MEDITANDO SOBRE A MÍDIA
Há várias formas de definir ‘Midiatização’
e de distingui-la do conceito de ‘Mediação’. Há inclusive um livro da compós (JACKS, 2012), dedicado as
diferentes versões dos dois conceitos, utilizado por infinidade de autores.
Como já disse em outras ocasiões, considero ‘Mediação’ uma negociação de um
conflito por uma terceira parte; e por ‘midiatização’ o processo histórico em
que os meios de comunicação audiovisuais passam a ‘mediar’ as outras
instituições e as relações sociais de modo geral. É a ‘centralidade da mídia’,
a distribuição massificada de informações e interpretações políticas e
econômicas seletivas, gerenciando indiretamente o Estado e o Mercado.
Porém, como o aparecimento da
internet e dos dispositivos móveis, surge uma segunda onda histórica de
midiatização, a micro virtualização das interações, do cotidiano - e não apenas
das relações sociais e das instituições. A mídia passa a atingir o corpo e a
vida pessoal dos indivíduos, grupos, comunidades e famílias.
Existem autores clássicos que só
discutem a primeira onda de midiatização (como Habermas e Thompson) e outros,
mais recentes (Veron, Fausto Neto), que estudam a midiatização das interações
como uma continuidade da midiatização primária. Existem também aqueles – como
Castells - que enfatizam as redes sociais como fator diferencial entre os dois
momentos.
Há vários modos de se definir a
centralidade da mídia na modernidade. Jürgen Habermas, por exemplo, acredita
que a imprensa livre levou a um alargamento da esfera pública burguesa,
democratizando-a. John Thompson imagina uma democracia mediada, em que os meios
de comunicação, centralizando informações econômicas e políticas, possam mediar
as relações entre o estado, o mercado e as pessoas. A mídia tornou-se mediadora
central das relações sociais.
Assim, é possível que hoje a
informação determine o preço dos produtos e até o valor acionário das empresas,
sem que isto se constitua em um rompimento com a lógica da mercadoria e com o
capitalismo. De uma forma ou de outra, a centralidade dos meios de comunicação
institui um regime social de hipervisibilidade (de algumas pessoas, entidades e
situações em detrimento de outras) e de simultaneidade de tempo-espaço
(incluindo o surgimento de uma audiência não-presencial permanente).
A mídia oferece uma imagem virtual da
sociedade para todos. Essa imagem, no entanto, é uma representação ideológica,
um ‘simulacro’, um reflexo deformador que omite e hierarquiza os acontecimentos
segundo seus próprios interesses. A própria noção de ‘mídia’ expressa o caráter
monolítico dos meios de comunicação de massa e de seu papel de uniformização da
identidade, de industrialização cultural.
Enquanto a primeira onda é massiva e
unilateral; a segunda é interativa e direcionada de formas diferentes a
públicos alvos distintos. E, principalmente, a midiatização das relações
sociais se localizava no âmbito das instituições; enquanto a midiatização das
interações sociais se dá no micro contexto do cotidiano e do indivíduo. Hoje,
com a implosão da cultura de massas, promovida pela segmentação e pela interatividade
da segunda onda, a centralidade da mídia se tornou ainda mais complexa, se
multiplicando e dividindo de diferentes modos e formas, pulverizando a
visibilidade em universos culturais variados e paralelamente simultâneos.
No entanto, ambas as ondas não se
justificam por si mesmas. A maioria dos autores que as descrevem, não as
associam a outras instancias, fazendo com que a mídia em si seja considerada a
causa e o veículo das mudanças sociais. A infância, o consumo, a escola, os
hábitos – tudo está mudando devido à midiatização; mas, não se explica, em
decorrência do que a midiatização surgiu na sociedade moderna, quais fatores
estruturais determinaram seu aparecimento.
Para Castells, tanto a TV como a
internet sugiram de necessidades estruturais da sociedade. A tecnologia não
aumenta a autonomia individual das pessoas, ela responde às necessidades de
autonomia individual da sociedade contemporâneas. Para ele, a organização em
redes substituiu o modelo industrial do ponto de vista econômico antes do
aparecimento da internet. Assim, a grande diferença é que os meios de
comunicação de massa seguem o modelo de organização industrial, que enfatiza a
uniformização das massas; e os novos dispositivos da internet se organizam em
redes – estruturas descentralizadas e horizontais, que adaptam o mesmo conteúdo
a cada grupo ou indivíduo. Ao invés, de padronização existe agora uma
customização dos produtos, principalmente da informação. É o capitalismo
informacional ou pós-industrial.
Para Castells, o efeito da mídia é
apenas um terço dos fatores estruturais de uma mudança social bem maior; a globalização.
Para ele, nessa mudança, além de uma nova percepção de tempo/espaço em que o
futuro e sua simulação passam a desempenhar um papel central através da mídia,
há também outros fatores estruturais, como as relações de produção organizadas
em rede e as novas relações de experiência. Em relação às relações de produção,
há uma troca o modelo talylorista de organização da fábrica pelo modelo de
organização em redes de unidades autônomas.
E em relação às novas relações de experiência
produzidas pela entrada da mulher no mercado de trabalho, há também uma
associação estrutural entre o feminino e a natureza. De forma que Castells
assimila e reverencia três abordagens: a economia política; o pensamento
pós-moderno, enraizado no aqui e agora e no cotidiano; e a midiatização (a hipervisibilidade
seletiva e a simultaneidade de tempo decorrentes da linguagem audiovisual
interativa) das teorias da Comunicação.
O que é importante ressaltar é que houve
uma desindustrialização da economia. Enquanto o capital se virtualizou, a mão-de-obra
ficou desagregada em seu desempenho, fragmentada em sua organização,
diversificada em sua existência e dividida em sua ação coletiva. Capital e
trabalho tendem cada vez mais a existir em diferentes espaços e tempos: o
espaço de fluxos e o espaço dos lugares, tempo instantâneo de redes
computadorizadas versus tempo cronológico da vida cotidiana. O capital é
global; o trabalho, local.
Também é relevante enfatizar que as duas ondas de
midiatização estão contextualizadas historicamente nessa passagem estrutural do capitalismo industrial para o capitalismo informacional.