TEORIA E HISTÓRIA DA IMAGEM
Uma breve revisão
Marcelo
Bolshaw Gomes[1]
Resumo:
o texto cartografa diferentes
abordagens sobre o fenômeno da imagem, seja do ponto de vista cognitivo,
semiótico, histórico e sociológico. Pesquisa de caráter bibliográfico através
do método comparativo, essa revisão panorâmica, no entanto, não aprofunda as
abordagens que enumera e conclui que ela apenas configura um mapa para estudos
futuros.
Palavras-chave: Estudos da mídia; Estudos da imagem; Revisão de
autores;
Abstract: This text maps different
scientific approaches to the phenomenon of image, from the cognitive, semiotic,
historical and sociological point of view. Bibliographical research through the
comparative method, this panoramic review, however, does not deepen the
approaches it enumerates and concludes that it only configures a map for future
studies.
Keywords: Media Studies; Image
studies; Authors review;
1. Introdução
O estudo da imagem é um dos temas
sobre os quais há uma grande quantidade de diferentes abordagens teóricas:
Semiótica, Gestalt, Design, Estudos flusserianos e outros. Há também diversas
tentativas de estabelecer uma Teoria da Imagem unificada. Aqui, a intenção
panorâmica e superficial, deixando aos interessados o aprofundamento e a
escolha de uma “ótica” específica. A imagem semiótica ou a do design (externa,
material, objetiva) não é a imagem cognitiva da Gestalt, nem a imaginação
simbólica (de Gaston Bachelard e Gilbert Durand).
E todas essas abordagens teóricas são
sincrônicas, isto é, tratam a imagem do ponto de vista imediato. Para
midiologia (DEBRAY, 1993), a história social da imagem não se desenvolve em
etapas lineares ou em períodos históricos, mas segue uma temporalidade radical,
combinando aceleração histórica e dilatação geográfica. Para ele, há três
midiasferas superpostas e simultâneas: a Logosfera
- se estende da invenção da escrita à da imprensa, é a “era do ídolo”, em que a
imagem representa um tempo imóvel, um mundo desconhecido; a Grafosfera – que vai da imprensa a TV à cores,
é a “era da arte”, momento em que as figuras começam a apresentar um certo
movimento; e a Videosfera, a era do
visual, época em que vivemos, na qual o tempo é circulação.
Há também várias tentativas de
síntese das abordagens históricas e semióticas e da elaboração de uma teoria
geral da imagem – como é o caso de Eduardo Neiva Junior (1994) e Justo Villafañe
(2000)[2].
A seguir, detalha-se algumas dessas
abordagens.
2.
A imagem como linguagem
Existem, pelo menos, três
formas de compreender a imagem como linguagem: a semiológica-simbólica, a
sintática e a semiótica.
A semiológica é formada por pensadores de origem
linguística e estruturalista – como Roland
Barthes (1984) e Júlia Kristeva - que
encaixam a noção de imagem ao universo dos signos codificados. Seu contraponto
crítico é composto pelos pensadores - como Ernest Cassier e Gilbert Durand (1988) – que consideram que a linguística estuda os signos, mas que as
imagens são simbólicas (no sentido freudiano e junguiano) e estão além das
convenções e códigos culturais.
A forma sintática de estudar a imagem também é
linguística, mas leva em conta a ideias da Gestalt e do Design. Dondis (1997) faz um léxico dos elementos morfológicos da imagem: ponto, linha,
forma, direção, tom, cor, textura, escala, dimensão e movimento. Trata também
das regras de composição desses elementos entre si através da sintaxe do
letramento visual: equilíbrio, tensão, nivelamento e aguçamento, vetor do
olhar, atração e agrupamento, positivo/negativo. A dinâmica de contraste (seja
de cor, de tom, de escala) é um das principais recursos de comunicação visual
descritos.
O léxico de elementos morfológicos da imagem é
semelhante a um dicionário; e a sintaxe visual, a uma gramática em que os
elementos diferentes se combinam formando unidades de sentido abrangentes.
Assim como sujeitos, verbos e objetos formam frases; as mensagens visuais são
formadas por três níveis interligados: o representacional, o abstrato e o simbólico
(1997, 85). E a proposta é justamente a de alfabetização visual – há inclusive
exercícios rápidos ao final de cada capítulo do livro.
Através da classificação das imagens em
representacionais, abstratas e simbólica, a sintaxe da linguagem visual aproxima-se
bastante da semiótica triádica (signo/primeiridade, objeto/secundidade e
interpretante/terceiridade) de Charles Sanders Peirce. O signo apresenta nove
categorias descritivas básicas, sendo três mais importantes relacionando o
signo a sua referência: o ícone, o índice e o símbolo.
Tabela 1 – Signos segundo semiótica peirciana
|
Signo em relação a si mesmo
|
Signo em relação ao objeto
|
Em relação ao interpretante
|
Primariadade
|
Quali-signo
|
Ícone
|
Rema-signo
|
Secundaridade
|
Sin-signo
|
Índice
|
Dici-signo
|
Terceiridade
|
Legi-signo
|
Símbolo
|
Argumento Signo
|
Ícone é um signo que é uma imagem.
Caracteriza-se por uma semelhança, por imitação e independe do objeto que lhe
deu origem, quer se trata de coisa real ou inexistente (a impressão digital na
carteira de identidade é um Ícone).
Índice
é um signo que é um indicador.
Relaciona-se efetivamente com o objeto, por contiguidade, por associação.
Aquilo que desperta a atenção num objeto, num fato, é seu índice. Permite, por
via de consequência, a contiguidade entre duas experiências ou duas porções de
uma mesma experiência (a impressão digital do ladrão deixado na cena do crime é
um Índice).
Símbolo é o signo que é uma abstração de um
concreto. Refere-se ao objeto que denota em virtude de uma lei, e, portanto, é
arbitrário e convencionado (a impressão digital, como emblema de campanha pela
alfabetização é um Símbolo).
Também existem várias análises semióticas de Imagem
baseadas nas ideias de Roman Jackobson (1971) e na Escola de Praga. Esse,
além de classificar os signos segundo a tríade emissor/referente/receptor, essa
corrente estabelece funções linguísticas em relação a esses elementos e
acrescenta mais três: o canal, o código e a mensagem[3].
3. A Imagem como mídia
Se ampliamos o fogo da linguagem para
comunicação, observando como a distribuição das mensagens se organizam no tempo
e no espaço social, então a imagem poderá ser investigada como ‘uma mídia’. E é
deste ponto de vista que Regis Debray[4]
(1993) distingue três instâncias
históricas.
A era da imagem-ídolo, antes e
durante o advento da escrita artesanal, em que as imagens eram signos indiciais.
E esse momento se reproduz na forma de uma ‘Logosfera’. Antes da escrita, a
imagem era essencialmente mítica e servia para invocar e eternizar objetos
através de seus duplos. O desejo mítico e ancestral de figurar ‘imortalizava’
situações. Com a escrita, a imagem continua sendo uma mediação com a realidade
invisível (deuses, anjos, demônios e fadas), mas há uma transição das imagens
mágicas arcaicas do inconsciente para o uso religioso institucional. O ídolo é
solene, heroico e eterno, uma presença sagrada, a própria divindade em pessoa e
não uma mera representação da crença.
A Era da arte, período que vai da
prensa de Gutemberg à TV a cores, em que as imagens tornam-se signos icônicos,
formando a ‘Grafosfera’. A perspectiva, o ponto de fuga, dá profundidade à
imagem e ela passa a ser uma mediação com a realidade visível. Há uma transição
do teleológico para o histórico, ou melhor, do divino para o humano como centro
de referência. Passa do sacral para o laico. A arte torna-se um objeto de
prazer estético e não mais um objeto de culto. O espectador agora é o possuidor
da obra, o quadro privatiza o olhar. O reino do colecionador é individualizado,
socialmente mais fechado, a imagem, não é, portanto destinado a todas as
criaturas, como ocorria na era do ídolo.
E, finalmente, a Era do visual, dos
signos simbólicos e da ‘Videosfera’. A imagem torna-se uma dupla mediação entre
as realidades visível e invisível. A ‘imagem de marca’ dos produtos. A imagem
pública das personalidades e das instituições. Transição da representação para
a simulação virtual; do histórico para o sócio técnico.
O ídolo nos remete ao passado mítico
e arcaico. O ícone é a duplicação do presente. E a simulação é uma imagem de
antecipação do futuro. A imagem não é mais eterna, presença imortal ou
duplicação do objeto; agora ela é o acontecimento, uma inovação que promove
espanto e distração.
Na Logosfera, a imagem era referenciada no
sobrenatural em um tempo cíclico; na Grafosfera passou a se referenciar na
natureza e na realidade histórica; e na Videosfera está sendo referenciada na
percepção através de máquinas, isto é, na simulação virtual. A imagem-ídolo
celebra o sagrado; a imagem-arte, o belo; e a imagem-visual, o novo. A imagem,
na Antiguidade e na Idade Média, representava um mundo invisível e sagrado; a
partir do Renascimento e da perspectiva do ponto de fuga, a imagem moderna
passou a representar o mundo visível com objetividade, se tornou uma figuração
da realidade sensorial; e agora vivemos um momento em que a imagem publicitária
instaura uma representação mista da realidade visível e do inconsciente.
Outros autores corroboram com as
ideias de Debray, as completando, mas também abrindo novas possibilidades.
Pierre Levy (1983) considera que a
escrita dissociou o contexto dos interlocutores presenciais (o modelo de
interação ‘um-um’), tornando a imagem cognitiva um ‘significante’ do signo
verbal. Tal fato cria uma “ditadura do emissor”, o predomínio de um único contexto
de enunciação sobre infinitos contextos de recepção (o modelo de interação
‘um-muitos’). A escrita nos tornou mais ‘racionais’ e a imagem se tornou
expressiva dos sentimentos. A imagem bidimensional só será produzida em escala
industrial muito depois.
Walter Benjamim (1985) mostrar como a
reprodutividade técnica das imagens mudou nossa sensibilidade. As religiões do
livro (judaísmo, cristianismo e islamismo) também condenam a representação do
divino, contribuindo para essa ditadura da palavra sobre a imaginação.
Marshall McLuhan (1972) foi o
primeiro a observar que prensa por Gutemberg permitiu a publicação da Bíblia
traduzida por Lutero e por outros protestantes para os idiomas falados,
provocando a alfabetização em massa e uma mudança para um comportamento
cultural moderno, anti-tradicional.
Para Kerckhove (1987), a imagem
bidimensional' entra' no observador distraído, a partir de estímulos ao
hemisfério direito cerebral. Com os sinais abstratos do texto, passa-se a
trabalhar (com esforço e concentração) o lado esquerdo do cérebro.
Desenvolve-se, então, o pensamento lógico, a perspectiva da história e da
objetividade. E, agora, em um terceiro momento, começa-se a trabalhar com os
dois hemisférios simultaneamente: o simbólico e o algoritmo. Daí a analogia
estrutural entre o discurso audiovisual interativo e a música.
Para Vilem Flusser[5]
(2008), o momento marcante da modernidade é a invenção da fotografia e o
aparecimento de imagens técnicas. Em outro trabalho, A filosofia da caixa preta (1985), Flusser imagina a sociedade como
um imenso dispositivo fotográfico, que produz uma imagem cultural invertida de
si própria. Flusser destaca a diferença histórica entre a imagem bidimensional
(uma mídia secundária em relação à fala) e a imagem técnica, feita de pixels de
luz, elemento chave da mídia terciária ou elétrica. Sua forma de pensar a
imagem “fez escola”, gerando vários pensadores importantes - como Norval
Baitello Junior (2010).
4. Os três
paradigmas da imagem
Winfried Nöth e Lúcia Santaella (1997) elaboraram um projeto semiótico que
levasse em conta o aspecto histórico e midiático desenvolvido por Debray e
Flusser, propondo a existência de três paradigmas no processo evolutivo
de produção da imagem: o paradigma pré-fotográfico, o fotográfico e o pós-fotográfico.
O paradigma pré-fotográfico
é o universo do perene, da duração, repouso e espessura do tempo. O paradigma fotográfico
é o mundo do instantâneo, lapso e interrupção no fluxo do tempo. O paradigma
pós-fotográfico representa o universo evanescente, em devir, universo do tempo
puro, manipulável, reversível, reiniciável em qualquer tempo.
Vejamos os
três paradigmas da imagem em gráficos comparativos:
MODOS DE PRODUÇÃO
|
||
PRÉ
|
FOTOGRÁFICA
|
PÓS
|
Expressão da visão via mão
|
Autonomia da visão via
próteses óticas
|
Derivação da visão via matriz
numérica
|
Processos artesanais de
criação da imagem
|
Processos automáticos de
captação da imagem
|
Processos matemáticos de
geração da imagem
|
Suporte matemático
|
Suporte químico ou
eletromagnético
|
Computador e vídeo - modelos,
programas
|
Instrumentos – extensões da
mão
|
Técnicas óticas de formação
da imagem
|
Números e pixels
|
Processo monádico
|
Processo diádico
|
Processo triádico
|
Fusão: sujeito, objeto e
fonte
|
Colisão ótica
|
Modelos e instruções, modelos
de visualização, pixels na tela
|
Imagem incompleta, inacabada
|
Imagem corte, fixada para
sempre
|
Virtualidade e simulação
|
MEIOS DE ARMAZENAMENTO
|
||
PRÉ
|
FOTOGRÁFICA
|
PÓS
|
Suporte único
|
Negativo e fitas magnéticas
|
Memória no computador
|
Perecível
|
Reprodutível
|
Disponível
|
PAPEL DO AGENTE
|
||
PRÉ
|
FOTOGRÁFICA
|
PÓS
|
Imaginação para a figuração
|
Percepção e prontidão
|
Cálculo e modelização
|
Gesto idílico
|
Rapto
|
Agir sobre o real, captura do
real
|
Olhar do sujeito
|
Olho da câmera e ponto de
vista do sujeito
|
Olhar de todos e de ninguém
|
Sujeito criador
|
Sujeito pulsional
|
Sujeito manipulador
|
Demiurgo
|
Movente
|
Ubíquo
|
NATUREZA DA IMAGEM
|
||
PRÉ
|
FOTOGRÁFICA
|
PÓS
|
Figurar o visível e o
invisível
|
Registrar o visível
|
Visualizar o modelizável
|
Figuração por imitação
|
Capturar por conexão
|
Simular por variação de
parâmetro
|
Imagem espelho
|
Imagem documento
|
Imagem matriz
|
Cópia de uma aparência
imaginarizada
|
Registro do confronto entre
sujeito e mundo
|
Substrato simbólico e
experimento
|
PAPEL DO RECEPTOR
|
||
PRÉ
|
FOTOGRÁFICA
|
PÓS
|
Contemplação
|
Observação
|
Interação
|
Nostalgia
|
Reconhecimento
|
Imersão
|
Aura
|
Identificação
|
Navegação
|
IMAGEM E MUNDO
|
|||
PRÉ
|
FOTOGRÁFICA
|
PÓS
|
|
Aparência e miragem
|
Duplo e emanação
|
Simulação
|
|
Metáfora
|
Metonímia
|
Metamorfose
|
|
Janela para o mundo
|
Biunívoca
|
Virtual
|
|
Ideal de simetria
|
Ideal de conexão
|
Ideal de autonomia
|
|
Modelo imaginário e icônico
|
Modelo físico
|
Modelo simbólico
|
|
Evocativa
|
Sombra
|
Ascética
|
|
Símbolo
|
Índice
|
Ícone
|
|
MEIOS DE TRANSMISSÃO
|
|||
PRÉ
|
FOTOGRÁFICA
|
PÓS
|
|
Único
|
Reprodutível
|
Disponível
|
|
Templos, museus, galerias
|
Jornais, revistas, outdoors,
telas
|
Redes: individuais e
planetárias
|
|
Transporte do receptor
|
Era da comunicação de massa
|
Era da comutação
|
|
SANTAELLA, Lucia & NÖTH, Winfried, 1997.
Além dos três paradigmas, a semiótica
contemporânea identifica três dimensões da imagem - a plasticidade, anterior a
visualização; a figuratividade do olhar; e, sua cristalização exterior, a
imagem pictórica - e três ‘tipos ideais’ de imagem: a imagem semiótica, a
imaginação cognitiva e a imagem pública (ou imagem de marca).
5. Imagem Pública
Desde o Império
Romano se sabe que à mulher de César não basta ser honesta, ela deve parecer
honesta também[6],
pois a IP dos governantes e de seus familiares diretos tem um papel fundamental
na vida política. Maquiavel, no famoso capítulo de O Príncipe (2004), sobre se mais vale ser amado do
que temido ou se é melhor ser temido do que amado, estabelece que a Imagem
Pública é um instrumento de legitimação do poder, a ser combinada com a força.
Porém, será com Luiz
XIV, o rei-sol - e também com o estudo de Burke, A fabricação do rei (1994) - é que a
imagem do soberano passa a fascinar aos súditos, na medida inversa em que a opinião
pública (imagem que o rei faz dos cidadãos) vai orientar o bom governo (BOBBIO, 2000, 399-410).
Hoje, se tornou lugar
comum entender que a disputa política se converteu, em grande parte, em uma
competição por visibilidade na mídia, pela imposição da Imagem Pública dos
atores políticos e de seus interesses. Os eleitores não votariam mais em
programas, ideias ou propostas; votariam nas Imagens Públicas formadas
qualidades pessoais e simbólicas dos candidatos. E até mesmo os eleitores mais
sofisticados e menos vulneráveis ao personalismo da linguagem da mídia votam de
acordo com a Imagem Pública partidária ou do grupo político e dos interesses
que representa[7].
Tanto atletas como
artistas ganham visibilidade e se tornam Imagens Públicas em processos
complexos devido às qualidades nas atividades que desempenham, mesmo que
apoiados pela mídia. O caso dos políticos é mais artificial e interessante,
pois até mesmo a capacidade de argumentação retórica nos remete antes a um
julgamento político de opinião pública do que nas Imagens Públicas
legitimamente construídas por desempenho. Por isso, consideramos o espaço
eleitoral como um momento privilegiado para o estudo da fabricação e destruição
das Imagens Públicas.
Mas, para se
constituir enquanto tal, a Imagem Pública precisa combinar as imagens materiais
veiculadas pela mídia às imagens psíquicas elaboradas pelo público em geral.
Weber (entre outros) define a noção de Imagem Pública como uma sobreposição das
noções de imagem semiótica e cognitiva, ampliando a proposição de que a imagem
publicitária combina o visível com a imaginação invisível:
A Imagem Pública é
resultante da imagem conceitual, emitida por sujeitos políticos em disputa de
poder e recuperada na síntese de imagens abstratas (o intangível, a
imaginação), com as imagens concretas (o tangível, os sentidos) (WEBER In:
RUBIM, 2004; 262).
A Imagem Pública, então, é uma estratégia que
implica em três elementos distintos: o conceito-imagem, a imaginação e o
visível. E cada um desses elementos corresponde a um nível de participação
discursiva na elaboração da Imagem Pública (o ator, o diretor e o público) e
pode também ser vista de modo dinâmico e integrado, como uma função estrutural
presente em todos os momentos e em cada parte.
·
Produção da Imagem
(pelo candidato, pela mídia e pelo público). A construção de uma Imagem Pública
passa por três agentes diferentes. Em primeiro lugar, está a personalidade e o
desempenho individual do principal ator político, o candidato, seus discursos,
fatos e configurações expressivas. Essa imagem primária para ter visibilidade
social vai então ser trabalhada pela mídia, entendida aqui não apenas como os
meios de comunicação social, mas também como o marketing político necessário à
construção de uma Imagem Pública. E, por último, a Imagem Pública é produzida
pela recepção individual do público, em diferentes redes de intérpretes
recíprocos. A recepção é individual, mas não é isolada.
- Ajuste da Imagem (perfis ideais e expectativas). A segunda função
política da Imagem Pública é ajustar personalidades reais a perfis ideais
e expectativas do público: “À diferença da função image-making, não
se trata de criar uma imagem para um ator real, mas de criar um ator real
para uma imagem” (GOMES, 2004, 80). A ajustar sua imagem ao perfil e às
expectativas demandadas (‘perfil ideal’ e ‘expectativa’ também são
cuidadosamente definidos) por um determinado público não significa sua
dessubstancialização política. Por exemplo: se um candidato defende a
reforma agrária, mas as pesquisa detectam que o eleitor rural está apenas
interessado em receber cestas básicas, ‘ajustar a imagem’ não significa
sair do discurso ideológico para o fisiológico, mas sim apresentar o
político que ‘além de dar o peixe, também ensina a pescar’.
·
Administração da
Imagem. Haveria ainda uma função de gerenciamento e controle da Imagem Pública,
ou pelo menos uma tentativa de diminuir o ruído da imagem produzida pelos
emissores primários. Para Gomes, a administração da Imagem Pública implica na
manutenção e o crescimento permanente da visibilidade social, no planejamento
antecipado das ações futuras e, principalmente, na superação de três conjuntos
de obstáculos: as críticas dos adversários, as interpretações desfavoráveis da
mídia e os e valores morais dos eleitores. Administra-se uma imagem
transformando fatos em mensagens, ou melhor, tornando acontecimentos em fatos
políticos relevantes ao candidato e suas causas; e, por outro lado,
descartando, neutralizando e/ou respondendo todo tipo de informações que seja
desfavorável às expectativas e ao perfil desejado pelo público.
‘Imagem
Pública’ é o conceito utilizado para definir uma representação social comum aos
seus agentes e à sua audiência. Diferencia-se tanto da ‘imagem semiótica’ (uma
foto, por exemplo) quanto da ‘imagem cognitiva’ (a imaginação simbólica),
embora guarde uma proximidade estreita com ambas. Ela tem um lado conceitual,
proposto pelos agentes; um lado simbólico gestado em sua recepção; e ainda um
lado midiático, produtor técnico de visibilidade. É produto da interação entre
Ator, Diretor e Público – funções cujo desempenho deve ser considerado
diferenciadamente.
No livro O escândalo político: poder e visibilidade
na era da mídia (2002), Thompson advoga a tese de que as Imagens Públicas
transitam sempre entre o público e o privado. Apesar de classificar os tipos de
escândalos pela transgressão-gatilho (de abuso de poder, sexuais, financeiros),
Thompson chama a atenção para o fato de que o que realmente alimenta em longo
prazo o escândalo midiático não é a gravidade da transgressão principal que o
gerou, mas sim “transgressões de segunda ordem”: mentiras, desmentidos,
ocultamentos. O que fomenta os escândalos durante mais tempo é a tentativa dos
agentes de manter invisível algo que se tornou público.
O escândalo é esse
‘desmascaramento’ dos agentes e de sua confiabilidade. Enquanto se diz algo
publicamente; dos fundos de sua vida privada emergem fatos, pessoas, situações,
que contradizem o que está sendo dito. O escândalo é uma contradição entre o
que é dito e o que é visto. A verdade aparece nas costas dos agentes,
desmentindo-os por de trás, no fundo que os enquadra.
6. Conclusão
Atualmente, as
imagens públicas de massa estão implodindo em micro imagens pessoais de rede
com a segmentação do consumo (e do comportamento grupal) e com a interatividade
relativa digital[8].
Com a segmentação, há
uma pulverização dos fluxos sociais e o surgimento de ‘micro imagens públicas’:
celebridades setoriais, tribais, transnacionais e até celebridades locais
virtuais. Há uma democratização relativa da visibilidade.
E com a
interatividade, a intimidade à distância deixa de ser ‘não-recíproca’, aumenta
a participação da audiência na construção da Imagem Pública. A visibilidade
torna-se uma relação pessoal de micro poder. A popularidade, o carisma e o
personalismo sempre existiram; porém no regime de hipervisibilidade promovido
pelas mídias esses elementos assumem um caráter decisivo na vida social.
A noção de Imagem Pública
sintetiza várias categorias (reputação, prestigio, honra, status) que antes
existiam de forma fragmentada em diferentes graus, variando segundo a cultura
de cada sociedade. E com as redes digitais, essas imagens técnicas pessoais se
miniaturizaram e se multiplicaram em escala infinitesimal. Em tempos de
hipervisibilidade das redes, todos têm uma Imagem Pública, quer queiram ou não,
para zelar como patrimônio pessoal.
7. Referências bibliográficas
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ed. Campinas, SP: Papirus, 1995.
BARTHES, Roland. A Câmara Clara
– notas sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
BAITELLO JR, Norval. A serpente,
a maça e o holograma. Esboços para uma Teoria da Mídia. São Paulo: Editora
Paulus, 2010.
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BENJAMIM, Walter. v. I, A obra de arte na época de sua
reprodutividade técnica. Obras Escolhidas (trad. S.P. Rouanet). São Paulo:
Brasiliense, 1985.
BOBBIO, Norberto. O futuro da Democracia. São Paulo: Paz e
Terra, 2000a.
________________ Teoria Geral da Política. Brasília: Editora da
UnB, 2000b.
DEBRAY, Régis. Vida e Morte da imagem: uma história do olhar no
Ocidente. Tradução de Guilherme Teixeira – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993.
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1988.
FLUSSER, Vilem. Filosofia da Caixa Preta. Ensaios para uma
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_____ O universo das imagens técnicas. Elogio da
superficialidade. São Paulo: Annablume,2008.
GOMES, Wilson. Transformação da Política na era da comunicação de
massa. SP: Paulus, 2004.
KERCKHOVE, Derick. A pele da Cultura. Lisboa: Relógio d'água
Editores, 1997.
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas:
Papirus, 2009.
LEVY, Pierre. Tecnologias da Inteligência – o futuro do
pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.
MAQUIAVEL,
Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Martin Claret, 2004.
MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg: a formação do homem
tipográfico. São Paulo: Editora da USP, 1972.
NEIVA JUNIOR, Eduardo. A Imagem. coleção principios. Rio de
Janeiro: Editora ática, 1994.
PINKER, S. Como a Mente Funciona; São Paulo: Companhia
das Letras, 1998.
SANTAELLA,
Lucia & NÖTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica e mídia. São Paulo: Iluminuras, 1997.
THOMPSON, John B. Ideologia
e Cultura Moderna – teoria social crítica na era dos meios de comunicação de
massa. Petrópolis: Vozes, 1995.
_____ A mídia
e a modernidade – uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 1998.
_____
O Escândalo Político – poder e visibilidade na era da mídia. Petrópolis: Vozes,
2002.
VILLAFAÑE,
Justo. Introducción a la teoria de la imagen. Madri: Pirámide, 2000.
WEBER,
Maria Helena. Pedagogias da despolitização e da desqualificação da
política brasileira – as telenovelas da Globo nas eleições presidenciais de
1989. Revista Comunicação e Política, Ano 9, número 11, p. 67. Rio de
Janeiro: CEBELA, abril-juno de 1990.
[1] Professor
de Comunicação da UFRN.
[2]
Uma alternativa em português é a tese de doutorado Teoria
Geral da Imagem e a reprodução de sentidos: modelo aplicado à recepção,
defendida por TAMMIE CARUSE FARIA SANDRI, sob a orientação do Prof. Dr. Antonio Carlos Hohlfeldt, no
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), 2016.
[3]
O emissor corresponde à função emotiva ou expressiva; o receptor, à função
conativa ou apelativa; e o referente, à função denotativa. Já o canal,
corresponde à função fática; o código, à função metalinguística; e a mensagem,
à função poética. Meus alunos fizeram um ensaio fotográfico sobre as Função da
Linguagem: http://oencantadordeserpentes.blogspot.com/2019/06/ensaio-das-funcoes.html
[4]
Filósofo, jornalista, escritor e professor francês. Doutorou-se na Escola Normal
Superior de Paris. Foi seguidor do marxista Louis Althusser. Pertenceu ao
Partido Socialista Francês e foi ministro do presidente François Mitterrand.
Atualmente, Debray é mais conhecido como o criador da midiologia –o estudo
crítico dos signos e de sua difusão na sociedade. Ele leciona Filosofia da
Universidade de Lyon.
[5]
Vilém Flusser (1920-1991) é um pensador tcheco naturalizado brasileiro que teve
seus pais mortos em campos de concentração nazistas e conseguiu fugir, vivendo
no Brasil de 1940 a 1972. País em que tornou-se um filósofo singular,
'excêntrico', sendo marginalizado no mundo acadêmico. Seus textos não tinham
notas, citações ou referências bibliográficas; seu estilo era simples e
poético; seus temas incomuns: o diabo em sua luta contra a eternidade, o
significado da natureza para ciência, a fotografia como novo paradigma
cultural, a dúvida como uma singularidade humana. Flusser, então, voltou à
Europa, onde conquistou a consagração internacional como um “filósofo da mídia”
a partir da ótica do “canibalismo brasileiro”. Morreu em Praga, dia 21 de
dezembro de 1991, em um acidente automobilístico.
[6] Quando
Júlio César estava no Egito com Cleópatra, o senado romano exigia a presença de
sua esposa legítima nas festas e cerimônias, desacompanhada, como prova de
fidelidade ao marido ausente. Tal fato deu origem ao dito: ‘à mulher de César
não basta ser honesta, mas deve também parecer honesta’.
[7]
Para Thompson, a mídia promoveu uma
des-ideologização da política e os programas partidários se tornaram muito
semelhantes (organizados a partir de pesquisas de opinião sobre as preferências
do eleitor). O critério principal do voto passa então a ser ‘quem’ e não ‘o
que’ – uma vez que todos dizem praticamente a mesma coisa. Houve uma
personalização da política; a confiabilidade e a honestidade se tornaram
pré-requisitos decisivos nas escolhas eleitorais.
[8]
A Imagem Pública de Lula merece um estudo
aparte no que diz respeito à habilidade do agente, tanto em reverter propaganda
negativa dos inimigos eleitorais, quanto a se manter ‘blindada’ em função dos
escândalos, como o do ‘mensalão’, durante seus dois mandatos. Talvez porque a
Imagem Pública da Lula, vista como uma mediação de intimidade não recíproca à
distância, seja um pouco mais íntima e um pouco menos não recíproca do que a
maioria, dialogando publicamente com seus aspectos negativos, falando com
diferentes públicos segundo seus modos particulares.