Golpe e contragolpe
Semana passada, o Ministro da Educação,
Mendonça Filho (DEM/PE), solicitou à Advocacia-Geral da União, ao Tribunal de
Contas da União e ao Ministério Público Federal a apuração de improbidade
administrativa, em relação a criação de uma disciplina facultativa do Instituto
de Ciência Política da Unb pelo professor titular, Luiz Felipe Miguel, chamada
“O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”.
O pedido gerou uma avalanche de
reportagens e protestos contra o retorno da censura, inclusive uma nota de repúdio da Compolítica - a
Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política, que reúne os
principais especialistas da área.
Porém, há quem diga que a disciplina
de Luís Felipe Miguel sobre o golpe de 2016 é apenas um golpe de marketing para
multiplicar a iniciativa crítica em diferentes universidades. Argumentam que não
há distanciamento histórico dos acontecimentos estudados e que bibliografia é
formada por textos jornalísticos e não teóricos de sociologia ou ciência
política.
Estudando o golpe
Mas, não é exatamente isso que se vê
na ementa da disciplina.
“O que é um golpe de Estado” de Álvaro Bianchi é um texto
teórico e encabeça toda uma discussão sobre mudanças arbitrárias de governo.
Miguel, em seu programa, revisa a bibliografia sobre a história brasileira do
golpe de 64 à nova república, discutindo a Constituição de 1988 e o sistema
político dela emergente: o presidencialismo de coalizão.
Nem tão novo assim, uma vez que as
elites brasileiros são parlamentaristas e o povo presidencialista desde os
tempos da monarquia parlamentar e do poder moderador. A verdade, no entanto, é
que, apesar do plesbicito de 1991 (previsto pela constituinte) sobre as formas
de governo, o presidencialismo nunca foi regulamentado e que o congresso brasileiro
foi dotado poderes constituintes permanentes, colocando o legislativo acima do
executivo e do judiciário. Tal situação institucional gerou uma
ingovernabilidade para todos os governos desde então: Collor foi deposto, FHC
governou como refém do congresso, Lula foi pego comprando votos no mensalão.
Miguel elenca ainda vários trabalhos acadêmicos
e políticos sobre o lulismo (Sader, Singer, entre outros), visto como um
“reformismo fraco” em relação às desigualdades sociais e em relação ao próprio
sistema político que o elegeu. O pesquisador questiona também a
“impermeabilidade do sistema político” diante das jornada de junho de 2013 (em
que milhões de pessoas foram às ruas pedindo mudanças) e as desastrosas
eleições do ano seguinte.
No final do segundo governo Lula,
éramos a oitava economia do mundo. Houve uma recessão mundial, que fez apenas
uma ‘marolinhas’ por aqui. O Brasil descobriu que tinha um mercado interno e
que podia crescer com autonomia em relação à economia internacional. A
distribuição de renda, via o bolsa-família, teve um efeito macroeconômico
inegável, com crescimento econômico e baixa inflação.
O que foi que Dilma fez em cinco anos
que deixou o país quebrado? Como foi que passamos de uma situação em que a
dívida pública podia ter sido quitada para a atual, em que a hiperinflação pode
voltar em virtude do descontrole das contas públicas? Por que o governo petista
gastou uma fortuna na construção de estádios e obras de mobilidade; em
detrimento de escolas, de hospitais e das polícias? Por que os principais
beneficiários das obras, aliados na reeleição de Dilma, foram os principais
defensores do impeachment? Vítima da traição de seus próprios aliados, Dilma e
o PT sucumbiram em virtude de um golpe branco.
Infelizmente, a proposta de
disciplina não aborda o aspecto econômico da história, se limitando aos
aspectos políticos e sociais.
A ementa da disciplina promete ainda
abordar a campanha pela deposição de Dilma (o novo ativismo de direita, os
papeis da mídia e do judiciário); o projeto do governo Temer (retirada de
direitos e a redução do Estado); e, principalmente, a relação da conjuntura
política brasileira com o cenário global. A
título de contextualização internacional, há ainda um texto da pesquisadora Nancy
Fraser (a herdeira
de Habermas) e uma entrevista do cientista político Juarez Guimarães, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ao site do Sul21.
No entanto, verdade seja dita, não há nada sobre os
escandalosos estádios de futebol e aeroportos construídos; sobre os empréstimos
do BNDES à Nicarágua, Angola e Venezuela; sobre os motivos que levaram a
Petrobrás a construir uma refinaria no México ou as investigações da operação
Lava jato em si.
Escola e Universidade
O certo é que a pasta com o conteúdo da disciplina foi colocado na internet, permitindo
a todos reproduzi-la e que a versão oficial (e da mídia) dos fatos, sejam eles
posverdadeiros ou não, será historicamente contestada por várias outras
interpretações críticas. O Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da
Unicamp acaba de criar uma disciplina idêntica à da Universidade de Brasília
(UnB). O Departamento de Filosofia da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) oferece,
esse semestre, um curso de extensão com o mesmo nome e conteúdo. Departamento de História da Universidade
Federal do Ceará (UFC) também ministrará a disciplina de forma colaborativa por
todo seu corpo docente. A USP também aderiu. E várias outras devem aderir à
proposta.
Estudar e problematizar o
contemporâneo deve ser uma obrigação das instituições universitárias. Agora,
então, que a escola de samba Tuiuti já fez o dever de casa, bem que as
universidades podem provar que aprenderam alguma coisa.