchmen (2005)8.
V de Vingança (versão em português para V for Vendetta) é uma série desenhada por David Lloyd em preto e branco em 1983 e relançada em cores em 1988. A história, que se passa em um distópico futuro de 1997 no Reino Unido, conta a história de Ivi, salva da morte por um vigilante mascarado, conhecido apenas por ‘V’. À medida que Ivi descobre a verdade sobre o misterioso V, ela descobre também algumas verdades sobre si própria e assim emerge uma inesperada aliada no plano para trazer liberdade e justiça a uma sociedade marcada pela crueldade e corrupção.
Lançada em 1985, Watchmen tornou-se um extraordinário sucesso e é considerado um marco na evolução dos quadrinhos, introduzindo temas e linguagens antes utilizadas apenas por quadrinhos alternativos. O sucesso crítico e de público que a série teve ajudou a popularizar o formato conhecido como Graphic Novel, até então pouco explorado pelo mercado.
Na trama de Watchmen, situada nos EUA de 1985, existem superheróis mascarados reais. O país estaria em vias de declarar uma guerra nuclear contra a União Soviética. A estória envolve os episódios vividos por um grupo de super-heróis no passado e no presente e o misterioso assassinato de um deles. Watchmen retrata os super-heróis como indivíduos verossímeis, que enfrentam problemas éticos e psicológicos, lutando contra neuroses e defeitos. E com vários problemas de relacionamento entre eles. Pode-se dizer que Moore entrou assim na 3ª geração de grupos de heróis: primeiro na Liga da Justiça, ele dá profundidade psicológica e narrativas sofisticadas aos superheróis tradicionais; com a Liga dos Cavaleiros Extraordinária, amplia ainda mais a façanha, elegendo sua própria legião de heróis literários; com Watchmen, no entanto, Moore desconstrue a própria noção de superherói e de grupo de superheróis.
Nos últimos anos, Moore está trabalhando em várias séries, retomando alguns projetos inacabados (A Liga de Cavalheiros Extraordinários II e III e Supremo9) bem como começando outros (As Aventuras de Tom Strong10 e Promethea11).
Mas certamente o projeto mais incomum deste novo período de Moore é a série Lost Girls(2007), ilustrada por sua esposa, Melinda Gebbie. O lançamento nos EUA foi alvo dos críticos mais radicais e moralistas por causa do conteúdo sexual da história envolvendo personagens de livros infantis e até mesmo alguns lojistas recusaram-se a revendê-la com medo de represálias contra as cenas fortes envolvendo pedofilia, fetichismo e sexo grupal.
Erotismo Feminino
A série conta o inusitado encontro de três conhecidas personagens femininasWendy, de Peter Pan; Alice, de Alice no País das Maravilhas; e Dorothy, de O Mágico de Oz - todas adultas, mas com idades diferentes, em hotel austríaco no início da 1ª Guerra Mundial. Lá, elas confessam entre si as suas preferências e vivências sexuais.
No primeiro volume da série, Meninas Crescidas, as protagonistas se conhecem no hotel: Lady Alice Fairchild, aristocrata inglesa, escritora, rica, lésbica e viciada em ópio; srta. Dorothy Gale, jovem norte-americana, criada em uma fazenda no interior do Kansas; e a sra Wendy Potter, dona de casa, acompanhada de seu marido, um enfadonho engenheiro naval. Após vários jogos de sedução, as protagonistas contam, para se excitar mutuamente, como foram suas primeiras experiências sexuais.
Nos outros dois volumes da série, as narrativas sobre o passado das protagonistas continuam e se alternam. Após ser molestada por um amigo de seu pai (o coelho), Alice vai para um orfanato feminino, onde forma um harém (O Jardim de Flores Vivas) e é escolhida para adoção pela Sra Redman (a rainha de copas), que a vicia em ópio e a prostitui de diferentes modos. Alice, cansada da rotina de orgias e drogas, rebela-se e é internada em uma clínica psiquiátrica.
Dorothy conta suas aventuras rurais com os empregados da fazenda do Kansas: o espantalho, com a qual aprende a usar os homens (capítulo XIV); o leão covarde (capítulo XVIII), a quem ensina a ter confiança com as mulheres; e o homem de lata (capítulo XXIV), que a acorrenta e a faz masturbar um jumento enquanto faz sexo anal. Dorothy confessa ainda que transava com o próprio pai biológico, tendo sido expulsa da fazenda pela madrasta.
Wendy narra sua experiência sexual (e dos seus dois irmãos) com Peter, um garoto de rua; os ciúmes e a conquista da incestuosa irmã, Annabel; o medo e o fascínio exercido pelo capitão gancho, um odioso voyeur que prostituía e estuprava as crianças pobres do parque. As lembranças confessadas das três formam narrativas paralelas que desempenham então o mesmo papel das estórias eróticas do livro branco: excitá-las (e excitar-nos também) em suas orgias, cada vez mais obscenas e transgressoras.
No discurso erótico feminino, tudo é simétrico e regular (cada volume tem dez capítulos e cada capítulo tem oito páginas). A regularidade formal, no entanto, apenas enquadra o transbordamento erótico, um crescimento gradativo da obscenidade, em que novos elementos pervertidos e depravados são inseridos progressivamente, sem pressa, obedecendo a um ritmo lento e fatal, a uma cadência calma e inevitável. Como no Bolero de Ravel, ou na Sagração da Primavera de Stravinsky, explicitamente homenageada no capítulo X.
Certa vez uma amiga, também escritora e professora da arte de escrever, me disse: “a escritura masculina é semelhante ao seu desempenho sexual: um eterno introduzir com finais abruptos”. E ainda atribuía essa idéia (de que o corpo dos homens mimetiza o paradigma de máquina do motor a explosão) ao pensador Jean Baudrilard. “Veja este texto: há uma introdução histórica, uma sociológica, outra psicológica e depois vem logo a conclusão”.
Em contraponto, pode-se dizer que a escritura feminina é menos linear, ela não se baseia na lógica do ‘acumula, acumula e gasta’, mas no fluxo interrupto e progressivo do consumo. Em outras palavras: não enfatiza nem começo nem fim da narrativa, é um discurso circular ou elíptico que se inicia onde encerra sua enunciação.
O discurso erótico feminino, além de circular, é também reflexivo, tem prazer em se observar.
Em Lost Girls, a narrativa como começa e termina com o espelho de Alice. Aliás, a moldura do espelho enquadra os Capítulos I e XXX, sugerindo que toda narrativa é contada indiretamente pelos reflexos do Espelho. E há diversas menções a essa dupla representação em vários momentos da narrativa. Na sexta página do primeiro capítulo, por exemplo, quando Monsieur Rougeur comenta a qualidade da literatura erótica atribuída à Lady Fairchild, sob o codinome de Hippolyte.
- “De fato, como perito em tal literatura, posso dizer que nas suas nobres mãos, a ficção o próprio espelho da realidade ... onde memoráveis personagens idealizadas refletem nossas verdadeiras personalidades.”
Humm, estou lisonjeada, Monsieur Rougeur” – responde Alice – “embora não aprove sua concepção de ficção. Eu prefiro a concepção de Platão ... o ideal é a questão; o mundo além do espelho da ficção, esse é o mundo real ... e somos apenas a mais tênue das reflexões que empalidece sob o vidro.”
O Espelho está presente também no final, no capítulo XXX (O espelho: reprise & crescendo ou quem sonhou isso?), quando as três protagonistas finalmente vão fugir do hotel antes da chegada dos soldados alemães e Alice decide deixar o seu espelho. Compara-se o espelho à imaginação, que aprisiona e liberta, que será destruída pela violência dos homens.
Minha querida, coisas bonitas e originais podem ser destruídas. A beleza e a imaginação, não. Elas florescem até em tempos de guerra. Quanto ao meu espelho ... Eu outrora pensava que parte de mim estava presa nele, mas agora nós a resgatamos. Hoje ele é apenas uma estimada antiguidade. Deixe-me dizer adeus. Depois vamos embora.” (e beija o espelho)
De fato, os soldados alemães invadem o hotel e destroem o espelho de Alice e a narrativa (a imaginação) continua por mais três páginas completas sem o enquadramento da moldura, dando a entender que os autores preferiram não terminar a estória com ato de violência, mas sim com sua crítica dentro do enredo principal. A violência destrói apenas a representação duplicada.
Também há tripla representação ou dupla representação interna à narrativa através da presença de um livro branco de contos eróticos escrito anonimamente por Monsieur Rougeur (e assinado por diferentes autores, cujo estilo pretende imitar) do qual há um exemplar em cada quarto – semelhante à Bíblia.
Aliás, essa é uma das características clássicas do discurso erótico, a presença de breves estórias eróticas no interior da narrativa principal com o objetivo de excitar seus personagens, e, consequentemente, excitar os leitores finais em uma dupla pedagogia sexual. Nas histórias em quadrinhos, cuja linguagem permite o desenvolvimento de duas ou mais narrativas em paralelo ao mesmo tempo, esse recurso é particularmente possível. E Moore o explora bastante. No Capítulo III, Sombras Ausentes, enquanto Sra. Wendy Potter lê um conto – Vênus e Tannahauser – em que os personagens se masturbam com velas, gerando desejos inconfessáveis e fantasias visíveis através das sombras. Ou ainda, no Capítulo XXII, em que Monsieur Rougeur lê um conto erótico em que uma família completa (pai, mãe, filho e filha) faz sexo entre si, embalando uma verdadeira orgia entre os hospedes devassos do hotel. Ele, inclusive, enfatiza de que o livro trata de incestos imaginários, cuja função é apenas os de excitar seus leitores.
Além do livro branco, que aparece em vários capítulos, outro recurso erótico narrativo é o do contraponto entre texto e imagem, entre a voz que seduz e a imaginação seduzida. No Capítulo IV, enquanto Alice seduz Dorothy e a inicia no ópio, Wendy e o marido escutam o acontecido no quarto vizinho. E no capítulo seguinte, descobrimos o que aconteceu na imaginação de Wendy no outro quarto. Outra característica bem feminina de Lost Girls é o estilo Art Nouveau da ilustradora, uma “tolice caprichosa”, definida pelo Sr Potter na própria narrativa, oposta ao figurativo da perspectiva realista, surge também de forma decorativa, nos detalhes ilustrativos e no acabamento caro.
Tudo é tão decorado que é como viver dentro de uma pintura ou de um conto infantil ilustrado. Um desses contos onde tudo gira em círculos” – protesta novamente Potter (no Cap. 11, p. 08).
Mas, se há características diferenciadas para os discursos masculino e feminino, também há erotismos bem diferentes segundo o gênero. O erotismo masculino (presente nos trabalhos de Quadrinhos de Guido Crepax e Milo Manara, para citar os clássicos) é misógino e sádico. Se ‘poder’ é “a capacidade de impor sua vontade aos outros”. Pode-se dizer que há o poder de coação, em que a vontade é imposta através da força; o poder de persuasão, em que há o convencimento racional (incluindo aí a chantagem e o aliciamento por dinheiro e drogas); e o poder da sedução, em que o desejo domina o outro, submetendo-o.
No erotismo patriarcal, há um forte apelo pela submissão pela força; no erotismo feminino, é a sedução que força os sujeitos desejantes a realizarem a vontade do dominador. Mesmo quando há violência e submissão, elas são alegóricas e teatrais. “Você gosta que eu o obrigue” – sussurra o Capitão Rolf Bauer (amante de Dorothy) para sr. Potter (marido de Wendy), enquanto força gentilmente a penetração anal, no capítulo XIII, em que eles bebem e transam, inspirados por um conto do livro branco sobre o caso de Dorian Gray com Lord Henry Wooton. E, no capítulo XXIII, em que as três protagonistas torturam Monsieur Rougeur para que ele confesse a autoria dos contos do livro branco; tal violência é apenas uma encenação delicada da verdadeira submissão sexual imposta contra vontade. A operação, em que o prazer torturante substitui a dor física, se repete para fazer Dorothy confessar que transava com o pai, no capítulo XXVIII, O homem atrás da cortina.
Assim, é ao poder da sedução feminina que o erotismo de Lost Girls rende sua homenagem. E o que observamos é a excitação através da corrupção da inocência, do sentimento de vergonha, da lenta decomposição das resistências morais. No Capítulo XII, Sacudindo e despertando, Alice não apenas seduz, mas também corrompe moralmente Wendy com suas jóias, fazendo-a viver os sete pecados capitais descritos no livro branco. Alice também prostitui e vicia seus amantes, principalmente através do ópio e do láudano, minando-lhes o amor próprio e a dignidade.
O papel excitante da inocência pode ser visto em vários momentos e níveis do texto: os personagens saírem de fábulas infantis, nos primeiras experiências sexuais contadas pelas protagonistas, na sedução dos parceiros, mas, principalmente de forma perversa com o sr. Potter e com o marido da rainha-madrasta nas memórias de Alice, que são sucessivamente traídos e enganados com grande prazer.
A propósito, reza um enunciado erótico que o homossexualismo sáfico, a relação entre mulheres não-masculinizadas, é uma relação a três, incluindo ainda, além das amantes principais, um ‘voyeur invisível’ – um homem a quem as mulheres querem ferir e/ou excitar. E, afinadas aos protestos femininos a essa polêmica tese, há duas passagens em que a narrativa repreende veementemente o voyeurismo não autorizado.
O primeiro, no capítulo VI, Rainhas Unidas, onde Wendy observa Alice e Dorothy fazendo sexo oral recíproco a céu aberto. E o outro, no capítulo XXVII, quando a própria Wendy vence o próprio medo da violência, engolindo o Capitão Gancho (um voyeur assustador que prostituía as crianças pobres do parque) pela vagina como se fosse um crocodilo, quando esse ia lhe estuprar:
Eu ... eu mostrei minha boceta despida e perguntei se não achava que ela era muito cabeluda e muito velha para ele? Se meios seios não eram demais para alguém que preferia peitinhos achatados e bocetinhas lisinhas? Alguém que tinha pavor de mulheres adultas, e que pensava que seria subjugado e engolido por elas? Eu remexi meus quadris, abrindo minha vagina peluda com meus dedos, urrando para ele. ‘Crianças não sabem que você inadequado. Você pode fingir que ainda é jovem, como elas, e que o relógio não está fazendo tic-tac. É por isso que você fode as crianças e tinge seu cabelo. Você tem medo de mulheres. E medo de envelhecer.’”
O espelho (como fronteira entre o simbólico e o imaginário), o crocodilo castrador, a relação ambígua com o outro-masculino, ora temido e diabolizado, ora humilhado e enganado com prazer – há vários elementos de diálogo de Moore com Lacan. Mas, enquanto para Lacan, “a mulher não existe”, em Lost Girls quem não existe simbolicamente são os homens.
Contudo, além dos esquemas de gênero e dos modelos de transgressão sexual, há, na narrativa de Moore, momentos de erotismo puro e inexplicável, como no capítulo VII, O tornardo, o primeiro orgasmo de Dorothy, durante um ciclone em sua fazenda em Kansas City. Ou ainda no capítulo XX, Zás-trás, em que uma orgia das protagonistas se entrelaça à viagem de ópio, combinando o êxtase poético do texto aos delírios visuais da narrativa.
Lost Girls é um trabalho filosófico, artístico, mas, sobretudo, erótico. E de um erotismo semelhante ao dos filmes de Píer Paolo Pasolini, feminino e crítico ao poder patriarcal. E o que nos permite definir e caracterizar o Discurso Erótico Feminino é a sintaxe circular, as estórias eróticas dentro da estória erótica, a excitação com a inocência e com a ingenuidade, os ornamentos e detalhes visuais, a crítica à violência masculina. O orgasmo no sentido lacaniano de êxtase para além da linguagem surge em vários momentos apoteóticos. REFERENCIAS GRÁFICAS
MOORE, Alan. Watchmen. (Watchmen,1995) Desenho de Dave Gibbons. Tradução de Jotapê Martins. 4 volumes. São Paulo: Via Lettera Editora, 2005.
______ Do inferno (From Hell, 1989/1999). Desenho de Eddie Campbell. Tradução de Jotapê Martins. 4 volumes. 3ª edição. São Paulo: Via Lettera Editora, 2005a.
______ Grandes clássicos DC n. 09 - Alan Moore. (coletânea de estórias, diversos desenhistas). São Paulo: Panini Comics, Outubro de 2006.
______ V de Vingança. Desenhos de David Lloyd. São Paulo: Panini Comics, 2006a.
______ A saga do monstro do Pântano (The saga of the swamp thing, 1984). Desenhos de Steve Bissete e John Totleben, tradução Heitor Pitombo. Rio de Janeiro: Pixel Media, 2007.

______ Lost Girls. Ilustrado por Melinda Gebbie. Três volumes: Meninas Crescidas, A terra do Nunca e O grande e terrível. Tradução Marquito Maia. São Paulo: Top Self Produtions & Devir Livraria, 2007a.

 

NOTAS

1 Jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor de Comunicação da UFRN.

2 Batman foi criado por Bob Kane. Moore escreveu duas estórias importantes do homem morcego: Barro mortal, desenho John Byrne, originalmente publicado na Batman Annual 11, julho de 1987 (2006, 232); e a importantíssima A piada mortal, desenho de Brian Bolland, originalmente publicado como Batman: the killing Joke, julho/1998 (2006, 256).

3 Superman foi criado por Jerry Siegel e Joe Shuster. Moore escreveu: Para o homem que tem tudo, desenhos de Dave Gibbons, originalmente publicado na Superman annual 11, janeiro de 1985 (2006, 9); A Linha da Selva, com desenhos de Rick Veitch, originalmente publicado na DC Comics Presents, n. 85 Setembro de 1985 (2006, 128); e O que aconteceu com o homem de aço? desenhos Curt Swan & Murphy Anderson, originalmente publicado na Superman 423 e 583, em setembro de 1986 (2006, 164).

4 Monstro do Pântano foi criado por Len Wein e Berni Wrightson. Moore assumiu a série em 1984, na edição #20 e, em oito números, transformou-a em um retumbante sucesso (MOORE, 2007).

5 Para o personagem do Arqueiro Verde, Moore escreveu uma estória dupla: Olimpíadas Noturnas, desenhos de Klaus Janson, originalmente publicado na Detctive Comics, # 549/550, abril e maio de 1985 (2006, 51). Para o Lanterna Verde, as mais importantes são: Mogo não comparece às reuniões, desenhos de Dave Gibbons, originalmente publicado na Green Lantern #188, maio de 1985 (2006, 66); Tigres, desenhos Kevin O’Neill, originalmente publicado na Tales of the green Lantern corps, Annual 2, dezembro de 1986 (2006, 152); Na noite mais densa, desenhos Billy Willinghan, originalmente publicado na Tales of the green Lantern corps, Annual 3, maio de 1987 (2006, 226). Moore também escreveu várias histórias para o personagem Spawn de Todd McFarlane.

6 John Constantine foi criado por Alan Moore, como um mero figurante da revista Monstro do Pântano, mas se popularizou rapidamente.

7 Em 2006, com Natalie Portman e Hugo Weaving, V for Vendetta foi adaptado para cinema pelos Irmãos Wachowski (roteiristas da trilogia Matrix).

8 E em 2009, dirigida por Zack Snyder, Watchmen foi adaptado.

9 Uma releitura satírica dos 50 anos estórias de Superman, com várias homenagens críticas, citações e analogias aos seus principais desenhistas e roteiristas. Desenhado por Chris Sprouse, Rick Veitch e outros, publicado por Image Comics/Awesome Entertainment, em 2003. A Editora Devir lançou os quatro fascículos (A Era de Ouro, A Era de Prata, A Era de Cobre e A Era Moderna) em português.

10 No mesmo estilo de homenagem satírica de Supreme, Tom Strong conta as aventuras de um science hero, inspirados nas histórias em quadrinhos pulps das décadas de 1920/1930. Incluindo também as séries derivadas da saga principal, há pelo menos dez volumes, desenhados por Chris Sprouse, Steve Moore, Art Adams e outros; e publicados pela DC Comics/Wildstorm/ABC, entre 1999 e 2006. Em português, apenas os dois principais (Um Século de Aventuras e No final dos tempos) foram publicados pela Devir.

11A estudante Sophie Bangs, investigando o mito de Promethea, uma espécie de heroína mística que se manifestou em diversas mulheres, acaba por se tornar a nova encarnação dessa guerreira mitológica. Desenhado por J.H. Williams III e outros, 1999-2005, 5 volumes, pela DC Comics/Wildstorm/ABC. No Brasil, apenas um fascículo foi lançado pela Pixel.

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