Às vezes, Clara me pergunta se eu sonho.
- Claro que eu sonho - eu falo para ela. Todo mundo
sonha.
- Mas com o que você sonha? - ela irá perguntar.
- O mesmo que todos sonham - eu digo para ela - Eu
sonho para onde eu irei.
Ela sempre ri disso.
- Mas não vai a lugar nenhum. Você está apenas
vagando.
- Isso não é verdade. Não mais. Eu tenho um novo
destino. Minha viagem é a mesma que a sua. A mesma que qualquer um. Levei tantos
anos, tantas vidas... mas finalmente eu sei para onde vou...para onde eu sempre
fui indo. Meu lar. O longo caminho de volta
The day of the doctor, 50th anniversary special (2005, 01:14:35 -
01:15:18).
1. Introdução
Há uma insuficiência na formação nerd
brasileira. Ela se deve principalmente ao fato da série Doctor Who não ter sido transmitida por aqui[1].
A série de ficção científica britânica, produzida e transmitida pela BBC mostra
as aventuras do personagem o Doutor, um Lorde do Tempo, alienígena do planeta
Gallifrey, que explora o universo em sua máquina do tempo, uma nave espacial com
a aparência externa de uma cabine de polícia londrina antiga. Juntamente com os
seus companheiros, o Doutor navega incessantemente pelo tempo e pelo espaço,
enquanto ‘cura’ planetas, para salva civilizações, ajuda as pessoas e corrige
erros históricos.
Para o Guinness World Records é a
série de ficção científica televisiva de mais longa duração no mundo e a
"mais bem sucedida" série de ficção científica de todos os tempos –
com base em seus índices de transmissão global, DVDs, venda de livros, e o
tráfego no iTunes. Além de ser considerada a série de TV “mais assistida do
mundo”, Doctor Who tornou-se também
parte da cultura popular britânica, sendo exibida durante muitos anos nos
sábados a noite na Inglaterra, com audiência significativa.
A série original[2]
(1963-1989) teve 26 temporadas e vários desdobramentos pioneiros no campo
transmídia[3],
inclusive alguns filmes[4].
Além disso, os fãs da série, os Whovians, cruzam gerações em vários países. É o
primeiro caso de ‘cultura de fãs’ e teve uma influência importante na linguagem
da televisão, dialogando com outros universos do gênero (Túnel do tempo, O
planeta dos macacos, Star treak, entre outros[5]).
Aliás, as duas séries são intertextuais não só em relação a outras séries
televisivas, mas também em relação à literatura, história, cultura pop e até a
lendas urbanas (como a suposta origem alienígena da família real britânica). E
essa capacidade de ‘intertextualizar’ diferentes tipos de narrativa é o
conceito principal do universo narrativo do Doctor Who.
Em 1989, a BBC suspendeu Doctor Who, mesmo ainda com uma boa
audiência, pois queria se equiparar aos padrões da ficção científica televisiva
norte-americana.
Em 1996, a BBC, em com a FOX e a
Universal, lançou um filme, que apesar de sofisticado em efeitos especiais e
maquiagem, foi considerado americanizado demais. Finalmente, em 2005, a BBC do
País de Gales trouxe de volta a série, que está agora em sua 12ª temporada
(2007-2019)[6]. A
série atual não é ‘remake’ da antiga, mas sim sua continuação. O Doutor é um
extraterrestre viajante e excêntrico, com grande conhecimento sobre várias
matérias, que combatia as injustiças encontradas ao explorar o Universo na sua
nave espacial, a TARDIS - uma sigla para Time And Relative Dimensions In Space.
A TARDIS é maior por dentro do que por fora, e, devido a um defeito no circuito
camaleão (que normalmente permitiria que ela assumisse a forma de objetos
locais para disfarçar-se), a sua imagem externa se assemelha à de uma cabine de
polícia londrina.
Na série atual, o doutor permanece um
Lorde do Tempo renegado se transformando continuamente. Porém, além da
linguagem atual, a série ganha também um viés romântico com a participação de
personagens femininos marcantes e também uma reinterpretação dos antigos
antagonistas como inimigos.
2. (Mini) revisão bibliográfica
Há diversos trabalhos acadêmicos sobre
a série em inglês e pelo menos três compilações ‘nacionais’. Duas voltadas para
o estudo de fãs e uma análise do universo ficcional e de seus principais
personagens.
Literatura Whovian e Cultura de Fã: Uma análise sobre consumo de livros
por fãs da série Doctor Who (MAINARDI, 2016)[7]
é um TCC em Comunicação Social e estuda como o consumo dos livros dentro da
franquia Doctor Who, aprimora e complementa a experiência do fã. O lugar do fandom no processo produtivo das indústrias culturais no
contexto da cultura da convergência: os casos de ‘Doctor Who Brasil’ e
‘Universo Who’ (VIEIRA, 2015)[8]
é uma dissertação em Comunicação que pesquisa “o lugar que os fandoms ocupam
dentro do processo de produção coordenado pelas indústrias culturais no
contexto da cultura da convergência” das mídias.
Uma Análise do Universo
Ficcional de Doctor Who e de seus Arquétipos Centrais. (CONTARTESI,
2007)[9], uma
dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som da
Universidade Federal de São Carlos, é o trabalho mais antigo, mas também o que melhor
analisa e descreve os elementos simbólicos do universo ficcional da série como
fator determinante em seu sucesso de público e crítica; bem como de sua
expansão pioneira para outras mídias.
A coesão de um mundo transmídia tem forte
influência da relação que seus elementos narrativos tem com o consciente, mas
também com o inconsciente dos seus leitores, esse mundo precisa fazer sentido
para os símbolos e arquétipos adquiridos desses leitores, assim entender a
cultura e o momento no qual esses estão inseridos tem grande importância, o
desafio talvez seja compreender esses arquétipos de maneira mais ampla já que
os próprios autores também estão inseridos em seus próprios contextos, a
natureza simbólica dos arquétipos faz como que eles possam ser interpretados e
sentidos de inúmeras maneiras de acordo com a bagagem psíquica de cada
indivíduo. (...) mas a decisão dos produtores claramente é influenciada pela
recepção do seu público que é orientada fortemente pelo horizonte de
expectativas criado pela obra e seus arquétipos centrais, fazendo como que a
narrativa de certo modo seja construída de uma forma coletiva similar aos mitos
antigos. (...) As vastas narrativas e
narrativas transmídia tem se tornado cada vez mais amplas e complexas, portanto
uma consolidação e força dos seus arquétipos centrais desempenham um papel
importante no seu desenvolvimento, esses tipos de narrativas apresentam uma
série de obstáculos, como mudanças de geração e de linguagens, assim a
renovação desses universos para se adequar a outras realidades é muitas vezes
necessário. (CONTARTESI, 2007, pág. 95-97)
3. Método Narrativo
Segundo
a metodologia
para estudo de narrativas audiovisuais em série
(GOMES, 2017), há três etapas de procedimento: a descrição da narrativa, sua(s)
análise(s) e a interpretação – que deve levar em conta e compreender outras
interpretações.
A
descrição é feita através de categorias descritivas (Personagens, Enredo, Narrador,
Espaço Tempo e Ambientes). Três análises são sucessivas sugeridas: a
linguística, a discursiva e a narrativa. A análise linguística, no caso de
séries audiovisuais, é feita através das categorias descritivas fílmicas
(fotografia, edição, sonoplastia, roteiro, etc). As análises Discursiva e
Narrativa investigam o conteúdo (o conjunto da série audiovisual como um texto)
e suas relações com o contexto em que foi enunciado e com os diversos contextos
em que foi e é recebido.
A
interpretação, no entanto, está quase sempre associada a quatro elementos
universais: o protagonista, o antagonista (não apenas os inimigos e adversários
mas também toda sorte de dificuldades, a morte, tudo que causa desconforto), o
elemento feminino (não apenas as mulheres, mais a natureza, a sociedade, etc) e
o narrador. Esses quatro elementos psicológicos universais da narrativa
e se define sua mensagem simbólica, a chamada “moral da história”.
Não se trata aqui descrever e
analisar as séries do universo Who, mas sim de interpretar seus elementos principais
ao longo das 11 temporadas da série atual.
Tabela 1 – Elementos narrativos principais de Dr. Who
Actante
|
Personagem
|
Conteúdo
|
Protagonista
|
O Doutor
|
O herói
sem identidade
|
Antagonista
|
O Mestre
|
O Outro
|
Feminino
|
‘Impossible
Girls’
|
|
Narrador
Oculto
|
BBC
|
Carnavalização
a inglesa
|
Fonte: elaborado pelo próprio autor
4.
O Protagonista e o Outro
O personagem principal da série é o
Doutor, um viajante no tempo e no espaço que pode se regenerar antes de morrer
e mudar sua aparência física e sua personalidade, ainda que conservando sua
história e suas lembranças. Essa dinâmica permitiu que desde 1963 tenham
desfilado 13 doutores diferentes interpretados por 15 atores diferentes (sem
contar as substituições eventuais).
O Doutor
|
Interpretado por
|
Duração
|
1º Doutor
|
William Hartnell
|
1963 -
1966
|
Richard Hurndall
|
1983
|
|
David Bradley
|
2017
|
|
2º Doutor
|
Patrick Troughton
|
1966–1969;
1983; 1985
|
3º Doutor
|
Jon Pertwee
|
1970–1974;
1983
|
4º Doutor
|
Tom Baker
|
1974–1981
|
5ºDoutor
|
Peter Davison
|
1981–1984;
2007
|
6º. Doutor
|
Colin Baker
|
1984–1986
|
7º Doutor
|
Sylvester McCoy
|
1987–1989;
1996
|
8º Doutor
|
Paul McGann
|
1996; 2013
|
Dr da Guerra
|
John Hurt
|
2013
|
9º Doutor
|
Christopher Eccleston
|
2005
|
10º Doutor
|
David Tennant
|
2005–2010;
2013
|
11º Doutor
|
Matt Smith
|
2010–2013
|
12º Doutor
|
Peter Capaldi
|
2013–2016
|
13ª Doutora
|
Jodie Whittaker
|
2017–presente
|
Fonte: próprio autor
O Doutor não tem nome nem sobrenome. Ele
está a procura de sua própria identidade (Daí, a pergunta: Doutor Quem?). Para
ele, tudo é passageiro, o universo é impermanente. E ele navega pelo tempo se deixando levar pelo
presente. O Doutor não usa armas (apenas uma chave sônica para consertar máquinas,
abrir portas e subtrair memórias), não tem poderes (só a regeneração, a
telepatia com animais e alienígenas) e é contra matar seus inimigos, buscando
sempre chegar a soluções pacíficas e pedagógicas para os conflitos em que se
envolve. Pode-se associar o Doutor ao símbolo do eterno passageiro, o ‘moto-perpétuo’,
a consciência do universo sempre impermanente. O doutor está sempre em
trânsito, sempre voltando para o lugar do qual saiu. Ele mesmo é a favor do
aleatório e não planeja os destinos de sua jornada caótica. A intensidade com
que vive o imediato lembra a criança e o louco. Profundamente solitário, o que
realmente define o viajante do tempo é o Outro (suas acompanhantes e seus adversários).
Até hoje, mais de 35 atores e atrizes compartilharam a viagem com o Doutor. Com
o transcorrer da série, o Doutor ganha novos companheiros e perde os antigos;
às vezes voltam para seu lugar e têm a memória apagada. Desde o retorno da
série em 2005, o herói geralmente viaja com uma companhia feminina, que ocupa
um papel de narrativa maior.
Além de aparições esporádicas de
vários inimigos, três adversários tornaram-se particularmente emblemáticos na
série original e forma reinventados na série atual: Daleks, Cybermen (ambos
raças de robôs alienígenas, representando a mecanicidade desumana, a falta de
sentimentos, etc) e o Mestre – outro Senhor do Tempo renegado. O Mestre se torna
o arqui-inimigo do Doutor.
O viés cômico e meio psicodélico da
série, com seus roteiros criativos e saídas teatrais, contrasta com a ênfase
tecnológica da maioria das séries de ficção científica, que valorizam narrativas
de aventura mais tradicionais, com lutas, beijos e perseguições. Esse estilo
narrativo que lembra Lewis Carol e o humor crítico do grupo Monty Python, é o que distingue Doctor Who de outros seriados
televisivos de ficção científica. Por outro lado, o clima de humor ‘non-sense’,
vem como a forma “mágica” e teatral como a série trata a tecnologia, sugerem
que a narrativa não se encaixa bem no gênero de ficção científica, se
assemelhando mais a uma ‘ficção filosófica’. Mas, Doctor Who é ficção científica porque desmistifica temas
espirituais (como fantasmas e deuses) e porque compreende o comportamento
emocional humano dos personagens. Além disso, seu enredo de viajar no tempo é
inspirado nos conceitos da física quântica.
5. O doutor eterno e seus envolvimentos passageiros
Tabela 3: resumo das temporadas da série atual
ANO
|
DOUTOR
|
ENVOLVIMENTO ROMÂNTICO
|
2005
|
Christopher
Eccleston
|
Rose
Tyler (Billie Piper)
|
2006-2010
|
David
Tennant
|
Rose Tyler (Billie Piper)
Donna Noble
(Catherine Tate)
Martha Jones
(Freema Agyeman)
|
The end
of time
|
||
2011-2015
|
Matt
Smith
|
Amy Pond
(Karen Gillan)
River
Song (Alex Kingston)
Clara
Oswald (Jenna-Louise Coleman)
|
The day
of de doctor
|
||
2013-2016
|
Peter
Capaldi
|
Clara
Oswald (Jenna-Louise Coleman)
|
2017-
|
Jodie
Whittaker
|
|
Fonte: o próprio autor
Os acompanhantes originais do 1º
Doutor eram sua neta Susan Foreman (Carole Ann Ford) e os professores Barbara
Wright (Jacqueline Hill) e Ian Chesterton (William Russell). Sarah Jane Smith
(Elizabeth Sladen) foi uma acompanhante dos 3º e 4º doutores da série original
e que conseguiu protagonizar a própria série, além de participar de várias
narrativas secundárias do universo narrativo Who. Mas, ela nunca teve nenhum
envolvimento romântico com doutor. Ela foi uma aprendiz que se tornou uma
viajante do tempo. Já Daphne Ashbrook (Grace Holloway) e Rose Tyler (Billie
Piper) são personagens elaboradas para inserir o elemento romântico na narrativa. Não se trata
mais de um protagonismo juvenil, mas de mulheres parceiras de homens mais
velhos: Daphne no filme de 1996, contracenando com o 7º e o 8º doutores; e Rose
Tyler nas duas primeiras temporadas da série atual, se envolvendo com o 9º e
10º doutores.
A 1ª temporada da série atual, de
2005, corresponde à 27ª temporada da série como um todo e ao 9º Doctor
(Christopher Eccleston). Entre ele e a acompanhante Rose Tyler surge um
envolvimento platônico, o amor impossível entre um ser ancestral e uma adolescente
rebelde, deslumbrada pela possibilidade de viajar no tempo e no espaço. Tanto a
mãe de Rose (Camille Coduri) quanto o namorado Mickey Smith (Noel Clarke) tentam
convencer a jovem de que o doutor deseja apenas manipula-la, distanciando-a das
pessoas que realmente a amam em troca de vida de aventuras. Mas, no decorrer da
temporada, ambos são conquistados pelo doutor e participam de suas viagens.
Além de treze episódios anuais, cada
temporada apresenta ainda um especial de Natal, que “dá o tom” para temporada
seguinte. Assim, a segunda temporada começa no ano anterior, no dia 25 de
dezembro de 2005 com o especial de Natal The
Christmas Invasion. Esta é a estreia de David Tennant, a 10ª e mais popular
encarnação do Doutor. E a mais romântica
também. Ele continua viajando com Rose Tyler até o final da 2ª temporada.
Na 3ª temporada se envolve
com Donna Noble (Catherine
Tate) e com Martha Jones
(Freema Agyeman). Em 2008, 4ª temporada, última de 10º Doutor, Donna Noble volta
a acompanhar o Doutor em suas viagens. Antes porém, no episódio Voyage
of the Damned, a convidada especial é a cantora Kylie Minogue. Há ainda a longa e
complicada relação do Doutor (em suas diferentes versões) com a misteriosa personagem
River Song (Alex Kingston), única esperança possível de relacionamento
romântico para o viajante do tempo.
No episódio School Reunion (S02E3), Rose Tyler e Sarah Jane Smith se encontram
e o caráter solitário, carente e manipulador do doutor é desmascarado. As
personagens femininas descobrem que são usadas, depois abandonadas em algum
momento do tempo e finalmente trocadas por acompanhantes mais jovens. É o
destino trágico do doutor e de suas “impossibles girls”.
Lançado como um especial de Natal em
duas partes, The End of Time conta que o planeta natal dos Lordes do
Tempo, Gallifrey, se
aproxima da Terra provocando o apocalipse, a eternização do momento presente. Após
derrotar os Lordes e o mestre (que havia se fundido como toda humanidade),
impedindo o colapso temporal e o fim da humanidade, o doutor também morre. Mas,
se regenera novamente passando de 10ª
para 11ª encarnação[10].
No final da 7ª temporada, o episódio The Day of
the Doctor marca um momento importante tanto do ponto de vista histórico
como do ponto da narrativa. Ele marca o aniversário de 50 anos da série,
comemorada através de sua transmissão a nível global pela BBC para um público
recorde. E do ponto de vista narrativo, o episódio promove o encontro entre 10º
e 11º doutores (Matt Smith e David Tennant) e o War Doctor (John Hurt)[11]
para decidir sobre reboot do universo, o extermínio dos lordes do tempo e o fim
de linhas fixas no tempo. Em vários
momentos da série, o Doutor desobedece as regras da viagem do tempo. Mas, a partir
desse episódio, o universo Dr. Who se
torna mais probabilístico. Em sua viagem do tempo, o protagonista passar a quebrar
as regras de não interferência alterando as linhas de tempo deliberadamente.
O ano de 2014
marca a estreia de
Peter Capaldi como a nova encarnação do Doutor e o retorno de Clara Oswald (Jenna
Coleman) como acompanhante - e também
com Nardole (Matt Lucas) e Bill Potts (Pearl Mackie). Nessa nova temporada, o
doutor passa a ser interpretado por homem mais velho e Clara tenta viver uma
vida dupla, viajando com o Doutor e tentando manter um romance com Danny Pink
(Samuel Anderson). Há uma tentativa deliberada dos produtores de voltarem ao
modelo da série original, em que os protagonistas não tinham nenhum
envolvimento romântico, mas, sim uma relação paternal. Capaldi permanece no
papel de doutor por três temporadas (2013-2016). Ele se considera um capitão
casado com seu navio (a Tardis).
E, finalmente, em 2017 Jodie
Whittaker encarna como a 13ª doutora e tem como companheiros Graham (Bradley
Walsh), Yasmin (Mandip Gill) e Ryan (Tosin Cole). A doutora é uma síntese
criativa de Mary Jane Smith com os primeiros doutores, despidos de qualquer
interesse sexual.
Conclusão
Alguém disse não se sabe onde que a
verdadeira luta não é entre o bem e o mal, mas entre o conhecimento e a
ignorância. No entanto, a grande maioria das narrativas são morais e prescrevem
regras de comportamento. A ‘moral da história’ é a organização dos elementos
universais da narrativa, sua mensagem psicológica quase sempre pautada pelos
conceitos de Bem e Mal.
A ficção científica (e os quadrinhos
de super-heróis) tinham originalmente essa preocupação em se distinguir dos
contos de fada e das narrativas fantásticas da luta moral. O inimigo não é o
outro ou o mal objetivo, mas sim nossa incapacidade de compreende-lo e aceita-lo.
A adversidade existe para que possamos aprender com ela. Esse era o caso das
primeiras séries de ficção científica televisiva, como Doctor Who ou Star Treak. Essas séries aspiravam pela vitória do
conhecimento sobre a ignorância e não pela vitória do bem sobre o mal, como nas
narrativas dos contos de fadas.
Doctor Who foi
originalmente concebido para um público familiar, com um viés educacional. As
viagens no tempo eram um meio para explorar ideias científicas e visitar momentos
famosos da história. A produção da série original era realizada com poucos
recursos: a maquiagem, cenários e efeitos visuais eram precários, quase
amadorísticos. Mas a série fazia um enorme
sucesso graças, principalmente, aos roteiros criativos e à sua linguagem
surrealista.
Na série atual, no entanto, passaram
a predominar as aventuras de ficção científica onde os heróis encontravam
estranhas civilizações e criaturas extraterrestres. E as estórias se tornaram
cada mais centradas na luta entre o bem e o mal; e também mais românticas, como
a inserção do elemento feminino de modo sexualizado. Aos poucos, Doctor Who começa a buscar o caminho de
volta, o retorno aos ideias da série original de modo atualizado. Agora, por
exemplo, na 11ª temporada, o Doutor é uma mulher, os acompanhantes são
personagens complexos e os adversários não são moralmente demonizados. Há um
retorno à proposta original, atualizada culturalmente para a vida
contemporânea.
Talvez de todos os ensinamentos do Doctor Who que podemos extrair, o mais
importante seja o mais simples: de como uma história se repete sempre na mesma
armadura narrativa, seu esquema estrutural, de forma atualizada. A série, suas
temporadas e cada episódio apresenta sempre os mesmos elementos narrativos
dispostos sempre em um arranjo discursivo criativo. Mudam os produtores, os
roteiristas, os atores – mas os personagens e suas características permanecem
em constante transformação criativa.
Bibliografia
CONTARTESI, Felipe. Uma Análise do Universo Ficcional de Doctor Who e de seus Arquétipos
Centrais. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos como requisito para a
obtenção do título de Mestre em Imagem e Som. São Carlos, SP, 2017. <https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/9350>
EDUARD, A. Dimensions of Character in Doctor Who: A Study on Genre, Identity and
Mythology. Tese de Mestrado, Universidade de Salzburg, 2013.
GOMES, Marcelo Bolshaw. Universos sci-fi audiovisuais: estudos
narrativos transmídia II. Paraíba:
Marca de Fantasia, 2016. <https://www.academia.edu/29845416/universos_Sci-fi>
JOHNSON, L. Fan Self-Identity in the Doctor Who Universe. Trinity University,
Texas, Estados Unidos, 2012.
MAINARDI, Marina Smidt. Literatura Whovian e Cultura de Fã: Uma
análise sobre consumo de livros por fãs da série Doctor Who. Trabalho de
Conclusão de Curso em Comunicação Social, habilitação Produção Editorial –
UFSM. Vozes & Diálogo. Itajaí, v. 15, n.
02, jul./dez. 2016. <http://portalintercom.org.br/anais/nordeste2018/resumos/R62-0499-1.pdf>
PARKIN, L. A history:
Na Unauthorised History of the Doctor Who Universe, 2006.
PELUSI, A. J. Doctor
Who and the Creation of a Non-Gendered Hero Archetype. Universidade
estadual de Illinois, 2014
RUSSELL, G. Doctor
Who: The Inside Story, 2006.
TULLOCH, J.; MANUEL, A. Doctor
Who: The Unfoldding Text. [S.L.: s.n.]. 1984.
TULLOCH, J.; HENRY J. Science
Fiction Audiences: Watching Doctor Who and Star Trek. [S.L.: s.n.]. 1995.
VIEIRA, Eloy Santos. O
lugar do fandom no processo produtivo das indústrias culturais no contexto da
cultura da convergência: os casos de ‘Doctor Who Brasil’ e ‘Universo Who’. Trabalho
de Dissertação apresentado como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Comunicação PPGCOM/UFS, São Cristóvão: 2015. <https://ri.ufs.br/bitstream/riufs/4021/1/ELOY_SANTOS_VIEIRA.pdf>
[1]
No Brasil, antes de 2005, foram lançados apenas os seguintes produtos: a) o
filme spin-off estrelado por Peter Cushing Ano
2150: A Invasão da Terra em 1970; b) o filme Dr. Who e a Guerra dos Daleks (1981); c) o livro Doutor Who e a Mudança da História (editora
Global, 1975); d) o VHS legendado Os
Robôs da Morte, versão editada do arco The
Robots of Death, da 14ª temporada (1976) lançado pela Video Network em 1988;
e e) o VHS legendado do filme O Senhor do
Tempo, (1996) foi lançado pela Universal nos anos 90, exibido pela televisão
a partir do ano 2000. Fonte: Wikipédia.
[2]
Oito das 27 temporadas são acessíveis para download através do site: https://universowho.com/
[3]
Desde o começo da série, Doctor Who
gerou centenas de produtos relacionados à série, de brinquedos e jogos à
figuras colecionáveis e selos postais. Incluindo jogos de tabuleiros, jogos de
cartas, Livro- jogos, jogos de computador, RPGs e um jogo de pinball. Há vários
audiodramas (produzido pela Big Finish Productions, baseados na série
clássica), diversos livros (sete publicados em português, a maioria pela
editora Suma de Letras) e algumas séries derivadas (Spin-offs): Torchwood
(2006-2011); The Sarah Jane
Adventures (2007-2011), estrelado por Elisabeth Sladen no papel de Sarah
Jane Smith, antiga acompanhante do 3º e 4º Doctors; e a série Class (2016) de apenas oito episódios,
acompanhando um grupo alunos de Senhores do Tempo do sexto ano da escola Coal
Hill Academy..
[4]
Na década de 1960 existem dois filmes, tendo Peter Cushing como Dr. Who. Há
também três produções de longa-metragem: The Five Doctors (1983), Doctor Who
(1996) e o especial de 50 Anos, "The Day of The Doctor" (2013); e
ainda 14 especiais de Natal e especiais adicionais (de 50 a 90 minutos de
duração).
[5] Universos Sci-Fic –
Estudos narrativos transmídia II (GOMES, 2016) descreve as principais franquias
televisivas de ficção científica - Star Trek (1966-2005), Stargate (1994-2011),
Babylon 5 (1994-1999), Battlestar Galactica (1978-2010).
[6] Pode
ser baixada via torrente em: https://seriestorrent.tv/doctor-who/
[10] Na
5ª temporada, em 2010, surge o 11º Doctor (Matt Smith), talvez, o mais
divertido de debochado de todos da série e seus novos parceiros de viagem - Amy
Pond (Karen Gillan) e Rory Williams (Arthur Darvill). Também há o retorno de
River Song (Alex Kingston). Na 8ª temporada, Amy deixa a série no 5º episódio e
é substituída por Clara Oswald (Jenna-Louise Coleman).
[11]
Em vários momentos, tanto da antiga
como da nova série, há encontros entre as diferentes doutores. Em 1972, The Three Doctors; em 1983, The Five Doctors; em 2013, no especial
de 50º aniversário, The Day of The Doctor;
e no Especial de Natal de 2017.