sexta-feira, 13 de julho de 2018

Rubayat de Pessoa


Eu já conhecia a tradução de Alfredo Braga para os  de Omar Khayan.
Também já conhecia O vinho do Místico, a versão comentada por Paramahansa Yogananda.
Mas, só agora descobri os estudos de Fernando Pessoa
O fim do longo, inútil dia ensombra.
A mesma esperança que não deu se escombra,
Prolixa… A vida é um mendigo bêbado
Que estende a mão à sua própria sombra.

Dormimos o universo. A extensa massa  
Da confusão das cousas nos enlaça.
Sonhos; e a ébria confluência humana
Vazia ecoa-se de raça em raça.

Ao gozo segue a dor, e o gozo a esta.
Ora o vinho bebemos porque é festa,
Ora o vinho bebemos porque há dor.
Mas de um e de outro vinho nada resta.

Contém o fruto inteiro tantos gomos
Quantos são os que nele. Mudos pomos
A fé em mãos que nada têm com ela.
Viver é nos tornar o que já somos.

Vimos de nada e vamos para onde.
Perguntamos, e nada nos responde,
 A verdade e a mentira são irmãs:
O que é que o evidente nos esconde?

Bordei a conclusões a externa prova.
Minha memória emudeceu de nova.
Não fui rei, nem fui paria, nem estive entre,
Corcunda, o fado não me deu corcova.

Amei ou não amei? Não sei dizer.
Quis ou não quis? Recordo sem saber.
O que foi, e o que fora se se dera,
Na mesma cova estão. Mas que é morrer?

Os doze signos de seu régio curso
Passou o sol, no imposto seu percurso.  
Sem mágoa morre o que nasceu sem esperança,
E o resto é amor ou vinho, ou vão discurso.

Entre gente que é vil, e outra que é serva,
Passam meus dias, como um verme entre erva.
Humilde absurdo exótico dos deuses,
Arrasto-me, mas sinto o deus que observa.

A esperança, como um fósforo inda aceso,
Deitei, e entardeceu no chão ileso.
A falha social do meu destino
Reconheci, como um mendigo preso.

Cada dia me traz com que esperar
O que dia nenhum poderá dar.
Cada dia me cansa da esperança…
Mas viver é esperar e se cansar.

O prometido nunca será dado
Porque no prometer cumpriu-se o fado.
O que se espera, se a esperança é gosto,
Gostou-se no esperá-lo, e está acabado.

Quanta nobre vingança contra o fado
Me deu o verso que a dissesse, e o dado
Rolou da mesa abaixo, oculta a conta,
Nem o buscou o jogador cansado.

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