APRENDIZADO POR
INTERAÇÃO
Introdução
O
que é uma interação? Max Weber foi o primeiro a definir ‘Interação
Social’ como sendo uma Ação Social mútua e recíproca entre dois
(ou mais) atores ou sujeitos. A interação é dita social não
apenas por produzir significado, mas também por ser uma prática
social e se inscrever num contexto que influencia as ações.
Muitos
pensadores de ciências sociais utilizaram o conceito de Interação
Social de diferentes formas: Parsons usou a interação social como
cimento do funcionalismo sistêmico, Habermas a interpretou como ação
comunicativa em condicionamento estrutural econômico e político,
Goffman a utilizou como estratégia cognitiva; mas para todos ela
representa uma troca imediata, de curto prazo.
Em
oposição a noção de Interação Social, o termo ‘Relação
Social’ aponta para trocas sociais recorrentes de longo prazo. As
‘relações sociais’ são políticas, religiosas, culturais. Em
sociologia, as ‘relações’ são com atores coletivos e em
contextos que partem da sociedade como um todo para entender o
detalhe; enquanto, a antropologia, a psicologia social e outros
olhares fazem o sentido oposto, vendo a sociedade como um conjunto de
interações recorrentes e de relações consolidadas.
George
Herbert Mead (1934) é o principal membro do interacionismo simbólico
crítica às ideias de Skinner e ao comportamentalismo pedagógico.
Ele considera a escola como um espaço protegido para o
desenvolvimento do Self, a partir das interações entre o Eu e o
Outro. Quando estabelecemos uma relação interpessoal com alguém,
temos roteiros prontos que devem ser seguidos durante o processo.
Vygotsky
e seus seguidores (VYGOTSKY,
LURIA & LEONTIEV,1988)
também levam em conta o condicionamento do meio externo combinado ao
aspecto cognitivo, através da mediação da escola e do professor e
das interações dos alunos entre si.
Sendo
assim, tanto para ótica do interacionismo simbólico como para
pedagogia socioconstrutivista, o objetivo principal da educação é
aprender a se colocar no lugar dos outros - tanto no desenvolvimento
pessoal intersubjetivo como na perspectiva intercultural. Essas
abordagens, no entanto, são ainda muito mais propensas ao aspecto
cognitivo do aprendizado do que sua contextualização na dura
realidade comportamental.
Daí
a necessidade de sugerir dos acréscimos. O fator tecnológico é
ressaltado na categoria de “Modo de Interação” - desenvolvida
por Pierre Levy (1993), em conformidade com o pensamento de outros
autores – como veremos a seguir. E, mais adiante, destaca-se a
Semiótica das Interações de Landoski (2014) – que permite que se
associe a perspectiva estrutural à ótica fenomenológica
ressaltando os ajustes (políticos e psicológicos) e os riscos
emocionais da relação entre o Eu e o Outro.
Aprender & ensinar – modos de interação
O
que significa ensinar? Transmitir informações, treinar
comportamento, desenvolver competências, orientar o aprendizado?
Cada uma dessa definições pressupõe uma teoria pedagógica.
‘Treinar comportamentos’ corresponde ao ponto
de vista do behaviorismo (um adestramento corporal baseado em prêmios
e castigos), mas também ao pensamento crítico de Foucault e Bourdieu – que entendem o ensino tradicional como disciplina e adestramento
do corpo e da mente. ‘Transmitir informações’ representa o
ensino moderno baseado na memorização. ‘Tornar-se uma pessoa
melhor’ ou ‘desenvolver diversas competências, inclusive
artísticas’ são objetivos das abordagens construtivistas. Esses
três momentos pedagógicos do ensinar (o tradicional, o moderno e o
contemporâneo) podem ser vistos como reflexos de três modos
históricos de interação e aprendizado (antes, durante e
pós-escrita).
TABELA
1 – Ensino x Aprendizado
ENSINO
|
Tradicional
|
Moderno
|
Contemporâneo
|
Modo
de interação
|
um-um
|
Um-muitos
|
Muitos-muitos,
|
Estrutura
|
Diálogo
|
Panóptico
|
rizoma,
redes
|
Linguagem
|
Oral
|
Escrita
|
Audiovisual
- Musical
|
Dimensão
|
Identidade
local
|
Sujeito
universal
|
Globalização,
presencial a distância
|
Conteúdo
|
Expressão
|
Memorização
|
Interpretação
|
Prática
social
|
Indisciplina
selvagem
|
Disciplina
obrigatória, sem foco, mecânica
|
Auto
disciplina e foco de atenção de longo prazo
|
Tempo
|
Aqui
e agora
|
história
|
Presente
em movimento
|
Ação
cognitiva
|
Trabalho
artesanal
|
Treinamento
e especialização
|
Criatividade
e Sintaxe Holística
|
APRENDIZADO
|
Corporal
|
Abstrato
|
Afetivo
|
FONTE:
Elaborado pelo próprio autor
E o que significa aprender? É a capacidade de se
adaptar criativamente às interações de um sistema. Se adaptar
criativamente significa ser resiliente, aceitando sem conformação
aos estímulos positivos e negativos a que se é submetido.
Aprender, assim, seria como lidamos com três tipos de
interações: as interações corporais, imediatas e concretas que
‘entram’ no observador distraído (pelo lado direito do cérebro);
as interações mentais e abstratas processadas com esforço e
concentração (pelo hemisfério esquerdo); e as interações
musicais, audiovisuais ou híbridas, capazes de combinar os dois
aspectos anteriores.
Além da dupla neuro-cognição lógico-simbólica, esse
terceiro regime de aprendizado nos remete à música e ao audiovisual
interativo por dois motivos: a semelhança estrutural de seus
elementos e a necessidade de inteligência coletiva em sua produção em
conjunto.
- Semiótica das interações
A teoria sócio semiótica de Eric Landowski (2014) é
formada por quatro regimes distintos de interações: a) a
programação ou operação (a interação sempre constante e
contínua, um algoritmo objetivo); b) a manipulação ou estratégia
(a interação inconstante e contínua em que a intencionalidade se
superpõe ao causal, o efeito do narrado sobre o vivido, por
exemplo); c) a interação de ajuste (constante e descontínua); e o
fator imprevisível das interações (o aspecto inconstante e
descontínuo). Cada regime corresponde a uma lógica semiótica
distinta. A programação corresponde à regularidade. A manipulação
é regida pela intencionalidade. O ajustamento funciona por
sensibilidade. E o acidente corresponde à aleatoriedade.
No texto As interações mediadas
pela tecnologia - Notas para uma Semiótica do Aprendizado
(GOMES, 2020) aplica-se a teoria dos regimes de interação ao
processo de ensino-aprendizado.
Landowski considera que os dois
regimes de programação e manipulação não existem de forma
independente, que estão
sempre intricados um
no outro, mas os distingue metodologicamente como modos de
interpretar, como a combinação de
um
modelo
estrutural
determinista
como
uma
abordagem
fenomenológica da
intencionalidade; do
condicionamento social do comportamento corporal com o
desenvolvimento da autonomia subjetiva dos atores. Em termos de
educação, há a oposição de abordagens entre Skinner e a Nova
Escola.
Essa duplicidade complementar das perspectivas
comportamentais e cognitivas pode ser observada de vários modos no
campo educacional. De modo geral, pode-se dizer que a estrutura
escolar, o projeto pedagógico, o programa de disciplinas, as
ementas, os planos de aula e os professores automatizados foram o
aspecto regular, algorítmico; enquanto a motivação e curiosidade
dos alunos formam o aspecto fenomenológico do aprendizado nesse
modelo.
Além disso essa duplicidade de abordagens produz
conceitos gêmeos: há duas regularidades, dois tipos de motivação,
duas sensibilidades e até dois tipos acaso.
Tabela2 - Tipologia ideal
das interações de Landowski
|
ESTRUTURA
|
FENÔMENO
|
REGULARIDADE
|
Causal
ou Algoritmia
(Tempo contínuo)
|
Reprodução
sócio cultural
(Tempo narrativo)
|
MOTIVAÇÃO
|
Aprender
a aprender
Responsabilidade
|
Autoprogramação
Entusiasmo criativo
|
SENSIBILIDADE
|
Homem
x Máquina
Cinestesia reativa
|
Homem
x homem
Empatia afetiva
|
ACASO
|
Acidente
programado
O aleatório ou
sorte/azar
|
Acidente
motivado
O ruído ou risco
|
Fonte: elaborado
pelo autor
Então, chegou-se a esses oito tipos de interações
ideais presentes no processo de ensino-aprendizagem: a regularidade
causal; a reprodução cultural; a disciplina automatizada pela
responsabilidade; o entusiasmo da criatividade; a interação
cinestesica; a interatividade pessoal; a capacidade de perceber e
corrigir os próprios erros; e, finalmente, a habilidade de viver a
vida como uma aventura empoderante, de se qualificar através de
riscos e superações, de se tornar protagonista da sua história em
comunidade e de conquistar autonomia integrada à inteligência
coletiva.
Aprendizado existencial
A teoria dos regimes de interação é interessante para
pensar as relações sociais do lado de dentro. Aqui a proposta é
utilizada para pensar o aprendizado existencial e a relação
pedagógica através das interações. Como e o que aprendemos.
TABELA
2 – Interações Pessoais
-
|
INTERAÇÕES REGULARES
|
INTERAÇÕES INTENCIONAIS
|
REGIME DE PROGRAMAÇÃO
|
O INCONSCIENTE
|
O CAPITAL SIMBÓLICO
|
REGIME DE MANIPULAÇÃO
|
CULPA E VERGONHA
|
MEDO
|
REGIME DE AJUSTE
|
SUJEIÇÃO
|
RESISTÊNCIA
|
REGIME DE RISCOS
|
A PERDA
|
O LUTO
|
FONTE: Elaborado
pelo próprio autor
Do ponto de vista dos regimes de programação, o
aprendizado existencial tem duas situações objetivas estruturais,
que se alternam, mas que sempre permanecessem presentes: a) a
aquisição de capital cultural; e b) o adestramento corporal, a
inibição dos instintos e sentimentos formando o inconsciente. A
dádiva (a herança cultural) e a dívida (o recalcamento do corpo e
seus afetos).
A dádiva é o conhecimento, a aquisição de linguagem
e sua memorização em esquemas cada vez mais abstratos e
abrangentes. O saber para diminuir as incertezas, para controlar o
ambiente, para encantar aos pares. E a dívida é formada na
repetição para automatizar e otimizar ações de curto prazo. A
transmissão do capital cultural e o treinamento/recalcamento
corporal têm uma mediação primária na família, uma mediação
escolar e uma mediação midiática, através de um ambiente formado
por vários suportes comunicacionais. O aprendizado interacional do
Eu através do Outro tem três campos para comparação (a família,
a escola e a cultura/mídia). E é aqui (na
definição analógica dos ganhos e perdas) que começa o regime de
manipulação. A regime de manipulação duplica o de programação.
A culpa e a vergonha são utilizadas para que os indivíduos se
sintam 'em dívida' com o social e/ou grupal; e o medo de exclusão é
um instrumento de coesão do coletivo frente ao imprevisível.
“O homem nasce puro e é corrompido pela sociedade” –
disse Rousseau. A socialização, no entanto, que corrompe o homem
não é o programa escolar, mas sim o recalque do corpo, a
depreciação cognitiva, a manipulação da inconsciência e o
sequestro da motivação. Se há algo errado com o ser humano (e há),
trata-se da existência do regime de manipulação.
Manipulação e estratégias de motivação
Pode parecer cinismo falar de manipulação em se
tratando de interações pedagógicas. A educação deve ensinar a
cada um a pensar com independência e não a incutir intepretações.
Mas, a verdade é que ainda existem táticas de manipulação de
reforço (elogios e gratificação) e de pressão (a intimidação e
a chantagem emocional). Geralmente, a manipulação através de
reforços positivos é mais eficaz que a antiga de castigos e
punições. Porém, sem o medo (de reprovação ou de uma avaliação
negativa) e sem a vergonha/culpa (de não retribuir ao tempo
investido em si por todos) o aprendizado raramente acontece.
As pedagogias construtivistas acreditam em uma educação
sem medo baseada na responsabilidade; e as psicopedagogias
cognitivo-comportamentais (Bandura, por exemplo) ressaltam o lado
positivo do medo e da culpa no aprendizado automotivado. A
manipulação sempre se justifica pela necessidade de atividades
desagradáveis ao corpo (ficar muitas horas sentado, permanecer
concentrado continuamente, adestramento caligráfico, disciplina em
relação aos horários e às rotinas).
Reparem que os
primeiros cinco estágios da pirâmide são de aprendizado passivo e
os três últimos, de aprendizado ativo. Uma definição simples de
construtivismo é justamente começar pela prática, incentivando
pesquisas e comportamentos investigativos; e só, em um segundo
momento, apresentando a teoria mastigadas através de audiovisuais ou
esquemas didáticos. Esse expediente simples, a prática antes da
teoria, garante a liberdade de aprendizado e de interpretação do
mundo. Vygotsky resolve a questão da manipulação dizendo que o
aprendizado deve partir de 'pseudo conceitos' do senso comum para os
'conceitos científicos'. O aprendizado é (ou deveria ser) um
processo crítico de construção da realidade, não cabendo nenhum
tipo de manipulação, doutrinação política e religiosa.
Ao invés de tentar
manipular a programação, o professor mediador deve propor
estratégias de aprendizado (jogos, desafios, campanhas) voltadas
para motivação. Porém, só há manipulação porque há exclusão
do conhecimento comum. A
raiz de todas as manipulações é a existência de informações
privilegiadas. Hoje
vivemos em regime em que as ideias são engavetadas, em salas
fechadas, em prédios-caixotes, em cidades formigueiros. A informação
está escondida e supervalorizada. Há um jogo de poder constante
pela crença em informações inacessíveis.
Enquanto o segundo
regime de interação (as formas de manipulação) emerge da disputa
de poder e de capital simbólico, a interação por ajuste se refere
à inibição do Eu e à antecipação das ações do Outro. O ajuste
é a “auto-eco-organização” do sujeito, a autopoesis, a
capacidade de reestruturação sintática do aprendizado, ampliação
da autonomia em relação ao ambiente.
Regime de ajustes
O ajustamento não
representa a contextualização social do enunciador e do
destinatário dos discursos, nem pode simplesmente ser reduzida à
adaptação recíproca entre o eu e o outro. Ele também não
corresponde ao conceito de ‘ação comunicativa’ de Habermas (uma
vez que as racionalidades instrumental e estratégica se assemelham
aos dois primeiros regimes de interação). É “a capacidade de
sentir reciprocamente” (LANDOWSKI, 2014, 50). A guerra e a dança,
entre outras atividades exigem que o eu antecipa as reações do
outro são exemplos de processos envolvendo os três regimes de
interação, com ênfase no ajustamento e de na sensibilidade.
Os ajustes são o
resultado (e a superação) do que Vygostki chamou de “dissonância
cognitiva” entre o saber e o ser. Imagine que alguém disse que
você machista sob algum aspecto ou mesmo que você leu uma
informação sobre qualquer coisa. Você sabe de alguma coisa
superficialmente e em breve irá esquecer. No entanto, para tornar
uma informação incorporada ao seu comportamento, você terá que
memorizá-la no corpo. As dissonâncias entre 'o que se fala' (ou 'se
pensa') e 'o que se é' (ou 'o que se faz') são típicas da educação
tradicional baseada na memorização e na hipocrisia cultural, não
percebendo as próprias ambiguidades nem a dos outros. Aliás, 'ser
educado' se confunde com não apontar as contradições alheias.
O ajuste e o risco
funcionam como regimes em que a programação algoritmia e a
motivação manipulada passam por adequações. O regime de interação
por ajustamento é constante e descontinuo. Estamos sempre sentindo,
mas em intensidade e durações variadas. O regime de interação por
acaso é descontínuo e inconstante, é o oposto completo da
regularidade. E da forma como é apresentado sugere que os dois
produzem um ao outro.
Interações de Risco
A noção de 'sociedade de risco' (BECK; LASH; GIDENS,
1997) estabelece que nossa cultura promove
o máximo de autonomia dos indivíduos. Desafiamos a morte (a grande
descontinuidade constante) para nos tornarmos pessoas melhores.
Se fosse pensar o
aleatório relacionado aos dois primeiros regimes de interação,
diria que há o risco objetivo de morte e das perdas (ou de fim da
regularidade); e o risco de não ser amado (e/ou de não ser
manipulado). No de nossa aplicação ao aprendizado, o risco
é o perigo de colapso de vida, a perda da confiança em si, a evasão
escolar, a naturalização do subdesenvolvimento.
O controle de danos e o 'politicamente correto' diminuem
os riscos do aprendizado, mas também a possibilidade de sua
superação. Na verdade, 'aprender a perder' é parte importante da
formação ética universal e é ensinado através de jogos em
diferentes culturas. Porém, é sempre importante estabelecer os
limites e as salvaguardas para garantir a segurança.
Atualmente, o aprendizado está se 'gamificando', isto
é, tornando-se lúdico e competitivo. As antigas disciplinas estão
se tornando 'narrativas seriadas ', em que cada aula é um episódio
(representando um conteúdo específico) e um capítulo de um arco
narrativo maior (correspondendo a um estágio de um conjunto de
conteúdos cumulativos). As atividades, mais do que avaliatórias,
são desafios para que o aluno assimile o conteúdo específico e
avance em relação ao conjunto de conhecimentos sequenciais. A
gamificação representa a inserção do risco controlado no
aprendizado e é uma tendência contemporânea mundial propiciada
pelas redes de computadores.
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VYGOTSKY,
L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem,
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