segunda-feira, 24 de agosto de 2020
PÓS APOCALIPSE
domingo, 9 de agosto de 2020
Batman, a resenha
LUZ SOBRE O CAVALEIRO DAS TREVAS
Marcelo Bolshaw GOMES[1]
A
importância de Batman
Batman existe desde 1939[2].
É o mais lido, o mais conhecido, o mais adaptado para outras linguagens,
inclusive para vídeos games. Não seria exagero dizer que ele é o maior Mito da
Mídia de construção coletiva a longo prazo, no sentido de que nenhum outro
personagem ficcional do gênero alcançou seus números. Porém, há algo mais
importante que sua essência e a origem de seu sucesso. Batman é uma
representação do inconsciente urbano contemporâneo. Ele representa a sombra
como herói e a domesticação do desejo de vingança pela justiça dentro da lei em
um mundo extremamente violento.
Tavares (2007) investiga o personagem através da
hermenêutica de profundidade, a metodologia tríplice desenvolvida por Thompson (1995)
para a análise de símbolos midiáticos, aliando três aportes específicos: a) o
Batman como ‘bem comum’, uma mediação entre contextos de produção e recepção,
detalhando o desenvolvimento do personagens nos quadrinhos durante várias
décadas; b) o Batman como ‘produto midiático’, a partir da série de TV de 66,
quando o personagem se torna um ícone da contracultura; e c) o Batman como
franquia transmídia, que multiplicou o personagens em várias versões com
públicos-alvo distintos.
Mediação com ‘e’, para frisar a adesão às ideias de Barbero
(1997), é um agenciamento que transforma conflitos em diálogos simbólicos. O
personagem ‘Batman’ é uma mediação entre um público leitor e a indústria
cultural, uma negociação entre o interesse das pessoas e da sociedade. Batman é
um ‘bem público’ cultural. E sua mediação exige um ‘pacto de leitura’ entre os
produtores e a audiência, que passa por várias fases e mudanças no decorrer das
oito décadas da vida do personagem.
Já ‘midiatização’ (com ‘i’) significa um regime em que
as relações entre diferentes agentes são mediadas (com ‘e’) pelos meios de
comunicação. Diz-se que algo foi ‘midiatizado’ quando sua existência virtual se
torna mais importante do que sua materialidade. Tavares estuda essa
virtualização do homem-morcego através do seu enquadramento no modelo da
Jornada do Herói (CAMPBELL, 1995).
Já o termo
‘transmidiatização’ evoca a ideia de múltiplos suportes e de descentralização
através de redes, de um produto simbólico plural e complexo, comercializado
como franquia. É a midiatização segmentada e interativa. E Tavares aplica os
princípios de transmidiatização (JENKINS, 2008) ao Batman.
O rapper Emicida disse, no twitter, que o superpoder
do Batman é o privilégio de branco[3].
Para seus fãs, o poder do Batman é a resiliência. Como herói, o Batman não é
símbolo da classe dominante, é símbolo de preparação, disciplina, discrição e,
principalmente, de superação dos próprios limites. Na verdade, as duas visões
fazem sentido. O Batman é branco, rico e bem formado. E os vigilantes e
justiceiros são uma negação das prerrogativas do estado no uso e controle da
violência.
Batman é uma representação do mal, representando tanto
a sombra psíquica quanto a domesticação do desejo de vingança pela justiça (mesmo
que fora da lei) em um mundo urbano e caótico extremamente cruel e violento.
Batman conta a estória de uma superação. Vítima de uma tragédia pessoal (o
assassinato de seus pais), Bruce Wayne canaliza sua raiva e sua dor, dando um
propósito a sua vida. O foco da anatomia subjetiva desses personagens sombrios
é o controle dos instintos, da violência e da vingança através da disciplina
obsessiva. A capacidade de autocontrole é semelhante a um superpoder. O
personagem também trabalha com a inversão do medo: não temer a nada para
torna-se temido por aqueles que vivem do crime. Porém, apesar de ter superado
sua fobia por morcego e o ter tornado um símbolo de terror para os criminosos,
Batman continua com um sério problema de confiança. Não confia em ninguém e é
justamente isso que o torna uma pessoa tão confiável, apesar de extremamente
solitário. O Batman tornou-se um mito midiático.
O trabalho de Dickson Tavares consegue mostrar o
personagem não apenas em sua profundidade psicológica essencial como em sua diversidade
de interpretações – um dos aspectos mais ricos do trabalho são as imagens, que
não apenas ilustram o texto, mas também compõem a narrativa da dissertação,
tornando-a uma ‘quase’ história em quadrinhos. Essa ‘narrativa visual’ acoplada
ao texto acadêmico se dá pelo fato de Dickson ser também desenhista, designer e
diagramador – além de ser fã, colecionador e apaixonado pelo cavaleiro das
trevas. Em alguns momentos, inclusive, Tavares usa o modelo da hermenêutica de
profundidade de Thompson com imagens. Tal procedimento é inovador, original e
singular, sendo um feito significativo criatividade teórica e editorial. Durante
a pesquisa, enquanto aprendia sobre teorias da comunicação comigo, Dickson
ensinou-me a pensar em quadrinhos. Ele foi o protagonista; eu, o coadjuvante.
Deixo aqui, então, meu agradecimento sincero pela
participação nesse processo, na partilha desse resultado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBERO, J. M. Dos meios às mediações. Comunicação,
cultura e hegemonia. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 1997
CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil
Faces. São Paulo, Editora Cultrix/Pensamento, 1995.
JENKINS, Henry, Cultura da
Convergência, trad. de Susana Alexandria, 1ª edição. São Paulo: Editora
Aleph, 2008.
TAVARES, Dickson de Oliveira. Batman: uma luz sobre o cavaleiro das
trevas - mediações, midiatizações, transmidiatizações. 2017. 224f. Orientado
pelo professor Marcelo Bolshaw Gomes. Dissertação (Mestrado em Estudos da
Mídia) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Natal, 2017. Disponível em: <https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/23599/1/DICKSON_TAVARES_Dissertacao_Mestrado_2017.pdf>
[Ultimo acesso em 09/08/2020.
THOMPSON, John B. Ideologia e
Cultura Moderna – teoria
social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995.
[1]
Professor-pesquisador do PPGEM e orientador da dissertação.
[2]
Batman surgiu pela primeira vez no número 27 da Detective Comics (National
Publications, maio de 1939). O personagem é uma criação de Frank Foster e
Bob Kane, desenvolvida significativamente pelo escritor Bill Finger.
[3]Twitter, 15:32, 12/082017 <https://twitter.com/emicida/status/896439162227871745>